ISSN I 4 I 3-3555
Rev. bras. fisioter. Vol. 8. No. 3 (2004), 171-177
r()Revista Brasileira de Fisioterapia
AVALIAÇÃO DA AMPLITUDE ELETROMIOGRÁFICA DO MÚSCULO
DELTÓIDE EM DIFERENTES FAIXAS ETÁRIAS
Oliveira, A. S., I Rodrigues, D. 2 e Bérzin, F 3
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, FMRP/USP, Ribeirão Preto, São Paulo
1
2
3
Universidade Metodista de Piracicaba, UNIMEP, Piracicaba, São Paulo
Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas, FOPIUNICAMP,
Piracicaba, São Paulo
Conespondência para: Anamaria Siriani de Oliveira, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, FMRP,
Universidade de São Paulo, USP, Hospital das Clínicas, Av. Bandeirantes, 112 andar, 3900,
Ribeirão Preto, SP, CEP 14049-900, e-mail: [email protected]
Recebido em: 12/9/2003
~Aceito
em: 4/8/2004
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi estimar o padrão de ativação eletromiográfica das três porções do músculo deltóide, em diferentes
faixas etárias, durante o movimento dinâmico de abdução do braço, realizado no plano escapular com variação da rotação axial
do úmero. Participaram dessa pesquisa 20 voluntárias, sedentárias e destras, igualmente divididas em 2 grupos. O Grupo 1 com
média de idade 24 (±3) anos e o Grupo 2 com média de idade de 57 (± 1O) anos. Os sinais EMG foram adquiridos com eletrodos
ativos duplos diferenciais e freqüência de amostragem de 1 kHz. O sinal EMG bruto foi retificado, os envoltórios lineares foram
obtidos pela média móvel de 250 ms e normalizados pela amplitude média do sinal retificado e pela amplitude de movimento. Para
examinar os efeitos da faixa etária e das porções do músculo deltóide, os valores médios dos coeficientes de variação e os próprios
envoltórios de cada uma das porções do músculo deltóide foram comparados por meio da análise de variância de dois fatores (ANOVA
e two-way) e pós-teste de Bonferroni, com nível de significância de 5%. Os resultados deste estudo mostram que entre os grupos
pesquisados, de diferentes faixas etárias, não há diferenças nos envoltórios lineares normalizados e nos valores de coeficientes
de variação das três porções do músculo deltóide. Assim, os resultados indicam que a ativação elétrica das porções do músculo
deltóide está presente durante todo o movimento de abdução, independente da rotação umeral, e que não há mudanças nas proporções
de atividade mioelétrica esperadas entre as faixas etárias estudadas.
Palavras-chave: eletromiografia, músculo deltóide, abdução do braço, idade.
ABSTRACT
The aim of this study was to evaluate the myoelectrical activation pattern from anterior, middle, and posterior parts ofthe deltoid
muscle in two different age groups, during the dynamic shoulder scaption and variable humerus rotation. Twenty right-handed sedentary
female volunteers were selected for this study. They were divided into two age groups: Group 1 (n = 1O) mean aged 24 ± 3 years,
and Group 2 (n = I O) mean aged 57± 1O years. Double differential electrodes acquired the electromyographic surface signals with
1 kHz sample frequency. The raw EMG signal was fu11-wave rectificated, smoothing with a moving average of250 ms and normalized
by mean amplitude of fu11-wave rectificated signal and by range o f motion. The A NOVA two-way test and the Bonferroni posttest were accomplished to test any significant intluence ofage and muscle portions in linear envelope and coefficient ofvariability.
A 5% signiticance levei was chosen. The results showed no significant differences between age groups to muscle portion activations,
or to the coefficient of variab!lity. Thus, the results indicated that a11 deltoid muscle portions were activated during the scaption,
despite the humeral rotation, and no changes were found in the normalized myoelectrical activity in both age groups.
Key words: electromyography, deltoid muscle, shoulder abduction, age.
172
Oliveira, A. S. Rodrigues, D. e Bérzin, F.
Rev. bras. jisioter
INTRODUÇÃO
MATERIAL E MÉTODO
Está descrito na literatura que o plano de movimento 1·2
no qual ocorre a abdução e a posição do úmero em relação ao
plano transverso 1-3 é capaz de influenciar a função do músculo
deltóide. A simplicidade com que o músculo supra-espinhoso
desempenha sua função abdutora do braço contrasta com
o complexo padrão de ativação das fibras musculares do
deltóide.
O efeito do posicionamento do úmero no padrão de
ativação das porções do músculo deltóide, em relação às
rotações mediai e lateral, foi descrito por Kapandji 1 e Oliveira
et af.l Segundo os autores, a abdução do ombro associada
à rotação mediai do úmero faria com que a porção posterior
do músculo deltóide participasse do movimento desde seu
Voluntários
Participaram dessa pesquisa 20 voluntárias, sedentárias
e destras, que foram avaliadas pelo mesmo médico ortopedista
e por um fisioterapeuta, a fim de confirmar a ausência de
alterações posturais, funcionais ou de caráter degenerativo
nas estruturas osteomioarticulares da cintura escapular e do
membro superior. As voluntárias, divididas em faixas etárias
distintas, constituíram dois grupos: o Grupo 1, com 1O voluntárias, na faixa etária de 21 a 30 anos (médias de 24 ± 3 anos,
peso de 62,9 ± 7,6 kg, altura de 1,5 ± 0,05 m), e o Grupo
2, também com 1O voluntárias e faixa etária de 42 a 71 anos
(médias de 57± 1O anos, peso de 63,7 ± 15,1 kg, altura de
1,67 ± 0,06 m). Todas as voluntárias assinaram o
consentimento fom1al de participação aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade
Federal de São Carlos, de acordo com a resolução 196/96
do Conselho Nacional de Saúde.
1
ll1ÍC!O.
As mudanças fisiológicas do tecido muscular decorrentes da idade são freqüentemente relatadas pela literatura como
fator pt:edisponente a lesões e disfunções osteomusculares
no ombro.4.5 Pela tomografia computadorizada, observa-se
que após 30 anos de idade há diminuição da área de secção
transversa dos músculos, com maior densidade muscular e
maior conteúdo gorduroso intramuscular, sendo essas
mudanças mais pronunciadas em mulheres"
Os trabalhos encontrados na literatura que investigaraiU
as alterações das características do sinal mioelétrico em
relação a diferentes faixas etárias realizaram basicamente
dois tipos de análises. A primeira é a estimativa do número
de unidades motoras' 9 e a segunda é a avaliação do tipo de
unidades motoras. 10 · 11 Entretanto, nenhum trabalho eletromiográfico, presente na literatura consultada, buscou encontrar
diferenças nas características do sinal eletromiográfico do
músculo deltóide ou qualquer outro músculo relacionado
à abdução do braço de mulheres em diferentes faixas etárias.
O sinal eletromiográfico de superficie tem sido utilizado
em estudos biomecânicos para estimar padrões de atividades
dos músculos em movimentos considerados nom1ais e patológicos, sendo que a maioria desses trabalhos de padronização
são sobre a marcha. u-Js O resultado básico é o padrão temporal de diferentes músculos ou grupos musculares, fornecendo um modelo de coordenação das atividades musculares. 16
No entanto, a caracterização de padrões nom1ais ou patológicos
baseados na intensidade do sinal eletromiográfico é difícil
pelas muitas variáveis que influenciam essa medida 17 · 18 e pela
variabilidade inerente ao movimento .humano. 19
Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi apresentar
uma investigação eletromiográfica do padrão de ativação
das três porções do músculo deltóide em voluntárias de duas
diferentes faixas etárias, durante o movimento dinâmico de
abdução do braço, realizado no plano escapular com variação
da rotação axial do úmero. A hipótese deste estudo é de que
as diferentes porções do músculo deltóide apresentam diferentes padrões de ativação elétrica de acordo com a faixa
etária avaliada.
Instrumentação
Para o registro do sinal eletromiográfico foi utilizado
um módulo condicionador de sinais e placa conversora
analógico/digital de 12 bits de resolução de faixa dinâmica
e freqüência de amostragem de 1 kHz (modelo CAD 12/
36 da Lynx Electronics Ltda.). Esse condicionador de sinais
apresenta filtro analógico de segunda ordem do tipo
Butterworth, de passa-baixa de 509 Hz e passa-alta de 10,6
Hz. O ganho interno foi fixado em 300 vezes para este
experimento.
A captação mioelétrica foi realizada por eletrodos ativos
de superfície duplo diferenciais (DD) compostos por três
barras retangulares (I O x 1 tmn) paralelas, de prata pura (Ag),
espaçados por 1O mm e fixas em um encapsulado de resina
acrílica de 20 x 41 x 5 mm, da Delsys EMG Systems Inc.
Esses eletrodos apresentam impedância de entrada maior
que 1O GQ, CMRR mínimo de 84 dB e ganho de 1O vezes.
Para redução do ruído de aquisição foi utilizado também um
eletrodo retangular (33 x 31 mm) de aço inoxidável como
eletrodo de referência.
A opção pelo uso dos eletrodos ativos duplos diferenciais foi relacionada à possibilidade de redução da captação
de cross-talk20 entre as porções do músculo deltóide. Isso
porque o processo de dupla diferenciação elimina sinais de
igual valor que chegam aos eletrodos, diminuindo as interferências de sinais distantes ao sítio de captação, sem atenuação do mesmon
A posição articular durante o movimento dinâmico
de abdução foi controlada com o uso de um eletrogoniômetro. O sistema foi especialmente montado para essa
pesquisa, sendo composto por um potenciômetro de 1O K
e hastes cilíndricas de borracha siliconada (Figura lA). Esse
eletrogoniômetro foi conjugado ao sistema de aquisição
de sinais eletromiográficos, de fonna que os registros foram
173
Ativação do M. Deltúide em Diferentes Idades
Vol. 8 No. 3. 2004
simultâneos e tiveram a mesma freqüência de amostragem
(I kl-Iz). A confiabilida de das medidas foi de 0,97, testada
em estudo piloto.
Procedimen tos
As voluntárias pennaneceram sentadas para limpeza com
solução de álcool 70% e fixação dos eletrodos com esparadrapo
impem1eáveL Em nenhum caso foi verificada a necessidade
de realizar tricotomia. As barras de captação dos eletrodos
foram posicionadas perpendicularmente à direção das fibras
musculares. O posicioname nto dos eletrodos foi definido de
22
acordo com o protocolo descrito por Perotto O eletrodo de
referência ou terra foi fixado ao punho esquerdo da voluntária
com uma faixa de velcro.
O eletrogoniômetro foi fixado por esparadrapos impermeáveis, alinhando seu fulcro com a face posterior do acrômio,
o braço fixo permaneceu paralelo aos processos espinhosos
das vértebras e o braço móvel, alinhado com a linha médiolateral do braço (Figura lB). A seguir, o eletrogoniômetro foi
calibrado antes do início da coleta, respeitando, portanto, as
variações da posição inicial (0° de abdução) ocasionadas pelas
diferenças individuais da circunferênc ia do braço.
A
1,0 em
29,5 em
H
>----------- ----<
Para a familiarizaçã o, as voluntárias foram instruídas
a realizar ativamente, somente com o membro dominante,
a abdução do braço em sua amplitude total (0-180°). O movimento deveria ser iniciado com o braço em 90° rotação
mediai e, a partir de 90° de abdução, ser rodado lateralmente
até 90", de maneira uniforme e contínua, para completar
a elevação ( 180°). Além disso, foram dadas instruções para
que elas evitassem qualquer movimento compensatório com
o tronco ou a cabeça que simulasse a posição final da abdução.
Os movimentos , dentro do plano de estudo, foram
realizados com a voluntária abduzindo o braço entre as duas
faces de um biombo de tecido, aberto em 'v' e devidamente
posicionado para que o plano escapular (Figura 2) fosse
mantido durante todo o arco. Assim, o experimentador pôde
observar se a voluntária causava pressão sobre o tecido nos
sentidos anterior ou posterior, deslocando-se, assim, do plano
de abdução avaliado, o plano escapular. O movimento de
elevação do braço realizado 30° à frente do plano frontal
é chamado de abdução no plano escapular, pois este movimento do úmero ocorre relativo à escápula, alinhando as
23
origens e inserções dos músculos escapuloum erais.
B
Ob
/
Fulcro
c
...
Braço móvel
·
Eletrogoniôme tro
; c) junção móvel; e d) cabo
Figura 1. A. Representação esquemática do eletrogoniôm etro- a) barras cilíndricas de silicone; b) potenciômetro
tro.
eletrogoniôme
do
de saída para placa conversora. B. Colocação
Figura 2. Plano escapular de abdução (elevação) do braço.
174
Oliveira, A. S. Rodrigues, D. e Bérzin, F.
Foram registrados os sinais eletromiográficos das porções anterior, média e posterior do deltóide, em pelo menos
6 repetições do movimento de abdução do braço, com duração
de 5 segundos, de forma dinâmica sem carga, com intervalos
de repouso de um minuto entre cada repetição.
Foram descartados os sinais que apresentaram movimentação de eletrodo ou aqueles em que a voluntária não
completou o movimento de maneira apropriada, sendo estes
registros repetidos. Os 6 registros eletromiográficos considerados válidos foram gravados como arquivos, no disco
rígido, e analisados ofFline.
Rev. bras. físiolel:
sinal retificado. Os envoltórios lineares médios (média das
6 repetições) de cada um dos músculos foram plotados em
relação à amplitude do movimento (Figura 3C), uma vez
que o tempo de realização do movimento era sempre o mesmo
para todas as voluntárias, e são apresentados com seus respectivos desvios-padrão (Figura 3D).
Além disso, foram calculados os coeficientes de variação
(CV) dos envoltórios lineares de cada uma das porções do
músculo deltóide. O CV forneceu a representação quantitativa
da repetibilidade da curva, ou seja, da coincidência dos valores
que formaram as curvas dos envoltórios lineares de cada
uma das voluntárias. Em última análise, os CVs apontaram
a existência de um padrão de ativação entre os voluntários
estudados.
O cálculo dos envoltórios lineares normalizados e os
valores de CVs foram obtidos por meio do software
MATLAB - The language of technical computing (Versão
5.0 da The MathWorks Inc.) adaptado para as análises dos
registros obtidos.
Análise dos Dados e Estatística
Nessa pesquisa o sinal eletromiográfico bruto (Figura
3A) foi utilizado para derivar uma análise temporal: o envoltório linear normalizado 19 (Figura 3B). Os envoltórios lineares
foram obtidos pela retificação do sinal bruto em onda completa, realização da média móvel com janelas de 250 ms e
normalização pela média da amplitude eletromiográfica do
100
0~~-*~~~~~~~--
A
···100
o
3
4
5
Tempo (s)
2-
~~-
2000,_....,.-~_----==
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1
2
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Tempo (s)
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60
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80
c
o
J
100
Amplitude de movimento(%)
Figura 3. Exemplo das etapas de processamento dos dados. A. Sinal eletromiográfico bruto da porção posterior do músculo deltóide. B. Envoltório
linear normalizado do sinal bruto mostrado em A. C. Registro do eletrogoniômetro durante a abdução do braço. D. Envoltório linear normalizado
médio e barras de desvio-padrão dos registros obtidos da porção posterior do músculo deltóide de dez voluntárias. E. Representação dos intervalos
de amplitude de movimento utilizados para determinação dos valores de amplitude do envoltório linear normalizado submetidos a testes estatísticos.
175
Ativação doM. Deltóide em Diferentes Idades
Vol. 8 No. 3, 2004
Para examinar os efeitos da faixa etária e das porções
do músculo deltóide, os valores médios dos coeficientes de
variação dos envoltórios lineares e os próprios envoltórios
de cada uma das porções do músculo deltóide foram comparados por meio da análise de variância de dois fatores
(ANOVA e two-way) e pós-teste de Bonferroni. Esses testes
foram aplicados aos valores médios de amplitude nom1alizada
correspondentes aos intervalos de registro 24 de 0° a 30°, 30°
a 60°, 60° a 90°, 90° a 120° e de 120° a 180° de amplitude
de abdução (resultando em 5 valores para cada um dos
traçados), ilustrados na Figura 3E. Os testes estatísticos foram
aplicados com nível de significância de 5%.
da porção posterior. No entanto, nenhuma diferença estatisticamente significativa foi constatada para as comparações
entre porções e entre faixas etárias (p > 0,05).
Os resultados dos CVs dos envoltórios lineares de cada
uma das porções do músculo deltóide são apresentados na
Tabela 1, que mostra maior variação no padrão de ativação
da porção anterior para o Grupo 2, enquanto as porções média
e posterior tiveram maior variação no padrão de ativação no
Grupo I. Assim como na comparação dos valores de amplitude
normalizada, os valores de CV não foram estatisticamente
diferentes (p > 0,05) entre as porções e faixas etárias avaliadas.
DISCUSSÃO
RESULTADOS
A observação dos envoltórios lineares das diferentes
porções do músculo deltóide, dos Grupos 1 e 2 (Figuras 4A
e 8, respectivamente), permite evidenciar diferentes comportamentos de ativação desse músculo ao longo do movimento.
Além disso, observa-se que a porção posterior inicia o movimento de abdução do braço com maior nível de ativação
que as demais porções, porém, após a rotação lateral do úmero,
as atividades das porções anterior e média superam aquela
...,_
~
Os resultados deste estudo mostram que, entre os
grupos pesquisados, não há diferenças estatisticamente
significativas nos padrões elétricos de ativação das três
porções do músculo deltóide durante o movimento de
abdução do braço no plano escapular com rotação axial do
úmero. Os resultados relativos aos coeficientes de variação
dos envoltórios lineares dos Grupos I e 2 também mostraram
que a amplitude de atividade elétrica das porções do músculo
varia de maneira semelhante entre as faixas etárias estudadas.
A
1,4
2.
.g
1,2
"'
.~
-;;;
E 1,0
o
c
o
90
120
150
30
60
Amplitude de movimento (0 )
180
o
30
60
90
120
150
180
Amplitude de movimento (0 )
Figura 4. Envoltórios lineares normalizados médios das porções anterior (DA), média (DM) e posterior (DP) do músculo deltóide no movimento
de abduçào realizado pelo Grupo I (A) (n =lO) e pelo Grupo 2 (8) (n = 10). A linha horizontal inferior mostra o resultado da comparação
da amplitude testada nos intervalos de amplitude de movimento indicado pelas colunas. ns- indica diferenças estatísticas não significativas
(p > 0,05).
Tabela I. Coeficientes de variação médios e desvios-padrão dos envoltórios lineares dos sinais eletromiográficos brutos registrados nas três
porções do músculo deltóide durante o movimento de abdução do braço realizado pelo Grupo I (n = I O) e pelo Grupo 2 (n = I 0).
Porção anterior
Porção média
Porção posterior
Grupo I
23,8% ± 8
22,3% ± 7
31,2% ± 8
Grupo 2
24,5% ± 9
21,3%±6
22,6% ± 10
17()
Oliveira, A. S. Rodrigues, D. e Bérzin, F.
Embora sem diferenças significativas, uma mudança no
padrão de ativação em relação à rotação axial do úmero foi
notada nas porções anterior e posterior do músculo deltóide.
O envoltório linear da porção anterior demonstrou que sua
atividade eletromiográfica relativa aumentou, enquanto a da
porção posterior diminuiu a partir de 90° do movimento de
abdução, quando a rotação lateral era realizada simultaneamente. Kapandji 1 e Oliveira et af.l relataram efeito semelhante
na ativação da porção posterior do músculo deltóide como
efeito do posicionamento do úmero no plano transverso.
Segundo os autores, u a abdução do braço associada à rotação
mediai do úmero faria com que a porção posterior do músculo
deltóide participasse do movimento desde seu início, como
foi observado nos traçados dos envoltórios lineares dos Grupos
I e 2.
Apesar dos diferentes procedimentos de nonnalização
propostos na literatura, 25 ·26 a elevada variabilidade intersujeitos
do sinal eletromiográfico pemmnece como um desafio à determinação de padrões de comportamento da ativação de músculos
e grupos musculares que pennitam comparações entre grupos
nom1ais e patológicos e estudos sobre o padrão de ativação
de músculo do membro superior ainda são escassos. McCan
et al. 27 relataram, para amostra de faixa etária semelhante à
do Grupo 2, resultados de maior variação nos níveis de atividade da porção posterior do músculo deltóide no movimento
de abdução nos planos frontal e escapular. Os autores 27 encontraram em amplitudes eletromiográficas normalizadas,
referentes a exercícios que compõem um protocolo de
reabilitação pós-cirúrgico, valores de CV de 1I 5% a 214%
para as três porções do músculo deltóide. Esses valores elevados
de variação da amplitude eletromiográfica não ocorrem apenas
em registros do membro superior, mas também em atividades
eletromiográficas normalizadas com a marcha humanaY
No presente estudo, os valores de CV foram inferiores
a 32% da atividade de referência, e, com base nos valores
encontrados na literatura para esse tipo de análise, foram
considerados baixos e, portanto, indicativos de um padrão
de ativação para as porções do músculo deltóide que foi
semelhante entre os grupos estudados. Assim, os resultados
indicam que a ativação elétrica das porções do músculo
deltóide está presente durante todo o movimento de abdução
e que não há mudanças nas proporções das atividades mioelétricas esperadas entre as faixas etárias estudadas.
Estudos cinesiológicos de atividades dinâmicas são de
grande interesse para os profissionais envolvidos no estudo
do movimento humano, no entanto, utilizando a eletromiografia como instrumento de estudo, é preciso apontar
algumas limitações notadas no presente estudo, a fim de
nortear novos projetos de pesquisa. Primeiro, o sinal
eletromiográfico altera-se com a mudança do comprimento
muscular28 e, embora não haja relação quantitativa confiável
entre a força e a atividade eletromiográfica, 29 é preciso
Re" bras. flsiota
considerar uma força gravitacional maior agindo sobre o
membro superior quando este atinge cerca de 90° de abdução,
comparada ao restante do arco de movimento. Segundo, os
eletrodos de superfície permitem uma representação mais
apropriada da ativação do músculo superficial durante
detem1inada tarefa e são recolocados com maior precisão. 30· 16
No entanto, a atividade registrada a partir deste tipo de
eletrodo é mais passível de sofrer interferências de atividades
geradas na proximidade da área de captação (cross-talk). 29 · 16
Assim, apesar do processo de dupla diferenciação presentes
na instrumentação dos eletrodos utilizados neste estudo, não
é possível afirmar que uma completa eliminação do crosstalk entre as porções do músculo deltóide foi atingida. Por
fim, em estudos com diferentes faixas etárias, é preciso
considerar as mudanças no tecido muscular, 6 o trofismo da
pele e do conteúdo de tecido subcutâneo, 31 que alteram a
captação do sinal eletromiográfico de superfície. 29
Assim, futuros estudos devem considerar as variáveis
que influenciam o registro em atividades dinâmicas e a
redução da variabilidade do sinal eletromiográfico para
identificação de padrões de ativação. Além disso, é desejável
ampliar o número de participantes nas amostras e especificar
outras faixas etárias.
CONCLUSÕES
Os resultados deste estudo mostram que entre os grupos
pesquisados de diferentes faixas etárias não há diferenças
nos envoltórios lineares normalizados das três porções do
músculo deltóide durante o movimento de abdução do braço
no plano escapular, independente da rotação axial do úmero.
Agradecimentos- À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
pela concessão da bolsa de mestrado do processo número 98/03310-9 e pelo
auxílio à pesquisa processo nLimero 98/12094-8. Ao prof. dr. Antônio Marcos
de Lima Araújo (lESAM) pelas rotinas de processamento do sinal
eletromiogrático. Ao prof. dr. Paulo Henrique Ferreira Caria (FOP-Unicamp)
pela ilustração.
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