AS AVENTURAS DO FEIO Salgado é reconhecido mundialmente como um dos mestres da fotografia documental contemporânea O feio e as relações do homem com o mundo: 1. Moral: ”Bem” e “Mal”. A estética tradicional, particularmente a grega associa o bem com o belo e mal com o feio. E historicamente, inclusive nos nossos dias, essa situação também ocorre em sentido moral na TV, cinema, contos de fadas. A dimensão Estética do Feio: O feio tem uma dimensão estética que não se identifica com outras dimensões ou valores negativos (o falso, o mal, o inútil), com os quais costuma ser associado por sua negatividade. Consequentemente, não é sinônimo de não-estético ou de Indiferente. Como todo o estético, o feio ocorre em um objeto concreto-sensível e na experiência de um sujeito ao percebê-lo sensivelmente. • O Feio na Realidade:O território do feio é extenso. E o é, na natureza: uma fruta podre, certos animais: sapos, vermes..., ao serem percebidos suscitam em nós, a experiência estética do feio. O mesmo ocorre com o corpo humano em seu conjunto ou em partes. Junto com o feio natural encontramos na realidade a fealdade dos produtos criados pelo homem, quer sejam objetos técnicos, industriais ou objetos usuais da vida cotidiana. O feio ganha cada vez mais amplos espaços em nossos centros urbanos na medida em que estes crescem, com suas construções caóticas e sua publicidade agressiva. Sem contar com seus cinturões de misérias, cortiços e no rosto e vestimenta de seus esfarrapados moradores. Portanto, se compararmos o lugar do feio na realidade com aquele que ocupam outras categorias estéticas, e especialmente o do belo, veremos que preenche uma ampla faixa tanto na natureza quanto nas concentrações urbanas. O Feio na Antiguidade Grega: A sensibilidade estética que aflora na Grécia clássica, vive sob o império do belo. O feio para o grego antigo, dificilmente cabe nele. E quando é forçado a representá-lo o faz idealizando-o, ou seja, negando-o. Pois para ele, o feio não é somente uma antítese do belo, mas também do bom em sentido moral; é o lado escuro, mau, da vida. Com relação à arte, Platão refere-se negativamente ao feio como dissonância e discórdia. Não pode ter cabimento o que -como a arte- é, por sua natureza, belo. Já Aristóteles, é o primeiro -e durante séculos solitariamente- a dar certidão de cidadania ao feio. Com sua concepção de que não só as coisas belas na realidade, mas também as feias, podem ser representadas na arte, desde que sejam de forma artisticamente criadora. O Feio na Idade Média: reaparece o dualismo do ideal e do real, entendido como dualismo do celestial e do terreno, do divino e do humano. O feio neste mundo terreno é o limite do belo. E por esse caminho, ao acolher o feio a arte mostra o rosto enganoso do belo mundano e permite assim descobrir o divino como o verdadeiramente belo. O Feio no Renascimento: Com o Antropocentrismo, a beleza se desdiviniza e é procurada sobretudo na natureza e no homem, e a arte só se justifica como arte bela. Para a consciência estética ocidental até o séc. XIX, o paradigma renascentista do belo , a natureza ou o homem devem ser representados segundo a beleza ideal, que é incompatível com a presença do desarmônico, desproporcional ou disforme; quer dizer, com o feio. O Feio nos Tempos Modernos: Já ocorrem algumas tentativas de abrir passagem a fealdade na arte. Mas o modo de estar nela não deixa de apresentar sérios problemas ao pensamento estético, sobretudo se tratando de artes que, por sua própria natureza, são ou hão de ser belas. O feio aqui se salva, quando belamente representado. A entrada do Feio na Arte: No séc. XVII o feio já havia entrado na arte, pelas mãos de três grandes pintores: Velázquez, Rembrandt e Ribera. E entra com seu próprio ser, sem se converter ao seu oposto: o belo. Entram assim em seus quadros bufões, monstrengos, mendigos...O boi esfolado ou caça pendurada de Rembrandt O Pé Aleijado Ribera (1588-1656) Quadro famoso, exposto no Museu do Louvre, no qual o Ribera mostra com muita felicidade e muitos detalhes um sorridente menino, com seu pé deformado, provavelmente indo para a escola. Ou a monstruosa mulher barbada de Ribera. O feio como tal,com sua realidade própria, está aí na pintura deles para expressar certa relação do homem com o mundo: uma relação tensa, que não pode ser expressa com a serenidade e o equilíbrio do belo. O feio irrompe, e agora não diminuirá seu ímpeto até adquirir status de cidadania estética com a arte Contemporânea. A Rebelião prática do Feio e a salvação teórica do Belo: E seguindo essa ruptura feia do campo estético, na arte contemporânea encontramos Picasso, Orozco, Bacon ou José Luis Cuevas. Francis Bacon CABEÇA ENTRE OS QUARTOS DE UM BOI ESQUARTEJADO Francis Bacon 1954 foto John Deakin (estudo para retrato), 1978 - Francis Bacon A arte contemporânea, que surge com as revoluções artísticas a partir dos finais do século XIX contra a arte acadêmica burguesa, é de fato uma rebelião contra a beleza à qual se rendeu culto desde a Antiguidade Grega e, sobretudo, a partir do Renascimento. O feio assegura sua consagração estética. Mas o que o feio ganhou praticamente na criação artística dificilmente é reconhecido ainda no séc. XIX e XX , no campo da teoria. Pois os teóricos, se ocupam especificamente do feio girando em torno do belo. A fealdade existe na arte porque existe no mundo real. E não se trata de salvá-la embelezando-a , mas mostrá-la com sua condição própria. O Sujeito diante do Feio diante do Feio na Realidade e na Arte: Papa Inocêncio X, óleo s/ tela, 1953