EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E INTERDISCIPLINARIDADE:
UMA DISCUSSÃO EM TORNO DA UNIVERSIDADE CONTEMPORÂNEA.
SANTOS, Maria Lucimara dos – UTP*
Processos de Ensinar e Aprender: teorias, metodologias e práticas.
Resumo
Este texto tem por finalidade fazer uma análise no que diz respeito a teorias relativas aos conceitos
de extensão universitária e interdisciplinaridade, uma vez que se considera a prática de tais
abordagens como processos do ensino superior. De forma alguma o presente texto tem a pretensão
de esgotar discussões sobre temas tão abrangentes. A aspiração fundamenta-se em delinear uma
análise a partir das discussões apresentadas por alguns aspectos pertinentes à extensão universitária,
para então relaciona-los com determinados aspectos condizentes à interdisciplinaridade, e assim
caracterizar este vínculo como um processo de ensino viável na Educação Superior. No que se
refere à extensão universitária, deve-se levar em consideração que atualmente se trata de um tema
bastante complexo, uma vez que se enquadra de forma recente no cenário brasileiro, restringindo
assim a produção acadêmica em torno de seu significado. Da mesma forma deve-se levar em
consideração que é a partir da organização do Fórum de Pró-Reitores das Universidades Públicas
Brasileiras, em final dos anos 80, juntamente com a institucionalização sobre o princípio de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, na Constituição de 1988, que a discussão em
torno da extensão universitária se cristaliza. Torna-se, portanto indispensável compreender que o
conceito de extensão não fica restrito a um determinado conceito: sua compreensão abrange um
foco muito mais amplo devendo-se levar em consideração as relações do ensino, da pesquisa, da
missão da universidade na sociedade.
Palavras-chave: Universidade, Extensão Universitária, Interdisciplinaridade.
*
Mestranda da Universidade Tuiuti do Paraná, Mestrado em Educação. [email protected]
2857
Introdução
A relação universidade/sociedade há muito tempo vem sendo percebida, pois desde a
concepção da Universidade que se criou, em seu passado histórico, a necessidade de se estabelecer
vínculos entre ambos. Visto nesta concepção ampla, o extensionismo1 tem sido uma prática
verificada pelo percurso histórico da mesma. Entretanto, foi a partir do surgimento da pesquisa na
universidade moderna do final do século XIX, que se modifica o paradigma de universidade. Esta
mudança de paradigma alterou tanto os conceitos da relação universidade/sociedade, a partir do
advento da Revolução Industrial, como se percebeu uma alteração das disciplinas ofertadas pela
universidade, ou seja, neste período, os modelos de universidade alemã e americana
respectivamente, desenvolveram formas distintas de comunicação entre várias áreas do saber,
proporcionando a necessidade de uma revisão das mesmas. (SINGER, 2001, p. 307-308)
É a partir do questionamento quanto à proliferação de diversas áreas do saber, que
Singer (2001) demonstra uma “nova” Revolução Industrial, no que diz respeito ao papel da
universidade e da aplicabilidade do conjunto de disciplinas na universidade contemporânea. Este
conhecimento adquirido deve ser analisado a partir não apenas da missão da universidade na
sociedade, como também do modelo de sociedade que se deseja ter.
A complexa relação entre universidade e sociedade, revela-se na integração das
diferentes áreas do saber ofertadas pela universidade, a partir do princípio de indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão. Considerando este princípio, verificou-se ser possível uma prática
interdisciplinar a partir da extensão universitária. Neste ponto é que se compreende que extensão e
interdisciplinaridade referem-se a questões relacionadas à contemporaneidade, e que tais questões
se inserem no cenário brasileiro atual. Neste sentido, extensão e interdisciplinaridade, estabelecem
discussões atuais em relação ao ensino, e em especial, ao ensino superior brasileiro.
A fim de compreender a relação entre extensão universitária e interdisciplinaridade,
torna-se necessária uma breve discussão sobre o conceito de Extensão Universitária e na seqüência,
1
De acordo com Gurgel (2001), esta prática já há muito tempo vem sendo incorporada pela universidade com
historicidade própria, uma vez que seu surgimento é associado à própria origem das universidades européias. No que se
refere à construção do conceito de extensão universitária, a América Latina incorporou tais conhecimentos, onde por
conseqüência o Brasil herdou de igual maneira tais questões. Para o autor, o extensionismo “representa a Ação
decorrente do exercício da Extensão Universitária em suas várias modalidades ou formulações em que se incluem:
cursos de Extensão; atividades de assistência técnica; prestação de serviços no campo social, no educacional, no
sanitário, no jurídico e no de difusão cultural; atuação em projetos de ação comunitária ou similares; assessorias ou
consultas; realização de levantamentos; elaboração de planos e projetos; difusão de resultados de Pesquisas.”
(GURGEL, 2001, p.13)
2858
apresentar o conceito de Interdisciplinaridade, com o objetivo de se estabelecer no decorrer do
texto, as analogias pertinentes à proposta anteriormente mencionada.
Universidade: Extensão e Interdisciplinaridade.
A discussão a respeito da Extensão Universitária refere-se ao papel que deve exercer
perante a sociedade e como este papel é definido. Neste sentido é no exercício das funções que a
universidade desempenha que ensino, pesquisa e extensão criam aspectos e características próprias.
No exercício destas atribuições, a universidade deve estar atenta ao seu papel junto à sociedade, e a
fim de desempenhar esta função socializadora de saberes, a extensão priorizaria determinada
função.
No entanto como bem lembra Castro (2005), enquanto grande parte dos estudos sobre
extensão, referem-se a sua inserção dentro da Universidade como “terceira função”, em menor
número, outros trabalhos preocupam-se em investigar a prática dos projetos de extensão no dia a
dia, influenciando o processo de formação dos acadêmicos, bem como da consciência dos mesmos,
frente às conseqüências oriundas destas práticas acadêmicas. (CASTRO, 2005, p. 2).
Para o Plano Nacional de Extensão Universitária (2000), a extensão no Brasil passou a
ser vislumbrada a partir de uma nova concepção: de caráter assistencialista, passou a um
questionamento de suas ações, de função inerente à universidade, a extensão passa a ser percebida
como um processo de articulação entre o ensino e a pesquisa. Desta maneira, o documento assim
destaca que o reconhecimento legal da extensão deve-se à sua inclusão na Constituição e a partir da
organização do Fórum de Pró-Reitores de Extensão, no fim da década de 1980. Desta forma, a
partir do I Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão é que se estabelece o devido conceito:
A extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o
Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora
entre Universidade e Sociedade. A Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito
assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade
de elaboração da praxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à
Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à
reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento.
Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular,
terá como conseqüências a produção do conhecimento resultante do confronto com
a realidade brasileira e regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a
participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade.
Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a Extensão
é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social. (Plano
Nacional de Extensão Universitária, 2000, p.5)
2859
Entretanto, com a institucionalização da extensão a partir do final da década de 80,
críticas foram surgindo alegando ser um equívoco conceber a extensão como “sujeito do processo”,
pois agindo desta forma, pode abrir possibilidades para desenvolver ações desintegradas das demais
funções da universidade (ensino e pesquisa), uma vez que o compromisso social da universidade
tem de ser realizado por todas as atividades da instituição, não devendo ser o compromisso apenas
da extensão. (SILVA, 2005, p.2)
Partindo de uma análise mais ampla, Silva (2005) salienta que diversos autores2
contribuem para a discussão no que se refere ao papel da extensão, questionando desta forma, o
complexo papel exercido pela universidade na atualidade. A autora menciona que para perceber o
significado da extensão, deve-se abranger o foco de estudo para o ensino, para a pesquisa, para o
estudo do currículo, o estudo da missão da universidade na sociedade, bem como do seu projeto
institucional, da situação sócio-econômica do país, das políticas educacionais, entre outros.
(SILVA, 2005, p. 1)
É a partir desta diversidade que a universidade atualmente se encontra em um momento
de crise de identidade, uma vez que suas ditas “funções” se entrelaçam continuamente, no
compromisso social da universidade com a sociedade. Assim, o apontamento da existência desta
crise, deve apresentar a necessidade de discussões interessadas em contextualizar as condições
macro-estruturais do país, uma vez que a universidade se encontra dentro do contexto da sociedade.
Esta universidade encontra-se vinculada ao paradigma da modernidade e, portanto, vinculada a
transições decorrentes entre os paradigmas da ciência moderna para a ciência pós-moderna, bem
como da modernidade, para a pós-modernidade, pressupondo rupturas. Como “propulsor de
rupturas”, considera as discussões transdisciplinares sobre a crise de paradigmas, o debate essencial
para a formulação de novos conceitos na universidade, proporcionando assim, um questionamento
crítico das bases epistemológicas, ocasionando uma nova redefinição de universidade e, por
conseguinte, de uma concepção de extensão. (SILVA, 2005, p. 2-3)
Contribuindo com a discussão, Castro (2005) comenta que é possível superar a “crise”,
repensando a universidade e desta maneira, colocando a público seu projeto, com a finalidade de
fazer-se entender, pois a universidade faz parte da sociedade. É no sentido da busca de saídas para o
que a autora chama de “crise do conhecimento contemporâneo”, que pretende compreender a
2
Esta discussão já vinha sendo abordada por autores como Botomé (1996), onde se percebe a necessidade de
compreender aspectos relacionados ao ensino e pesquisa, bem como da extensão.
2860
extensão na sua forma de produção do conhecimento, considerando-a como “emancipadora”. Para
tanto, atenta que algumas características da extensão quando bem exploradas, “podem vir a
contribuir para uma mudança no processo de ensinar e aprender”, uma vez que possui:
[...]um arsenal metodológico diferenciado; é feita de encontros entre alunos,
professores e comunidades, tem a possibilidade de, neste encontro, incorporar
outros saberes, de criar um novo senso comum e de ampliar a capacidade de
reflexão sobre as práticas, porque nelas se constituem, ou seja, são constituídas
pelas experiências. (CASTRO, 2005, p.5)
Um outro aspecto a ser salientado neste momento, refere-se ao princípio de
indissociabilidade, presente na definição de extensão conforme apontada anteriormente. Através do
exercício a partir do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, levando-se
em conta características presentes em cada um destes momentos, torna-se possível um “diálogo
interdisciplinar”, buscando atrelar ao conhecimento científico, saberes de educandos e professores
juntamente com os conhecimentos específicos de uma sociedade. (MOITA et tal, 2005, p. 79).
A partir da experiência anunciada por estes autores, fica claro analisar que a extensão
não seria um sujeito do processo, ficando marginalizada em um lugar indecifrável, mas estaria
presente como um agente capaz de articular as outras funções da universidade: o ensino e a
pesquisa. A experiência apontada por Moita (et tal, 2005), revela que o princípio de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão possibilita, o impedimento a uma visão
reducionista no que se refere à prática universitária. Ao se considerar apenas relações duais
(ensino/pesquisa; pesquisa/ensino, ensino/extensão,...), por exemplo, e mesmo reconhecendo a
importância de tais relações, ainda assim ficaria em suspenso uma formação mais completa. Para os
autores, torna-se necessário a prática da relação entre a tríplice aliança entre ensino, pesquisa e
extensão a partir do princípio de indissociabilidade.
O princípio de indissociabilidade, portanto, é considerado como orientador da qualidade
de produção universitária, uma vez que a partir deste exercício, universidade e sociedade apontam
para ganhos consideráveis na produção do conhecimento, caracterizando desta forma a “troca de
saberes sistematizados”, apontados pelo Plano Nacional de Extensão Universitária (2005).
Se esta troca de “saberes sistematizados”, entre acadêmico e popular, apontam para
conseqüências de produção de conhecimento resultante do confronto entre as realidades acadêmicas
e sociais, gerando uma “democratização” do conhecimento e uma efetiva participação da
universidade na sociedade, torna-se necessário compreender como a extensão pode ser
compreendida como um “trabalho interdisciplinar”.
2861
Neste ponto, considerando as questões abordadas anteriormente, percebe-se que uma
discussão sobre a interdisciplinaridade torna-se necessária, uma vez que tal discussão pode vir a
contribuir em muitos dos aspectos que dizem respeito à educação superior e de como o ensino, em
comunhão com a pesquisa, pode corresponder ao exercício de indissociabilidade, levando-se em
conta as características da extensão universitária. E mediante tais teorias, compreender um processo
de ensino diferenciado na universidade.
Interdisciplinaridade e Universidade
Para Gusdorf (1985) existe uma “exigência interdisciplinar” na intenção em atender à
demanda da complexidade dos tempos atuais. O autor compreende o tema da interdisciplinaridade a
partir de uma análise etimológica da palavra disciplina, e a partir da mesma, confere uma análise
baseada na “desordem” das disciplinas, onde a situação de partida para a justificativa de uma
preocupação interdisciplinar, refere-se em “trazer remédio a uma carência fundamental da
consciência epistemológica” e desta forma, tal questão procura ultrapassar a problemática
contemporânea da “inquietação metafísica”. (GUSDORF, 1985, p.3)
Assim, compreende que a pesquisa interdisciplinar deve refletir uma necessidade de uma
“pesquisa da pesquisa”, onde o pesquisador deve transcender as especificidades das disciplinas,
estabelecendo contato com outras áreas afins, na obtenção de um novo conhecimento. Tamanha
inquietação leva o autor a comentar sobre o prefixo inter, no tema da interdisciplinaridade:
O prefixo inter não indica apenas uma pluralidade, uma justaposição; ele evoca um
espaço comum, um fator de coesão entre saberes diferentes. Os especialistas das
diversas disciplinas devem estar animados de uma vontade comum, e de uma boa
vontade.(GUSDORF, 1985, p.8)
Desta forma, a partir da intencionalidade da colaboração entre especialistas, por
exemplo, remete a um compromisso muito mais amplo e condicionado a uma permanente
discussão, configurando assim uma melhor apreensão do conhecimento, pois o “princípio de
interdisciplinaridade é uma abertura do pensamento, uma curiosidade que se busca além de si
mesmo, nas conexões e solidariedades do tecido do conhecimento.” (GUSDORF, 1985, p.9)
Este “tecido do conhecimento” humano no nosso entender, diz respeito a uma unidade
de pensamento no qual as tramas do tecido interagem de tal maneira, que acabam por articular-se
em um processo de colaboração mútua. Ou seja, no processo interdisciplinar, cada especialista em
sua determinada área, deve vincular seus conhecimentos aos conhecimentos de outros especialistas
2862
na intenção de uma configuração de um novo plano epistemológico, capaz de trazer contribuições
consideráveis a partir deste processo colaborativo. Este processo implica em uma conscientização
por parte de ambos os especialistas, nesta referida intenção.
De acordo com o autor, quando o conhecimento científico passa a ser compartilhado
com outras áreas de conhecimento (as especialidades), é que se configura o processo
interdisciplinar. Seria um princípio de abertura onde o saber de um se entrelaça no saber de outro, e,
portanto “a idéia da interdisciplinaridade evocaria pois um conhecimento que se busca além de si
mesmo, que não se contenta com sua identidade literal. (GUSDORF, 1985, p.9)
Neste ponto, a extensão caracteriza aspectos comuns aos apresentados a partir da “idéia”
da interdisciplinaridade apresentada por Gusdorf (1985). Em um primeiro momento deve-se levar
em consideração que o prefixo “inter” da palavra, compreende “um fator de coesão entre saberes
diferentes”, como mencionado anteriormente. Na extensão universitária, leva-se em conta não
apenas os saberes produzidos pela universidade, mas também o saber empírico produzido pela
sociedade, a partir da experiência prática. São saberes diferenciados, mas que ao serem
compartilhados, proporcionam um ganho significativo para ambos os lados. Por isso é que ao se ter
contato com os saberes produzidos pela sociedade, acadêmicos e professores trarão tanto um
conhecimento aprimorado, como novos questionamentos diferentes dos produzidos antes da relação
de troca.
Segundo, que os saberes científicos devem ser compartilhados com outras especialidades
a partir do “princípio de abertura”, onde se configura a idéia de interdisciplinaridade. Se a
interdisciplinaridade caracteriza-se a partir da colaboração entre especialistas e se estes especialistas
procuram ultrapassar um conhecimento para além de si mesmo, proporcionando um ganho na
aprendizagem e gerando uma “abertura de pensamento”, este mesmo princípio de abertura deve
estar presente na extensão, uma vez que tais especialistas subordinados em perceber que novas
informações são trazidas a partir do conhecimento popular, acabam por superar os limites impostos
pela academia, a fim de proporcionar a abertura de conhecimento.
Considerando que a extensão se configura por uma “troca de saberes sistematizados”,
entre o conhecimento acadêmico e o popular, é possível compreender o papel desempenhado por
estes especialistas junto à sociedade, buscando compreender desta forma, a função da universidade.
Assim, é a partir da análise em relação à criação da universidade moderna, que se percebe a
analogia entre universidade e sociedade.
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Neste sentido, Singer (2001) chama a atenção para o fato de que se deve levar em
consideração como a universidade moderna, surgida a partir das questões apresentadas tanto pela
iniciativa da universidade alemã de Humboldt, como das contribuições da universidade surgida nos
EUA a partir dos anos 60, entram no processo de orientação da forma em como a idéia de
universidade vai se estruturando. Citando Boaventura de Souza Santos, o autor lembra que a partir
deste período, os três fins principais da universidade “passaram a ser a investigação, o ensino e a
prestação de serviços”. (SINGER, 2001, p.308)
A partir daí, compreende-se que, devido a uma multiplicidade de funções oriundas
destes três eixos, ocorre uma “crise da universidade”, onde se configuram choques entre as
concepções ideológicas da “verdadeira” missão da universidade. Estes dilemas que orientam a
divisão da universidade, segundo o autor, se originam de concepções opostas entre a “missão da
universidade”, como também “sobre o modelo de sociedade desejável”. Desta forma, a
compreensão da missão de universidade se subdivide em dois dilemas: para aqueles que acreditam
ser o individualismo e a competição os caminhos necessários a uma estimulação e a partir daí, haver
a difusão de conhecimentos; e para aqueles que acreditam mais na cooperação do que na
competição para que ocorra o progresso social, acreditando assim que a universidade deve instruir e
formar cidadãos na produção de conhecimentos que integrem estes valores na produção científica,
compreendendo
a
cooperação
entre
os
investigadores
uma
elaboração
de
“equipes
interdisciplinares”. (SINGER, 2001, p. 309-311)
É nesta segunda concepção que Singer (2001) nos apresenta, que entendemos o processo
de extensão como um espaço de colaboração e a partir desta proposta, situar a idéia de
interdisciplinaridade, bem como o “princípio de abertura” apresentado por Gusdorf (1985), que
compreende os aspectos relacionados a um processo colaborativo por parte dos especialistas.
Refletindo sobre este processo, deve-se levar em consideração que o papel do especialista não deve
ficar condicionado apenas ao espaço acadêmico, onde perpassam os conhecimentos produzidos na
universidade, mas deve transcender os espaços físicos da academia, criando uma comunicação com
a sociedade. Neste momento, é possível situar o lugar da extensão: este lugar não está dentro do
espaço acadêmico, está permeando junto ao “tecido do conhecimento”, do mesmo tecido a que
pertence a idéia de interdisciplinaridade.
Porém, Japiassu (1992), lembra que devido a um esfacelamento do conhecimento
científico, bem como de seu ensino, persiste uma problemática na qual o especialista da atualidade,
ao se deparar com a especialização de um determinado conhecimento, acaba por conhecer o “tudo
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sobre o nada”. O desenvolvimento de diversas áreas do conhecimento conduz estes especialistas ao
apego de conhecimentos adquiridos ao longo do tempo, não levando em consideração que este tipo
de prática induz a um isolamento de especialidades, chegando a ponto de ser impossível o
compartilhamento de conhecimentos.
O compartilhamento de conhecimentos é uma das possibilidades através da prática
interdisciplinar, onde se processa o “conhecimento” interdisciplinar. Neste sentido, ao perceber este
processo de compartilhamento a partir da prática interdisciplinar, o autor menciona que este
movimento provoca sentimentos de inquietação e recusa, por se tratar de uma inovação. Como o
novo pode causar recusa, a prática interdisciplinar tende sempre a questionar. E o local mais
apropriado para o questionamento de conhecimentos na prática interdisciplinar é a universidade. A
mesma universidade que ao deter o conhecimento, necessita compartilhar seus saberes com a
comunidade, sob o risco de esclerosar-se:
Ora, se a universidade precisa ser entendida como um lugar de comunidade e de
comunicação, e não como um aglomerado de saberes justapostos, ...se a
universidade não consiste num depósito central de conhecimentos, ...mas num
lugar onde o ensino e a pesquisa são indissociáveis para promoção do
conhecimento; se sua missão consiste em encarnar a teoria,... então o papel do
educador não será mais o de transmissor de conhecimentos já feitos, mas o de
alguém que seja capaz de manter desperto no educando o princípio da cultura
continuada, que jamais poderá ser confinada ao tempo escolar. (JAPIASSU, 1992,
p. 3-4)
Portanto, se um local propício para a prática interdisciplinar é a universidade, cabe aos
especialistas compreender que ensino e pesquisa tornam-se indissociáveis desde que os
conhecimentos compreendidos nestes dois eixos estejam coesos na prática da extensão universitária.
Esta prática, de acordo com Moita (et tal, 2005) somente torna-se possível a partir do princípio de
indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão como comentado anteriormente.
Ao se compreender esta questão, consideramos que os saberes produzidos na academia
devem ser compartilhados na intenção da produção de um novo conhecimento, capaz de
proporcionar ao acadêmico da universidade a intenção de aplicar o conhecimento adquirido, a partir
de um processo colaborativo. Este processo colaborativo compreende a prática a partir do
conhecimento interdisciplinar. Tendo como base este ponto de vista, percebemos na extensão
universitária uma forma de exercer tal conhecimento interdisciplinar, proporcionando aos
educandos uma visão abrangente na qual se orientam as descobertas pertinentes aos conhecimentos
compartilhados por parte dos professores de diferentes áreas do conhecimento, bem como da troca
de saberes acadêmicos e a partir destes, compreender os saberes populares presentes na sociedade.
2865
Este propósito pode ser possível a partir da iniciativa do educador (especialista), bem
como da universidade, compreendendo que a formação dos educandos deve superar a intenção de
apenas formar diplomados inconscientes dos problemas sociais, estando os mesmos interessados
apenas na formação para a atuação para o mercado de trabalho. A formação acadêmica deve atender
ao princípio de o educando ser capaz de compreender que a partir da integração de várias áreas do
saber, é possível proporcionar um comprometimento com a sociedade, na busca de uma totalidade
humana. Neste sentido, Japiassu (1992) destaca o papel do educador:
Creio que o primeiro dever do educador consiste em guardar um interesse
fundamental pela pesquisa e em despertar no educando o espírito de busca, a sede
da descoberta, da imaginação criadora e da insatisfação fecunda, no domínio do
saber. Porque ele é um “agente inovador” e desequilibrador de estruturas mentais
rígidas. O essencial é que o educando permaneça sempre em estado de apetite.
[...]Se o educador tem algo a ensinar ao educando, creio que se trata de um
ensinamento que o leve a compreender que é ele mesmo quem deve assumir sua
própria educação;[...]Ensinar a aprender, a se construir ou a se reconstruir: eis o
papel do educador. Todo progresso na educação está na construção do espírito e
não em sua domesticação. (JAPIASSU, 1992, p. 5)
É neste sentido que se insere a prática interdisciplinar, ou o “trabalho interdisciplinar”
como salienta o autor. E este trabalho interdisciplinar compreende uma interação das disciplinas,
indo desde a interação dos conceitos, ou seja, os contatos interdisciplinares, até a interação
metodológica que é a pesquisa interdisciplinar. Entretanto, o autor destaca a problemática de que
ainda não existe em nossas universidades a “prática interdisciplinar”, e sim “encontros
pluridisciplinares”, porém imbuídos do espírito interdisciplinar. Esta questão não deve ser
diminuída pois a experiência torna-se válida, uma vez que “[...] o interdisciplinar não é algo que se
ensine ou que se aprenda. É algo que se vive.”. (JAPIASSU, 1992, p.7)
É a partir da experiência aliada ao compromisso assumido pelo corpo docente e discente
através da colaboração, que é possível verificar a prática interdisciplinar em nossas universidades,
pois:
Enquanto prática coletiva, creio ser inexistente o interdisciplinar em nossas
universidades. O que é uma pena. Porque, entre outras vantagens, viria a revelar a
indissociabilidade, entre ensino e pesquisa. [...] Ademais, ao questionar os
conhecimentos adquiridos (tidos por objetivos) e os métodos aplicados, viria
contribuir para transformar as universidades: de um lugar de transmissão ou de
reprodução de um saber pré-fabricado, num lugar onde se produz, coletiva e
criticamente, um saber novo, a partir, bem entendido, do domínio dos
conhecimentos já existentes.Contrariamente ao sistema clássico de ensino em
vigor, [...] o novo sistema pretende superar o corte universidade/sociedade,
saber/realidade. E instauraria ainda uma nova relação entre educadores e
educandos, além de postular uma reforma profunda do ensino e da pesquisa.
(JAPIASSU, 1992, p.8).
2866
Compreendemos neste ponto que se torna necessário o envolvimento do educador do
ensino superior, com a preocupação em ser não apenas um reprodutor do conhecimento para os
educandos, mas ao contrário, seja um “agente inovador”, proporcionando um contínuo
questionamento aos seus alunos, incentivando desta forma os mesmos, a permanecerem em um
“estado de apetite” de conhecimento sempre latente. Neste sentido, para que o processo
interdisciplinar ocorra em nossas universidades, torna-se necessário o compromisso tanto de
docentes quanto de discentes, sendo que é neste compromisso que compreendemos o princípio de
indissociabilidade, como a possível forma de ajuste entre universidade e sociedade.
Considerações Finais
Como visto, é na delimitação das funções atribuídas à universidade durante seu percurso
histórico, que atualmente a mesma encontra-se na chamada “crise de identidade”. Esta crise diz
respeito em como deve ser o enfrentamento para que se crie uma identidade condizente, no que se
refere em como compreender os papéis desempenhados pelo ensino, pela pesquisa e pela extensão.
É a partir da multiplicidade de funções, juntamente com a justaposição das mesmas, que esta crise
se instala. É o que Singer (2001) chama como sendo a nova Revolução Industrial, é o que Castro
(2005) chama de “crise do conhecimento contemporâneo”. Os enfrentamentos destas condições
contemporâneas já fazem parte desta nova identidade da universidade.
Considerando estes aspectos, foi possível verificar que existe a possibilidade de
enfrentamento partindo de um compromisso em que se perceba uma atitude colaborativa entre o
corpo discente e docente, ou seja, ensino, pesquisa e extensão têm em seu conteúdo. É neste sentido
que compreendemos que a prática interdisciplinar agrega capacitações se não suficientes,
pertinentes para a proliferação de novas idéias, conhecimentos, atitudes que facilitariam o
aprimoramento e conscientização dos alunos.
A missão da universidade agrega novas concepções que fazem parte do conjunto de
relações presentes na condição pós-moderna. Nesta condição pós-moderna encontramos o
individualismo acentuado em vários setores da sociedade, estando presente inclusive no ensino
superior. Entretanto, torna-se necessário uma conscientização por parte dos integrantes da
universidade na intenção de superação da “crise de identidade” em que atualmente a mesma se
encontra.
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No que se refere à extensão, sua definição gerou uma série de questionamentos, abrindo
a uma discussão de seu papel junto à universidade. Ao passo que foi necessário no decorrer dos
anos, uma necessidade de compreender o papel desempenhado por este agente, atualmente este se
encontra em ainda em processo de análise. Neste sentido, concordamos com Castro (2005), quando
se refere na necessidade de se investigar mais intensamente a prática de projetos de extensão, uma
vez que a partir deste estudo, é possível compreender, a partir das conseqüências oriundas das
práticas acadêmicas, uma melhor percepção da mesma.
Neste ponto, percebemos ao longo do estudo, que a partir da análise das conseqüências
trazidas pela prática da extensão, que é possível compreender melhor o seu lugar na universidade.
Aqui nos referimos ao espaço da extensão e de como este espaço pode ser compreendido na
universidade. Este espaço em um primeiro momento está vinculado ao princípio de
indissociabilidade, possibilitando um diálogo entre o ensino e a pesquisa. Neste sentido é que
compreendemos que este diálogo se trata de um diálogo interdisciplinar, com a finalidade de
conduzir a universidade a uma melhor compreensão do quadro contemporâneo.
Para tanto o princípio de indissociabilidade, quando trabalhado de forma consciente, traz
grandes ganhos tanto para a comunidade acadêmica como para a sociedade, uma vez que a prática
do exercício de indissociabilidade procura aglutinar saberes e não justapô-los. A extensão aqui é
compreendida como o espaço possível de diálogo, de confronto, de inquietações, de suposições. E o
espaço da extensão está vinculado ao espaço da universidade, da mesma universidade que deve se
adequar a uma atitude interdisciplinar, pois o espaço da universidade, como bem lembra Japiassu
(1992) é o ambiente capaz de promover a colaboração entre professores, alunos e pesquisadores.
Talvez a crise de identidade pela qual a universidade esteja passando possa ser filtrada
no compromisso do diálogo interdisciplinar entre ensino, pesquisa a partir da extensão. Talvez esta
prática possa corresponder ao processo transformador das universidades contemporâneas.
Entretanto, a prática interdisciplinar na universidade compreende um compromisso de professores
(pesquisadores), bem como de acadêmicos. Mas compromisso com quem? Com o quê? Com a
sociedade do qual a universidade faz parte.
Como bem lembra Fazenda (2002), a prática interdisciplinar compreende um
compromisso, pois se trata de uma questão de atitude, onde a colaboração entre diversas disciplinas
conduz a uma “interação” das mesmas, uma vez que a interdisciplinaridade ao pressupor uma
intersubjetividade, propõe uma “[...]mudança de atitude frente ao problema do conhecimento, uma
substituição da concepção fragmentária para a unitária do ser humano”. (FAZENDA, 2002, p.40)
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Esta prática interdisciplinar, por ser uma questão de atitude, remete à idéia do novo, de
ruptura. Por ser novo, torna-se um desafio e este desafio necessita ser transpassado. Nesta novidade,
o interdisciplinar acaba por incomodar, porque provoca atitudes de medo e recusa, conforme
apontado por Japiassu (1992). Se toda a inovação incomoda, é devido ao fato de estarmos
condicionados aos padrões antigos, assimilados devido ao acomodamento proporcionado pelo
tempo. No entanto, o mesmo autor em outra passagem3 nos esclarece que “a atitude interdisciplinar
nos ajuda a viver o drama da incerteza e da insegurança”, uma vez que sua prática possibilita a
todos dar um passo decisivo, no “[...] processo de libertação do mito do porto seguro”. Este
enfrentamento de incertezas faz parte do contexto contemporâneo e a atitude interdisciplinar, tal
como as práticas da extensão universitária, fazem parte deste momento, onde se está presente o
sentimento de inquietação.
Referências:
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EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E INTERDISCIPLINARIDADE