ID: 60889721
09-09-2015
Tiragem: 35268
Pág: 14
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 25,70 x 30,29 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 3
Recusado pedido de transferência
de embriões após a morte do homem
Proposta para incluir questão sobre
transferência post mortem no formulário
de consentimento informado foi
recusada no Conselho Nacional de
Procriação Medicamente Assistida
Ética
Catarina Gomes
Um casal que estava a fazer tratamentos de fertilidade numa clínica de Lisboa chegou a conseguir uma gravidez
após a transferência de dois dos seus
embriões, mas acabou por haver um
aborto espontâneo. Restaram nove
embriões congelados que o casal tencionaria usar para ter um filho. Mas o
homem morreu. A sua companheira
pediu agora autorização ao Conselho
Nacional de Procriação Medicamente
Assistida (CNPMA) para engravidar
do companheiro morto. O pedido foi
recusado.
Em Portugal, já tinha havido dois
casos de mulheres que pediram para
usar o esperma congelado dos seus
companheiros, depois de estes morrerem. As inseminações não avançaram porque a lei portuguesa não
permite esta hipótese, obrigando inclusivamente à destruição do sémen
congelado se o homem morrer.
Mas o caso que agora chegou ao
conselho é único porque é o primeiro
em que já existem embriões do casal,
resultantes da fecundação dos ovócitos com esperma em laboratório.
E, quando há embriões, a lei permite
que possa haver transferência post
mortem. Mas apenas se o parceiro
masculino tiver deixado escrito de
forma expressa essa sua intenção,
algo que não aconteceu.
O caso remonta a 2009, altura em
que o casal, que vivia em união de
facto, estava a fazer tratamentos de
procriação medicamente assistida
numa clínica privada de Lisboa. Em
Março desse ano, deu-se a transferência para o útero de dois embriões, mas a gestação terminou com
um aborto espontâneo.
Em Julho desse ano, o homem, a
quem tinha sido diagnosticado um
linfoma 12 anos antes, morreu. O casal tinha ainda nove embriões congelados que teria intenção de usar
para tentar ter um filho. Os pais do
homem morto declararam à clínica
que não queriam que o material biológico do filho fosse usado para dar
origem a uma gravidez.
Eurico Reis desconhece os motivos
porque a parceira veio, tanto tempo
depois da morte do parceiro — a decisão do conselho é deste Verão e o
pedido deu entrada no ano passado
—, pedir a transferência de embriões.
No pedido, a mulher refere apenas
que todas as questões legais com os
pais do companheiro, que dizem
respeito a questões de herança do
falecido, estavam resolvidas.
O CNPMA recusou o pedido por
não ter havido manifestação explícita
da vontade do homem numa declaração escrita, como obriga a lei portuguesa, que quer que estas situações
“sejam muito, muito excepcionais”,
explica o responsável. O legislador
quer “que não hajam dúvidas que
essa era a vontade livre, voluntária,
esclarecida”, esclarece o presidente
do CNPMA. O caso é susceptível de
ser discutido em tribunal, ressalva.
Neste caso concreto, na sua opinião pessoal, “houve um acto de von-
Outros casos em Portugal
2012
Primeiro caso em tribunal
Uma mulher portuguesa, de 33
anos, reclamou em tribunal a
propriedade do sémen congelado
do marido para poder engravidar
através de inseminação artificial,
mas acabou por desistir do
processo. A viúva temeu ficar
posta em causa a sua privacidade
depois de o caso se ter tornado
público. O processo deu entrada
no Tribunal do Entroncamento.
A portuguesa avançou para
tribunal cerca de um ano depois
de o seu marido, de 40 anos, ter
morrido com cancro. Antes de
os tratamentos de quimioterapia
começarem, o casal, que sempre
quis ter filhos, tinha decidido
congelar sémen como forma
de salvaguardar a fertilidade do
casal, que poderia sair afectada
pelos tratamentos.
2011
Companheiro
morreu num acidente
A fertilização do óvulo com
espermatozóides, para formar
o embrião e depois tentar a
gravidez, tinha dia marcado numa
clínica de Lisboa. Só que, antes de
ter lugar, o homem morreu num
acidente. Mesmo assim, a mulher
informou o centro de que queria
que o processo avançasse. O
Conselho Nacional de Procriação
Medicamente Assistida não
autorizou. A lei portuguesa apenas
permite a transferência post
mortem de embriões e apenas se
ID: 60889721
09-09-2015
Tiragem: 35268
Pág: 15
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 25,70 x 30,61 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 2 de 3
3
Lei portuguesa
estipula que,
nestas situações
excepcionais,
tem de existir uma
manifestação
explícita da
vontade do
homem numa
declaração escrita
Este é o terceiro caso, em Portugal,
de mulheres que pediram para
usar o esperma congelado dos
seus companheiros, depois de
estes morrerem
MICHAEL DALDER/REUTERS
houver vontade expressa do pai
falecido por escrito. Neste caso,
os “sogros” comunicaram à clínica
que se opunham à ideia, uma vez
que discordavam da ideia de ter
um neto de um filho morto.
2001
Susana quis
retirar o sémen do marido
Em 2001, uma portuguesa
manifestou a vontade de
engravidar do marido morto,
mas o objectivo de Susana, que
estava casada há três meses
quando ficou viúva, era que fosse
retirado sémen ao marido morto
através de punção testicular,
uma prática que é proibida em
Portugal e que tem de ser feita 24
a 36 horas após a morte. Depois
tade”, porque tinha havido a transferência de dois embriões. “Em termos
emocionais e psicológicos, esta situação é semelhante aos casos em que o
parceiro morre durante a gravidez”,
defendendo que “o investimento psicológico” que é feito quando um casal inicia tratamento é semelhante
ao casal que tenta engravidar sem
recurso à medicina.
Eurico Reis considera que a não
obrigatoriedade de abordar esta
questão junto dos casais em tratamento acaba por impossibilitar a
concretização de transferências post
mortem em Portugal. “Há aspirações
destruídas”, porque a questão nem
sequer é abordada, diz.
Por essa razão, Eurico Reis propôs ao conselho que o formulário
de consentimento informado passe
a incluir explicitamente esta questão,
perguntando-se ao parceiro masculino se autoriza que, caso morra, haja
transferência de embriões. Esta proposta foi recusada por maioria, nota.
Na sua opinião, ao propor que a
questão da transferência post mortem
constasse dos formulários de consentimento informado — que os casais
têm obrigatoriamente de preencher
para responder a outras questões —
obrigava-se as pessoas a pensar nesta
questão. “Isto não pode continuar a
ser ignorado. É importante ser discutido de forma racional.”
Para Eurico Reis, “ao contrário
do espírito pragmático dos anglosaxónicos, que pensam nos problemas antes de eles acontecerem,
culturalmente nos portugueses existe um medo atávico e irracional de
discutir estas questões”, comenta.
“Há contingências na vida. As pessoas devem pensar nelas antes que
aconteçam.”
Teresa Almeida Santos, presidente
da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução, admite: “Não me
passa pela cabeça perguntar a um
casal jovem e saudável, à partida,
NELSON GARRIDO
‘e se morrer?...’ Parece descabido.”
“Culturalmente, causa desconforto
abordar esta questão, há uma tendência para se desvalorizar.”
A médica diz que a questão da
morte é abordada, por exemplo,
quando é feita a congelação de gâmetas de pessoas com cancro (que
assim querem acautelar a sua capacidade de procriar após os tratamentos
oncológicos). Nestes casos, fala-se
abertamente porque “a probabilidade da morte é real”. Pergunta-se
o destino que querem dar aos seus
gâmetas caso morram (nestes casos,
a lei permite a doação a outros casais, a doação para a ciência ou a sua
destruição).
Neste caso em que o casal já tinha
embriões, a médica diz que “compreende a situação da possível mãe”,
mas não concorda que esta seja uma
questão que deva constar das declarações de consentimento informado
existentes. “Esta é uma declaração
de tal forma séria que exige uma reflexão específica.”
Na sua experiência clínica, “os
casais preenchem os formulários
de consentimento informado com
alguma ligeireza”, considerando
que é necessário “reflectir sobre esta questão numa declaração à parte”,
que não esteja misturada no meio de
outras questões que são sérias — como o destino a dar a embriões excedentários — mas que não são como
esta, que significa, na prática, que o
homem tem de “dar autorização para
conceber uma criança órfã”.
“A questão é tão séria que exige
reflexão específica”, mas não vê com
maus olhos a criação de um consentimento informado exclusivo para este
aspecto, para que “gradualmente ela
se comece a discutir”.
de consultar um advogado,
Susana concluiu que o seu
desejo não era concretizável
por não existir legislação que
autorizasse a prática. A extracção
cirúrgica do esperma é uma
prática aceite em alguns outros
países do mundo, permitindo
que viúvas, noivas, namoradas,
e até os pais procurem este
processo quando um homem
morre inesperadamente. O
primeiro caso reportado de
extracção cirúrgica do sémen
ocorreu em 1980, envolvendo o
caso de um homem de 30 anos
que ficou em morte cerebral
depois de um acidente de carro,
escreveu a revista científica
Human Reproduction. O primeiro
nascimento por esta via foi
reportado em 1999.
Incluir esta
questão no
formulário do
consentimento
informado
significa, na
prática, que o
homem tem de
“dar autorização
para conceber
uma criança órfã”
ID: 60889721
09-09-2015
Tiragem: 35268
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Âmbito: Informação Geral
Corte: 3 de 3
Recusado pedido
de transferência
de embriões após
a morte do homem
Inclusão desta questão no
formulário de consentimento
foi recusada no Conselho
Nacional de Procriação
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