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Título: O lugar do analista enquanto suporte dos processos introjetivos
Autor: Ricardo Salztrager
A proposta do trabalho é questionar qual o lugar do analista no atendimento a pacientes
que apresentam uma discursividade pouco tocada por produções devaneativas. Este é o
perfil dos pacientes atendidos pelo NEPECC – Núcleo de Estudos em Psicanálise e
Clínica da Contemporaneidade, do qual faço parte. Trata-se de casos clínicos que
trazem consigo algo da ordem de um sofrimento narcísico ligado a questões identitárias.
Todos os sujeitos atendidos são marcados por um discurso eminentemente depressivo e
possuem dinamismos psíquicos que escapam ao modelo da neurose calcado,
prioritariamente, no conflito entre o desejo e o recalque.
Nossa hipótese é de que uma referência ao modelo freudiano de “Sua majestade,
o bebê” (FREUD, 1914a/1995) pode auxiliar na compreensão de como se deu o
processo de constituição subjetiva no caso destes pacientes. Trata-se de um modelo que,
em linhas gerais, destaca o momento eminentemente narcísico que advém a partir da
atitude emocional dos pais com os filhos. Com efeito, os pais se encontram focados em
atribuir aos filhos toda a gama de perfeições, ocultando, ao mesmo tempo, suas
deficiências e fraquezas, reivindicando para a criança o direito a todos os privilégios e
facilitando o caminho para que ela não se depare com obstáculos para a realização de
seus anseios. Todo este processo culmina na instauração do narcisismo primário, sendo
estes atributos dispensados à criança aquilo que funciona como base sobre a qual tem
lugar o processo de subjetivação.
A nosso ver, todo este processo se efetivou de modo diferente na história de
nossos pacientes. De acordo com Lambotte (2003), nos casos que envolvem
problemáticas narcísico identitárias, o olhar dos pais atravessara diretamente a criança
para se fixar em outro ponto situado além dela. É um olhar que efetivamente reconhece
a existência da criança mas que, entanto, é carente no que diz respeito aos juízos de
atribuição enfatizados no modelo de “Sua majestade, o bebê”. Tudo indica que muito
pouco foi falado sobre eles, seja sobre seus gostos, defeitos, qualidades, sobre quais
seriam seus projetos para o futuro ou quais deveriam ser seus valores morais. Tais
sujeitos existem sem, no entanto, saberem qual o sentido de seus atributos, anseios ou
sentimentos. Suas existências passam a ser vinculadas a uma imagem de si, sem que
quaisquer predicados ou atributos sejam a ela associados.
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É, portanto, neste contexto que se situa a proposta de questionar qual deve ser o
lugar do analista no tratamento com estes pacientes. Nossa hipótese é que este lugar
deve ser diferente daquele tão enfatizado por Freud (1912/1995) e que diz respeito ao
lugar de suporte para a atualização dos desejos e fantasias do paciente. Para nós, o lugar
a ser assumido pelo analista no tratamento destes casos deve ser o de catalisador de
sentido e, por esta nomenclatura, nos referimos a um lugar de facilitação para a
realização dos processos introjetivos. Trata-se, aqui, de uma visada sobre o conceito de
transferência que começa a ganhar corpo na obra freudiana a partir da virada de 1920,
principalmente quando Freud (1937/1995) circunscreve o dispositivo da construção em
análise.
Sabe-se que foi uma série de questionamentos clínicos que conduziram o
pensamento freudiano à virada de 1920. Tais questionamentos trouxeram consigo uma
maior atenção ao fenômeno clínico da repetição (FREUD, 1914b/1995), o que o fez
problematizar o objetivo inicialmente proposto para a prática clínica de trazer à
consciência o máximo possível do material recalcado mediante a superação das
resistências. De acordo com este objetivo inicial, a interpretação seria o dispositivo que
possibilitaria, a partir do discurso manifesto do paciente, chegar ao texto inconsciente
que o fundamenta.
Nesta mesma época, as dificuldades na condução do caso do Homem dos lobos
(id. 1918/1995), em conjunto com a atenção concedida ao fenômeno do estranho (id.
1919a/1995) e com a reformulação das relações existentes entre fantasia e sintoma (id.
1919b/1995), levaram-no ao reconhecimento dos limites da interpretação e da livre
associação. Dá-se, portanto, a postulação de algo que escapa ao encadeamento
discursivo e que o sujeito não consegue exprimir por meio de quaisquer enunciados.
Trata-se das tendências pulsionais situadas para além do princípio de prazer (FREUD,
1920/1995) e, neste contexto, o recurso à construção em análise é instituído como o
dispositivo clínico que complementaria o trabalho da interpretação, sempre que este se
torna vacilante (FREUD, 1937/1995)1.
Em linhas gerais, a construção em análise é definida como o trabalho que visa ao
preenchimento das lacunas do trabalho interpretativo, através da reunião dos fragmentos
desconexos que o analisando traz em seu discurso. Com efeito, os fragmentos que ele
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Vale lembrar que, embora o artifício da construção tenha sido utilizado pela primeira vez na análise do
Homem dos lobos (FREUD, 1918/1995), é somente em “Construções em análise” (FREUD, 1937/1995)
ele ganha um contorno metapsicológico mais preciso.
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não consegue rememorar aparecem frequentemente, de maneira disfarçada, em seus
sonhos, na relação transferencial ou em atos dentro ou fora do setting analítico. E é a
partir da reunião destes fragmentos que o analista – em conjunto com o paciente –
promove o trabalho de construção (FREUD, 1937/1995).
A construção é, portanto, a ferramenta analítica que visa o fornecimento de
sentido a algo que ainda não o possui. Ademais, é ela quem possibilita o entrelaçamento
dos fragmentos inacessíveis da história do paciente em uma trama propriamente
narrativa. Com a construção, o paciente tem a oportunidade de reelaborar sua história,
contando-a agora por um novo viés. Convém lembrar também que, segundo Freud
(1937/1995) a construção se configura como um trabalho que passa à margem dos
critérios de verdade ou falsificação. Ou seja, jamais se almeja, com ela, fazer referência
a uma verdade absoluta e nem se aguarda o consentimento do paciente com o conteúdo
da construção. Ela é sempre avaliada em função dos efeitos que produz e, neste
contexto, Freud menciona o caso, por exemplo, de o analisando responder à construção
com a exclamação de surpresa “Nunca teria pensado nisso” (FREUD, 1937/1995, p.
281), ou com uma associação vinculada ao conteúdo da construção, ou mesmo,
promovendo quaisquer mudanças em seu comportamento. Mediante estes indícios,
temos algumas garantias de que o trabalho analítico se efetivou.
A nosso ver, é este o lugar a ser assumido pelo analista no tratamento com as
modalidades de sofrimento narcísico acima circunscritas. Trata-se de destacar que com
estes pacientes, o analista deve comparecer enquanto um catalisador de sentido, ou seja,
alguém que – conforme uma metáfora com o campo da química – estimula, dinamiza e,
de certo modo, promove uma espécie de reação química sem por ela ser afetado. Com
isto, o trabalho analítico passa a ser compreendido como um lugar de suporte para a
realização dos processos introjetivos por parte do analisando.
Nesta medida, nossa argumentação converge para uma visada sobre a
transferência muito próxima daquela proposta por Ferenczi (1909/2011) no ensaio
“Transferência e introjeção”. Para este autor, a transferência é conceituada, em linhas
gerais, como o trabalho subjetivo de interessar-se e abrir-se para o outro, processo que
culmina, necessariamente, em uma identificação com o objeto investido. Ou seja, tal
como nos dirigimos a um outro e a ele transferimos nossos sentimentos, afetos ou
desejos, Ferenczi (1912/2011) ressalta que, neste mesmo trabalho, também nos
apropriamos e tomamos para nós as dores, reivindicações, comoções ou sintomas do
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objeto investido. Ao nos vincularmos aos outros, deles recolhemos determinados traços,
imagens ou mesmo o seu discurso e a eles nos identificamos.
Então, propomos que, a partir deste movimento transferencial de abertura para o
analista, este deva assumir a função de facilitador dos processos introjetivos. Segundo
Ferenczi (1912/2011), trata-se, na introjeção, da busca subjetiva em “incluir em sua
esfera de interesse uma parte tão grande quanto possível do mundo externo, para fazê-lo
objeto de suas fantasias conscientes ou inconscientes” (p. 95). Neste sentido, um
trabalho de introjeção sempre se encontra na base de quaisquer empreendimentos de
identificação, momento final do processo maior de abertura para o outro. Trata-se,
fundamentalmente, de um trabalho contínuo e infindável de vinculação a um outro que
engloba a assimilação dos desejos, valores e sentidos associados ao objeto investido.
A introjeção é, portanto, o mecanismo psíquico que permite ao sujeito
identificar-se com um objeto e, ao mesmo tempo, desligar-se gradualmente deste.
Segundo Torok (1968/1995), efetivada a introjeção, o sujeito passa a ser orientado no
sentido de sua relativa autonomia e, agora, poderá finalmente fornecer sua própria
significação para o mundo. Lembrando tratar-se sempre aí de uma significação singular,
embora apoiada nos sentidos pertencentes ao outro.
Nesta perspectiva, sendo os pacientes com problemáticas narcísicas carentes dos
juízos de atribuição sobre si, o dispositivo da construção permitiria a estruturação destes
atributos. Com a construção, o analista é autorizado a trabalhar com o que jamais foi
dito ou expresso por parte do paciente, mas que se presentifica, ainda que sem
necessariamente passar pela palavra, neste movimento de abertura para o outro
característico de todo processo transferencial. Graças a isto, o paciente pode ter a
oportunidade de construir, pela via da transferência, um sentido para sua existência. Aos
poucos, uma fantasia ou narrativa sobre si será estruturada, processo este sempre e
necessariamente mediado pela figura do analista.
Referências bibliográficas:
FERENCZI, S. (1909). Transferência e introjeção. In: _____. Obras completas:
psicanálise I. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 87-123.
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São Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 209-212.
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FREUD, Sigmund (1912). A dinâmica da transferência. Rio de Janeiro: Imago, 1995. p.
133-147.(ESB,12)
______.(1914a). Sobre o narcisismo: uma introdução. Rio de Janeiro: Imago, 1995. p.
89-122.
(ESB,14)
______.(1914b). Recordar, repetir e elaborar. Rio de Janeiro: Imago, 1995. p. 193-207.
(ESB,12)
______.(1918). História de uma neurose infantil. Rio de Janeiro: Imago, 1995. p. 19151. (ESB,17)
______.(1919a). O “estranho”. Rio de Janeiro: Imago, 1995. p. 275-314. (ESB,17)
______.(1919b). Bate-se numa criança. Rio de Janeiro: Imago, 1995. p. 225-258.
(ESB,17)
______.(1937). Construções em análise. Rio de Janeiro: Imago, 1995. p. 291-308.
(ESB,23)
LAMBOTTE, Marie Claude. Le discours mélancolique. Paris: Anthropos, 2003.
TOROK, Maria. (1968) Doença do luto e fantasia do cadáver saboroso, In Abraham,
Nicolas & Torok, Maria. A casca e o núcleo. São Paulo: Escuta, 1995. p. 215-236.
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