O DIREITO DE RETENÇÃO E A EMPREITADA
A admissibilidade do Direito de Retenção nos Contratos de Empreitada
Dispõe o Art.º 754.º do Código Civil que “O devedor que disponha de um crédito contra
o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o
seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”.
O direito de retenção consiste na faculdade que é concedida ao credor de não
entregar certa coisa enquanto não tiver por satisfeito o seu crédito, quando este
resulte de despesas feitas por causa dessa coisa ou de danos por ela causados.
É, portanto, um direito de garantia atribuído ao credor que lhe permite deter certa coisa
contra quem deve a sua restituição, desde que entre os dois créditos haja uma relação
de conexão relacionada com despesas feitas por causa dessa coisa ou de danos por
ela causados.
Determina o Art.º 755.º do Código Civil que “1 – Gozam ainda do direito de retenção:
a) O transportador (…); b) O albergueiro (…); c) O mandatário (…); d) O gestor de
negócios (…); e) O depositário e o comodatário (…); f) O beneficiário da promessa de
transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se
refere o contrato prometido (…)”.
A questão da admissibilidade do exercício do direito de retenção pelo empreiteiro
suscita divergências na doutrina e na jurisprudência em torno das disposições
previstas no Código Civil de 1966, nomeadamente após as duas revisões ministeriais
do diploma. A versão constante do anteprojecto de Vaz Serra e prevista no Art.º 759.º,
alínea c) do Código Civil determinava que “O devedor que disponha de um crédito
contra o seu credor goza do direito de retenção nos casos seguintes: (…); c) quando
os dois créditos se fundem na mesma relação jurídica (…).”.
Esta versão foi alterada na 2.ª revisão ministerial, eliminando-se a menção prevista na
alínea c). Em consequência da referida alteração, passaram apenas a estar
abrangidos pela possibilidade de exercício do direito de retenção os créditos indicados
no actual Art.º 754.º e não já os créditos que estivessem entre si numa relação de
conexão fundada na mesma relação jurídica.
O crédito do empreiteiro, identificado com o preço e considerado numa relação de
conexão com o crédito do dono de obra na entrega da mesma, fundado, por isso, na
mesma relação jurídica, estaria, a partir daquela revisão, excluído da possibilidade de
exercício do direito de retenção.
A partir do momento em que é eliminada a referência expressa aos créditos que se
encontrem fundados numa mesma relação jurídica, anteriormente constante do Art.º
759.º c), não pode ser defendida a manutenção da admissibilidade do exercício do
direito de retenção do empreiteiro pelo crédito no pagamento do preço. O preço da
empreitada não é identificado, para efeito da sua previsão no Art.º 754.º do Código
Civil, com as despesas feitas com a obra ou os danos por esta causados. Não se
encontrando previsto expressamente, não seria admissível ao empreiteiro exercer o
direito de retenção sobre a obra.
Na verdade, apesar de ser admitido o exercício do direito de retenção no âmbito da
celebração de contratos de empreitada (quando tal é especificamente previsto pelas
partes no âmbito da sua liberdade contratual), o certo é que, sendo o preço o crédito
que o empreiteiro detém sobre o dono de obra e não constituindo este qualquer
despesa ou dano causado com a coisa ou por sua causa, não poderá aquele exercer o
direito de retenção sobre a obra, nos termos previstos no Art.º 754.º do Código Civil.
Ao contrário do entendimento da maioria da doutrina e constante do Acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa de 04/06/2000, o preço da obra realizada pelo
empreiteiro não gera a possibilidade de exercício do direito de retenção (Acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa de 06/05/1984), dado que este é uma garantia
excepcional do credor unicamente aplicável nos casos previstos na lei. Não merece
acolhimento, portanto, o argumento que vê no Art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 201/1998
de 10 de Julho (“O construtor goza do direito de retenção sobre o navio para garantia
dos créditos emergentes da sua construção”) a justificação para a admissibilidade do
exercício do direito de retenção pelo empreiteiro. É que, independentemente de, nesta
situação, estar-se perante um caso de empreitada, tal não é manifestamente suficiente
para fazer aplicar analogicamente o direito de retenção a casos especialmente não
previstos no Art.º 754.º do Código Civil.
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