O ISS nos serviços de organização de eventos e bufê
Um assinante do Consultor Municipal pergunta: “Uma empresa exerce a
atividade de ‘Organização de Festas e Recepções e serviços de bufê’. O seu
estabelecimento é o próprio salão de festas onde presta serviços. Ocorre que
ela só emite notas fiscais de venda de bebidas e alimentos (ICMS), alegando
que não cobra pelos serviços. Está correto este posicionamento?
Resposta:
O subitem 17.11 da lista de serviços anexa à LC n. 116/03 trata de serviços de
“organização de festas e recepções; bufê”. Organizar, no caso, expressa um
sentido de ordenar, planejar, prover o necessário para festas e recepções. Bufê
(do francês buffet) significa “serviço de comidas e bebidas especializado em
festas e reuniões”, conforme define a Larousse Cultural. Para efeitos fiscais, as
atividades de bufê e de restaurante não se confundem, mesmo que o
restaurante seja do tipo self-service. Serviços de bufê englobam diversos
ingredientes, como decoração ambiente, disposição das mesas, utensílios,
iluminação artificial, seleção de músicas, equipe de garçons etc., e tudo de
acordo com as especificações de cada contrato.
Quando a empresa atua, exclusivamente, como bufê, o normal é de prestar
serviços em locais de responsabilidade do contratante. O pessoal e produtos
são transportados ao local onde o evento será realizado, e lá preparam as
bebidas e os alimentos, servidos por pessoal próprio. Em tal situação, a
organização do espaço pode estar afeta a outros, não assumindo a empresa
de bufê a responsabilidade de organizá-lo. O seu serviço será apenas de
preparar e servir as bebidas e refeições. Em outras palavras, o serviço seria
somente de bufê, não compreendendo os serviços de organização.
Neste aspecto, percebe-se aparente contradição em nossas leis. O bufê que
apenas prepara e fornece alimentos não se confundiria com a atividade de
restaurante? Aliás, muitos restaurantes também atuam como bufê, quando os
seus serviços são contratados para prestá-los em outros locais e não no
próprio estabelecimento onde se situa o restaurante. E, mesmo assim, sofrem
incidência exclusiva do ICMS. Voltaremos ao assunto mais adiante.
Todavia, a consulta formulada explica que a empresa em referência tem salão
de festas próprio e é neste estabelecimento onde os serviços são prestados. A
dizer, então, que ela também assume os demais serviços de organização.
Sendo assim, a empresa que atua neste campo de atividade tem como
atividade principal prestar serviços de organização de festas e recepções,
assumindo as responsabilidades de organizar o local do evento, preparar a
decoração e os enfeites de mesa e dos salões, oferecer mobiliário adequado
(tanto de mesa como dos salões), alocar pessoal de segurança, de cozinha, de
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atendimento e manobristas, providenciar aparelhagem de som e, quando o
contrato exigir, os músicos e artistas para entretenimento dos convidados.
A entender, portanto, que o descrito acima é a atividade principal do prestador
do serviço. Esta é a sua atividade-fim, ou seja, assume uma obrigação de
fazer, de prestar serviço. Sua principal obrigação é a de organizar o evento.
Contudo, nada impede que um prestador do serviço assuma também outras
obrigações perante o contratante, como, em nosso caso, fornecer bebidas e
alimentos aos participantes da festa ou da cerimônia. Em vez de o contratante
providenciar, ele próprio, as bebidas e alimentos, prefere que o prestador os
forneça, e, por evidência, pagará por esse fornecimento. Mas, de forma
inequívoca, tal fornecimento se traduz em mera atividade-meio, que não há de
substituir a atividade-fim, a prestação do serviço.
Quando o contrato define duas obrigações ao credor, sendo uma a obrigação
de fazer (prestar serviço) e outra a obrigação de dar (fornecer coisas), o
comportamento-fim pactuado deve distinguir, necessariamente, a primazia do
interesse do credor (contratante). Em luminosa definição, Orlando Gomes
disse: “A distinção entre as obrigações de dar e as de fazer deve ser traçada
em vista do interesse do credor. Nas obrigações de dar, o que interessa ao
credor é a coisa que lhe deve ser entregue, pouco lhe importando a atividade
do devedor para realizar a entrega. Nas obrigações de fazer, ao contrário, o fim
é o aproveitamento do serviço contratado”.
Neste sentido, salta aos olhos que ninguém procura um “organizador de festas”
para, exclusivamente, adquirir bebidas e alimentos. Tal providência se faz num
mercado, numa lanchonete, num restaurante, numa mercearia, estes, sim,
comerciantes de bebidas e alimentos, cuja atividade-fim é a de exatamente
fornecer tais mercadorias. O organizador de festas que se resume em fornecer
mercadorias não pode mais ser considerado um organizador de festas, mas um
comerciante. A dizer, então, que a atividade principal a que se propõe executar
está corrompida.
O fato de utilizar somente notas fiscais de circulação de mercadorias, dando a
entender que a sua atividade única é de preparar e fornecer bebidas e
alimentos (bufê) conduz a empresa para outro objeto social, o de mercancia, a
retirar-lhe a roupagem de prestador de serviço (obrigação de fazer) e desnudar
sua verdadeira identidade, de fornecedor de alimento (obrigação de dar).
Abre-se aqui um parêntese para explicar que, em tais aspectos, estamos
sufocados pela impertinência da lei brasileira, ao considerar as atividades de
restaurantes, bares, lanchonetes e similares como venda de mercadoria e não
de prestação de serviço. De nitidez cristalina o fato de que a relação jurídica
que se instaura entre restaurante e cliente é de prestação de serviços. Tanto é
que o preço praticado pelo restaurante é de escolha livre do restaurante, a
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pouco importar o custo de aquisição dos produtos, e a muito importar o status
de refinamento do estabelecimento e a qualidade do preparo.
Ainda mantendo o parêntese aberto, muito curiosa foi a decisão do Supremo
Tribunal Federal, datada de 1994, em manter o fornecimento de bebidas em
restaurantes como fato gerador do ICMS, a oferecer como um dos motivos o
fato de que os serviços tributáveis pelo ISS são exclusivamente aqueles
constantes da lista de serviços e, assim, todos os demais sofreriam incidência
do ICMS, conforme voto exarado pelo Ministro Marco Aurélio. Ou seja, acatase o erro em função do cometimento de outro erro.
Diante de tal decisão, surge um resquício de perplexidade em relação às
atividades de bufê, enquanto mero fornecedor e preparador de comida. Se tal
atividade se confunde com as de restaurante, por que bufê faz parte da lista de
serviços do ISS? A única resposta possível é de que o legislador entendeu bufê
como atividade sempre interligada aos serviços de organização de eventos, e
não como atividade isolada. Ao contrário dessa suposição, os Municípios
poderiam cobrar o ISS inclusive dos restaurantes quando estes exercem
atividades de bufê, o que não é fato incomum. A propósito, o art. 1º, III, do
Decreto-lei n. 406/68 estabeleceu que “o imposto sobre operações relativas à
circulação de mercadorias tem como fato gerador: o fornecimento de
alimentação, bebidas e outras mercadorias em restaurantes, bares, cafés e
estabelecimentos similares”. Quando, então, o bufê não for executado em
estabelecimento próprio, mas em local determinado pelo contratante, nada
incabível seria a tributação pelo ISS, mesmo nos casos de restaurantes
atuando como bufê. Assunto que merece outras reflexões.
Na verdade, a atividade-meio de fornecer mercadorias, no caso do organizador
de festas, tem apenas o condão de cumprir sua obrigação principal, que é o
fazer, o facere. Em outras palavras, a ação de prestar serviços de organização
de festas pode prescindir da obrigação de comercializar mercadorias, mas, ao
contrário, a obrigação de comercializar mercadorias torna imprescindível a
obrigação de prestar o serviço em tais atividades.
O presente caso não trata, pois, de desrespeitar os contratos pactuados entre
as partes, mas, sim, de corrigir flagrantes abusos de formas, cujo interesse não
se adéqua ao princípio da elisão fiscal. O que está presente, sem dúvida, é
uma tentativa inválida de negociações, a transformar-se em abuso de direito e
fraude à lei. Deve-se, assim, cumprir o mandamento previsto no parágrafo
único do art. 116:
“A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos
praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do
tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária,
observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”.
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Não há aqui qualquer tentativa de sublevar o princípio da capacidade
contributiva da empresa, mas, exatamente, de tentar recompor o princípio sob
a garantia de outro princípio, o da isonomia. Ao caso, a capacidade contributiva
é medida em função da verdadeira atividade do contribuinte, que é de prestar
serviços, e não permitir as tentativas de se refugiar como simples fornecedor
de mercadorias e, assim, gozar de favores fiscais impróprios, a manter um
benefício ilícito do qual os demais organizadores de festas não usufruem. Ao
fugir do mecanismo ordinário de tributação, dá-se uma hipótese de
discriminação, correspondente ao privilégio que poderia ser mantido para
aqueles que reduzem o tributável com formas insólitas e fins elusivos, em face
dos que continuariam submetidos a este dever, como diz o Professor Heleno
Tôrres.
Cabe, portanto, ao Fisco Municipal desconsiderar todos os atos que
dissimulem o conteúdo real de um contrato, quando isso for feito com o único
fim de eximir-se de obrigações tributárias. E não só autuar o contribuinte pela
nítida intenção de burlar a lei e simular situações, como, também, arbitrar a
base de cálculo do imposto sonegado.
Roberto A. Tauil
Maio de 2014.
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