A CORPOREIDADE E O PROCESSO DE FORMAÇÃO INTEGRAL DO INDÍVÍDUO: UMA ANÁLISE DOS
CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DE PEDAGOGIA
THE EMBODIMENT AND THE PROCESS OF INTEGRAL FORMATION OF
THE INDIVIDUAL: AN ANALYSIS OF PEDAGOGY AND GYM COURSES
Lucia Helena Pena Pereira*
William Vagner da Silva**
Resumo
Este artigo analisa o significado da corporeidade na formação de alunos dos Cursos de Educação Física e de
Pedagogia de uma Instituição de Ensino Superior no Estado de Minas Gerais. Os objetivos principais da pesquisa
foram analisar a corporeidade, considerada como aspecto relevante para a formação dos alunos desses cursos;
investigar se esses futuros profissionais vivenciam situações acadêmicas que valorizam a corporeidade; e averiguar a
repercussão dessas vivências em seu processo formativo. A corporeidade é aqui considerada como conceito que
expressa a totalidade do ser humano, considerando-se a integração corpo, cognição e afetividade. Pôde-se constatar
que, apesar de valorizado por teóricos de áreas diferenciadas, o corpo ainda é visto como um elemento acessório no
processo pedagógico e deve ser ressignificado no contexto das práticas pedagógicas. Investir no desenvolvimento da
corporeidade é um aspecto importante a ser considerado pelos cursos de formação de professores para que
possamos ultrapassar os limites de uma educação que privilegia a transmissão de conteúdos, negligenciando a
formação plena do educando.
Palavras-chave: Formação Integral, Educação, Corporeidade.
Abstract
This paper analyzes the meaning of embodiment in the formation of Physical Education and Pedagogy students of a
University in the state of Minas Gerais. The main research aims were to analyze the embodiment considered as a
relevant aspect to the formation of such students; to check if these prospective professionals live academic situations
which value the embodiment; and check the repercussion of these actions in their formation process. The
embodiment is considered here as a concept which expresses the totality of the human being, taking into
consideration the integration among body, cognition and affection. We can observe that, even being valued by
theoretical authors from different areas, the body is still seen as an accessory element in the pedagogical process,
and it must be resignificated in the context of pedagogical practices. To invest in the development of embodiment is
an important aspect to be considered by teacher formation courses in order to go beyond the limits of an education
which focuses on content transmition, neglecting the whole formation of the learner.
Key words: Integral Formation, Education, Embodiment.
1 Introdução
Este trabalho é fruto de uma das vertentes de pesquisa, que teve início em curso de doutoramento e
aborda a linguagem corporal e a expressão criativa na formação de educadores. Seus autores se
aproximaram pela preocupação em comum com a questão da corporeidade no processo de formação de
futuros professores dos Cursos de Educação Física e Pedagogia. Algumas dificuldades são comuns aos dois
cursos, como preconceitos e distorções quanto à visão de corpo, em especial no que se refere ao processo
pedagógico, o que tem trazido entraves e desafios aos professores em formação e àqueles que já se
encontram na prática. Uma das razões mais sérias é o fato de que muitos acadêmicos da Educação Física,
como os da Pedagogia, serão futuros educadores que estarão em contato direto com a formação de
crianças a quem são impostas posturas rígidas ou adestradoras em uma fase em que a leitura e o
conhecimento do mundo se dão, principalmente, por meio do corpo e da sensibilidade.
Como enfatiza Vaz (2002), a formação distinta das graduações de Pedagogia e Educação Física gera pontos
de tensão nos ambientes educacionais onde pedagogos e profissionais da Educação Física atuam juntos, uma
vez que há expectativas diferenciadas que acabam por gerar mal-entendidos e crenças cristalizadas. “O não
enfrentamento desses mal-entendidos e a não reflexão sobre essas crenças impedem que muitos impasses
importantes para uma educação crítica sejam considerados, discutidos, superados” (p. 138). Julgamos que
essa questão não pode ser desconsiderada e investimos esforços nessa direção.
O ser humano constitui-se pela integração de pensamentos, sentimentos e ações, interagindo de maneira
dinâmica com seu meio sociocultural. A nova visão de corpo na educação, a corporeidade, diferentemente
da corporalidade1, acrescenta novos significados às ações corpóreas em sala de aula antes vistas como
meramente mecânicas e previsíveis, mas que são repletas de significados, uma vez que, superando a
dicotomia corpo e mente, expressa a totalidade do ser humano.
A corporeidade pode ser entendida como um conceito que “(...) integra tudo que somos: corpo, mente,
espírito, emoções, movimento, relações com o nosso próprio ‘eu’, com outras pessoas e com o mundo a
nossa volta” (Fiorentin et al., 2004, p. 336). O conceito de corporeidade envolve a idéia de que o corpo não
é constituído apenas por um conjunto de genes, células, órgãos e sistemas, mas que também fazem parte
dele o contexto social, cultural, político, histórico, em que o ser humano está inserido.
A corporeidade expressa a totalidade do ser humano como ser vivo, parte da criação e da natureza, em que
corpo, razão, emoções, sensações e sentimentos encontram-se interligados. Esse conceito apresenta o
sujeito como unidade complexa, como define Assmann (1998):
A corporeidade pretende expressar um conceito pós-dualista do organismo vivo.
Tenta superar as polarizações semânticas contrapostas (corpo/alma; matéria/espírito;
cérebro/mente (...) constitui a instância básica de critérios para qualquer discurso
pertinente sobre o sujeito e a consciência histórica (p. 150).
Polak (1996, p. 37) define a corporeidade como sendo “mais que a materialidade do corpo, que o somatório
de suas partes”. Para a autora, o corpo não é “algo pronto e acabado”, mas um “processo contínuo de
redefinições”, e entendê-lo a partir de sua corporeidade significa, acima de tudo, enxergar esse corpo em
sua
dimensão
realmente
humana.
Em nosso estudo, entendemos a corporeidade como sendo uma atitude de valorização e desenvolvimento
humano que considera a totalidade do ser: corpo, razão e emoção. Nossa própria experiência e o
depoimento de professores nos mostram que, na Educação Infantil, há a presença mais acentuada de
atividades motoras lúdicas, o que deixa de ser considerado a partir do processo formal de alfabetização,
quando a valorização dos processos mentais deixa de lado atividades primordiais para o desenvolvimento
infantil. A presença de atividades que considerem a corporeidade e a ludicidade nas salas de aula vai
diminuindo gradativamente a partir da segunda etapa do Ensino Fundamental, praticamente deixando de
existir a partir de então (Pereira, 2005). Instala-se, assim, uma visão dicotômica dos conteúdos de ensino e
do próprio ser humano e a conseqüente fragmentação do processo escolar.
Moreira (1995) mostra bem essa fragmentação quando afirma que, na escola, “ecoa um sinal e somos
cognição em matemática; ecoa outro sinal e somos cognição em ciências; ainda outro sinal faz-se ouvir e
somos motricidade em aulas de Educação Física; outro sinal mais e somos criatividade em educação
artística” (p. 21). Esse fato se deve, em grande parte, ao desconhecimento da importância de unir
pensamentos, sentimentos e movimentos para o desenvolvimento do indivíduo e à ausência de
conhecimentos sobre corporeidade no processo de formação desses educadores.
Fica-nos, então, uma pergunta: como um professor, formado sob a visão iluminista-conceitual, poderá considerar a
corporeidade na sua prática profissional? Esse professor continuará repetindo o modelo conhecido, o modelo
no qual se formou. As experiências por que passa o levam a construir padrões de ação. Acreditamos na
possibilidade de uma formação que respeite a multidimensionalidade do ser e a busca de novas soluções.
Perrenoud (2002) deixa claro que os saberes racionais já não são suficientes para a compreensão das
situações de trabalho devido à tamanha complexidade e diversidade que assumem tais práticas no mundo
contemporâneo. O autor ressalta que é preciso refletir sobre novas formas de exercício da profissão.
Benetti (2002) complementa dizendo que “repensar a educação passa por superar as concepções
dicotômicas de ser humano, que dão privilégio ao pensamento/mente e (...) resgatar o humano em sua
complexidade/totalidade” (p. 126).
É importante que se trabalhe a corporeidade na formação do Pedagogo, que com a nova legislação assume
o ensino da Educação Infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental, e do Professor de Educação Física,
pois têm sido diversas as dificuldades enfrentadas por estes profissionais da Educação em sua prática, como
de aprendizagem, ritmo, lateralidade, coordenação motora, desvio de atenção, dificuldade de concentração e
outras que podem ser decorrentes da ausência de atividades corporais orientadas. As dificuldades do
cotidiano, que deixam suas marcas nos corpos, revelando-se em gestos, posturas e movimentos, refletindose sobre a forma de ser, de atuar no dia-a-dia e de se comunicar, interferem no processo intelectual e
emocional do indivíduo (Pereira, 2005). Dessa forma, é significativo que consideremos a corporeidade na
formação dos futuros educadores e busquemos investir em pesquisas nessa direção.
O desenvolvimento da corporeidade pode contribuir para minimizar dificuldades no processo educativo e
criar vínculos entre o educador e seus educandos, aspectos significativos do processo de aprendizagem que
não podem ser desconsiderados na formação dos alunos dos Cursos de Pedagogia e de Educação Física.
Como educadores, se defendemos uma educação que permita que os sujeitos se tornem mais humanos por
meio da compreensão da sua corporeidade, não podemos ignorar nosso dever de questionar os valores
vigentes. Não apenas no sentido de negá-los, mas de permitir que sejam formados sujeitos críticos, capazes
de questionar, compreender e transformar a realidade. Essa transformação passa pela compreensão dos
sentidos atribuídos ao corpo, pela vivência plena da corporeidade.
2 O Corpo como Construção Sociocultural e Histórica
A busca constante da compreensão de sua própria existência proporcionou à humanidade construir
diferentes concepções sobre o corpo ao longo de sua história. O desafio de desvendar e compreender os
significados atribuídos ao corpo em cada momento da civilização envolve estudiosos e pensadores de
diferentes áreas, que, através dos tempos, têm desenvolvido teorias na tentativa de explicar esse processo
de significação e ressignificação.
Toda essa transformação pela qual o corpo passou (e passa) vem de um processo histórico em que
ideologias se manifestaram nos corpos da mesma forma que influenciaram pensamentos e mudaram
sociedades. Como nos fala Santin (apud Alves, 2004), “a reflexão sobre o corpo faz parte de um discurso
que persegue incansavelmente a imagem do ser humano, ao longo de toda a sua história” (p. 35). Porém, a
força ideológica que agiu sobre o corpo no passado ainda pode ser sentida na forma como ele é visto hoje.
Essas ideologias se expressam na forma de valores e normas que ditam maneiras de o corpo proceder, e
mais do que isso, moldam pessoas dentro de posturas consideradas ideais2.
Sendo um produto histórico e cultural, o corpo não poderia estar fora do processo de socialização e deixar
de sofrer as interferências da visão de cada cultura, de cada sociedade. Como afirma Sant’Anna (1995), o
corpo expressa o que há nele e, ao mesmo tempo, o que fora dele se manifesta:
... lugar da biologia, das expressões psicológicas, dos receios e fantasmas culturais, o
corpo é uma palavra polissêmica, uma realidade multifacetada e, sobretudo, um
objeto histórico. Cada sociedade tem o seu corpo, assim como ela tem sua língua. E
do mesmo modo que a língua, o corpo está submetido à gestão social tanto quanto
ele a constitui e a ultrapassa (p. 12).
Soares (2002) reafirma tal visão do corpo quando enfatiza que ele faz revelações sobre a história da
sociedade a que pertence por meio de gestos aprendidos e internalizados, submetido a costumes e regras
que cada ordem social engendra, transformado em “arquivo vivo”, “texto lido”, cuja “materialidade
concentra e expõe códigos, práticas, instrumentos, repressões e liberdades” (p. 109).
Foucault (1986, p. 80) faz uma análise do corpo como instrumento de exercício do poder, apontando as
possíveis relações que esse corpo estabelece com os processos sociais e políticos. O autor afirma que “o
controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia,
mas começa no corpo, com o corpo”, deixando claro que o controle político do corpo deve atender de
forma precisa ao ideal de produção de “corpos dóceis”. Dessa forma, Foucault possibilita o entendimento
do corpo como sendo uma “realidade biopolítica”.
Elias (1990), Foucault (1986) e Soares (2002) deixam claro que a forma como os indivíduos tratam o corpo
não é universal, e, sim, uma construção social resultante dos processos históricos aos quais o corpo foi
submetido. O corpo sendo social não é inato, antes, é moldado pela cultura, produto da civilização. Esses
autores consideram o corpo como um território biológico, mas, acima de tudo, simbólico, processador de
suas potencialidades, um arquivo vivo.
Ao longo do tempo, a civilização e a cultura definiram hábitos e práticas corporais, forjando um projeto de
corpo. Ao mesmo tempo, a resposta do corpo aparece nas mais diferentes manifestações: na arte, no
próprio corpo e na própria cultura do corpo (Elias, 1990). Dessa forma, “no corpo entre músculos e nervos,
está inscrito um pouco de nosso passado. Ele fala de nós de uma forma mais viva do que palavras, que
contam histórias nem sempre exatas” (Hannas e Pereira, 2000, p. 118).
Apesar de o processo de construção de sentidos para o corpo ter estado presente desde os primórdios da
civilização (Fiorentin, 2006), interessam-nos, neste estudo, apenas as concepções de corpo que surgem a
partir da Grécia antiga, pois essas concepções irão repercutir diretamente na construção e organização do
pensamento nas sociedades ocidentais.
A cultura helênica, que juntamente com a cultura romana servirá de base para o desenvolvimento da
sociedade ocidental, apresenta uma valorização progressiva do pensamento racional em relação ao intuitivo
(Gonçalves, 1994). Os pensadores gregos, ao instaurarem o pensamento filosófico, se, por um lado,
inauguraram um novo momento de reflexão e descoberta, por outro, enalteceram a cisão do corpo em
duas partes: corpo e espírito. O aspecto marcante na compreensão grega do que é ser homem aponta para
uma visão dualista, como se o ser humano fosse constituído de instâncias separadas, cada uma dessas
tratadas de forma independente.
Nesse período, surge a idéia de psique (alma) como sendo uma dimensão de interioridade presente em cada
homem, e que se contrapõe à matéria (soma). Dessa maneira, o corpóreo é marginalizado, sendo aceito
como algo que deveria servir à razão, um mediador ou instrumento para se chegar a valores superiores, os
valores da mente. Gonçalves (1994) observa que “o pensamento da Antiguidade Grega, que vê na forma a
verdadeira realidade das coisas, e na busca de verdades universais e eternas a única meta do conhecimento,
não possibilitou pensar as relações do ser humano com seu corpo em sua concreticidade” (p. 44).
O ideário sobre o corpo, criado pela tradição grega, foi reescrito pelos pensadores medievais, que, de certa
forma, consolidaram a separação do ser, baseados nos pressupostos teológicos. A cultura grega deu lugar
aos valores impostos pelo Cristianismo, que impôs um novo sentido para o homem. A mudança na visão
antropológica, orientada pelo teocentrismo, não contribuiu para a diminuição do dualismo existente. Pelo
contrário, a doutrina cristã reforçou a fragmentação e afastou ainda mais o homem do conhecimento do
seu corpo (Alves, 2004). Se, por um lado, a cultura grega, apesar de atribuir um aspecto acessório ao corpo,
incentivava o cultivo de um corpo belo e sadio como sendo condição básica para o desenvolvimento do
espírito, a concepção cristã atribuía ao corporal um aspecto negativo, pregando que o corpo assim como
seus anseios e vontades deveriam ser dominados (Santin, 2003).
A Renascença trouxe ao continente europeu uma nova forma de ver e pensar o mundo, acelerando o
processo de transformação e libertação dos princípios teológicos que vigoravam desde a Idade Média. Com
o Iluminismo, o ser humano descobre o poder da razão e a proclama como fonte da verdade universal.
Duas correntes ideológicas ganham expressividade: o racionalismo de Descartes e o empirismo de Francis
Bacon. Sob a influência dessas duas matrizes teóricas, é construída a ciência moderna. Se, por um lado, o
empirismo de Bacon foi precursor do espírito científico moderno, o racionalismo de Descartes foi
responsável pelo abismo que se formou entre corpo e espírito (Alves, 2004).
O cartesianismo incidiu fortemente sobre as propostas educacionais, resultando em um movimento no
sentido de maiores cuidados com o corpo por meio dos exercícios físicos, e criou uma escola pautada no
plano intelectual. Ao corpo era dado um valor secundário na formação do ser humano. A educação que
caberia ao corpo seria sob a forma de treinamento/adestramento, para que o corpo disciplinado pudesse
atender de maneira eficiente ao intuito de se desenvolver a intelectualidade.
Essa visão do corpo como algo menos importante que a razão resistiu às transformações sociais,
atravessando os séculos seguintes. Sua conseqüência imediata – o desenvolvimento de uma escola na
sociedade ocidental pautada no plano intelectual – continua presente no pensamento de muitos
educadores.
3 O Corpo na Escola
A história do corpo no processo educacional é direcionada pela visão do corpo na sociedade, e a história
da Educação Física, também, não foge às interferências sociais. Nos séculos XIX e XX, a família e a
comunidade deixam de ser as únicas responsáveis pela educação do cidadão, sendo que o corpo passa a ser
educado segundo normas e padrões sociais bem definidos, em um local específico a este fim: a escola
(Manacorda, 2004).
A Educação Física se afirma na Europa do século XIX como a disciplina responsável por desenvolver o
corpo, e, nesse momento, adota uma visão simplificada do ser humano e de suas relações, como se o corpo
fosse algo que pudesse ser manipulado, moldado, transformado, disciplinado, reduzido à condição de objeto.
Essa concepção, que está presente no pensamento de muitos educadores, é responsável por muitos dos
erros cometidos pela escola. Como afirma Nóbrega (2005), o corpo, na sua manifestação mais contundente,
o movimento, ainda é considerado como elemento acessório na formação humana. A cognição recebe
destaque dentro da escola, enquanto a corporeidade é negligenciada no processo educacional. A autora
justifica essa postura:
Percebemos que o sensível está posto na filosofia moderna e no ideário pedagógico
do Iluminismo, mas assume, com relação ao conhecimento, um papel inferior ou
acessório. As paixões estão relacionadas aos sentidos, aos desejos e às necessidades
do corpo. Já a idéia de civilização se relaciona ao princípio de dominar a natureza,
sendo o corpo humano também natureza, elemento da physis, o princípio civilizador
aplica-se aos processos corporais, à materialidade do corpo (p. 603).
Porém, na escola, o ser humano precisa adquirir muito mais que conteúdos das várias disciplinas. É
necessário também adquirir conhecimentos que possam ser integrados à sua vida, possibilitando-lhe o
desenvolvimento de seus potenciais, a descoberta e a ampliação de seu próprio mundo. Alves (2004)
enfatiza que o corpo, sendo linguagem, nos permite fazer parte do mundo, construindo sentidos e
estabelecendo processos comunicativos num processo de aprendizagem contínua: “é o conhecimento do
corpo, vivido no próprio corpo, que nos possibilita compreender nossa própria existência” (p. 24).
A aprendizagem se processa no corpo por meio do princípio da enação3, que significa que os processos
sensório-motores, percepção e ação são essencialmente inseparáveis da cognição, sendo o conhecimento
incorporado, pelo simples fato de sermos corpo e não apenas termos corpo: “a enação enfatiza a dimensão
existencial do conhecer, emergindo da corporeidade. A cognição depende da experiência que acontece na
ação corporal” ( Varela et al. apud Nóbrega, 2005, p. 606).
Garanhani e Moro (2000) ponderam que “repensar atualmente o corpo, na educação e escolarização da
infância, exigiria uma mudança na lógica do pensamento educacional, presente desde o século XVIII, mas,
para isto, é necessária uma especial atenção à formação de educadores” (p. 118). Podemos observar que o
educador não está preparado para trabalhar o corpo de seus alunos porque, na maioria das vezes, não sabe
lidar com o próprio corpo, com seu poder de expressão, e só podemos assimilar realmente aquilo que
vivenciamos, que sentimos.
Considerar a corporeidade na formação dos professores e na prática pedagógica significa contribuir com
uma educação compreendida como um processo de formação integral do ser humano, ultrapassando os
limites de uma educação que valoriza apenas o domínio de conteúdos, mas, antes, é capaz de propiciar o
desenvolvimento pleno do cidadão, em seus domínios afetivos, cognitivos e psicomotores.
A análise dos dados que apresentamos a seguir nos dá maior clareza de algumas dificuldades em relação à
compreensão e vivência da corporeidade no processo de formação de pedagogos e professores de
Educação Física.
4 Procedimentos Metodológicos
A pesquisa realizada teve por objetivos analisar a corporeidade como aspecto relevante para a formação
dos alunos dos Cursos de Licenciatura em Educação Física (que funciona em regime integral) e de
Pedagogia (que é oferecido apenas no período noturno) de uma Instituição Federal de Ensino Superior no
Estado de Minas Gerais; investigar se esses futuros profissionais vivenciam situações acadêmicas que
valorizem a corporeidade e qual a repercussão dessas vivências em seu processo formativo. Para seu
desenvolvimento, foi aplicado um questionário contendo perguntas abertas, a 15 estudantes de cada turma
dos cursos de Educação Física e de Pedagogia, que tinham aulas no primeiro semestre de 2007, totalizando
120 pesquisados, num universo de cerca de 350 alunos matriculados em ambos os cursos. Obtivemos o
retorno de 117 questionários, sendo 59 questionários no curso de Pedagogia e 58 questionários no curso
de Educação Física.
Os dados coletados foram organizados em quatro categorias de análise: 1) visão do corpo na Educação; 2)
trabalho corporal com os educandos; 3) vivência de atividades corporais durante a formação acadêmica; e
4) corporeidade como fator de transformação na Educação. A partir dessas categorias, buscamos analisar a
relevância que os investigados dão à corporeidade. Alguns trechos das respostas dadas aos questionários
analisados foram transcritos a título de exemplo4.
4.1 Resultados
Os dados revelam que a maior parte dos alunos se situa na faixa etária de 20 a 29 anos (60,35% na
Pedagogia e 62,07% na Educação Física). O perfil da mostra revela que 79,48% dos investigados são do sexo
feminino (na Pedagogia 100% são do sexo feminino; na Educação Física 58,62% são do sexo feminino,
39,65% são do sexo masculino e 1,72% não responderam). A experiência docente mostra que 21,37% dos
alunos já estão envolvidos com a docência. O tempo de docência varia de 1 mês até 25 anos, com a maior
parte dos entrevistados tendo entre 1 a 3 anos de experiência. A modalidade de ensino que mais recebe
esses estudantes é a Educação Infantil, sendo apontada por 38,46% das respostas.
4.1.1 Visão do Corpo na Educação
Analisando os dois Cursos, Educação Física e Pedagogia, percebemos que predomina, nos primeiros
períodos, uma visão fragmentada; corpo e mente são vistos como instâncias separadas, sendo dado ao
corpo um caráter secundário na formação humana. Como Alves (2004), Bracht (1999), Nóbrega (2005),
Morin (2001) e Santin (2003), entre outros autores, pudemos verificar em nossa análise que, ao se pautar na
concepção positivista-instrumental, a escola fragmenta o indivíduo e cria uma hierarquia entre as instâncias
cognitivas, afetivas e motoras, processo que antecede a Universidade.
No Curso de Educação Física, encontramos, inúmeras vezes, o corpo considerado como estrutura biológica
e funcional que necessita ser exercitado e, também, como modelo estético:
É de grande importância para abrangir o conhecimento do profissional, para saber o que
acontece com o indivíduo durante o exercício (EF1Q13).
... mente sã, corpo são. Um corpo bem “trabalhado” facilitará a aprendizagem (EF3Q6).
Tal pensamento acompanha a Educação Física desde seu nascimento, que ocorre na Europa dos séculos
XVIII e XIX (Soares, 2002), onde, como afirma Bracht (1999), o corpo passa a ser alvo de estudos
principalmente das ciências biológicas que o compara a uma estrutura mecânica, sendo aplicada sobre ele a
ótica mecanicista do mundo. Esse corpo mecânico e previsível poderia ser analisado como estrutura,
incidindo sobre ele toda a racionalidade científica.
Morin (2001) observa que tal postura gera um “esquartejamento” do homem, transformado-o em pedaços
de um “quebra-cabeças”, desfalcado de uma peça, o que gera um problema epistemológico: “é impossível
conceber a unidade complexa do ser humano pelo pensamento disjuntivo, que concebe nossa humanidade
de maneira insular (...) que restringe a unidade humana a um substrato puramente orgânico” (p. 47).
Mudanças marcadamente começam a surgir no ideário dos alunos a partir do contato com disciplinas que
trabalham uma visão integrativa de movimentos, sentimentos e pensamentos; porém, o número dessas
disciplinas ainda é muito reduzido.
O corpo é a expressão dos sentimentos e pensamentos do indivíduo e é através dele que
se ensina e se aprende (EF5Q2).
O corpo é visto somente como algo biológico, parece que ninguém “ousa” ultrapassar este
aspecto (...) A corporeidade deixa cair o conceito de educação como algo somente cognitivo
(EF5Q8).
No Curso de Pedagogia, a visão integrada do ser pode ser identificada logo no primeiro período, embora
em pequena escala, e o número de alunos que a considera vai gradualmente crescendo, como no de
Educação Física, o que acreditamos ter relação com o contato com conhecimentos nessa direção que vão
sendo trazidos a cada período.
4.1.2 O Trabalho Corporal com os Educandos
A maioria dos entrevistados diz se preocupar com o trabalho corporal de seus alunos. Porém, as diferenças
começam a aparecer quando partimos para a análise por curso. Os alunos do Curso de Educação Física
demonstram uma influência muito forte das concepções instrumentalistas de corpo, que enfatizam a “prática
esportiva” e os “conceitos de saúde e bem-estar”, os quais se repetem nas falas:
Trabalhos que toquem características de velocidade, resistência, flexibilidade, agilidade
(EF3Q11).
... incentivando a prática de esportes (EF1Q10).
... com exercícios físicos básicos com a finalidade de desenvolver o gosto pela atividade
física em cada um (EF1Q11).
... [de forma a] deixá-lo o mais saudável possível (EF3Q6).
Esse fato pode estar relacionado à tradição da Educação Física que, em diversos momentos de sua história,
investiu em um projeto de formação humana que visava à construção de uma sociedade forte e livre de
doenças, tendo a ginástica e a prática esportiva como aportes fundamentais nesse processo.
Nóbrega (2005) chama atenção para o fato de que precisamos ir além da instrumentalidade. Ressalta que “o
desafio está em considerar que o corpo não é instrumento para as aulas de educação física ou artes, ou
ainda um conjunto de órgãos, sistemas ou objeto de programas de promoção de saúde ou lazer” (p. 610). O
corpo vai além dos limites impostos pela anatomia; representa a totalidade do ser, se constitui como forma
de ser, pensar e estar no mundo. Pelo corpo, o ser humano se apropria do mundo exterior, dando sentido à
sua existência.
Pereira (2005), Benetti (2002), Alves (2004), Assman (1995; 1998), Varela et al. (1996) e Gonçalves (1994)
corroboram as idéias de Nóbrega que evidenciam que o processo de aprendizado se concretiza no corpo,
ratificando a importância de se considerar a corporeidade no processo de desenvolvimento do ser.
Apesar de, nos momentos iniciais do curso, os investigados não compreenderem bem o potencial do corpo
no processo educacional, a partir da segunda metade, nota-se que os alunos começam a ver o trabalho
corporal de outra forma. O “autoconhecimento” e “o corpo como forma de expressão” passam a ser
identificados como primordiais. Nos períodos finais, demonstram maior preocupação em desenvolver seu
trabalho de forma autônoma, considerando a corporeidade como elemento essencial à prática docente:
... priorizando a liberdade de movimento e os limites individuais (EF7Q6).
... atividades que levem os alunos à consciência corporal (EF7Q10).
... não só para o bem-estar físico, mas para uma formação completa (EF5Q1).
A esse respeito, Garcia (2002) afirma que o corpo (ou corporeidade) é o principal instrumento de trabalho
do docente, atribuindo-lhe maior importância do que o material didático, a linha pedagógica ou os recursos
auxiliares que o professor pode utilizar. Assim, o desenvolvimento da consciência do corpo assume uma
importância significativa, pois, como afirma Lepargneur (1999), o que não compreendo em meu corpo, não
posso compreender em nenhuma outra parte.
No Curso de Pedagogia, as atividades lúdicas são vistas como a melhor forma de trabalhar o corpo dos
educandos. Essa tendência aparece de forma acentuada no primeiro período do curso e mantém-se em
ascendência até o final do mesmo. As maneiras mais citadas foram por meio das artes cênicas, da
musicalidade, dinâmicas grupais, jogos e brincadeiras, que possibilitam integrar pensamentos, sentimentos e
movimentos:
... atividades lúdicas que levem os alunos a se movimentarem, em especial na infância
(P1Q7).
Acho muito importante trabalhar o corpo. A música, a dança, o teatro podem trabalhar a
corporeidade dos alunos (P5Q4).
A ludicidade representa uma forma valiosa para o desenvolvimento do educando, sendo considerada uma
ferramenta de destaque na prática docente no Curso de Pedagogia. Porém, chamamos atenção para o fato
de que as atividades lúdicas não devem apenas dar suporte para a aprendizagem de conteúdos cognitivos,
uma vez que elas possibilitam outras formas de aprendizagem e o desenvolvimento dos significados das
várias linguagens humanas. O ser é dotado de várias dimensões e competências, sendo um equívoco
considerar a ludicidade como elemento acessório no processo educacional.
4.1.3 Vivências de Atividades Corporais na Universidade
A vivência de atividades corporais na Universidade é fundamental, pois prepara o aluno dos Cursos de
Educação Física e de Pedagogia para o desafio da prática docente. Tardif (2000) relata que os saberes
profissionais dos professores são plurais e heterogêneos. Para ele, uma boa parte do que os professores
sabem sobre o ensino vem de sua própria história de vida, ao longo da qual vai sendo construído um
conjunto de crenças, valores, representações e certezas sobre o papel do professo r. Fica evidente que a
formação do educador é algo complexo e extrapola a esfera acadêmica. Porém, os conhecimentos
adquiridos na Universidade são imprescindíveis para compor o repertório de saberes docentes do futuro
professor.
Pereira e Bonfim (2006), analisando a corporeidade e o sensível na formação e na atuação docente do
pedagogo, destacam o desenvolvimento da consciência corporal, por meio de vivências, o que possibilita aos
alunos o domínio do corpo, o desenvolvimento das potencialidades de movimentação, superação de limites
e condições para enfrentar desafios sociais, afetivos, cognitivos ou motores.
Observando os alunos do Curso de Educação Física, percebemos, nos períodos iniciais, uma visão reduzida
sobre o papel das vivências corporais na Universidade. Os alunos ingressantes no curso justificam a
importância desse tipo de trabalho pelo fato de promover a saúde e o bem-estar, preparar o profissional
para a função que irá exercer ou, evidenciando a fragmentação do corpo, afirmam que o trabalho corporal é
importante por estimular a mente, numa visão que coloca o corpo como elemento acessório ao
desenvolvimento da intelectualidade:
A atividade física é importante não só para saúde física, mas a mental também é uma
forma de descontração e alívio do stress de fim de período (EF1Q4).
... se o corpo está bem, a mente também fica mais ativa e pronta para receber novas
informações (EF1Q6).
Quando avaliados os períodos finais, a realidade se mostra diferente. A partir da metade do curso, começam
a surgir depoimentos que apontam para uma visão ampliada do corpo na Educação. Os alunos justificam a
importância do trabalho corporal por estimular o autoconhecimento e desenvolver novas formas de o
corpo se expressar:
É importante ao universitário adquirir um maior conhecimento sobre si mesmo, é
necessário educar mente e corpo (EF5Q3).
... ele [o corpo] também faz parte do indivíduo e na universidade na maioria das vezes
pensamos em trabalhar apenas o intelecto, e isso é um grande erro, pois o corpo também
é muito importante para a aprendizagem (EF5Q7).
No Curso de Pedagogia, a maioria dos alunos ingressa no curso acreditando que o trabalho corporal é
importante por auxiliar no processo de desenvolvimento da razão, ou por desenvolver saúde e bem-estar.
Encontramos um percentual expressivo de respostas que remetem para uma visão do corpo como
acessório. Com o decorrer do curso, esse ponto de vista é substituído por uma visão mais ampliada que
considera o indivíduo na sua totalidade: corpo, razão e afetividade. As duas falas a seguir mostram essa
mudança de entendimento:
... dá ânimo pra estudar e ajuda a descansar a mente (P1Q3).
O corpo expressa sentimentos, vivências e posturas na vida de cada um (P7Q14).
As respostas dadas aos questionários apontam para uma possível aproximação dos dois cursos investigados.
Ao se aproximar do fim da graduação, a maioria dos alunos mostra uma compreensão ampliada sobre a
importância do trabalho corporal como forma de desenvolver as várias dimensões do ser humano,
reconhecendo a relevância do corpo no processo educacional.
4.1.4 A Corporeidade como Elemento de Transformação na Educação
A análise das respostas referentes à pergunta: A corporeidade pode trazer uma mudança de significado na
educação? mostra que ainda temos um longo caminho a percorrer para que a corporeidade seja entendida
como fator importante para que possíveis transformações quanto ao entendimento do corpo como
expressão da vida humana ocorram no processo formativo dos professores. Nos períodos iniciais dos dois
cursos, trabalhar a corporeidade significa, preponderantemente, gerar bem-estar e saúde:
... ficaremos menos estressados e mais magros (P1Q5).
... porque, sem uma boa saúde, um bom físico, ninguém consegue nada, muito menos
estudar (EF1Q3).
Também, nessa questão, percebe-se que o conhecimento adquirido por meio de algumas disciplinas da
integração soma-psique é o elemento capaz de trazer um olhar diferente aos alunos dos dois cursos quanto
às possibilidades de mudar o processo educativo:
Sim, porque o modelo educacional atual tem uma visão muito fragmentada do ser humano
(EF7Q4).
Sim, através da conscientização corporal para o bom desenvolvimento do trabalho no
campo educacional (EF7Q6).
Apesar de mudanças significativas estarem ocorrendo, ressaltamos mais uma vez que muito ainda há que ser
feito para que a corporeidade encontre seu devido lugar junto às práticas educativas. Nesse sentido, Benetti
(2002) propõe que o corpo seja ressignificado e integrado ao contexto pedagógico. Assman (1995) reforça:
O assunto Corporeidade é tão agudamente relevante para a Educação em geral,
para a vida humana e para um futuro humano neste planeta ameaçado, que urge
alargar nossa visão para incluir necessidades ainda não suficientemente despertadas,
mas que seguramente se manifestarão mais e mais ao ritmo da deterioração da
Qualidade de Vida. Porque Qualidade de Vida, mesmo no seu sentido mais espiritual,
sempre significa Qualidade da Corporeidade vivenciada (p. 75).
Bomfim (2000) analisa que a corporeidade não encontra espaço no terceiro grau, justificando seu
argumento pela falta (ou baixa quantidade) de produções acadêmicas na área. Daí, a necessidade urgente de
inclusão das vivências corporais no desenvolvimento nos cursos universitários, assim como mais estudos e
pesquisas que foquem a corporeidade e suas relações com a prática pedagógica.
Acreditamos que essa ação não pode ser ocasional, pois, como afirma Baecker (1997), a ação pedagógica
está no campo das ações humanas intencionalizadas, ou seja, aquelas que requerem constituição,
planejamento e orientações teóricas, diferenciando-se dos comportamentos espontâneos. Acreditamos que
a corporeidade pode trazer um novo olhar para a prática docente, contribuindo para a superação de vários
dos desafios que surgem no exercício diário do magistério.
5 Considerações Finais
Valorizar a corporeidade na formação de novos professores significa contribuir com uma educação
compreendida como um processo de formação integral do ser humano, ultrapassando os limites de uma
educação que valoriza apenas o domínio de conteúdos, ou seja, possibilitar uma educação que considera as
várias dimensões da existência humana. Assim, a Educação estará comprometida com a construção de uma
escola que seja capaz de propiciar o desenvolvimento pleno do cidadão e a vasta gama das potencialidades
humanas.
Não é difícil compreender a manutenção da dicotomia corpo-mente na escola, uma vez que o corpo
sempre foi subestimado e negligenciado no processo educativo. Diversos projetos político-ideológicos
atuaram sobre o corpo, que foi historicamente manipulado por normas e padrões sociais bem definidos. A
formação dos professores de Educação Física também não tinha, até pouco tempo atrás, como fugir das
influências históricas que vimos anteriormente, pois a construção dos currículos foi marcada pelas
correntes tecnicistas e/ou desportivas, que viam o indivíduo apenas em seu aspecto fisiológico. Isso explica
as dificuldades maiores desses futuros profissionais em considerar o corpo como dimensão de uma
totalidade que vai bem além de um conjunto de músculos e ossos a ser trabalhado.
A importância do corpo como instrumento de ação, relação interpessoal e integração, não pode ser negada.
É preciso que se entenda que não é possível separar mente e corpo. Os dois estão integrados em sua forma
de ser e agir, como atesta Nóbrega (2005):
A mente não é uma entidade “des-situada”, desencarnada ou um computador, também a mente não
está em alguma parte do corpo, ela é o próprio corpo. Essa unidade implica que as tradicionais
concepções representacionistas se enganam ao colocar a mente como uma entidade interior, haja
vista que a estrutura mental é inseparável da estrutura do corpo (p. 607).
Os resultados deste estudo apontam para o fato de que o professor, na maioria dos casos, não está
preparado para trabalhar corpo e mente de forma integrada. Nóvoa (1995) enfatiza que, além do
conhecimento científico e pedagógico, há um conhecimento que é feito na prática, na experiência e na
reflexão sobre essa experiência. Isso significa que, se não vivenciarmos a totalidade do ser em nós mesmos,
será mais difícil trabalhar sob essa perspectiva com nossos educandos, uma vez que nos faltarão essa
experiência e a possibilidade de refletir sobre ela.
O vivenciar dos corpos é uma luta constante na busca do equilíbrio nas relações, e é por meio da interação,
da integração de suas várias dimensões que o sujeito vai se transformando. Investir no desenvolvimento da
corporeidade por meio de disciplinas que trabalhem a teoria e prática e a integração soma-psique pode
contribuir para a transformação da prática pedagógica, assim como para o processo de formação de novos
educadores na Instituição investigada.
Segundo Assmann (1995), não se pode pensar a educação ou a política (e nem a si mesmo,
complementaríamos) sem que se tenha como referência a corporeidade. O autor propõe que a
corporeidade seja considerada como “referência absolutamente central (embora não exclusiva) na
elaboração de critérios – valorativos e pedagógicos – para a educação em geral” (p. 77). E complementa:
“enfim, nenhum ideal se concebe como ideal, nenhum ideal se encaminha e nenhum ideal se cumpre a não
ser enquanto ligado à mediação da Corporeidade dos seres deste mundo” (p. 90-91).
Mudar é necessário, e um dos aspectos que precisa ser revisto é a corporeidade. A escola como sede do
processo educacional do cidadão deve orientar o educando, visando à sua formação total, sendo necessária
uma Educação que esteja comprometida com o desenvolvimento integral do ser humano, considerando
seus aspectos cognitivos, afetivos e psicomotores, e as várias dimensões da existência humana.
Notas
1
Termo da antropologia dualista que interpreta o ser humano com união de duas partes distintas,
o corpo e alma (Boff, 1999, p. 194).
2
Para aprofundar esta questão, ver FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 11. ed.
Petrópolis: Vozes, 1994.
3
Do inglês enaction, neologismo criado por Varela et al. (1996) que significa fazer emergir e refere-
se aos processos cognitivos que emergem dos processos vitais.
4
Para facilitar nosso trabalho e também a leitura do texto, os questionários foram nomeados de
acordo com o curso: EF – Educação Física ou P – Pedagogia, seguido do número correspondente
ao período do aluno – 1 (primeiro período), 3 (terceiro período) etc. O código seguinte
corresponde ao número do questionário (Q): Q1, Q2 etc. Assim, P3Q10 corresponde ao
questionário 10 do terceiro período de Pedagogia. Os depoimentos são transcritos em itálico.
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Dados dos Autores:
*Lucia Helena Pena Pereira
Doutora em Educação – Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia – e Professora Adjunta
do Departamento de Ciências da Educação da Universidade Federal de São João del-Rei (DECED/UFSJ) e
do Programa de Pós-Graduação da UFSJ.
Endereço para contato:
Universidade Federal de São João del-Rei
Departamento de Ciências da Educação – Campus Dom Bosco
Praça Dom Helvécio, 74
36301-160 São João del-Rei/MG – Brasil
Endereço eletrônico: [email protected]
**William Vagner da Silva
Acadêmico do Curso de Educação Física / UFSJ – bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq/UFSJ – e
pesquisador do Núcleo de Estudos Corpo, Cultura, Expressão e Linguagens (NECCEL/CNPq/UFSJ).
Endereço para contato:
Universidade Federal de São João del-Rei
Campus Dom Bosco
Praça Dom Helvécio, 74
36301-160 São João del-Rei/MG – Brasil
Endereço eletrônico: [email protected]
Data de recebimento: 3 dez. 2007
Data de aprovação: 11 abr. 2008
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