SEMINÁRIO INTERNACIONAL DESAFIOS PARA A SAÚDE PÚBLICA NO SÉCULO XXI: PRINCÍPIOS E ESTRATÉGIAS PARA A CONSTRUÇÃO DE SISTEMAS DE SAÚDE UNIVERSAIS E EQUITATIVOS NA AMÉRICA LATINA E CARIBE (FIOCRUZ/OPAS) Rio de Janeiro 1 a 3 de agosto de 2005 DEBATE SOBRE INVESTIGAÇÃO E AVALIAÇÃO EM SERVIÇOS DE SAÚDE Planejamento & Gestão e a Investigação em Serviços de Saúde Jairnilson Silva Paim Professor Titular do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA INTRODUÇÃO Desenvolvimento no Brasil desde a década de setenta, com pesquisas dobre utilização e avaliação de serviços de saúde : inquéritos populacionais e levantamentos em centros de saúde (modelo de Donabedian). Estudos sobre a previdência social mercado de trabalho, instituições médicas e propostas alternativas de atenção. Reunião da ALAESP em Caracas (1979) - Investigação aplicada em serviços de saúde. OPS (1983) - Tendências da Investigação em Serviços de Saúde. INTRODUÇÃO Estado da arte no Brasil (Teixeira & Sá, 1996) e Cone Sul (Teixeira et al., 2000) : Investigação em Sistemas e Serviços de Saúde A constituição da área tem sido submetida a um conjunto de prescrições: ser operacional resultar em conhecimentos imediatamente aplicáveis estar vinculada à ação concreta considerar a visão e a participação dos profissionais dos serviços e dos “tomadores” de decisão contribuir para a formação do profissional em pesquisa (capacity building), etc. BREVE BALANÇO Crescimento das ISSS e dos estudos de avaliação em saúde no Brasil nas últimas décadas (Teixeira & Sá, 1996; Teixeira et al., 2000) Ampliação do escopo da pesquisa em P&G para investigações em Políticas, Instituições e Práticas de Saúde (PIPS) (Paim, 2000) Ênfase em Avaliação de Políticas Públicas e em Serviços de Saúde: Seminário sobre Efetividade das Políticas de Promoção da Saúde e oficina de trabalho (GT Abrasco, 2005); presença significativa do tema no III Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde (Florianópilis, 2005); lançamento de livros; Suplemento dos Cadernos de Saúde Pública - Investigação e Avaliação em Serviços de Saúde. PONTOS PARA REFLEXÃO No Brasil, a área do Planejamento & Gestão em Saúde encontra-se mais voltada para a intervenção do que investigação. Isto não quer dizer que seus objetos sejam refratários ao rigor de uma abordagem científica. Entretanto, pelo fato de beirarem a imediatez da prática, tendem a ser atravessados por ideologias das mais diversas, com o rótulo de pesquisa, ou submetidos a prescrições distintas, supostamente derivadas de “conhecimentos” produzidos: ver textos sobre Reforma do Estado e modelos de gestão. PONTOS PARA REFLEXÃO A Planificação & Gestão em Saúde (P&G), enquanto área disciplinar do campo da Saúde Coletiva (Ribeiro, 1991) que alimenta seja a ISSS seja a investigação em Políticas, Instituições e Práticas de Saúde (PIPS), não tem sido alvo de uma reflexão epistemológica sistemática. No entanto, contribuições teóricas (Gallo et al., 1992; Rivera, 1995; Gallo, 1995; Merhy, 1997; Testa, 1992, 1995,1997; Spinelli &Testa, poderiam constituir um ponto de partida para este trabalho epistemológico que se faz necessário. 2003), INVESTIGAÇÃO EM SERVIÇOS DE SAÚDE E CAMPO CIENTÍFICO Entender a a prática científica como um campo de forças onde se produzem conhecimentos e símbolos (Paim & Almeida Filho, 2000) Reconhecer a informação e o conhecimento como bens públicos (Pellegrini, 2004) Identificar certas especificidades da área temática da Planificação & Gestão, fundamentada pelas ciências sociais e humanas, e suas implicações na incorporação tecnológica e na militância sócio-política (Testa, Ciências Sociais Vida Cotidiana Mitos Religião Ciencias Naturais História Pré-conhecimento Teoria Negatividade Pré-científico Inserção no mundo social Ideologia Metodológica Hermenêutica 0 Construção do objeto Epistemológica Saber fazer Crescimento Mudança Enfoques teóricos Validação do objeto Prática Hermenêutica 1 Validação do resultado Análise crítica Hermenêutica 1 Cultural Profissional Nova positividade Validação do resultado Nova positividade Incorporação tecnológica Militância sócio-política VIDA COTIDIANA E CIÊNCIAS (Testa, 1997:70) MODOS DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO (adaptado de Gibbsons et al. 1994) TRADICIONAL (Modo 1) Instituições com paredes (universidades e institutos de pesquisa) Agendas definidas por pesquisadores em função do desenvolvimento de suas disciplinas Pesquisa básica (conhecer para entender) vs aplicada(conhecer para utilizar) Enfoque disciplinar Transferência unidirecional a posteriori de conhecimentos e tecnologias Mérito científico Revista científica Recurso públicos Planejamento centralizado SOCIALMENTE DISTRIBUÍDO (Modo 2) Rede de colaboração entre instituições de diversa natureza Agendas definidas em contextos de aplicação Solução de problemas Enfoque transdisciplinar Intercâmbio permanente de conhecimentos e tecnologias Mérito científico e relevância social Múltiplo meios Diversidade de fontes públicas e privadas Criação de espaços de interação PLANEJAMENTO & GESTÃO, INVESTIGAÇÃO EM SERVIÇOS DE SAÚDE Crença na importância do conhecimento socialmente distribuído (modo 2) para a elaboração de políticas e ações de saúde que tenham maiores chances de se tornar efetivas e tragam maiores benefícios para a saúde da população (Barreto, 2004: 331) Complexidade da área de Planejamento & Gestão Momentos em que faltam conhecimentos para a tomada de decisões Momentos em que há conhecimentos suficientes, mas as decisões são postergadas ou implicam omissão Momentos em que as decisões são necessárias mesmo diante de escassas evidências (princípio da precaução) O ESCOPO DA INVESTIGAÇÃO EM SERVIÇOS DE SAÚDE Debate sobre políticas de saúde baseadas em evidências ou em crenças (ciência, ideologia e profissão) Distinção entre problemas de investigação e problemas de intervenção. Identificação de necessidades de saúde (determinantes, projetos, vulnerabilidades, riscos e danos) e de oportunidades e problemas do sistema de serviços de saúde: cuidado, as práticas, os serviços, as intervenções, as instituições, os sistemas e as políticas de saúde. o O ESCOPO DA INVESTIGAÇÃO EM SERVIÇOS DE SAÚDE No início da década de noventa os estudos na América Latina apresentavam uma perspectiva macro, referindo-se pouco às instituições e serviços de saúde. Investigação sobre os modos de implementação de políticas e implantação de planos e programas de saúde visando identificar e analisar os elementos que facilitam ou bloqueiam, suas trajetórias, processo decisórios. Como o governo governa a saúde? (Paim, 1992) Como a Saúde Coletiva governa a saúde? (Seminário Internacional, 2005) “ O processo de transformar o conhecimento em evidência alimentadora de uma decisão é complexo e nunca totalmente científico, sendo permeado por diferentes interpretações e valorações do conhecimento existente, da mesma forma que o processo de produzir e disseminar conhecimentos está mediado por relações que se estabelecem no interior da comunidade científica e desta com os vários setores e interesses da sociedade. Com relação a uma mesma questão, no `estoque` podem existir conhecimentos diversificados, produzidos por diferentes disciplinas, muitas vezes com diferentes abordagens teóricas” (Barreto, 2004:332) POSSÍVEIS ESTRATÉGIAS Na intervenção, alem da mobilização de recursos e vontades, selecionar tecnologias efetivas e aceitáveis, sempre que possível fundamentadas em evidências científicas. Averiguar as tecnologias e saberes disponíveis para a solução cada problema selecionado (do estado de saúde ou dos serviços de saúde), mediante consenso de especialistas ou “síntese de pesquisas” durante o planejamento de saúde. Na falta dessas evidências ou do “estoque” de conhecimentos para a solução de um problema, cabe formular perguntas de pesquisa. POSSÍVEIS ESTRATÉGIAS Indicar, no próprio plano, as perguntas que orientariam as pesquisas necessárias à produção de conhecimentos, no caso de identificação de lacunas. Apoiar a elaboração de protocolos técnicos para o desenvolvimento de ações em distintos níveis do sistema de saúde, identificando lacunas do conhecimento a ensejar pesquisas. POSSÍVEIS ESTRATÉGIAS A institucionalização da planificação e o reconhecimento do complexo de racionalidades presentes no espaço da gestão representam uma das vias para a definição de linhas de pesquisa e prioridades na ISSS na medida em que apontariam para as instituições de pesquisa um elenco de demandas relevantes para a solução de problemas atuais e potenciais. Outra via: a aproximação entre planejadores, gestores e pesquisadores em um comitê misto que discutiria questões formuladas pelos gestores a partir de pré-noções ou da “experiência primeira”, com indicação de síntese de pesquisas, revisão sistemática (meta-análise) ou investigações originais (Vieira da Silva, 2003). ALGUMAS PROPOSTAS Fortalecimento e desenvolvimento da idéia de criação de rede de centros colaboradores (Ex: Rede de ISSS no Cone Sul) para expansão das bases de produção, reprodução, difusão e utilização de conhecimento científico em P&G, ampliando a capacidade de: produzir conhecimentos-síntese a partir do “estoque” de conhecimentos já existentes na literatura científica; produzir e disseminar conhecimentos originais quando os existentes não permitirem que decisões sejam tomadas; fortalecer a capacidade de avaliação do impacto das decisões, sejam elas em forma de política, legislação, norma, ação, etc. (Barreto, 2004). CONHECIMENTO CIENTÍFICO EM CONTEXTOS EMANCIPATÓRIOS Reconhecimento dos diversos saberes e práticas para se transformar provisoriamente Relatividade do discurso calcada na apreensão processual e aproximativa da realidade Rigor metodológico, a serviço de uma realidade sempre mais complexa, como meio para reconstruir “discutibilidades” Intencionalidade explicitada no discurso como forma de se manter criticável nas sínteses realizadas Predisposição em rever posições de forma dialógica, em favor de um discurso eticamente fundado (Pires, 2004:476) Ciência submetendo-se tanto às agendas de pesquisa, como à avaliação de resultados e à própria substância do método científico, às expectativas públicas tradicionalmente consideradas ‘fora’ do sistema científico (Pellegrini, 2004:349) Pauta de Investigação em Serviços de Saúde Análise de situações de saúde segundo condições e estilos de vida; Características e desenvolvimento do setor privado e relações com o setor público; Dimensão e significado do processo de municipalização; Desenvolvimento e avaliação de propostas de modelos de atenção; Desenvolvimento do PSF, da vigilância da saúde e de políticas intersetoriais; Pauta de Investigação em Serviços de Saúde Avaliação de práticas, programas e sistemas de saúde (eficácia, efetividade, eficiência, qualidade, satisfação/percepção dos usuários, acessibilidade, eqüidade, cobertura e análise de implantação de programas (Vieira da Silva, 2000:860). Pesquisas especiais sobre qualidade da atenção (dimensões técnica, ética e satisfação); Utilização em pesquisa das bases de dados do SUS e do IBGE; Análise de implantação de políticas, planos e programas de saúde. Pauta de Investigação em Serviços de Saúde Construção de sistemas de informação capazes de produzir indicadores desagregados de saúde e de utilização de serviços segundo estratos sociais, condições de vida e diferenças raciais (estudos de desigualdades em saúde) Inquéritos populacionais sobre acesso, acolhimento e utilização de serviços de saúde. Pauta de Investigação em Serviços de Saúde Conhecimentos teóricos, metodológicos, operativos e tecnológicos que contribuam para: formulação, implementação e avaliação de políticas de saúde; compreensão do funcionamento do mercado em saúde e suas relações com o Estado, organizações e sociedade; desenho de sistemas de serviços de saúde, organizações e modelos de atenção que contemplem a integralidade, a descentralização, a regionalização, a participação e eqüidade e a intersetorialidade; identificação de pautas culturais e representações sociais de segmentos da população (adolescentes, idosos, negros, índios, etc.) relacionados ao complexo promoção-saúde-doença-cuidado, em relação à utilização de serviços e à comunicação em saúde; desenho, inovação e experimentação de formas alternativas de gestão. Comentários Finais Pilares da modernidade: regulação (princípios de mercado, Estado e comunidade) e emancipação (racionalidades estético expressiva das artes e da literatura, cognitivoinstrumental da ciência e da tecnologia e moral-prática da ética e do direito) A crise da saúde pública e a utopia da Saúde Coletiva: campo aberto a novos paradigmas Comentários Finais “Transição paradigmática”: do conhecimentoregulação ao conhecimento-emancipação Contra o desperdício da experiência: reinvenção de um novo senso comum/ princípio da precaução “Conhecimento prudente para uma vida decente” (Santos, 2000) José Ricardo Ayres, a pretexto de discutir a avaliação da Promoção da Saúde, destaca outros horizontes filosóficos para a ISS, lembrando que “para além do manuseio das regularidades de relações meios-fins, próprios às ciências e às técnicas”, as intervenções implicam um autêntico encontro entre sujeitos. E ressalta a reconstrução de identidades, concepções, valores e projetos positivos para a felecidade e saúde em tal encontro, nem sempre contemplados na ISS. Ciência & Saúde Coletiva, 3, 2004 Alguns exemplos Cordeiro, J.C. Democracia e saúde: uma análise política do processo institucional da saúde no governo da Frente Popular em Pernambuco (1987-1989)”. Mestrado. ISC/UFBA, 1995. Souto, A.C. Saúde e Política. A Vigilância Sanitária no Brasil, 1976-1994”. Mestrado. ISC/UFBA, 1996. Coelho, T.C.B. O processo político de gestão em uma instituição hipercomplexa do Sistema Único de Saúde. Doutorado. ISC/UFBA, 2001. Gomes, I.F.B. A política de descentralização dos serviços de saúde em Cabo Verde: 1975/2000. Doutorado. ISC/UFBA, 2001.