REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ®
Guarda compartilhada: Dos princípios constitucionais a sua aplicabilidade nas ações que a envolvem
Resumo:O objetivo deste artigo jurídico é demonstrar ao operador de direito a aplicabilidade da guarda compartilhada, por meio de análise em
processos judiciais que tramitaram na 2ª e 4ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central de Porto Alegre, através de amostragem. Ainda, haverá
uma breve abordagem teórica do conceito de guarda compartilhada, enfocando os princípios constitucionais concernentes ao tema para, então,
passar a enfocar a aplicabilidade da guarda compartilhada nas ações.
Palavras-chave: Guarda compartilhada – Princípios Constitucionais – Princípio geral do Cuidado - Aplicabilidade
Sumário: 1. Introdução. 2. A Guarda Compartilhada no atual estágio do Direito de Família. .3. A Guarda Compartilhada como adequação dos
princípios constitucionais. 3.1. Princípio geral do Cuidado 3.2. Princípio da igualdade. 3.3 Princípio do pluralismo das entidades familiares. 3.4.
Princípio da afetividade. 3.5. Princípio da proteção integral a crianças e adolescentes. 3.6. Princípio do melhor interesse da criança. 3.7. Dignidade da
pessoa humana. 4. Dos processos analisados. 4.1. Da natureza das ações. 4.2. Da quantidade e idade dos filhos. 4.3. Visitação e residência dos
filhos. 4.4. A pensão alimentícia. 4.5. Da efetividade e as vantagens da Guarda Compartilhada. 4.6. Definição da Guarda Compartilhada em sede de
litígio. 5. Conclusão.
1 Introdução
Neste artigo jurídico, cuja pretensão não é esgotar o tema, mas, sim, demonstrar ao operador de direito a aplicabilidade da guarda compartilhada, a
partir de análise em processos judiciais [1], por meio de amostragem.
Inicialmente, haverá uma abordagem da guarda compartilhada no atual estágio do Direito de Família, enfocando os princípios constitucionais [2], e,
posteriormente, a análise da aplicabilidade da guarda compartilhada nas ações, que é o objetivo deste trabalho.
2 A Guarda Compartilhada no atual estágio do Direito de Família
No atual estágio do Direito de Família, a questão da guarda das crianças e adolescentes está sendo alvo de inúmeros debates. Surge pela ruptura
conjugal, momento em que os filhos, via de regra, são relegados a um plano secundário, servindo de objeto de disputa entre os pais, muitas vezes
movidos mais pela paixão da dor e da vingança, em consequência do desamor existente.
Situação constatada pela psicóloga Martha Wankler Hoppe, conforme artigo publicado na Revista da Ajuris: “A iniciativa de Thaís revelou sua
autonomia e uma tentativa de não intensificar o conflito entre os pais, preservando-os. Tentando situar-se fora da condição de ser ‘moeda
de troca’, Thaís denunciava que estava abandonando sua posição infantil e assumindo um lugar próprio e marcado por seus desejos. A
manifestação de Thaís perante o Juiz, para não ser entregue a nenhum dos pais, revelou a carência de referenciais consistentes que pudessem
garantir a manutenção de seu convívio com os pais e irmãos. Posteriormente, em situação de tratamento, Thaís referiu-se a esta atitude como
resultado de um estado de intensa confusão e reposta ao sentimento de estar impossibilitada de pensar por si própria.”(HOPPE, 2002, p.
282-283) (grifo nosso).
Essa situação é cotidiana no Direito de Família, nos casos de separação, divórcio e dissolução de união estável, sendo sistemática a outorga da
guarda a um só dos genitores, geralmente a mãe, critério legal, doutrinário e jurisprudencial, como bem enfatiza Eduardo Leite:
“Mesmo que a tendência jurídica – quer a doutrinária, quer a jurisprudencial – tenha se manifestado sempre francamente favorável à guarda materna
(especialmente quando se trata de crianças pequenas), as alterações decorrentes da evolução dos costumes e das condutas têm provocado
substanciais mudanças nesta matéria” (LEITE, 1997, p. 261).
Contudo, a evolução social da família, vem modificando costumes e valores. Com isso, propiciou o surgimento da guarda compartilhada com a árdua
tarefa de reequilibrar os papéis parentais, uma vez que a sociedade contemporânea reclama um novo modelo de guarda, que atenda aos princípios
constitucionais com respeito ao melhor interesse da criança e do adolescente, atenuando os efeitos negativos da ruptura da sociedade conjugal
sobre a formação dos filhos. (grifo nosso)
A guarda compartilhada ou guarda conjunta refere-se, em síntese, à possibilidade dos genitores separados assistirem aos seus filhos, “no exercício
em comum da autoridade parental” (LEITE, 1997, p. 261). Para o Desembargador aposentado Sérgio Gischkow do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul, pioneiro ao trazer para o Brasil o modelo da guarda compartilhada, define-se pela “[...] situação em que fiquem como detentores
da guarda jurídica sobre um menor pessoas residentes em locais separados. O caso mais comum será o relacionado a casais que, uma vez
separados, ficariam ambos com a custódia dos filhos, ao contrário do sistema consagrado em nosso ordenamento jurídico” (PEREIRA, Revista da
Ajuris n. 36).
Já para a psicóloga e psicanalista Maria Antonieta Pisano Motta: “[...] a guarda conjunta deve ser vista como uma solução que incentiva ambos os
genitores a participarem igualitariamente da convivência, da educação e da responsabilidade pela prole. Deve ser compreendida como aquela forma
de custódia em que as crianças têm uma residência principal e que define ambos os genitores do ponto de vista legal como detentores do mesmo
dever de guardar seus filhos” (MOTTA, 1996, p.9).
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o psicanalista Sérgio Eduardo Nick, define o instituto como sendo: “o termo guarda compartilhada ou guarda
conjunta de menores (‘joint custody’, em inglês) refere-se à possibilidade dos filhos de pais separados serem assistidos por ambos os pais. Nela, os
pais têm efetiva e equivalente autoridade legal para tomar decisões importantes quanto ao bem-estar de seus filhos freqüentemente têm uma
paridade maior no cuidado a eles do que os pais com guarda única (‘sole custody’, em inglês )” (NICK, 1997, p. 135).
Por sua vez, a Desembargadora aposentada Maria Berenice Dias igualmente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, aduz que a
“guarda conjunta ou compartilhada significa mais prerrogativas relativas à pessoa dos filhos, fazendo com que ambos os pais participem de forma
mais presente na vida deles” (DIAS, 2005, p. 401).
Para o Jurista Eduardo Leite, “guarda conjunta quer é conservar – em princípio – os mesmos laços que uniam pais e filhos antes da ruptura. [...] o
exercício alternado da autoridade parental [...]. Pode passar por um período com a mãe e, igualmente, com o pai [...]. A residência continua sendo
única, o que não impede os deslocamentos da criança.” (LEITE, 1997,p. 270 e 283)
Por fim, Rolf Madaleno leciona que “a noção de guarda conjunta está ligada à ideia de uma co-gestão da autoridade parental” (MADALENO, 2004, p.
352).
Estes conceitos expostos seguem a tendência da guarda compartilhada tendo como finalidade a de que ambos os pais dividam a responsabilidade
das principais decisões relativamente aos filhos, como educação, instrução, espiritualidade, saúde, lazer, em consonância com os princípios
constitucionais.
3 A Guarda Compartilhada como adequação dos princípios constitucionais
Na Constituição Federativa Brasileira de 1988, extraem-se inúmeros princípios constitucionais aplicáveis no Direito de Família, ramo do Direito Civil,
que sofreu a constitucionalização dos seus institutos.
Neste sentido, Simone Tassinari Cardoso, quando aborda a Constituição de 1988 e a família para excluídos, ressalta um divisor de águas a partir da
Carta Magna, conforme a seguir destacado: “Às vésperas do século XXI ergueu-se no sistema jurídico brasileiro um divisor de águas. A Constituição
Federal de 1988 avança como resposta social às necessidades dos indivíduos, até então excluídos da tutela jurídica. A família permanece como base
de sociedade civil, merecendo especial proteção estatal, todavia altera sua essência, devendo apresentar-se de modo convergente com o Estado
Social Democrático, tendo como princípio fundamental o da dignidade da pessoa humana” (CARDOSO, 2004, p. 91).
Os princípios constitucionais no Direito de Família, o qual “tem características próprias que o diferenciam dos outros ramos do direito” (Wald, 2005, p.
4), destacando-se pela “importância primordial do elemento social e ético” (idem), já que visam assegurar a proteção da família e à pessoa dos filhos.
Não se pode deixar de constar que existem outros inúmeros princípios, mas que para o presente trabalho os destacados a seguir mostram-se
relevantes.
3.1 Princípio geral do Cuidado
As mudanças experimentadas nas relações humanas, notadamente, nas familiares, sobretudo a partir da Constituição Federativa de 1988 e nas
legislações infraconstitucionais posteriores [3], representam os novos paradigmas jurídicos. Abordando esta questão, Roberta Tupinambá, ressalta
que “atualmente, o novo padrão enfrentado no bojo das relações familiares e de filiação alterou todos os parâmetros relativos aos conceitos de poder
familiar, de convivência família e da própria estrutura familiar de um modo geral.” (TUPINAMBÁ, 2008, p. 357).
Nesta ótica: “[...] emerge o cuidado como valor jurídico e vislumbra-se seu aspecto de princípio jurídico. E mais. A abordagem do cuidado como
princípio jurídico atende a valorização preponderante do homem face aos demais seres e coisas, culminando-se no entendimento de que o homem é
o valor originário de todos os demais valores, que seriam, portanto, valores derivados” (idem)
O princípio geral do cuidado exsurge “como valor jurídico é uma noção que envolve vários aspectos do direito de família” (ARAÚJO, 2008, p. 35). A
família local de “desenvolvimento da personalidade e das potencialidades daqueles que a integram” (HAPNER, 2008, p. 129), surgindo “como lugar
privilegiado do exercício do cuidado” (idem, p. 35).
A família tendo prevalência de tratamento no ordenamento jurídico brasileiro ganha “espaço na concretização de uma tutela específica, crianças,
adolescentes e idosos, compreendidos como pessoas em situação especial, exigem tratamento jurídico diferenciado” (ibidem, p. 132). As crianças e
adolescentes, pelo momento de formação de suas potencialidades. Já os idosos, pela desvalorização como ser humano. São duas faixas etárias
“que recentemente ganharam espaço histórico, relevância social e mecanismos específicos de proteção jurídica, já que infância e velhice são
fenômenos da modernidade” (ibidem, p. 132).
O sistema jurídico deve efetivar à tutela a crianças e adolescentes, pois sendo “seres em desenvolvimento da personalidade coloca-as em lugar
privilegiado de tutela [...] já que cuidar é mais relevante do que conceituar juridicamente relações abstratas” (ibidem, p. 133). (grifo original).
O cuidado, assim, “ganha dimensões jurídicas e que existem condições concretas, por ele providas, para que os laços familiares possam ter
continuidade, superando obstáculos postos pela vida real e nem sempre previstos pela esfera jurídica” (ibidem, p. 132).
O cuidado, portanto, “[...]deve ser entendido em seu sentido mais amplo. Significa garantir às crianças e aos adolescentes condições de
desenvolvimento físico e emocional adequado, que lhes permita, inclusive o sentimento de fazer parte uma família, em cujo seio possam vivenciar o
afeto, a confiança, a cumplicidade, proporcionando-lhes condições de estabilidade emocional. (ibidem, p. 138).
A atitude de cuidar“seria uma fonte geradora de atos” (TUPIMANBÁ, 2008, p. 363), sobrepondo-se “a todos os demais deveres jurídicos, posto que o
mesmo visa a resguardar, antes e acima de qualquer coisa, o ser humano” (idem, p. 367).
Nesta linha de raciocínio, o princípio geral do cuidado “como princípio implícito do ordenamento jurídico pátrio ganha relevo e merece atenção”
(ibidem, p. 368).
3.2 Princípio da igualdade
O princípio da igualdade “interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função precípua,
reside exata e precisamente em dispensar tratamento desiguais” (MELLO, 1984, p. 17-18), sendo, assim, um dos sustentáculos do Estado
Democrático do Direito.
No Direito de Família foi constitucionalizada a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres (art. 5º, inciso I). Princípio que também
alcançou os vínculos de filiação, proibindo qualquer tipo de discriminação relativamente aos filhos havidos ou não da relação de casamento ou por
adoção (art. 227, § 6º).
A desembargadora Maria Berenice enfoca, ainda, que “a organização e a própria direção da família repousam no princípio da igualdade de direitos e
deveres dos cônjuges (1.511), tanto que compete a ambos a direção da sociedade conjugal em mútua colaboração (1.567)” (DIAS, 2005, p. 61).
(grifo orignal)
3.3 Princípio do pluralismo das entidades familiares
A partir da vigência da atual Constituição, que ocorre o reconhecimento pelo Estado da possibilidade de vários arranjos familiares, aumentando o
espectro da família no momento em que “as uniões matrimonializadas deixaram de ser reconhecidas como a única base da sociedade” (idem, p. 63).
A família moderna afetiva admite uma pluralidade de entidades familiares, cujo fomento é marcantemente orientado pelos princípios da dignidade da
pessoa humana, da afetividade, da solidariedade e do cuidado” (TUPIMANBÁ, 2008, p. 367).
O elo da afetividade passou a gerar comprometimentos mútuos e de envolvimento pessoal, surgindo outras entidades familiares, como as uniões
homossexuais.
3.4 Princípio da afetividade
O princípio da afetividade, apesar de não expresso na Carta Magna, é um princípio implícito da dignidade da pessoa humana, porquanto o afeto está
intimamente ligado ao amor e a família. “A existência do homem está na dimensão de seus vínculos e de seus afetos, sendo a afeição
preponderante da dignidade da pessoa humana” (MADALENO, 2007, p. 126). (grifo nosso).
Neste mesmo sentido, Moacir Pena Júnior enfatiza que, “o afeto é fundamental para que as relações na família sejam bem-sucedidas. Sem ele, estas
tendem a não prosperar, havendo um afastamento natural entre seus componentes e dificultando a formação de famílias sólidas e felizes” (PENA
JÚNIOR, 2008, p. 10).
Nas palavras de Felipe Klein, “a afetividade emergiu derrubando as fronteiras de um patrimonialismo enraizado na cultura jurídica pátria” (KLEIN,
2004, p. 142). Já para Roberta Tupinambá, a afetividade “invadiu a ciência jurídica, transcendendo aos aspectos psicológicos e sociológicos,
imbuindo a família afetiva dos mesmos propósitos da família biológica, pois o que estaria em xeque seriam os vínculos de amor e afeto que unem
uma entidade familiar” (TUPINAMBÁ, 2008, p. 357).
O afeto, portanto, é a “realização pessoal dentro da família” (CARDOSO, 2004, p. 86), ou seja, elemento nuclear de formação das famílias
contemporâneas, reconhecendo-se “um contorno familiar sem molduras rígidas, sendo o espaço do lar um lugar de afeto e de realização das
potencialidades de cada um de seus membros” (idem, p. 86).
3.5 Princípio da proteção integral a crianças e adolescentes
Por fim, o princípio da proteção integral a crianças e adolescentes, “incorporou-se ao ordenamento brasileiro, [...] instrumentalizando a proteção
especial devida a essas pessoas em desenvolvimento, como natural e necessário desdobramento de cláusula geral de tutela da pessoa humana”
(ibidem, p. 86).
O princípio jurídico da proteção integral passou vigorar no Brasil “a partir da Constituição Federal de 1988, mas teve as suas raízes no movimento de
mobilização do início da década de 80, que fora marcado por um intenso debate sobre os diversos aspectos da proteção da infanto-adolescência”
(PEREIRA, 2000, p. 26).
O princípio encontra-se previsto constitucionalmente no artigo 227 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 4º), o qual visa a garantia
prioritária do melhor interesse do menor, cuja melhor noção “é no sentido do seu melhor equilíbrio físico e psicológico. O princípio impõe a
predominância do interesse do menor. É este interesse que deverá nortear o julgador que, no caso concreto, decidirá se a realização pessoal do
menor está sendo assegurada” (LÔBO, 2004, p. 517).
O princípio da proteção integral destina-se a crianças e aos adolescentes, “seres em formação, não raramente indefesos, como os principais sujeitos
de direitos das relações familiares e sociais” (BITTENCOURT, 2008, p. 54).
O objetivo deste princípio é transformar as crianças e adolescentes em sujeitos de direitos, titulares de direitos juridicamente protegidos, assim como
os adultos.
3.6 Princípio do melhor interesse da criança
Diversos princípios fundamentais norteiam o Estatuto da Criança e do Adolescente,. No entanto, o princípio do melhor interesse da criança tem
prioridade absoluta prevista na Constituição Federal.
O princípio da garantia prioritária consiste na primazia de receber proteção e socorro em qualquer circunstância, bem como na procedência de
atendimento nos serviços públicos de relevância pública, de preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas e, ainda,
destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (artigo 4º, alíneas a, b, c e d do Estatuto
da Criança e do Adolescente). Trata-se de norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata, visando garantir as políticas públicas
elencadas no art. 227 da Constituição Federal à população de zero a dezoito anos (GONÇALVES, 2002, p. 29).
A noção do melhor interesse da criança é no sentido do seu melhor equilíbrio físico e psicológico. O princípio impõe a predominância do interesse do
filho, transformando-o em sujeito de direito, titulares de direitos juridicamente protegidos, assim como os adultos.
3.7 Dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio constitucional utilizado como base do núcleo familiar, garantindo o pleno desenvolvimento
moral e espiritual da pessoa humana, na realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente.
Conforme Jacqueline Nogueira, “a tutela constitucional dá essencial proteção à dignidade dos menores da família, e em particular ao
desenvolvimento da personalidade dos filhos efetivamente promovendo a dignidade e a realização individual e coletiva da família.” (idem). Portanto, a
dignidade da pessoa humana é princípio basilar do Estado Democrático do Direito e “seu respeito provém da tutela que a própria Constituição faz de
bens jurídicos prioritários” (BITTENCOURT, 2008, p. 48), como previsto nos artigos 226 e 227 da Carta Magna.
A dignidade da pessoa humana consagrada como fundamento do Estado Democrático de Direito, compõe a nova base axiológica do ordenamento
jurídico, irradiando para todos os sistemas infraconstitucionais os seus efeitos, como enfatiza Simone Cardoso: “A Constituição Federal assumiu a
direção de matérias anteriormente exclusivas do Direito Civil, impondo os novos contornos axiológicos para o sistema jurídico. À medida que estas
alterações vão tomando forma, os pilares e paradigmas eleitos pelo Direito Civil clássico vão cedendo espaço às novas estruturas, fundamentadas
em valores de igualdade material e liberdade individual, ambas num mesmo patamar de compreensão” (CARDOSO, 2004, p. 103).
Ainda: “para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, há necessidade de uma visão aberta e includente, para além dos
dispositivos codificados, de modo a garantir a tutela jurídica ao ser humano, no seu sentido ontológico” (CARDOSO, 2004, p. 90).
Já para Ingo Sarlet: “[...] os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos
[...] sob o aspecto de concretizações do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como dos valores da igualdade, liberdade e justiça,
constituem condição de existência e medida da legitimidade de um autêntico Estado Democrático e Social de Direito, tal qual como consagrado
também em nosso direito constitucional positivo vigente (SARLET, 2004, p. 70 e 72).
Em suma, “os direitos fundamentais, em rigor não se interpretam, concretizam-se” (BONAVIDES, 2004, p. 592) (grifo nosso). A dignidade da
pessoa humana fundamento do atual ordenamento jurídico brasileiro, destaca-se dos demais princípios constitucionais, servindo de “referencial
inarredável no âmbito da indispensável hierarquização axiológica” (SARLET, 2006, p. 80), pois visa garantir a tutela jurídica ao ser humano, “núcleo
do ordenamento jurídico” (BARBOZA, 2008, p. 57).
4 Dos processos analisados
Os processos analisados totalizam o número de 13, o primeiro foi distribuído em 22 de outubro de 2003, enquanto que o último em de 28 de abril de
2008, ou seja, anteriormente à Lei n. 11.698/2008, que alterou os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil vigentes introduzindo na legislação pátria a
guarda compartilhada.
No período acima especificado foram analisados processos que tramitaram na 4ª Vara de Família e Sucessões onde foi deferida a guarda
compartilhada. Da mesma forma, na 2ª Vara de Família e Sucessões foram analisados 02 processos em que foi deferida a guarda compartilhada, a
título de amostragem.
Devido ao número de casos e a natureza dos mesmos, levando em conta o objetivo do estudo e a complexidade da matéria, a delimitação foi feita
pensando numa análise qualitativa dos dados.
Assim, a fim de melhor visualizar os processos, a data da decisão judicial e os Juizados, os dados coletados fazem parte do seguinte gráfico
analítico:
4.1 Da natureza das ações
Já o próximo gráfico analítico indicará a natureza de cada processo:
Pela natureza dos processos pesquisados: 07 são separação consensual, 02 são divórcio consensual, 02 são dissolução consensual de união
estável, 01 é conversão de separação em divórcio consensual e 01 é ação de guarda. Com exceção deste último processo, os demais definiram a
guarda compartilhada consensualmente.
A aplicabilidade da guarda compartilhada restou evidenciada na ação de conversão de separação em divórcio consensual (Processo n.
001/1.07.0101068-5), porquanto os pais inicialmente definiram na ação de separação (Processo n. 001/1.05.0798591-9) a guarda uniparental, ficando
a filha sob a guarda paterna e a mãe com direito a visitas pré-estabelecidas. Contudo, na ação de conversão os genitores informam que “tão-logo
homologada a separação judicial os ora demandantes acordaram que, apesar de formalmente ter o pai o direito de guarda da menina, ambos a
exerceriam conjuntamente, pois tal situação seria mais benéfica aos interesses da menor”. Ainda, os genitores informam que a criança “tem ótimo
rendimento escolar e um excelente relacionamento com ambos os genitores e demais familiares. É uma menina equilibrada e feliz”, o que demonstra
efetivamente as vantagens da guarda compartilhada.
4.2 Da quantidade e idade dos filhos
No tocante à idade dos filhos, verifica-se que a idade mínima é de 02 anos e a máxima de 12 anos. A totalidade de filhos dos pais não ultrapassou
02, sendo que sobre estes decidiu-se sobre a guarda compartilhada, conforme gráfico analítico:
4.3 Visitação e residência dos filhos
No que tange à visitação, o Processo n. 001/1.07.0302778-0, na cláusula 02 da inicial, ajustou a visitação paterna, uma vez por semana, na
quarta-feira, com possibilidade de pernoite; fins de semanas alternados; férias de inverno e verão e festas do final de ano. Já os Processos n.
001/1.06.0051600-1 e 001/1.05.0798364-9, ajustaram a alternância de lares, definindo os dias em que cada genitor poderá estar com o filho.
Neste sentido:
Processo n. 001/1.06.0051600-1, da guarda do menor:
“A guarda compartilhada será feita com a divisão em proporções idênticas de tempo de guarda entre os requerentes, em dias alternados ou corridos,
priorizando-se esta última modalidade, mas podendo optar-se por uma ou outra, conforme a conveniência do menor e/ou dos pais.”
Processo n. 001/1.05.0798364-9, item 03 da inicial:
“Quanta à guarda da filha, com fundamento no art. 1.583 do CC, os Requerentes optam pelo regime da guarda compartilhada, onde a filha,
preferencialmente, ficará de segunda-feira até quarta-feira à noite na casa do pai, além do sábado durante o dia e de quarta-feira à noite até domingo
à noite na casa da mãe, podendo se flexibilizado pelo interesse das partes e da filha.”
Quanto à residência dos genitores verificou-se que moravam na cidade de Porto Alegre, na maioria das vezes, com endereços próximos.
4.4 A pensão alimentícia
O último dado analisado foi a pensão alimentícia, ocorrendo nos Processos n. 001/1.07.0302778-0, 001/1.07.01014068-5, 001/1.07.0180945-4;
001/1.05.0646293-9, 001/107.0112555-5, 001/1.06.0051600-1, 001/1.05.2308276-6, 001/1.05.0798569-2 e 001/1.05.0799135-8, totalizando 09
processos, num montante de 13. Nos 03 primeiros, a obrigação alimentar mediante desconto na folha de pagamento do alimentante, os dois
seguintes, mediante pagamento em pecúnia e os demais dividindo-se as despesas da criança, na qual cada genitor responsabiliza-se pelo
pagamento, como por exemplo a seguinte cláusula: “compartilham por metade a responsabilidade no pagamento das despesas do filho, de sorte que
não se faz necessária estipular alimentos em favor do menor.”
No Processo n. 001/1.070037437-3, chama a atenção o fato de que na cláusula 1.2. da inicial, a guarda do filho menor ficaria com o pai; porém, no
termo de audiência, datado de 23 de maio de 2007, houve a sua alteração, ajustando os genitores que a guarda será compartilhada, sem estipulação
de verba alimentar e visitação. Evidenciando que a juíza na audiência esclareceu aos genitores as vantagens da guarda compartilhada,
antecipando-se à alteração do artigo 1.584 do Código Civil, oriunda do Projeto de Lei n. 6.350, de 2002, que introduz no § 1º o dever do juiz informar
ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a igualdade de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções
pelo descumprimento de suas cláusulas.
4.5 Da efetividade e as vantagens da Guarda Compartilhada
Ainda, destacam-se as seguintes frases que denotam a efetividade e as vantagens da guarda compartilhada, notadamente no cuidado e a proteção
das crianças.
Processo n. 001/1.05.07998832-2, cláusula 05 da inicial:
“Tendo em vista o objetivo maior do casal, que é o bem estar de suas filhas, a guarda das menores deverá ser exercida por ambos os requerentes,
de forma compartilhada, já que a relação existente entre ambos é marcada pelo respeito e harmonia, o que permite que as filhas desfrutem tanto da
companhia materna como paterna, fato salutar para o seu desenvolvimento saudável.”
Processo n. 001/1.07.01800945-4, item I da inicial:
“Quanto aos filhos, as partes acordam em estabelecer guarda compartilhada, em face do bom relacionamento mantido pelos cônjuges, que melhor
contribui para o desenvolvimento dos menores.”
Processo n. 001/1.07.0112555-5, item II da inicial:
“A guarda dos filhos será compartilhada entre ambos requerentes, pai e mãe dos menores D.K.P. e M.K.P., que mediante colaboração e cooperação
mútua e recíproca, preservarão horários estáveis visando a proteção e bem-estar dos menores.”
Processo n. 001/1.07.0101068-5, na inicial:
“(...) há muito a menina vem tendo a guarda conjunta de ambos os pais, passando cada semana na companhia de um deles. Para tanto, dispõe de
quarto, roupas e brinquedos na casa de cada um dos genitores, que estabelecem a substituição sempre às segundas-feiras, na saída da escola.”
Como consequência, L., “atualmente com cinco anos de idade, tem ótimo rendimento escolar e um excelente relacionamento com ambos os
genitores e demais familiares. É uma menina equilibrada e feliz, como consequência do bom relacionamento mantido entre os pais que, apesar de
terem rompido os laços matrimoniais, são amigos e buscam em conjunto as melhores soluções para a educação e o bem estar da filha.”
4.6 Definição da Guarda Compartilhada em sede de litígio
Por fim, constatou-se também que a guarda compartilhada foi objeto de sentença judicial proferida na ação de guarda (Processo n.
001/1.06.0171160-6), proposta por I.T.B. e S.M.B, avó e tia paterna do menor V.B., contra L.D.L, genitora deste.
Segundo a sentença judicial, o objeto da demanda judicial era a disputa da guarda do menor V.B. que se encontrava na companhia da avó paterna,
pois os pais do menor estavam separados. O genitor era alcoólatra e estava sendo investigado por suposto abuso sexual no filho. A genitora não
possuía as mínimas condições para assumir a responsabilidade da criança.
No mérito, a julgadora concedeu à guarda compartilhada à avó e tia paterna, pois, atendia o melhor os interesses do menor, regulamentando, ainda,
uma situação fática já existente fortalecida pela existência de laços afetivos, conforme destaca-se da sentença a seguir transcrita: “Quanto ao pedido
de guarda compartilhada, tenho que também mostra-se recomendável, pois apenas vai regulamentar uma situação que já existe. Com a
superveniência da incapacidade do avô e o avanço da idade da avó, a tia é quem tem se encarregado de várias atividades envolvendo o menino,
principalmente, aquelas referentes ao lazer, como se pode contar pelo depoimento da tia: ‘eu que levo na natação, para o cinema, Mac Donald’s que
ele adora (fl. 64)” [4].
A decisão da nobre julgadora [5], datada de 19 de setembro de 2007, demonstrou sensibilidade e preocupação ao assegurar ao menino à garantia do
princípio de proteção à criança e ao adolescente, antecipando-se de certa forma à nova redação do artigo 1.584 do Código Civil e seus parágrafos,
alterado pelo Projeto de Lei n. 6.350/2002, que possibilita a guarda compartilhada para pessoa que revele compatibilidade com a natureza da
medida, desde que verificado pelo juiz que o filho não deve permanecer sob a guarda dos genitores, conforme § 5º, do referido artigo.
Na pesquisa realizada restou evidente que a guarda compartilhada foi adotada utilizando diversos arranjos, tais como: ajuste de pensão alimentícia
ou não, divisão das despesas dos filhos, visitação e alternância de lares, mas, principalmente, visando assegurar ao filho o seu melhor interesse,
buscando o seu cuidado e proteção.
O modelo da guarda compartilhada atende aos preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade de direitos e obrigações dos
pais com relação aos filhos, da proteção integral a crianças e aos adolescentes e ao princípio geral do cuidado, mecanismos jurídicos atuais que
servem para atender as novas demandas sociais da família contemporânea.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, na pesquisa de Estatística do Registro Civil de 2002 [6], revela que nas separações e
divórcios com filhos menores, a guarda compartilhada corresponde a 2,6% nas separações e 2,7% nos divórcios, totalizando 5,3% das guardas.
Dados estatísticos que demonstram a utilização da modalidade da guarda compartilhada no Brasil.
5 Conclusão
Atualmente convive-se com uma geração de filhos de pais separados. Evidentemente a questão da guarda, pela ruptura conjugal dos pais, passa a
ser aspecto relevante, e os profissionais do Direito devem iniciar uma reflexão sobre o cuidado e a prevalência da família.
A singularidade de cada família e a dinâmica familiar devem contribuir no processo de se estabelecer o modelo da guarda a ser adotado, não
podendo olvidar que a questão da guarda acarreta efeitos psicoemocional em todos os membros da família. É um ciclo da vida para muitos, uma
circunstância acompanhada igualmente de mudanças estruturais significativas.
A família contemporânea é representada por novos arranjos familiares, diferentemente da família tradicional, na qual, o pai ou a mãe, que não
detinham a guarda, exerciam um papel periférico no relacionamento com o filho. Modelo reprodutor da família patrimonalista. A família tradicional,
ideário do Estado Liberal, constituia-se de pai-mãe-filhos, fruto da ideologia superada pelo Estado Democrático de Direito.
A família, neste contexto, é a estrutura base da sociedade, sendo a convivência familiar essencial no desenvolvimento do ser humano, em especial
das crianças, que dela receberão os primeiros cuidados, orientações e valores. O poder familiar, atualmente, é dirigido pelo princípio constitucional de
proteção integral da criança e do adolescente, da dignidade da pessoa humana, do princípio geral do cuidado, do afeto e da igualdade entre os
genitores.
O princípio geral do cuidado é um princípio implícito da dignidade da pessoa humana, surgindo como valor jurídico, cuja noção envolve vários
aspectos do Direito de Família, porquanto a família é o ethos de desenvolvimento da personalidade e da potencialidade dos seus membros. Assim,
local privilegiado no exercício do cuidado, para garantir às crianças e aos adolescentes condições de desenvolvimento físico e emocional adequado.
A proteção integral da criança e do adolescente destina-se a estas pessoas em formação, transformando-os em sujeitos de direitos, titulares de
direitos juridicamente protegidos, condicionando os interesses dos pais ao do filho.
O princípio da igualdade garante tratamento igualitário aos genitores nos seus direitos e nas suas obrigações com relação aos filhos, assegurando,
desse modo, a igualdade no exercício do poder familiar.
O afeto, por sua vez, no Direito de Família vincula-se profundamente à dignidade da pessoa humana, pois o afeto é elemento formador da família
contemporânea, sendo, ainda, vínculo do amor que une uma entidade familiar.
A dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, é princípio constitucional que visa garantir o pleno desenvolvimento
moral e espiritual da pessoa humana, na sua realização. Serve, ainda, de base axiológica no ordenamento jurídico, pois tutela juridicamente a
pessoa.
Desse modo, as mudanças jurídicas no sentido de um ideal igualitário, de garantia dos direitos humanos e de proteção integral a crianças e
adolescentes, conforme os artigos 5°, 226 e 227, todos da Constituição Federal, apontam a guarda compartilhada modalidade capaz de atender aos
novos preceitos constitucionais.
Portanto, tem-se o intuito de provocar a reflexão jurídica acerca da importância do modelo da guarda compartilhada, que visa tutelar os interesses
das crianças e dos adolescentes, que por estarem em fase de desenvolvimento necessitam de um tratamento jurídico diferenciado.
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Saraiva, 2005. Notas: [1] Os processos judiciais pesquisados tramitaram na 2ª e 4ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central de Porto Alegre.
[2] A abordagem dos princípios constitucionais será breve, porquanto o objetivo deste trabalho é da aplicabilidade da Guarda Compartilhada nas
ações. [3] Estatuto da Criança e do Adolescente e Código Civil de 2002. [4] Trecho destacado da sentença proferida pela nobre julgadora, Dra.
Carmem Maria Azambuja Farias, nos autos do Processo n. 001/1.06.0171160-6, da 4ª Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre. [5] A sentença
proferida pela Juíza Singular, foi modificada, em recurso, pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível n.
70023678980, tão somente para assegurar a visitação materna, conforme ementa: APELAÇÃO CIVEL. GUARDA DE MENOR. REGULAMENTAÇÃO
DE VISITAS. Tendo sido deferida a guarda do menor aos avós paternos e tia, impõe-se regulamentar a visitação da mãe ao filho, no melhor interesse
e bom desenvolvimento da criança, que nutre pela mãe profundo afeto. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. DATA DE JULGAMENTO:
30/06/2008. RELATOR: Ricardo Raupp Ruschel PUBLICAÇÃO: Diário de Justiça do dia 04/07/2008. [6] Dados estatísticos obtidos na página do
IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home//presidencia/noticias/17122003registrocivilhtml.shtm> Acesso em 26 abr. 2008, 21:40:23.
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