Superar “15 de Outubro 2014, Não sei porque estou a escrever, talvez para guardar para sempre algumas lembranças. Há alguns meses atrás, sentia-me como se estivesse a morrer por dentro. Acabara de perder metade de mim. Vou explicar-vos o que aconteceu, desde o princípio. Eu chamo-me Rita e tenho quinze anos. Vivo com os meus pais e com o meu irmão gémeo, o Rafael. A minha melhor amiga era minha vizinha e conhecíamo-nos desde sempre. Tínhamos os mesmos gostos quanto a bandas e a passatempos. O que me impressionava era que ela, mesmo que estivesse a sentir-se “apagada” interiormente, mostrava sempre um sorriso que a caracterizava. Frequentámos sempre a mesma turma na escola e chamavam-nos “ gémeas siamesas” (apesar de ter um irmão gémeo!) pois nunca nos zangávamos e éramos inseparáveis. Vocês iam adorar conhecê-la! Tinha o cabelo encaracolado e loiro e os seus olhos azuis apaziguavam todos os inquietos. Era a melhor aluna da turma e toda a gente gostava dela. Quando estava mal, todos faziam um esforço para lhe agradar. Apesar de saber que era linda, ela nunca o demonstrou, uma vez que sempre foi simples e nunca gostou de se pavonear. O último Verão que passámos juntas foi maravilhoso. Íamos, a turma inteira, para a piscina da casa dela quase todos os dias e ela adorava estar connosco. Lembro-me da noite em que eu e a Mafalda chegámos a casa à uma da manhã, pois tínhamos estado a falar à beira-mar. Os nossos pais iam-nos matando! Num dia de agosto, eu estava com ela na piscina e ela começou a queixar-se de fortes dores de cabeça. Levei-a para dentro de casa e ela caiu, desmaiando no chão da sala. Comecei a chorar, a gritar e os soluços cortavam-me a respiração. O Rafael, que, estava em casa, ouviu e foi logo ter comigo. Eu liguei para o 112 e passando dez minutos já estávamos a caminho do hospital numa ambulância. Lembro-me de estar sentada numa cadeira no hospital e o médico me ter dito para eu voltar para casa, pois só saberiam os resultados dos exames na manhã seguinte. Eu fiz-lhes a vontade, mas pelas nove horas da manhã já estava no hospital. Os pais dela também já lá estavam. Fui para a beira deles e contorcia-me nervosamente. A mãe da Mafalda pediu-me para lhe dizer o que se tinha passado. Eu contei-lhe que ela tinha desmaiado devido às fortes dores de cabeça. Contudo, espantei-me quando ela disse que a Mafalda já se sentia assim há mais de duas semanas. Estivemos sentados durante cerca de uma hora, até que o médico entrou e disse que as notícias não eram boas. Pediu-me que saísse, pois eu não fazia parte da família da Mafalda, mas a mãe dela insistiu que eu ficasse. O médico informou que se a Mafalda se tivesse deslocado mais cedo ao hospital aquilo não aconteceria. Comecei a assustar-me. Ele continuou e referiu que a Mafalda tinha um tumor na cabeça e que tinha uma esperança de vida de cerca de seis meses. Não me lembro de mais nada. Só sei que comecei a chorar e saí do hospital a correr. Fui para o parque e sentei-me lá a pensar. Não queria acreditar que ia perder a minha melhor amiga. Num breve instante, evoquei todos os momentos que tínhamos passado juntas. Dirigi-me para casa e deitei-me. Sentia-me miserável, um zero à esquerda e tinha um grande nó no estômago. Depois de saber que ela tinha o tumor, os dias foram passando de forma diferente. Quando estava com ela não me sentia bem, pois lembrava-me que daí a uns meses ela poderia não estar entre nós. No dia de Natal senti-me na obrigação de lhe dar algo especial. Assim, ofereci-lhe um porta chaves com uma foto nossa a dizer “ Adorote” . Quando abri a prenda dela não consegui evitar chorar. Era uma moldura que dizia “Adoro-te” a toda a volta e continha uma foto nossa tirada na praia a dançar. Eu abracei-a e disse-lhe que nunca mais me esqueceria dela. Vivi mais sossegadamente a partir daí e, no dia de Ano Novo fomos a uma discoteca pois a Mafalda disse que não queria morrer sem ter experimentado ir a esse espaço. Janeiro foi um “mês metade bom”, mas a partir do dia quinze a Mafalda começou a piorar. Estava a perder as forças. A partir desse momento comecei a passar todos os dias com ela. No dia um de fevereiro, chorei como nunca. Eu fazia anos daí a uma semana e a minha melhor amiga estava quase como que um esqueleto, sem poder andar e quase sem poder falar. Durante essa semana fui incansável. Dormia com ela todos os dias, fazia-lhe o pequeno-almoço, levava-a à casa de banho…faltei a todas as aulas. No dia oito acordei e olhei para ela. Estava a sorrir e desejou-me os parabéns. Deu-me um postal e disse que eu só o poderia ler à noite. Depois virou-se para mim e disse: -Vais ser sempre a minha melhor amiga, não quero que te esqueças de mim, está bem? Eu acenei com a cabeça, porque as palavras estavam presas na minha garganta. Depois a Mafalda, com os seus olhos que estavam mais tranquilos que nunca, segredoume que já podia dormir em paz, falecendo quase de seguida. Nesse dia fiquei rouca de tanto gritar. À noite sentei-me na cama e abri a carta. As minhas mãos tremiam e os meus olhos não conseguiam ler. Finalmente ganhei coragem. “Rita, os momentos que passámos juntas foram inesquecíveis. Se quando leres isto eu já não estiver a teu lado, quero que saibas que te amo e que vou olhar por ti. Não chores por ter acabado, sorri por ter acontecido. Com carinho, Mafalda” No dia do funeral não consegui chorar, apesar de a dor ser enorme, mas nos dias posteriores comecei a ir abaixo. Na escola todos tinham pena de mim, pois sabiam que eras a minha melhor amiga. Emagreci bastante, pois não tinha apetite. A vida sem ela não tinha sentido. Não sabia se conseguiria superar essa perda. A dor permaneceu e irá permanecer para sempre, mas na escola comecei a relacionar-me com colegas, principalmente os que me tinham apoiado mais, após a morte dela e o ano prosseguiu indiferente à minha perda. As férias de Verão foram bastante tristes. Passava os dias a ver televisão e a olhar para a parede do meu quarto, que estava cheia de fotos nossas, com os teus e os meus pais, com o Rafael, com a turma toda… Quando chegou setembro perguntava-me como haveria de ir para as aulas sabendo que era um novo ano, um ano importante e tu não estarias lá. O primeiro dia chegou. Fui para a escola insegura. O azul do céu não me dizia nada. No banco da entrada, um outro azul chamou por mim. Não eram os olhos da Mafalda, eram outros caracóis e outros olhos azuis…A Catarina, a aluna nova, iria fazer parte da minha vida. Continuo a sentir muita falta da Mafalda, mas sei que posso sorrir de novo. Autor: Directiones 08