O DISCURSO PERSUASIVO EM MAFALDA Rozinaldo Antonio Miani Mestrando em Sistema de Significação em Imagem e Som - ECA/USP São Paulo Resumo - Por meio da análise de algumas tiras da Mafalda, este trabalho pretende mostrar o valor persuasivo presente em suas histórias e como agem enquanto elemento difusor de ideologia. O universo latino-americano de Mafalda nos aproxima de suas críticas e nos faz perceber o valor de representação que esta personagem dos quadrinhos pode nos oferecer. INTRODUÇÃO Não existem quadrinhos inocentes. Por trás de fórmulas temáticas muitas vezes simples ou mesmo simplistas, as Histórias em Quadrinhos "camuflam" sua verdadeira natureza ideológica, enquanto produto de uma indústria cultural. O caso de Mafalda é exemplar. Combinando elementos visuais e lingüísticos, a personagem criada pelo argentino Quino apresenta de forma crítica inúmeros temas contextualizados numa Argentina sob ditadura, que dão vazão a grandes debates e reflexões. "Todo e qualquer quadrinho existe como um discurso artístico, articulado gráfico-narrativamente. Relacioná-lo com o discurso político significa compreender a relação arte/política em toda a sua extensão social. Significa compreender a questão da linguagem - e sua politização" 1. Neste sentido, as tiras de Mafalda podem ser encaradas, antes de tudo, como produto de um discurso artístico e, como tal, não existe fora de um contexto social - toda linguagem só se concretiza socialmente. Além disso, como prática ideológica, atingirá o nível da representação, mas não o do conhecimento enquanto saber, ficando este para o processo de autoconscientização e inteligibilidade do próprio indivíduo. 2 Em nosso trabalho iremos explorar essa dimensão acima exposta, priorizando os elementos de narrativa lingüística, sem contudo abandonar os elementos de análise proposto pelas imagens. Ainda dentro dos objetivos do trabalho, trataremos de identificar o potencial e/ou atitude persuasiva presente nas tiras de Mafalda. Para uma análise das imagens, estaremos recorrendo principalmente aos elementos desenvolvidos pela cinésica, pela paralingüistica e pela proxêmica. A cinésica estuda os movimentos e posturas corporais na comunicação interpessoal, levando em conta variáveis como intensidade, aplicada ao grau de tensão muscular necessário ao movimento; amplitude, para a extensão dos movimentos realizados; e rapidez, que caracteriza os gestos como rápido, lento ou vivaz, dependendo do tempo necessário à sua realização. Na paralingüística estaremos atentos aos fenômenos de emissão vocal como altura do tom de voz, qualidade da articulação, tipo de emissão, ritmo (qualidade vocal) e formas de riso, choro, gritos, interjeições (vocalizações ou postura vocal). Por fim, na proxêmica, estaremos percebendo o uso humano do espaço, ou seja, as diferentes distâncias entre personagens. Nos textos, estaremos observando as modalidades discursivas e seus graus de persuasão. Não se trata de rotularmos a obra de Quino em altamente ou brandamente persuasiva (ou ainda nada persuasiva, se é que isso possa ser possível); trata-se, pois, de identificar as várias possibilidades presentes na obra e como ela age enquanto elemento difusor de ideologia. CONHECENDO O UNIVERSO DE MAFALDA A personagem Mafalda foi criada em 1963 pelo argentino Joaquín Salvador Lavado (Quino) a pedido de um fabricante de eletrodomésticos, Mansfield, e o "Ma" de Mafalda tentava associar seu nome com o do patrocinador; contudo, ela foi engavetada pela agência de publicidade. Em 1964, um amigo de Quino levou a tira para a revista "Primera Plana" e, depois, para "El Mundo" e "7 Dias Ilustrados", publicada até o autor abandonar a personagem em junho de 1973, só retomada uma única vez em 1977, a pedido da Unicef, para ilustrar a série "A Declaração dos Direitos da Criança". A primeira aparição pública de Mafalda ocorre às vésperas de seu ingresso na escola. Com seis anos de idade, começa a questionar sobre diversos assuntos; mesmo sendo tão pequena ela traça objetivos para sua vida - quer participar de organizações internacionais, onde possa salvar o destino da humanidade. Suas preocupações a respeito da guerra nuclear, dos conflitos do Vietnã e no Oriente Médio, da desigualdade social e das conseqüências do capitalismo acabam tornando-se parte da sua personalidade. Como toda criança, Mafalda tem suas infantilidades: odeia sopa. Aliás, todos os seus amigos não gostam de sopa. Neste caso, a sopa é a representação daquilo que os adultos impõem às crianças "para o seu bem", mas que constitui tremendo martírio para elas. A palavra "sopa" chega a ser utilizada por Mafalda em diversas tiras para substituir algum "palavrão", comprovando a relação espúria que ela tem com esse "tipo de alimento". Mafalda adora Beatles (como toda a sua turma, exceto Manolito) e é defensora inveterada da democracia, elementos típicos de indivíduos dos anos 60. Quanto à sua turma, temos os pais de Mafalda (que nem nome possuem, são simplesmente "pai" e "mãe"); Filipe, uma criança sonhadora e idealista; Manolito, filho do dono do armazém do bairro e um pretenso homem de negócios, sempre obcecado por dinheiro; Susanita, que só pensa em garotos e casamento; Miguelito, uma criança ingênua, mas que em seus pensamentos chega a conclusões no mínimo surpreendentes; Guile, o irmão mais novo de Mafalda que parece seguir os mesmos passos da irmã, com a diferença de que gosta de sopa e é indiferente às músicas dos Beatles; Liberdade, menina que por seu próprio nome traduz muito de sua personalidade e que possui idéias bastante progressistas, sempre analisando questões políticas e econômicas. Nas palavras de Oscar Steimberg, "Mafalda e seus companheiros articulam as oposições conceituais de uma visão racional e segura da História. Muito apropriadamente, a tira os define, basicamente, em termos de um conjunto de idéias e de traços de caráter. Está claro que Mafalda é uma humanista atualizada, Manolito um mercantilista, Susanita uma mulher integrada e hipócrita, Felipito um agoniado exercitador do sentido comum, Miguelito um rebento de intelectual fascista que pouco a pouco vai se transformando, esquizofrenicamente, em um profissional da dúvida metódica". 3 Assumimos, para sintetizar Mafalda, as palavras de Álvaro de Moya: "Ela é a criança do Novo Mundo que representa a própria América hispanoamericana, criticando o velho mundo, com todos seus problemas, suas guerras, seus nacionalismos, suas democracias e ditaduras, sua eterna busca de identidade e felicidade". 4 A PERSUASÃO NO DISCURSO DA MAFALDA Para analisar o grau de persuasão e intensidade ideológica em Mafalda, selecionamos algumas tiras envolvendo situações e questões diversas. No decorrer das análises iremos apontando os elementos visuais e lingüísticos que, a nosso ver, desvendam toda uma proposta ideológica contida. TIRA 1 - Tira 1 - página 1 - “Toda Mafalda” Esta é a primeira tira publicada de Mafalda. Às vésperas de entrar para a escola, Mafalda observa sua mãe que lhe prepara uma roupa e faz alguns comentários específicos para o leitor sobre o seu projeto de estudar, chegando até a universidade. No 3º quadrinho, ela já se dirigiu à sua mãe e lhe diz que deseja estudar bastante para não ser uma "mulher frustrada e medíocre" como ela. Encerra dizendo que "é tão bom confortar a mãe da gente". Este é apenas o começo de uma história, a de Mafalda, que ainda iria dar muito o que falar. Aqui nós percebemos que, em seu discurso, Mafalda é bastante direta ao afirmar que sua mãe é frustrada e medíocre e que ela não pretende seguir este caminho. Esta crítica está no bojo do pensamento da juventude da classe média dos anos 60, principalmente nos países latino-americanos que viviam a realidade e/ou ameaça de ditaduras militares. A situação apresentada subverte os padrões de qualquer cultura ocidental (tanto no que se refere aos objetivos de uma criança como à maneira de se dirigir a uma mãe) e configura-se como um discurso lúdico pela própria qualidade da História em Quadrinhos, que se vale do humor e da simplicidade para comunicar-se. É o desabafo de uma geração que está por trás dessa história. Pela narrativa iconográfica, percebemos a mudança de postura da mãe de Mafalda que, após o comentário da filha, curva-se e coloca as mãos no rosto num gesto socialmente conhecido como de desânimo e auto-piedade, reconhecendo a verdade nas palavras da filha. Mafalda, por sua vez, após o seu momento reflexivo e de conversa com a mãe, sai satisfeita, com um pequeno sorriso e com ar de felicidade. É significativo, ainda, o elemento paralingüístico notado na última fala de Mafalda; as letras são maiores, expressando a maior importância desta fala e que, neste momento, ela fala mais alto em relação às demais falas. TIRA 2 - Tira 2 - página 2 - “Toda Mafalda” Nesta tira, Mafalda e Filipe estão discutindo sobre o problema das pessoas que se formam na universidade e são obrigadas a sair do país (esta deve ser uma realidade na Argentina da época, pois Quino retrata esta questão em várias tiras). Eles conversam num tom acima do normal, conforme podemos reparar pelo tamanho das letras. Filipe começa sua fala rechaçando uma posição de Mafalda, mostrando que há um certo grau de polêmica entre eles (e que retrata a própria polêmica existente na sociedade argentina). O exemplo utilizado por Filipe para afirmar que nem todo mundo que se forma vai para o estrangeiro é o dos políticos. E é a partir daí que se configura a dimensão ideológica e persuasiva do quadrinho, que se encerra com Mafalda exclamando em tom bastante alto: Que pena! Aqui fica clara a intenção de criticar a classe política e de proferir um julgamento valorativo sobre os políticos. Enquanto a expressão facial e os gestos de Filipe seguem o mesmo percurso de seu raciocínio, percebemos que Mafalda, após a sua primeira pergunta, perde a expressão (não há boca), como se não tivesse nada o que falar ou se demonstrasse verdadeiro espanto em relação ao exemplo de Filipe. No último quadrinho sua boca reaparece e ela retrata toda sua indignação. TIRA 3 - Tira 5 - página 6 - “Toda Mafalda” Nova crítica sobre o governo. As crianças (Mafalda, Filipe e Manolito) respondem ao mesmo tempo (como vemos as hastes dos balões dirigidas a cada uma das crianças) à mãe de Mafalda que estão brincando de governo. Na recomendação da mãe de Mafalda à filha, temos uma imagem culturalmente identificada como "expressão de ordenação". O "superior" com o dedo em riste apontando para o "subordinado" e proferindo sua ordem. Aqui temos um discurso plenamente autoritário, inconteste. Se tomássemos o quadrinho isolado, teríamos uma mensagem altamente persuasiva enquanto ordens das mães às crianças. Ao final, retomando a idéia da tira, temos a crítica. Mafalda responde que a mãe não deve se preocupar com bagunça pois como estão brincando de governo, não vão fazer absolutamente nada. Apesar da dimensão lúdica, própria da literatura dos quadrinhos, não podemos deixar de reconhecer o conteúdo altamente ideológico presente na tira. E o discurso de Mafalda vai se tornando persuasivo na medida em que semanalmente ela aparece no jornal fazendo severas críticas ao governo e aos políticos. Cabe notar que a paralingüística se faz presente principalmente nas palavras finais de Mafalda. Além de estarem em letras maiores (e crescentes) elas estão em negrito, reforçando ainda mais a importância de tal expressão. Nas expressões, Mafalda é quem reflete melhor a relação com o seu próprio discurso. Está sorrindo ao responder do que estão brincando (afinal toda criança gosta de brincar), atenta ao ouvir a ordem da mãe como sinal de obediência, e desiludida ao reconhecer que o governo não faz nada, inclusive encostando o queixo na mesa como sinal de impotência diante da situação. Filipe e Manolito entram no espírito da brincadeira e posicionam-se em suas cadeiras de maneira displicente, mas não reagem às palavras de Mafalda. TIRA 4 - Tira 2 - página 7 - “Toda Mafalda” Aqui temos uma tira aparentemente simples: quatro aparições de Mafalda e uma fala em cada quadrinho. Mas ao analisá-la veremos que não se trata de uma narrativa iconográfica e lingüística simplista. No primeiro quadro, Mafalda escuta sua mãe que lhe ordena que pegue o pulôver. Mafalda responde que não tem que obedecer pois é presidente (em tiras anteriores Mafalda e seus amigos brincavam de governo e ela foi eleita presidente). Sua mãe retruca afirmando ser o Banco Mundial, o Clube de Paris e o Fundo Monetário Internacional (FMI) e, por fim, Mafalda atende a ordem da mãe e reconhece que ela foi esperta. No jogo iconográfico, o detalhe mais significativo é a falta de boca da Mafalda no 3º quadro ao ouvir sua mãe lhe dizer que ela é a composição das 3 principais entidades internacionais que dominam a economia mundial. Mafalda fica sem resposta e atende a ordem (no 4º quadrinho ela está com o pulôver na mão). Do ponto de vista do discurso, está clara a intenção de afirmar a impotência e a subserviência de um presidente perante o Banco Mundial, o Clube de Paris e o FMI. Nesta tira, o autor explorou muito pouco o potencial das imagens. Ficou muito clara a intenção de priorizar o texto que, por este motivo, reduz bastante o valor da dimensão lúdica e coloca o discurso numa categoria mais polêmica, e sempre com grau persuasivo considerável. TIRA 5 - Tira 5 - página 67 - “Toda Mafalda” Esta tira faz referência à relação entre o real e o que se vê na televisão (por meio da linguagem). Mafalda voltando de férias comenta que olhar pela janela do trem é como ver o país pela televisão. Mas ao ver uma certa paisagem (uma favela sem saneamento básico com uma mulher e uma criança pobres olhando para o trem e uma fábrica ao fundo, como que apresentando a própria contradição da sociedade capitalista) ela admite que aquilo que se vê na televisão é melhor do que a realidade. Aqui abre-se uma brecha para discutir o problema da retratação da realidade na televisão, tema gerador de grandes debates. As afirmações de Mafalda convergem para a seguinte conclusão: o que se vê na televisão não é a realidade e sim uma falsificação ou simulação enganosa do que seja a realidade. De forma criativa, o autor dá o seu recado através da combinação das imagens com as falas da personagem e difundiu uma certa ideologia e juizo de valor sobre a televisão. TIRA 6 - Tira 4 - página 53 - “Toda Mafalda” Nesta tira, a riqueza de elementos iconográficos é o que mais nos chamou a atenção. A atitude de Mafalda de arregaçar as mangas e cuspir nas mãos é um signo fortíssimo e existe toda uma simbologia por trás desta ação; é a demonstração de que Mafalda se prepara para fazer alguma coisa. Se verificarmos a origem de tal gesto, descobriremos que os agricultores cuspiam nas mãos antes de pegar a enxada, para que esta não escorregasse. Ao longo do tempo, este gesto tornou-se o prenúncio de um trabalho árduo e agora, quando Mafalda repete este gesto, é possível prever que ela tentará realizar uma tarefa difícil. Notamos que a ação de cuspir nas mãos é feita rapidamente, quase simultaneamente, pois foi utilizado um mesmo quadrinho para ilustrar as duas cuspidas. A agilidade da ação também é reforçada pelos pequenos traços circulares/horizontais que acompanham o movimento da cabeça. O "PFT", uma onomatopéia, é a presença da paralinguagem. As letras estão ampliadas e desenhadas com destaque para dar ênfase ao som proferido; além disso, notamos que o balão da direita invade o balão da esquerda, confirmando mais uma vez que o movimento de Mafalda foi realmente rápido. No 4º quadrinho, temos mais um elemento paralingüístico: letras grandes e em negrito. Ela pronuncia pausadamente, criando toda uma expectativa em torno do que vai fazer. Por fim, o fechamento da história. O trabalho árduo que ela prenuncia é o de empurrar o país para frente. Nestas palavras está a crítica de que o país (Argentina) não vai para frente e que é preciso que alguém faça isso (alguém como Mafalda, com toda a sua carga de representações). A mensagem, permeada por toda uma linguagem própria dos quadrinhos, não deixa de ser persuasiva e altamente ideológica. TIRA 7 - Tira 2 - página 323 - “Toda Mafalda” Outra tira de rico valor iconográfico. No primeiro quadro, Mafalda lê atentamente no dicionário o significado da palavra democracia. Ao terminar a leitura, ela coloca o livro sobre um "puff" e abre um sorriso de deboche e de pura ironia que a acompanha até o último quadrinho (já à noite, indo dormir). As pessoas que convivem com ela (pai, mãe e o irmão Guile) não entendem o motivo daquela expressão e ficam extasiadas diante da situação. A falta de palavras, porém, não compromete o entendimento da mensagem e dá um tom de humor (característico das histórias em quadrinhos). O grau de persuasão, apesar de explorado de forma lúdica, é altíssimo, pois a direção a ser tomada pelo leitor é quase automática; não há muitas alternativas e todas elas convergem a uma séria crítica à dicotomia entre o conceito e a prática da democracia. TIRA 8 - Tira 3 - página 290 - “Toda Mafalda” Quino explora muito a cumplicidade do leitor. Este tem que estar atento à história para apreender a intencionalidade presente na tira. Aqui temos um exemplo típico. Filipe e Mafalda conversam sobre a tarefa escolar a fazer: uma redação sobre a independência nacional. Filipe fala que ainda não fez e que foi dar uma volta pela cidade para se inspirar. Sua conclusão é que essa volta não foi suficiente para se inspirar. No entanto, o quadrinho retrata uma realidade de completa dependência econômica, com propagandas e mais propagandas de produtos estrangeiros. Mafalda, ao contrário, percebe essa realidade e fica perplexa com a resposta (e incompetência) do amigo. A denúncia aqui é referente à falta de independência e soberania nacional de seu país e contra a dominação imposta pelos estrangeiros através de seus produtos e suas culturas. De forma bem humorada, mas bastante dirigida, a mensagem foi difundida. TIRA 9 - Tira 1 - página 140 - “Toda Mafalda” TIRA 10 - Tira 2 - página 77 - “Toda Mafalda” Mafalda mantém um relacionamento bastante pessoal com o globo terrestre (se as outras meninas brincam de boneca, Mafalda dirige todo seu sentimento maternal para o mundo). Esta série de tiras procuram retratar isso. Na 1ª tira, Mafalda está para sair de férias e após bronca de seu pai ela abraça o globo e pede a Deus para que ouça as palavras do pai de que nada vai acontecer com ele. Na tira seguinte, Mafalda recebe a visita de Filipe e lhe pede para falar baixo (ele atende e isso está expresso paralingüisticamente pelas palavras em tamanho menor), porque há um doente em sua casa: o mundo. TIRA 11 - Tira 2 - página 163 - “Toda Mafalda” TIRA 12 - Tira 5 - página 159 - “Toda Mafalda” TIRA 13 - Tira 1 - página 150 - “Toda Mafalda” Nestas 3 últimas tiras, Mafalda, após escutar as últimas notícias do mundo pelo rádio, faz um comentário sempre reforçando a idéia de que ele está mal. Na 1ª ela se dirige ao globo, abraça-o e depois afirma que ele está enfraquecendo de tando desgosto. Na 2ª, após uma expressão de completo pesar pelas notícias divulgadas, ela olha para o globo e associa-o a uma pessoa afirmando que se ele tivesse fígado estaria com hepatite (metáfora). Por fim, na última tira, a mesma expressão de angústia da tira anterior e depois responde à sua mãe que pegou apenas os cremes de beleza (vemos que o globo está coberto pelos cremes). Todas estas tiras indicam uma mesma idéia. Que Mafalda é muito apegada ao globo e que faz desse seu apego um ícone em relação ao seu apego ao mundo. Quando ela pede que nada aconteça ao mundo ou joga-lhe vários produtos de beleza, está claro que ela gostaria que o mundo fosse mais bonito e que não houvessem tantos problemas (todos os possíveis, principalmente os retrados em suas histórias). Nas demais, Mafalda associa o globo (mundo) a um estado de enfermidade. O mundo está doente e, como todo doente, precisa ser diagnosticado e medicado. Persuasão pura. Esse mundo não é bom, precisa ser melhorado para que as pessoas possam viver melhor. CONCLUSÃO Através do estudo de algumas tiras, pudemos perceber que Mafalda realmente possui uma consciência crítica perante o mundo e que tem princípios os quais pretende difundir para a sociedade. Nesta tarefa de "difundir sua ideologia", Mafalda é bastante doutrinária, repetindo várias vezes a mesma situação ou a mesma idéia para demarcar suas posições. É um universo lúdico, porém carregado de persuasão, beirando o marco do "autoritarismo" do discurso da propaganda; afinal a História em Quadrinhos é um elemento da comunicação de massa e, como tal, um poderoso instrumento ideológico. "Ninguém nega que as histórias em quadrinhos (quando atingem certo nível de qualidade) assumam a função de questionadoras de costumes - e Mafalda reflete as tendências de uma juventude inquieta, que assumem aqui a forma paradoxal da dissidência infantil, de esquema psicológico de reação aos veículos da comunicação de massa, de urticária moral provocada pela lógica dos blocos, de asma intelectual causada pelo cogumelo atômico. Já que nossos filhos vão se tornar - por nossa escolha - outras tantas Mafaldas, será prudente tratarmos Mafalda com o respeito que merece um personagem real". 5 Enfim, em Mafalda, a Contestadora (nas palavras de Umberto Eco), há sempre uma crítica social ou política, uma sátira aos costumes, fazendo rir ou sorrir, contando com a cumplicidade do leitor. E essa cumplicidade é que nos faz crer que Mafalda seja uma personagem altamente polêmica, sendo adorada por muitos (que a consideram porta-voz de suas próprias críticas) e detestada por tantos outros (por aqueles que se solidarizam com as vítimas de suas críticas). Este é o universo de Mafalda. NOTAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Moacy Cirne, Uma Introdução Política aos Quadrinhos, Rio de Janeiro, Achiamé, 1982, pg. 57 2 - Cf. Marilena Chaui, O discurso competente, In: Cultura e Democracia, São Paulo, Moderna, 1981 3 - Oscar Steimberg, Leyendo historietas, Buenos Aires, Nueva Vision, 1977, pg. 95 4 - Álvaro de Moya, Mafalda in Revista Abigraf, São Paulo, nov/dez/94, pg. 66 5 - Umberto Eco, prefácio não assinado, para a edição de Mafalda la Contestaria, Bompiani, 1969 BIBLIOGRAFIA ABE, Maria Kaori, OGAWA, Paula Akiko e CAMPOS, Renata Martins, Mafalda, São Paulo, datilografado, 1991 BAKHTIN, Mikhail, Marxismo e Filosofia da Linguagem, São Paulo, Hucitec, 1979 CHAUÍ, Marilena, O discurso competente in Cultura e Democracia, São Paulo, Moderna, 1981 CIRNE, Moacy, Uma Introdução P olítica aos Quadrinhos, Rio de Janeiro, Achiamé, 1982 CITELLI, Adilson, Linguagem e Persuasão, São Paulo, Ática, 8ª ed., 1994 ECO, Umberto, Retórica e Ideologia in A Estrutura Ausente, São Paulo, Perspectiva, 1971 HALL, Edward T. A dimensão Oculta, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977 LAVADO, Joaquín Salvador, Toda Mafalda, São Paulo, Martins Fontes, 1991 STEIMBERG, Oscar, Leyendo historietas, Buenos Aires, Nueva Vision, 1977 .