1 RACISMO E APRENDIZAGEM ESCOLAR Tânia Mara Pacifico O presente artigo se propõe a analisar a relação entre racismo e aprendizagem escolar e apontar possíveis caminhos para ações de professores, pedagogos e diretores em uma perspectiva anti-racista. O referencial teórico que subsidiará as análises se pauta na legislação vigente (Lei 10639/03; Parecer 03/04 do Conselho Federal de Educação; Deliberação 04 do Conselho Estadual do Paraná) e em estudos que analisam na perspectiva crítica as desigualdades raciais ( por exemplo CAVALLEIRO, 2001; GIROUX, 1999; PAIXÃO, 2006; ROSEMBERG, 1998; SILVA, 2005). O termo raça é utilizado em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004) que o define como construído nas tensas relações sociais estabelecidas entre brancos e negros e é muitas vezes utilizado para informar características físicas como cor da pele, cabelo e não no sentido biológico. A PROBLEMÁTICA DO RACISMO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR O racismo é definido como um comportamento, uma ação que é resultado da aversão, algumas vezes ódio, para com as pessoas que tem uma pertença racial que é possível observar, por meio de traços como cor da pele, tipo de cabelo, forma dos olhos, entre outras, resulta da crença da existência de raças ou tipos humanos superiores e inferiores, na tentativa de se impor como única ou verdadeira (MUNANGA & GOMES, 2006). No Brasil o preconceito em relação a negros tem características bem específicas, ele ocorre principalmente levando-se em consideração o fenótipo das pessoas, ou seja, características físicas aparentes, tais como cabelo, cor de pele, formato da boca, do nariz. 2 Diferente do que ocorre nos Estados Unidos, onde o preconceito é determinado particularmente pela origem (descendência). A “one drope rule”, ou seja, regra de uma gota de sangue, indica que uma pessoa pertence à raça negra, mesmo que não apresente aparência física. O conceito racismo de “marca”, foi concebido por Oracy Nogueira, para diferenciar o Brasil dos Estados Unidos (MUNANGA, 2006). A prática do racismo é histórica e foi construída socialmente nas relações sociais e pelas relações de poder que se fizerem presentes nos diferentes modelos sociais organizados historicamente (seja ele por raça, etnia, opção sexual, entre outras). O Brasil é um país historicamente formado por uma diversidade de grupos étnico-raciais, e com isto, pluralidade de crenças, costumes, entre outros. Entretanto, é muito presente o racismo em suas diferentes formas de expressão. Este é um país com baixo desenvolvimento social, econômico e político e com graves problemas nas questões relacionadas à saúde, habitação, saneamento e educação. A população pobre é que mais sofre as conseqüências desta realidade. As condições sociais desta população que, em número significativo, por determinações históricas, se constituí principalmente do grupo de negros, tem também ocasionado condições precárias no processo de escolaridade, traduzidas no baixo nível de formação, nas más condições de estrutura e organização e em diversas formas de discriminação dentro e fora da escola. É preciso discutir até que ponto o racismo influência o desempenho escolar no ensino brasileiro. Na infância as práticas discriminatórias podem deixar seqüelas muitas vezes difíceis de serem sanadas. A delicadeza da temática e sua gravidade tornam a discussão a respeito do assunto tensa. As relações estabelecidas no âmbito escolar, no que se refere ao ensino aprendizagem, não deixam dúvidas de sua complexidade, em se tratando da temática racial. As relações raciais na escola são, via de regra, movidas por uma invisibilidade, por parte da maioria dos professores e da comunidade escolar. 3 Quando se propõe uma discussão com os professores, ela gera na maioria das vezes, tensão e desconforto. Muitos preferem silenciar, ao invés de enfrentar o problema. Alguns chegam a negar a existência de racismo na escola. “A ausência de iniciativas diante de conflitos raciais entre alunos e alunas mantém o quadro de discriminação. Diante desses conflitos o “silêncio” revela conivência com tais procedimentos (CAVALLEIRO, 2001, p.153). Um passo importante em busca de uma educação anti-racista é reconhecer a existência de atitudes discriminatórias na escola e dar atenção quando essas atitudes ocorrerem. O silêncio muitas vezes pode levar o aluno a se sentir abandonado, sem o apoio de uma pessoa, que neste momento deveria fazer algo para confortá-lo e fortalecer sua estima. A falta de ação leva por vezes, a revolta, e o aluno passa a ser considerado violento, adquirindo o esteriótipo de agressivo e a violência racial que ele sofreu é desconsiderada. Os diretores, pedagogos e professores precisam ser sensibilizados para a gravidade deste problema, que pode deixar seqüelas, que podem acompanhar até a vida adulta deste aluno. Estudos demonstram que mesmo em famílias, em que os irmão são fenotipicamente diferentes, o aluno com fenótipo com características da raça negra, pode apresentar pior rendimento escolar do que o irmão branco. Ao terem o desempenho educacional comparados, irmãos de cor diferente (irmãos brancos em comparação com pretos ou pardos); os irmão brancos apresentam maior possibilidade que os irmãos negros, de apresentar rendimento adequado a idade série, conforme dados do censo de 1991 (SILVA, 2005). Tendo em vista que pertencem à mesma família, e tiveram a mesma criação, a explicação se desloca para o racismo sofrido no ambiente escolar. 4 CAMINHOS PARA UMA AÇÃO ANTI-RACISTA O discurso de que vivemos, no Brasil, uma democracia racial, é enfatizado na escola, mas já passou da hora da descontrução desse mito; muitos autores vêm trabalhando nesse sentido (PAULO SILVA, 2005; CAVALLEIRO, 2001; MUNANGA, 2006). O mito da democracia racial, baseado na dupla mestiçagem biológica e cultural entre as três raças originárias, tem uma penetração muito profunda na sociedade brasileira: exalta a idéia de convivência harmoniosa entre os indivíduos de todas as camadas sociais e grupos étnicos, permitindo às elites dominantes dissimular as desigualdades e impedindo os membros das comunidades não-brancas de terem consciência dos sutis mecanismos de exclusão da qual são vítimas na sociedade (MUNANGA,2006, p.89). A idéia, de que o Brasil, vive em uma democracia racial, foi defendida por Gilberto Freire, sociólogo, em seu livro Casa Grande e Senzala e persiste até os dias atuais. Mas a população negra sofre na pele no dia-a-dia uma série de situações envolvendo humilhações e privação de seus direitos, fatos que acontecem com freqüência também na escola; de forma velada mas muitas vezes explícita, reforçando e naturalizando a inferioridade da população negra. Encontramos na literatura alguns exemplos: “Aparecida, 11 anos, negra, afirmou não gostar de Glauber, um colega de sala, porque ‘ ele é enjoado... fica me chamando assim de baleia, de negona, de pretona’. A reação de Aparecida diante disso é : Eu finjo que não escuto” (FAZZI, 2006, p. 178). Ao comentar com uma amiga negra, com baixa escolaridade tal artigo, ela me contou que lembra com tristeza de ocasiões em que era xingada de “pau de fumo”, de “macaca”, “ de nega fedida”, na escola. Disse que no começo sentia muito ódio, mas que depois se acostumou e nem ligava mais. Os depoimentos permitem levantar a hipótese que em muitas ocasiões o racismo causa a princípio indignação e depois anestesia e a pessoa começa a aceitar como normal, ou seja, fica naturalizada a suposta superioridade do branco sobre o negro. Neste sentido, considera-se importante, promover espaços de análise e reflexões sobre este tema, na perspectiva de desenvolver 5 estratégias pedagógicas de práticas anti-racistas com a contribuição da Lei n.° 10.639 de 09 de janeiro de 2003, que define a inclusão pelas escolas nos seus currículos de conteúdos de História da África e Cultura Afro-Brasileira. Tal proposição pode ser considerada como uma possibilidade de avanços no âmbito educacional e cultural e, portanto, uma possibilidade, também, de mudanças em práticas sociais e humanas, com o reconhecimento que os negros contribuíram fortemente para a formação do povo brasileiro. Repensar a forma de organização curricular e incentivar ações pedagógicas que venham ao encontro das lutas travadas pelos negros1, por direito de participação em todos os segmentos da sociedade é um dever, agora instituído e garantido por lei. A lei, que modifica o artigo 26 da LDB (Dias, 2005). Essa legislação legitima uma antiga reivindicação do movimento negro e a sua implementação nas escolas pode auxiliar para ressignificar a história do negro no Brasil, como estratégia para mudança do auto-conceito e crítica ao eurocentrismo. Cabe aos estabelecimentos de ensino criar mecanismos para que ela seja cumprida. Segue o que reza a Lei: “ Art. 1º A lei n. º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts.26-A, 79-A e 79-B: Art. 26 – A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2 º Os conteúdos referentes à história e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial na áreas de Educação Artística e de Literatura e Histórias Brasileiras. § 3º (VETADO) Art. 79-A (VETADO) Art. 79-B O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra.” 1 Será utilizado o termo negro, para designar pessoas, ou características da população do Brasil, denominada nos Censos como pretas e pardas, segundo o sentido utilizado pelo movimento negro. 6 Para efetivar a real aplicação da Lei n.º10.639/03 sugere-se que diretores, equipe pedagógica e professores aprofundem o conhecimento teórico e metodológico sobre o assunto e viabilizar condições para consolidação deste conhecimento, com a intenção de implantar na escola uma prática anti-racista. Propõe-se que uma prática que repudie o racismo e qualquer forma de preconceito nas escolas, pode contribuir para melhorar o ensino aprendizagem e ajudar na manutenção dos alunos negros nas escolas, com voz e participação ativa neste processo: Todas as escolas deveriam fazer os professores e os alunos participarem do currículo anti-racista que, de algum modo, está ligado a projetos da sociedade em geral. Esta abordagem redefine não somente a autoridade do professor e a responsabilidade dos alunos, mas situa a escola como uma força importante na luta por justiça social, econômica e cultural. Uma pedagogia de resistência pós-moderna e crítica pode desafiar as fronteiras opressivas do racismo, mas também aquelas barreiras que corroem e subvertem a construção de uma sociedade democrática (GIROUX, 1999, p.166). Portanto, o ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira, se ensinado nas escolas com compromisso e responsabilidade, por parte dos professores, pode contribuir para valorizar a identidade negra e para que os alunos se fortaleçam, permaneçam estudando e aumentem o percentual de escolaridade, até então baixo, dos alunos negros. ARTICULAÇÃO COM O MOVIMENTO NEGRO Os movimentos negros através de variadas ações, tais como palestras e ações conjuntas, apresenta-se como um aliado das escolas para ajudar a articular estratégias para implementar uma educação anti-racista. O movimento negro também é muito atuante no cenário brasileiro, e ao longo da história está travando lutas em busca de uma sociedade onde os negros tenham seus direitos garantidos. Para 7 tanto o conhecimento sobre a temática racial e a capacidade de se colocar no lugar do outro são primordiais. Diversos seminários, encontros, oficinas, entre eles: a comemoração do centenário da abolição da escravatura em 1988, a III Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em Durban, em 2001, trataram de temas ligados ao racismo e ao combate do racismo nos livros didáticos. Destaca-se também a importância do movimento negro, através de ações diversificadas (SILVA, 2005). Na luta por conquistas relacionadas às questões raciais, entre elas: a luta contra o racismo e a discriminação racial; a literatura aponta a importância que movimento negro teve e têm nas mais diversas reivindicações e avanços. A inserção do estudo da História e Cultura da áfrica e Afro-Brasileira é uma antiga reivindicação do movimento negro, que contribuiu para elaboração da lei 10639/03: “Ao movimento social negro tem-se constituído como um movimento importante na sociedade brasileira. A história é repleta das ações de rebeldia, de luta e libertação da população negra, desde o início da escravidão no Brasil. Os quilombos são sinais vivos dessa organização e resistência” (PAIXÃO, p.53, 2007). O Parecer n.º 03/04 do Conselho Nacional de Educação, prevê o ensino da História da África, de forma positiva, buscando não enfatizar as questões relacionadas aos aspectos negativos. Essa indicação se deve principalmente ao fato de que o aluno negro precisa, desde a mais tenra idade infância, formar sua identidade. Sendo considerada como um processo contínuo construído pelos negro/as em diversos espaços institucionais ou não, pelos quais circulam; essa identidade negra também é construída na escola, durante a trajetória desses sujeitos. Portanto a escola tem a responsabilidade social e educacional de compreender sua complexidade, respeitando-a, bem como as outras identidades construídas pelos sujeitos no âmbito escolar; lidando de maneira positiva com ela (GOMES, 2005). 8 ANÁLISE CRÍTICA DE LIVROS E MATERIAIS DIDÁTICOS No que diz respeito à educação brasileira é possível perceber e vivenciar as distorções sobre os negros em materiais didáticos pedagógicos e também na forma de ministrar as aulas, que por vezes, são carregadas de falta de conhecimento e preconceito com relação aos negros, sua história, suas características e sua cultura: Assim, pelo menos desde a década de 1970, foram sendo realizadas pesquisas sobre livros didáticos de diferentes disciplinas e níveis escolares e de literatura infanto-juvenil que evidenciam o forte preconceito racial aí veiculado, que se manifesta desde a menor representação de personagens negros a servirem de modelo, passando por sua desqualificação até a omissão quanto à contribuição do negro na formação cultural do Brasil ( ROSEMBERG, 1998, p.84). Cabe ao professor prestar muita atenção nos materiais didáticos que utilizará para ministrar suas aulas. O livro didático que na maioria das vezes é o principal recurso utilizado, pelos professores em sua prática diária, pode reforçar o racismo. Determinados livros didáticos ao retratar o negro, ocupando cargos subalternos, sem família constituída, praticando atos ilícitos, passam a idéia de inferioridade racial. Cândida Soares da Costa (2007, p. 89) esclarece muito bem esta questão quando afirma que: Os negros continuam sendo colocados em posições semelhantes aos que as ideologias racistas insistem em conferir-lhes ao longo do tempo. A análise dos dados aponta que as imagens distorcidas, dispensadas a negros e brancos, ajudam a disseminar a condição de discriminação contra os negros, haja vista que são representados como insignificante minoria e em papéis de pouca valorização social (COSTA, 2007, p. 89). No Paraná em 2007, representantes do Coletivo da Igualdade Racial e ACNAP (Associação Cultural da Negritude e Ação Popular) denunciaram junto ao Ministério Público em Londrina, e anexaram a carta do Professor Edmundo Silva Novais que pedia a retirada do livro didático da Editora Positivo – Coleção conversando sobre História – 3ª 9 série do autor Francisco Coelho Sampaio, que trazia ilustrações racistas. Segundo o professor o livro descumpre a lei e negligencia a história dos povos negros na História do Brasil. Relatou também o exagero de imagens em que pessoas negras aparecem em condições de humilhação e sofrimento, totalizando 25 imagens. Dentre as quais 10 mostram pessoas negras apanhando e sendo humilhadas por pessoas brancas. A que chama mais atenção são crianças negras sofrendo e acorrentadas pelo pescoço. O termo escravo aparece 73 vezes, intercalando os termos negros e africanos, podendo fazer as crianças acreditarem que são sinônimos. Em 12/12/2007 as referidas entidades, obtiveram parecer favorável a mudança de conteúdo negativo sobre a participação do povo negro na História do Brasil. (www.app.com.br.coletivos/igualdade racial). Esta atuação da APP-Sindicato do Paraná e do movimento negro (ACNAP) com a colaboração do Professor Edmundo, alerta para o papel dos professores no que diz respeito a analisar e ficar atento as ilustrações existentes nos livros e materiais didáticos, para seguir este exemplo e denunciar essas manifestações racistas. O fato de existirem livros didáticos que mantêm as idéias de supremacia racial branca e inferiorizam negros e indígenas, não quer dizer que nada pode ser feito. Professores com boa formação e compromissados com uma educação anti-racista, ao perceberem textos e ilustrações que desmereçam os não brancos podem, por meio de análise criteriosa, discutir com os alunos, para descaracterizar a discriminação. Nas palavras de Paulo Vinícius Baptista da Silva: Utilizando textos em sala de aula que trazem muitas marcas de hierarquia entre brancos e negros(ou entre brancos e indígenas, ou entre heterossexuais e homossexuais, etc.) professores bem preparados para debater estes temas podem operar no sentido de crítica, junto com seus alunos, aos discursos discriminatórios. (...)Da análise crítica conjunta com os alunos talvez possamos gerar pontos de vista anti-racistas e anti-discriminatórios, mudando a direção da que normalmente operam os discursos nas escola (SILVA, 2007, p. 188). 10 RESPEITO À DIVERSIDADE CULTURAL E RELIGIOSA Ao tratar das questões religiosas, os praticantes das religiões de matriz africana, Candomblé e Umbanda principalmente, sofrem preconceito por uma parte da população brasileira. As igrejas católicas e evangélicas condenam os rituais, considerando-os satânicos; fazem associação dos orixás a demônios. “Mas até hoje existe um persistente preconceito na população em geral, contra as religiões afro-brasileiras e os terreiros de candomblé, que são freqüentemente chamados de “macumba”, com significado de antros do mal”. (LÉPINE, 2007, p.35). Diante da diversidade de religiões existentes no mundo, originadas de culturas diferentes, a intolerância às religiões afro-brasileiras, por vezes, é fruto da falta de conhecimento. A disciplina de ensino religioso, têm como indicação transmitir o conhecimento sobre todas as religiões, inclusive as de matriz africana. Através do estudo dessas religiões é possível desmistificar essas crenças, mostrando a beleza do ritual e das relações fraternas que são estabelecidas entre negros e brancos, nos terreiros de Candomblé e centros de Umbanda. A Umbanda é resultado do encontro do Candomblé, do espiritismo kardecista francês e do catolicismo e é considerada uma religião brasileira. O Candomblé desenvolveu-se em várias regiões do país, ficando conhecido com outras denominações. Na Bahia é Candomblé , Rio Grande do Sul recebe o nome de batuque, no Rio de Janeiro de macumba, xangô em Pernambuco e Alagoas , tambor de mina no Maranhão e Pará ( MUNANGA& GOMES, 2006). É uma religião monoteísta. Oludumaré é o Supremo - Criador , que é ajudado pelo orixás2. Os praticantes dessa religião fazem sua conexão com o sagrado através o Ifá – Oráculo detentor de toda sabedoria. A liturgia é demorada e tem início com apresentação dos iniciados possuídos 2 “São divindades africanas trazidas para o Brasil pelos negros yorubás, grupo étnico da África do oeste que inclui países como Nigéria, Togo e República do Benin (BOTELHO, 2006, p.136).” 11 por seus orixás, dançando, sendo identificados pela cor de seus trajes. Existem as ialorixás, lideres máximas do Candomblé, que são sacerdotisas que conduzem o terreiro. Os babalorixás são sacerdotes masculinos. Cada orixá tem suas especificidades, que inclui roupas, insígnias, cores e cantos (BOTELHO, 2006). O reconhecimento da importância da valorização e aceitação dos rituais e das religiões de matriz africana é um passo rumo ao combate a intolerância religiosa, contribuição que a escola encontra respaldo legal, para dar através da Lei 10639/03. ESCOLHA DE CONTEÚDOS E VALORIZAÇÃO DO AFRO- BRASILEIRO A opção sobre conteúdos escolares que levem à valorização de afro-descentes e africanos apresenta múltiplas possibilidades. Trataremos a seguir de alguns exemplos de temas que podem ser trabalhados neste sentido, com o intuito de colocar em primeiro plano a positividade da herança africana e afro-brasileira. As crianças negras são geralmente levadas a acreditar em sua grande maioria, que os negros ao serem escravizados, não resistiram ao serem capturados e aceitaram a escravidão de forma passiva. Este fato pode gerar um sentimento de inferioridade e a construção de uma postura submissa, que dificulta o relacionamento com os demais alunos, com professores e principalmente pode interferir na aprendizagem. Uma das formas de resistência que, por vezes, não é enfatizada durante as aulas pelos professores, nas disciplinas de História e Geografia principalmente são os quilombos: “Nesse sentido, o quilombo não significa refúgio de escravos fugidos. Tratava-se de uma reunião fraterna e livre, com laços de solidariedade e convivência resultante do esforço dos negros escravizados de resgatar sua liberdade e dignidade por meio da fuga do cativeiro e da organização de uma sociedade livre. Os quilombolas eram homens e mulheres que se recusavam viver sob o regime da escravidão e desenvolviam ações de rebeldia e de luta contra o sistema (MUNANGA & GOMES 2006, p.72).” 12 O professor ao oportunizar as crianças esse conhecimento, aprofundando o tema, passando filmes e viabilizando discussões, dá elementos para que elas passem a perceber como foram guerreiros seus antepassados, que desejavam uma vida digna para os seus descendentes que foi materializada, com competência, através da organização dos quilombos. Por exemplo, o filme Quilombo, com direção de Cacá Diegues, descreve a organização do Quilombo dos Palmares, que ocorreu por volta de 1650, quando um grupo de escravos se revolta , num engenho de Pernambuco e vai para o Quilombo de Palmares, onde vários ex-escravos fugitivos resistem ao cerco colonial. Destacam-se Ganga Zumba, príncipe africano e futuro líder do quilombo, posteriormente, Zumbi, que será contra as idéias conciliatórias de Ganga Zumba, e enfrentando um grande exército. O filme tem duração de 119 minutos (Cadernos temáticos, 2006). No Paraná apesar da pouca divulgação, existem comunidades remanescentes de quilombos, identificadas pelo Grupo de Trabalho Clóvis Moura, localizadas em sua maioria nos Campos Gerais, em Curiúva, Castro, Guarapuava, Lapa, Ponta Grossa, Campo Largo, entre outras (Cruz,2006). Em 2004, teve início o mapeamento das comunidades remanescentes quilombolas no Estado do Paraná. O grupo de trabalho Clóvis Moura, do governo do Estado, sob a coordenação de Glauco Souza Lobo e a Professora Clemilda Santiago que coordena o trabalho de campo, pela SEED, catalogaram mais de 20 locais, e 14 delas têm o reconhecimento da Fundação Palmares, como remanescentes quilombolas e aproximadamente 20 comunidades estão em processo de reconhecimento. A comunidade remanescente Paiol de Telha, localizada no município de Pinhão, foi a primeira a chamar a atenção no Estado e recebe o apoio de várias entidades: APP-Sindicato do Paraná, CUT, ACNAP entre outras (Cadernos Temáticos, 2006). Uma preocupação que os professores devem ter é com as imagens usadas por eles para ilustrarem suas aulas. Em certas ocasiões, alguns professores lançam mão de imagens apelativas, 13 encontradas facilmente na Internet, para sensibilizarem os alunos com relação à pobreza, falta de saneamento básico, comida e de oportunidades, utilizando-se para tanto de imagens de crianças negras em condição de penúria e brancas com toda sorte de privilégios. Quando se depara com essa situação a criança negra se sente humilhada e tende a se identificar com a impossibilidade de conseguir se posicionar como capaz. Na África e no Brasil, existem crianças negras vivendo em condições adequadas. Existem imagens belíssimas de países africanos, com cidades altamente industrializadas e usufruindo de excelentes condições tecnológicas, que precisam ser mostradas. O imaginário infantil pode ser alimentado com ilustrações positivas da população e dos países africanos. Outro tema que merece destaque é a oralidade é muito valorizada na cultura africana, as disciplinas de português, artes e educação física, através dos contos africanos, encontram possibilidades de demonstrar a riqueza herdada dos ancestrais, explicando como os contos eram utilizados, enfatizando a arte e a musicalidade. O Ministério Público através do FNDE, PNBE, distribuíram em 2007 para escolas estaduais de ensino fundamental, livros de contos, dos quais dois sobre contos africanos que podem ser utilizados em sala de aula. São eles: Sikulume e outros contos africanos, adaptação de Júlio Emílio Braz, ilustrações de Luciana Justiniani, Editora Pallas, Rio de Janeiro, 2005 e Histórias Africanas para Contar e Recontar, autor Rogério Andrade Barbosa, ilustrações de Graça Lima, Editora do Brasil, São Paulo, 2001. Os contos fazem parte da tradição oral africana e eram contados pelos mais velhos, em algumas comunidades, após o jantar, as crianças eram reunidas para ouvi-los e sempre tinha um teor de ensinamento. Outra questão se refere a uma preocupação que atormenta as crianças pertencentes a raça negra é o cabelo, que é denominado por algumas pessoas como “cabelo ruim”, a auto-estima das crianças fica muito abalada, pois almejam, em sua grande maioria ter o cabelo 14 parecido com o da boneca Barbie, ou com o da apresentadora Xuxa, sonho impossível. Mas para aproximarem-se desse ideal, muitas recorrem ao alisamento e a trazê-los presos constantemente, bem esticados, para não se tornarem alvo fácil de atitudes discriminatórias, tais como serem xingadas de cabelo duro, de bombril, assolan, pixaim, carrapinha, entre outros. Desde muito cedo a criança aprende, por exemplo, que cabelo liso é que é cabelo bonito, e esse padrão é reforçado, uma vez que parecem raros, senão inexistentes, elogios ao cabelo crespo durante a infância. (...) A intenção de alisar o cabelo é muito forte entre as crianças observadas. Mesmo as que disseram gostar da própria cor afirmaram não gostar do cabelo. A expressão “nega do cabelo duro” ainda é utilizada como uma forma de inferiorização (...) Esse padrão de beleza, liso e comprido, é quase unanimidade entre as crianças (FAZZI, 2006, p.117). Os professores, pedagogos e diretores, devem estar atentos e proporcionar conversas e palestras que exaltem a beleza do cabelo afro, mostrando a possibilidade de fazer vários penteados, entre eles as tranças, que expressam a beleza do cabelo e que tem um significado na cultura africana. A jornalista Neusa Baptista Pinto elaborou um livro, material pertencente ao projeto “Pixaim: nem bom nem ruim, só diferente”- estímulo à valorização do cabelo crespo entre crianças na periferia de Cuiabá, que conta com recursos do Fundo Estadual de Fomento à Cultura do Governo do Mato Grosso, que conta a história de três meninas que enfrentam as manifestações preconceituosas relacionadas ao cabelo crespo. Material como esse pode servir de apoio para enriquecer a prática pedagógica em escolas de ensino fundamental. O título do livro é: Cabelo Ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar. M.T., Editora Tanta Tinta, 2006. 15 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da delicadeza e da gravidade da temática racial, diretores, pedagogos e professores, ao serem sensibilizados sobre o problema do racismo no ambiente escolar, tornam-se responsáveis pela promoção de uma educação anti-racista, no sentido de não medir esforços para garantir igualdades de condições de aprendizagem para negros e brancos. O compromisso em promover a igualdade racial inclui a implementação da Lei 10639/03, que representa uma possibilidade de avanço para ressignificar a História da África e da cultura Afrobrasileira; bem como atenção por parte dos professores aos materiais didáticos utilizados para ministrar suas aulas, tomando cuidado com textos e ilustrações que possam reforçar o racismo e quando por ventura parecerem denunciar aos órgãos competentes. Valorizar os conteúdos como contos africanos, respeito às religiões de matriz africana, formas de resistência e luta como os quilombos e atualmente a atuação do movimento negro, durante as aulas, pode contribuir para elevar a auto – estima de alunos negros. Essas ações concretas contra o racismo na escola podem amenizar o prejuízo que esta prática vem trazendo para alunos negros e significar reais possibilidades de aprendizagem. 16 Referências: COSTA, Cândida Soares. O negro no livro didático de língua portuguesa: imagens e percepções de alunos e professores. Coleção Educação e relações raciais – Cuiabá, :UFMT/IE, 2007. BOTELHO, Denise. Religiosidade Afro-brasileira: a experiência do candomblé. In: Educação Africanidades Brasil. DF; MEC; 2006. Brasil Lei n.º10.639, de 9 de janeiro de 2003.Altera a Lei nº 9394/96, de 20 de novembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” e dá outras providências. Brasil, Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. MEC, 2004. CAVALLEIRO, Eliane. Educação anti-racista: compromisso indispensável para um mundo melhor. In: Racismo e anti-racismo – repensando nossa escola / Eliane Cavalleiro (orgs.) São Paulo: Summus, 2001. CRUZ, Cassius Marcelus; SILVA, Geraldo Luiz; SALLES, Jefferson Oliveira; OLIVEIRA, Vinícius Pereira. Quilombos: referência de resistência à dominação e luta pela terra no Paraná. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Departamento de Ensino Fundamental. História e cultura afrobrasileira e africana: educando para as relações étnico/raciais. Curitiba: SEED-PR, 2006. (Cadernos Temáticos) 17 FAZZI, Rita de Cássia. O drama racial de crianças brasileiras: socialização entre pares e preconceito. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. GIROUX, Henry. Redefinindo as fronteiras da raça e da etnicidade: além da política educacional. In: Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em educação/ Henry A. Giroux; trad. Magda F. Lopes. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.p.133-172 GOMES, Nilma Lino. pedagógico da Educação cidadã, etnia e raça: o trato diversidade. In: Racismo e anti-racismo – repensando nossa escola /Eliane Cavalleiro (orgs.) São Paulo: Summus, 2001. ________________. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre as relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal n.º 10.639/2003. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. 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