2 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • Outubro 2006
• [email protected] • Amigo do Ibase
O desemprego é uma sombra que ronda os(as) jovens de todas as
classes sociais e regiões do Brasil. É o que mostra os resultados da
pesquisa Juventude Brasileira e Democracia – participação, esferas e políticas públicas, realizada por Ibase e Pólis em 2005, em
parceria com ONGs e universidades federais e financiada pelo Centro
de Pesquisas para o Desenvolvimento Internacional, do Canadá. Dos(as)
8 mil jovens entrevistados(as), moradores(as) de sete Regiões Metropolitanas do país e do Distrito Federal, 60% não trabalham e 27% não
trabalham nem estudam.
O desemprego é pior em Belém e Recife (cerca de 70%). Mas a
situação não é nada animadora nas outras RMs: Salvador e Brasília,
com cerca de 65% também estão no topo desse ranking. Seguidos de
perto por Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, 58%. Mesmo o
último lugar ostenta um percentual alto: Porto Alegre, com 55,6%.
Em relação à classe social, a pesquisa aponta o que já era esperado:
quanto mais pobre, maior a dificuldade de conseguir emprego. É o que
acontece com 64% de jovens entrevistados(as) que pertencem às classes D/E; e 58% dos(as) que pertencem às classes A/B e C.
Por isso, para esta edição, o tema
do debate realizado aqui no Ibase em
parceria com o Observatório Jovem da
Qual é o próximo
Universidade Federal Fluminense (UFF)
foi trabalho. Trata-se do segundo enassunto a ser
contro da série “Fala jovem!”, lançada
debatido com
na edição de junho, que pretende oujovens e publicado
vir o que pensam representantes da juno Jornal da
ventude sobre questões diretamente
relacionadas com seu cotidiano.
Cidadania?
Da primeira vez, vieram estudantes
da rede pública de ensino. Nesta, convidamos jovens de diferentes perfis e
situações sociais (empregados, desempregados, estudando e trabalhando, só estudando, só trabalhando), com o objetivo de levantar os principais desafios, dúvidas e exigências para quem busca o primeiro emprego.
Reunimos oito jovens de 16 a 22 anos: Taiane Ribeiro; Meriane
Pereira da Silva; Gustavo Cavalheiro de Azevedo; Júlio César Meira
Matos; Vanessa Nogueira; Alan Luís Guimarães de Souza; Iara Amora; e Diogo Reis. Apesar das trajetórias diferenciadas, o grupo apontou
basicamente as mesmas dificuldades para ingressar no mercado de trabalho: falta de experiência, de informação a respeito dos programas
sociais, seja do governo, seja da sociedade civil, que vêm estimulando
esse ingresso; de oportunidade de capacitação; e preconceito, seja pela
pouca idade, seja pelo lugar onde mora.
Com esta segunda edição da série “Fala Jovem!”, queremos saber sua opinião, professor(a); sua opinião, aluno(a), a respeito da iniciativa. Se o primeiro tema foi a política e o segundo foi o trabalho,
qual é o próximo assunto a ser debatido e publicado no Jornal da
Cidadania? Envie-nos sua opinião, comente, critique e inscreva-se para
participar do próximo encontro.
Olá a tod@s
Tenho 34 anos, moro em Santarém e trabalho em uma
ONG chamada Projeto Saúde e Alegria. Na minha cidade,
o acesso à informação é muito restrito às pessoas que têm
um poder aquisitivo mais elevado, deixando de fora milhares de pessoas. Gostaria de saber como faço para montar
um ponto de distribuição do Jornal da Cidadania.
Marco Antônio Mota
Santarém/Pará, por email
Aproveito as edições em um grupo de jovens que faz
debates sobre fé e política. Criar um cursinho na comunidade é nosso objetivo, sobram sonhos, faltam recursos, mas temos coragem. Pedimos à equipe do JC que
publique, na seção Parabólicas, informações sobre concursos de seleção de projetos que viabilizem ações de
educação alternativa. Temos um espaço de duas salas na
paróquia local e no antigo posto de saúde do bairro.
Glébio Oliveira, por e-mail
O Ibase adota a linguagem de gênero em suas publicações por acreditar que essa é uma estratégia
para dar visibilidade à luta pela eqüidade entre mulheres e homens. Trata-se de uma política editorial,
fruto de um aprendizado e de um acordo entre os(as) funcionários(as) do Ibase. No caso de artigos
redigidos voluntariamente por convidados(as), sugerimos a adoção da mesma política.
Uma publicação do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
Ano 11 • Nº 137 • Outubro 2006
Conselho Editorial • Deise Benedito (Fala Preta!) • Marco Carvalho
(chargista e escritor) • Mario Osava (IPS) • Marinilda Carvalho (Observatório
da Imprensa) • Mônica Francisco Santos (Agenda Social Rio) • Professor
César de Miranda (Escola Municipal Estácio de Sá) • Professoras Sonia
Américo de Mello (Coordenadoria Metropolitana/RJ) e Vanilda Paiva
(educadora e escritora) • Pelo Ibase: Itamar Silva (jornalista) • Maurício
Santoro (cientista social) • Nahyda Franca (educadora)
As matérias assinadas não traduzem necessariamente a posição do Ibase
Direção Institucional • Cândido Grzybowski | Coordenação • Iracema Dantas | Edição • Editora: AnaCris
Bittencourt | • Subeditora: Jamile Chequer | Redação • Flávia Mattar • Beatriz Gredilha (estagiária)
Produção • Geni Macedo | Distribuição • Elaine Amaral de Mello | Projeto Gráfico • Mais Programação Visual
Diagramação • Imaginatto Design e Marketing | Tiragem • 104.000 exemplares
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O Ibase é uma entidade pública a serviço da cidadania e da democracia. Seu estatuto é de uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, sem vinculação religiosa, suprapartidária, reconhecida como de utilidade pública
Venda proibida
Outubro 2006 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • 3
Vivian Braga*
Obesidade: consumo
e produção
GUSTAVO AZEVEDO/ARQUIVO IBASE
Os dados divulgados pelo IBGE alarmaram com os números sobre obesidade em nosso
torno das diferenças significativas da sociedade (homem-mulher, novo-velho, ricopaís, especialmente a infanto-juvenil. Entre adolescentes de 10 a 19 anos, 16,7% sofrem de
pobre...). Grosso modo, aquilo que é produzido atende a nichos de mercado, conforme
excesso de peso. Afirma-se que esse crescimento é maior nas famílias mais ricas (apesar de
termo utilizado pela publicidade.
também ter crescido significativamente nas mais pobres), que moram em áreas urbanizadas
Isso não significa dizer que a produção industrial atende exclusivamente às nossas
e incide mais sobre os meninos do que as meninas. Já os dados sobre a população em
necessidades. Ela, sobretudo, induz ao consumo de alguns produtos simplesmente por
geral indicam que 38,5% está acima do peso, dos quais 40,6% são adultos(as) e, entre
termos mais facilidade de acesso a eles do que a outros. Nesse sentido, nosso modelo de
esses, 11% são considerados(as) obesos(as).
produção e distribuição privilegia a alimentação industrializada, o que é facilmente constaEsta realidade traz à tona para o debate não apenas os hábitos alimentares, mas sobretado dada a predominância das redes de supermercados com produtos dessa natureza. O
tudo um conjunto de fatores que determinam os padrões de produção e consumo de alipúblico consumidor, por sua vez, mesmo tendo acesso a informações sobre saúde – notamentos no país. E ainda, aponta a necessidade de estarmos abertos(as) a novas políticas
se, atualmente, a incorporação em seu discurso da preocupação sobre os riscos causados
públicas voltadas para a questão alimentar.
por uma alimentação inadequada, principalmente quando rica em açúcar, gorduras e sal –
Sabe-se que o hábito alimentar de cada pessoa, grupo ou sociedade é determinado
continua consumindo mais alimentos ricos em calorias e pobres em nutrientes, caracteríspor inúmeros fatores associados – biológicos, psicológicos e culturais, além dos econôtica de grande parte dos industrializados e semi-industrializados.
micos. Alguns estudiosos reconhecem o papel da família como fundamental nessa formaDestaca-se que os alimentos industrializados considerados saudáveis, lights, diets,
ção: as mães são as principais responsáveis pelo alimento que entra em casa, mesmo que
massas integrais, 0% de gordura, sem conservantes, etc., ganham espaço nas prateleiras
a interação social da criança também seja importante. Afirmam que a idade é uma variável
dos supermercados. Os alimentos orgânicos, como alternativa in natura e produzidos sem
determinante na identificação do gosto alimentar. No caso específico do “gosto infantil”,
agrotóxicos, estão cada vez mais presentes nas grandes redes e em feiras específicas de
há forte atração pelas frituras, as quais garanalimentação. No entanto, esses produtos consitem, inclusive, mais sensação de saciedade. Por
derados saudáveis ainda estão fora do alcance
outro lado, os alimentos considerados de sada maioria da população, devido aos altos prebor forte ou culturalmente conhecidos como
ços se comparados aos alimentos convencionais.
“comida de adulto” tendem a ser impopulares.
Dessa maneira, para promover alguma mudança
Além da idade, observa-se que diferentes
nos hábitos, seria necessário conciliar políticas
pressões sociais incidem sobre os meninos e
que facilitem o acesso da população às informaas meninas e isso gera diferenças de comporções sobre alimentação saudável e, sobretudo,
tamento alimentar. No que diz respeito aos meaos alimentos saudáveis, tornando-os disponíninos, alguns estereótipos exigem que eles maveis no mercado a preços acessíveis.
nifestem mais interesse diante dos alimentos.
As políticas públicas de educação alimentar e
Entre as meninas, as restrições aumentam até
a legislação que regula a publicidade de alimentos
os 17 e 18 anos e as preocupações dietéticas
precisam efetivamente caminhar juntas com polítivinculadas à estética interferem no gosto alicas que incentivem a diversidade alimentar, tanto
mentar. Outros argumentos indicam a forte inno âmbito da produção quanto no da comercializaterferência da publicidade na formação do gosção. Diversificar a alimentação é importante do
to alimentar das pessoas. A serviço das multiponto de vista não só da saúde, mas também de
nacionais, que controlam a produção mundial
outros contextos relacionados à valorização de
de alimentos, a publicidade agrega aos alimenculturas alimentares locais, e ainda permite a inAlimentos mais saudáveis: fora do alcance da maioria
tos símbolos e significados, estabelece hierarclusão dos pequenos produtores (agro-alimentaquias, alcança os desejos e, portanto, mexe
res e de pequenas empresas) aos mercados, norcom as emoções.
malmente dominados pela grande indústria.
Uma vez conhecidos os aspectos definidores da formação do gosto e dos determinantes
Ações como essas podem promover o desenvolvimento local, estimulando o desenvoldo consumo, temos fundamentos para elaborar políticas públicas de educação alimentar e
vimento econômico com base em vocações locais. Além disso, ao assumir essa responsatorná-las efetivas. No entanto, isso não pode ser feito negligenciando a importância do nosso
bilidade social, as políticas de educação alimentar não serão rotuladas de moralizantes, no
modelo de produção alimentar e sua estreita relação com o crescimento da obesidade.
sentido de ditar os padrões de consumo da população, principalmente das camadas mais
Reconhecendo que o modelo de produção é um processo cultural, podemos dizer
baixas. Por fim, tais medidas constituem-se em um excelente exercício de práticas que
que aquilo que uma sociedade produz – respeitanto lógicas de dominação específicas –
visam fortalecer a democracia. Não pelo direito de consumir, mas pelo poder de decidir de
é a reprodução da cultura em objetos e bens. Tudo é produzido de acordo com classifato sobre o que produzir e consumir.
ficações sociais de situações e de atividades e de acordo com o status das pessoas.
* Antropóloga, pesquisadora do Ibase
Isso explica, em parte, a especialização da produção contemporânea de alimentos em
4 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • Outubro 2006
Patrícia Cornils *
Daniel Cara
A violência, no Brasil, é um problema da juventude. De
acordo com a Unesco, em pesquisa feita de 1999 a 2003,
os jovens (15 a 24 anos) são as maiores vítimas de homicídio
no estado de São Paulo. A taxa de homicídio nessa faixa
etária é três vezes maior do que nas demais. E, de acordo
com a Fundação Seade, 65% da população entre 15 e 19
anos mora na periferia. A taxa de desemprego juvenil em
vários bairros da periferia, de acordo com o Dieese, chega
a 70% – a média para todas as idades gira em torno de
16%. Apenas na região metropolitana de São Paulo, cerca
de 1 milhão de jovens não trabalham e, pela baixa
escolaridade, não têm perspectivas profissionais.
Por que a violência atinge principalmente
os jovens?
Várias coisas. Uma é a dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que é valorizada a função do consumo na sociedade. A pressão pelo consumo é
maior na juventude, quando você está construindo sua identidade e usar uma jaqueta da Adidas ou um tênis Nike significa que você pode ser um campeão como o Kaká, Tevez ou
um VJ da MTV. Tudo o que é relacionado à juventude e ao
processo de identidade é muito simbólico, está muito menos
no plano do discurso que no plano da sensibilidade. E a sociedade criminaliza o jovem quando cria esse referencial de
consumo inacessível para a maioria. Outra parte importante
dessa questão é a existência de uma ética de masculinidade,
quase do machismo. Ter uma arma de fogo, dominar a violência, resulta em valorização perante os amigos. E isso se
aproxima da criminalidade. O terceiro fator é a própria
desestruturação da vida nuclear familiar, que acontece em
toda a sociedade, mas, em famílias de baixa renda, na periferia, leva a questões mais graves, porque acaba com a solidariedade de renda entre pai e mãe, por exemplo, e o jovem,
em uma fase em que não deveria ser pressionado em relação
ao mercado de trabalho, precisa ajudar a família. Outra forma
de criminalizar é que vivemos em uma sociedade
“juventudocêntrica”. A performance social está relacionada
com a juventude. E isso cria outro processo perverso, de
que você tem que viver sua juventude de uma maneira plena,
arriscar, transgredir, o que contempla inclusive a violência,
porque a violência é um valor social.
A própria sociedade estimula a violência?
Existe uma diferença entre violência e criminalidade.
A sociedade brasileira é muito mais violenta do que revelam seus índices de criminalidade. Há um conceito de que
Por isso, diz o sociólogo Daniel Cara, violência tem
classe, etnia e idade: atinge principalmente 49 milhões
de brasileiros entre 15 e 29 anos, com preferência para
moradores de periferias urbanas, negros. O problema é
tratar todos os jovens de periferia como potenciais
criminosos. Não é preciso dar escola à juventude por
medo, para ela não entrar no mundo do crime, diz Cara.
“É preciso garantir direitos básicos a esses cidadãos”,
afirma. Cara é coordenador geral da Campanha Nacional
pelo Direito à Educação, uma coalizão de 200 entidades,
entre elas a Ação Educativa. Também representa a
sociedade civil no Conselho Nacional de Juventude.**
todo jovem de periferia já fez uma fita. Mas todo jovem
vida plena, acaba levando a práticas de criminalidade. A
criminalidade se torna uma maneira de canalizar essa viode classe média ou de elite também fez fita, já cometeu
lência para obter aventura ou recurso. Essa é uma explium furto ou um ato infracional. E o delinqüente é elogiado, desde que não seja punido. Para o pai de um jovem,
cação estrutural, no sentido sociológico. Há outra
explicação, que acho incompleta, que é a de que a falta
se o filho entrou em uma briga, bateu, e não aconteceu
de vagas no mercado de trabalho te obriga a buscar outro
uma tragédia, está tudo ótimo. A prática da violência está
tipo de oportunidade. Acho que essa é uma explicação
presente em qualquer classe social, principalmente para
fraca, porque não considera a experiência juvenil, que é
os homens. Você, na escola, não quer apanhar, é obrigado a ter um comportamento extremamente heterossexual.
marcada por questões simbólicas.
As meninas também começam a
E como impedir que os
ser mais violentas, em todas as
jovens se alistem no PCC ou
classes. A performance — estar
Existe uma
em outras facções?
em primeiro lugar, se destacar —
diferença entre
Como qualquer outra organização
é muito elogiada na sociedade. E
violência e
criminosa, o PCC pode ser uma alternatodo discurso de conquista é basecriminalidade.
tiva de ingresso econômico, na periferia.
ado na dominação. Como há pouMas é preciso desmistificar o PCC, que
cos espaços sociais onde praticar
A sociedade
não tem sob suas ordens todos os preformas de resolução de conflitos
brasileira é muito
sos do sistema carcerário. Uma minoria
baseada no repertório, no diálogo,
mais violenta
participa. Não dá para dizer que todas
a violência acaba sendo um canal
do
que
revelam
as ações de queimar ônibus e agressões
de dominação, de alcançar essa
seus índices de
a agências bancárias foram promovidas
performance.
pelo PCC, várias delas foram espontânecriminalidade
Por que a questão da
as. Quando a Brasilândia, bairro na zona
norte de São Paulo, foi um dos focos
juventude ganhou mais
da primeira onda de ataques do PCC,
visibilidade agora?
A geração de 60, 70, 80 lutou pelos direitos básicos
eu ainda trabalhava lá. Todos sabem quem são os traficantes.
de moradia, por exemplo, tanto nas periferias de São Paulo
Eles nem são do PCC. O PCC presta serviço de proteção a
esses traficantes e sua estrutura no bairro deve ser de cinco
quanto nas favelas do Rio de Janeiro. Os filhos dessa geração não precisam fazer essa luta primária e têm mais acesa dez homens. Aquele medo generalizado não fazia sentido
so à informação na escola ou, no mínimo, na televisão. E
real. Foi uma questão construída pela própria sociedade,
que, em paralelo à cultura da violência, cultiva a cultura do
essa geração tem uma pressão do mundo do consumo maior do que no passado. Então, a consciência da desigualdamedo. Quando a violência chega à sua porta, se torna medo.
de, dos mecanismos que impedem as pessoas de ter uma
É a outra face da mesma moeda.
Outubro 2006 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • 5
Você pode sair da pobreza, mas ela não
vai sair de você?
Quando o hip hop constrói um discurso de orgulho
de periferia, a sociedade começa a ver a periferia de outra
forma, começa a ver que, se as pessoas têm orgulho, é
porque ali está acontecendo algo diferente. Quando a sociedade começa a produzir filmes como “O Invasor” —
interessante porque propõe um diálogo intenso entre elite
e periferia — ou mesmo outros muito criticados, como
“Cidade de Deus” e “Carandiru”, significa que a questão
da violência está na ordem do dia. A saída política seria
assumir as causas dessa violência, enfrentar a desigualdade social. Não adianta ficar remediando ou distensionando
o conflito, temos que enfrentá-lo.
O que seria enfrentar isso?
SAMUEL IAVELBERG/CÂMERA1
O Brasil não pode dizer que viveu uma experiência de
confrontar, de fato, sua desigualdade socioeconômica. Se
a periferia e a favela assumissem a maneira como sofrem
a violência social e enfrentassem isso de maneira organizada, a sociedade seria diferente; 99% das pessoas que
moram na periferia, na favela, vão para o asfalto, todos
os dias, para trabalhar, voltar para casa, lutar para ganhar R$ 500 por mês, quando muito. Não vão para mudar
a lógica do asfalto. As coisas só vão melhorar quando a
periferia, a favela, se tornar ator político de fato. A gente
fica sempre contendo a tensão, como faz o sistema político partidário, como o próprio PT acabou fazendo. Em um
estudo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação,
concluímos que, para cumprir esse direito, o país teria
que aumentar os investimentos em educação para 10% do
PIB. Hoje, investe-se de 4% a 4,7%. Haveria recursos
para alcançar esse percentual, em três anos, se criássemos um imposto progressivo, que incidisse sobre o 1%
mais rico da população. E isso é possível, porque a elite
brasileira é elite econômica em qualquer lugar do mundo,
os ricos brasileiros são muito ricos.
Como está, hoje, a
discussão sobre políticas
públicas de juventude?
trabalho, cultura, educação e tecnologia da informação, considerando que
Para a geração
tecnologia da informação é uma maatual, um dos
Temos três grandes linhas em
neira contemporânea de articular as
debate. Com a primeira, pode-se fatrês políticas universais. A outra câmaiores desafios é
zer um paralelo com a idéia do grumara temática são as políticas univero analfabetismo
po de risco e do comportamento de
sais relacionadas a interesses mais
funcional.
A
maior
específicos do período juvenil: a quarisco. Essa linha trata o jovem como
parte dos jovens
lidade de vida, da saúde, do acesso
um problema, quase como alguém
que tem que ser controlado, ter uma
ao meio ambiente, do lazer e do estem um domínio
porte. E, por último, são as políticas
educação mais rígida, com um intuimuito baixo de
emergenciais, que são as políticas de
to ocupacionista, como se jovem ocilíngua portuguesa
oso fosse equivalente a jovem
vida segura, que consideram segurança pública, direito à vida plena e a vacriminoso. É a idéia da mente vazia,
lorização da diversidade, considerando
oficina do diabo. É uma perspectiva
que os jovens são mais vulneráveis no que diz respeito
estimatizante, um discurso mais conservador. Outro grupo,
aos seus direitos de vida. Vamos lançar a publicação nos
composto principalmente por ONGs ligadas a fundações emdias 28, 29 e 30 de novembro, no Seminário Nacional de
presariais, trata o jovem como uma solução. É o discurso do
Políticas Públicas de Juventude.
jovem protagonista, uma espécie de releitura de 1968, quando os jovens foram o grande vetor de mudanças. É quase
Como os projetos de tecnologia para
como se ele fosse um ser à parte, que não sofre pressão
inclusão social podem contribuir?
dessa sociedade e nem é reflexo dela. A crítica a essa linha
Uma coisa a se refletir é que, para a geração atual
passa, entre outros argumentos, pela consideração de que
de jovens, um dos maiores desafios é o analfabetismo
1968 foi um momento na história e a história se constrói
funcional. A maior parte dos jovens tem um domínio
por oportunidades. A geração de brasileiros que hoje tem
muito baixo de língua portuguesa e de conceitos mateentre 15 e 29 anos não teve oportunidade de mudar o regimáticos básicos. Tanto na questão de cultura quanto na
me autoritário, porque cresceu em um regime democrático.
de educação, que são direitos universais e subsidiam a
Essa linha super-estima ações como o voluntariado, como se
entrada no mercado de trabalho, a tecnologia da inforesta fosse a nova expressão da politização juvenil. De fato é,
mação tem um papel fundamental. Para escrever e para
mas é uma pequena parte, afinal não são todos os jovens
ler, você precisa ter interesse na leitura e na escrita, e
que podem ser voluntários. A terceira visão coloca o jovem
há muito mais interesse por aquilo que está na linguacomo sujeito de direitos e defende a criação de políticas e o
gem da Internet, na forma que a Internet articula a inforestabelecimento de direitos para esse grupo etário, que tem
mação, ou na necessidade que você tem de estabelecer
problemáticas sociais específicas e que está imerso em uma
contatos no Orkut, no MSN. Por mais que se crie outra
cadeia de vulnerabilidade. Para superar isso, os próprios jolinguagem, como se cria, você tem que dominar a base
vens devem participar do desmonte dessa cadeia. Assim
dessa linguagem, que é universal, é a escrita na língua
como as crianças tiveram direitos garantidos pelo Estatuto da
portuguesa. Assim, com a tecnologia da informação e a
Criança e do Adolescente, a idéia é ter direitos da juventude
Internet, pode-se ter uma facilidade maior de aprendizaaté o acesso à vida adulta.
do, acelerar muito o tempo de aprendizado, de alfabetiE essa visão evoluiu
zação funcional. Em paralelo, o domínio básico de
tecnologias da informação é praticamente uma condição
também?
de acesso ao mundo do trabalho. Como o cobertor ecoEstá hoje em um ponto maior de
maturidade, que é não criar políticas
nômico está muito curto, como o mercado de trabalho se
desestruturou, o jovem de periferia está disputando vaga
específicas, mas trabalhar, dentro das
com o jovem de classe média, que antes entrava em carpolíticas universais, as especificidades
dos jovens. Isso já se reflete em uma
gos semigerenciais e, hoje, disputa vaga de recepcionista.
E o jovem de periferia concorre em uma possibilidade
publicação que o Conselho Nacional da
desigual com o jovem que fez escola particular, que tem
Juventude vai lançar em novembro, e
que vai trabalhar de maneira articulada
computador em casa, fez aula de inglês.
os temas da juventude. O objetivo é
que ela se torne uma referência para a
construção de políticas públicas para a
* Leia esta entrevista na íntegra na edição
nº 17/Agosto 2006 da revista A Rede, Tecnologia
juventude. Nela, a gente propõe uma
para a inclusão social < www.arede.inf.br>.
articulação inovadora entre as temáticas
de juventude. Em uma câmara de traba** O Ibase também faz parte da Campanha
lho, tratamos das políticas universais
Nacional pelo Direito à Educação e está
representado no Conselho Nacional de Juventude.
tradicionais e articulamos todas elas:
6 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • Outubro 2006
Canal Cultural
Alfredo Boneff [Jornalista, colaborador do Ibase] – [email protected]
Chico Rei para crianças
Um dos maiores exemplos de perseverança e engenhosidade de
afrodescendentes no Brasil acaba de ganhar uma versão voltada
ao público infanto-juvenil. Trata-se da história de Chico Rei que,
com sua perseverança e inteligência, conseguiu a liberdade e
ainda livrar do jugo inúmeros outros(as) escravos(as).
O lançamento de Chico Rei (Editora Paulus), do filósofo
e mestre em História Renato Lima, aborda de forma lúdica
uma trajetória que combina fatos reais e lendas. Mas, de
qualquer modo, sabe-se que Chico Rei – nascido na África
com o nome de Galanga – chegou ao Brasil por volta de
1740 para trabalhar como escravo nas minas de Ouro Preto.
Destacado como líder e respeitado até mesmo pelo seu
senhor, Chico escondia pepitas de ouro enquanto trabalhava, Assim, obteve alforria e conseguiu comprar deste uma
mina supostamente esgotada. No entanto, ele conseguiu
extrair ouro suficiente para tornar-se um homem rico e financiar a liberdade de cerca de 400 outros(as) cativos(as).
Renato Lima conta essa história a partir do ponto de vista
de uma criança. O narrador descreve o dia em que, jogando
bola com amigos, acabou descobrindo uma
mina de ouro soterrada abaixo do solo da
casa de sua avó. Isso
aconteceu realmente,
em 1946.
“A narrativa surge
a partir da ligação do
menino com a cultura
da região”, explica o
autor, que já esteve na
célebre mina de Chico
Rei. Essa verdadeira profissão de resistência tem belas
ilustrações de Graça Lima e merece ser mais conhecida
por crianças e jovens em todo o país.
Chico Rei / Editora Paulus
Pedidos: (11) 5087-3742/ R$ 22
<www.paulus.com.br>
Documentário e diversidade
Um diálogo diversificado e instigante
entre o cinema e as ciências sociais. Esta
bem poderia ser a síntese da 11ª Mostra
Internacional do Filme Etnográfico, que
será realizada no Rio de Janeiro, de 7 a
15 de novembro de 2006.
Desde a primeira edição, em 1993,
a mostra vem crescendo significativamente. Naquele ano, foram apenas cinco filmes exibidos. Em 2005, esse
número saltou para 305 produções.
Este ano, os documentários serão mostrados no Estação Museu da República, Museu do Folclore, Sesc Flamengo
e, ainda à espera de confirmação, no
Centro Cultural da Caixa Econômica.
“Procuramos, desde o início, estabelecer um olhar no passado e outro no futuro, com o objetivo
de formar platéias e diretores”, afirma o cineasta, fotógrafo e
psicanalista José Inácio Parente, coordenador da mostra. A
curadoria é da antropóloga Patrícia Monte-Mór, que ainda está
no processo de seleção dos filmes para essa edição.
Em 2006, a mostra homenageará o documentarista baiano
Geraldo Sarno, que dirigiu Viramundo. Considerado um dos
mais importantes documentários nacionais, esse clássico de
1965 mostra a migração nordestina para São Paulo. Vários
filmes de Sarno serão exibidos ao longo da programação.
A seleção de filmes de 2005 é um bom exemplo da diversidade da mostra. O público pôde conferir títulos internacionais como A darker side of fair,
de Deepak Leslie. A produção americana, de 2004,
retrata o processo de inserção do fetiche da beleza
penetrando na sociedade indiana. A preferência por
peles mais claras – e supostamente mais belas – é
analisada sob várias perspectivas.
Entre os brasileiros, documentários como
Aldir Blanc: dois pra lá, dois pra cá, de Alexandre Ribeiro de Carvalho, André Sampaio e José
Roberto de Morais. Afetuosamente, o filme, produzido em 2004, traça o perfil do músico, compositor, cronista, poeta e um dos mais importantes letristas da música brasileira.
“O mais importante é construir esse diálogo
entre cientistas sociais que querem conhecer o cinema e pessoas de cinema que desejam conhecer a Antropologia.
E, sobretudo, com filmes de linguagem renovada, feitos a partir
de um olhar interno, sem exotismo”, analisa José Inácio Parente.
A mostra, concebida pela Interior Produções, será realizada com patrocínio do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional por meio do Museu de Folclore Edison
Carneiro / Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular,
Petrobras, Sesc e Caixa Cultural.
<www.mostraetnografica.com.br>
Capoeira
viva e forte
A capoeira, um de nossos maiores patrimônios culturais, faz parte agora de uma iniciativa que tem como
objetivo investir em pesquisa e ações socioeducativas
para valorizá-la. Lançado em 15 de agosto de 2006, o
projeto Capoeira Viva foi idealizado pelo Ministério
da Cultura e conta com a coordenação técnica do
Museu da República e patrocínio da Petrobras.
O projeto – com recursos de R$ 930 mil –
tem três linhas de atuação. Uma delas é o incentivo
à produção de pesquisa, inventários e documentação histórica e etnográfica sobre a capoeira. O objetivo é incentivar estudos e pesquisas no valor de
R$ 20 mil por projeto.
Outra diretriz contemplará ações socioeducativas. Um total de 45 experiências serão beneficiadas.
Serão R$ 5 mil para 15 experiências individuais ou
informais e R$ 15 mil para 15 experiências institucionais. Há ainda o apoio a núcleos documentais, com
incentivos de até R$ 90 mil por núcleo.
Uma comissão formada por especialistas e
estudiosos(as) da capoeira avaliou os projetos até o
dia 30 de setembro. Entre os critérios de seleção foram levados em conta a importância do projeto no
reconhecimento da capoeira como bem cultural; a
capacidade de difusão e de execução da proposta;
perspectivas de continuidade e, por fim, os benefícios para as comunidades onde serão realizados.
O projeto conta ainda com um conselho de
mestres. Gente que conhece e vivencia a capoeira como
Mestre Camisa, Contramestra Janja, Mestre Peixinho
e Mestre Zulu.
Além dos benefícios financeiros aos projetos,
serão realizados três seminários nacionais sobre capoeira, com objetivo de difundir informações sobre
essa expressão cultural e articular os saberes de mestres e especialistas.
De acordo com o diretor do Museu da República, Ricardo Vieiralves, esse projeto, além do aspecto
da valorização, tem o mérito de resgatar uma dívida
histórica. “Na República no Brasil, o respeito aos princípios republicanos não foi a máxima adotada em
vários períodos da vida política de nosso país. A capoeira é um triste exemplo do não-respeito à cultura
brasileira, principalmente a dos mais pobres e dos
negros, cidadãos do Brasil.”
Capoeira Viva: (21) 2558-6350 ramal 230
<www.capoeiraviva.org.br>
Outubro 2006 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • 7
Fala Jovem!
Uma parceria Jornal da Cidadania e Observatório Jovem/UFF
Um debate sobre
juventude e trabalho
Quando vamos ficando mais velhos, em
geral beirando os 18 anos, começamos a
pensar num futuro em que o trabalho
pode vir a ser uma engrenagem
importante. Por isso, reunimos oito
jovens de idades, lugares e condições
financeiras diferentes para um batepapo sobre suas experiências e o que
esperam do futuro no mundo do
trabalho. Será que suas dificuldades,
expectativas e sonhos são semelhantes?
e a Adolescência] e vim trabalhar como menor aprendiz no Ibase. Comecei para ajudar minha mãe em casa e para ter algumas facilidades. Não
acho que trabalhar significa conseguir independência.
Vanessa – Eu nunca trabalhei para receber salário. Participo de um
projeto social em uma ONG e comecei a participar de pré-vestibular comunitário. Estou lá há três anos. Este ano, pretendo trabalhar.
Meriane – Eu estou pensando em trabalhar. Quero ser independente,
morar na minha própria casa.
Alan – Trabalho desde os 10 anos de idade. Hoje, tenho duas filhas.
Pago aluguel, vou levando a vida do jeito que Deus quiser. Quero um
dia arrumar um emprego.
Iara – Comecei com 14 anos em supermercado. Foi no começo
da adolescência e queria sair, ter certas coisas que minha mãe não
podia me dar. Foi meio para conseguir fazer o que queria e não tirar
do sustento da casa.
Quando começou a trabalhar ou a pensar nisso?
Gustavo – Comecei aos 16 anos porque queria ser independente,
ter meu próprio dinheiro e responsabilidade.
Júlio – Foi aos 17 anos, atuando em telemarketing, mas só trabalhei um mês. Agora estou procurando emprego.
Diogo – Aos 13 anos, como empacotador em supermercado. Mas,
na época, só ganhava caixinha, não era nada formal. Aos 16, trabalhei
em construção civil. Fazia isso na parte da manhã, estudava na parte da
tarde. Atualmente, trabalho como vendedor de picolés. É um serviço pesado, mas ao mesmo tempo é livre. Não precisa ficar obedecendo patrão
e é bom para mim. Moro com minha família, com minha avó, não dependo muito do trabalho, por isso tenho me dedicado mais aos estudos
para entrar na faculdade.
Taiane – Comecei aos 15 anos. Moro com minha mãe e minha avó.
Tenho um irmão falecido, um pai e um avô. Morreu um em cada ano. Eu
fazia biscoito de farinha de trigo, açúcar e canela e vendia na escola.
Minha mãe fazia doce e eu vendia também. Depois, resolvi trabalhar de
outra forma. Foi quando fiz um curso na FIA [Fundação para a Infância
Taiane Ribeiro, 16 anos – estuda
no 2º ano do ensino médio no Colégio
Estadual Sônia Kell e joga futebol. Mora
em Santo Cristo na comunidade Morro
do Pinto e é menor aprendiz no Ibase.
Foi preciso convencer a família ou foi necessário
arrumar um emprego?
Vanessa – Meu pai sempre me falou para estudar e depois trabalhar.
Ele dizia: “faço de tudo para você estudar”. Mas hoje, tenho 20 anos, já
está na hora. Então, ele está mais tranqüilo.
Diogo – Lá em casa já foi o contrário. Era trabalhar para depois estudar. Minha mãe se separou do meu pai e fui morar com minha avó aos 3
anos. Desde pequeno, a idéia era trabalhar e o estudo ficaria em segundo
plano. Eu passo uma dificuldade tremenda, falo para ela: “Vó, tenho que
estudar, cursar a faculdade”. E ela diz que é besteira, que tem um monte
de gente que cursou faculdade e está desempregada, disputando vaga para
gari. Essa relação é complicada, é uma briga tremenda.
Julio – Eu trabalhei na época em que meu pai se separou da minha
mãe. Eles tinham posições diferentes. Para minha mãe, é preciso trabalhar para depois estudar; e para meu pai, é preciso conciliar os dois. Eu
trabalhei quando morava com meu pai e ela não estava interferindo muito. Saí porque estava atrapalhando os estudos.
Meriane Pereira da Silva, 17 anos – cursa
o 2º ano do ensino médio no Colégio
Estadual Souza Aguiar. Mora no Centro
da cidade e nunca trabalhou.
8 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • Outubro 2006
É difícil trabalhar e estudar?
Taiane – É. Antes de trabalhar no Ibase, eu saía da escola, tomava banho, dormia, almoçava. Agora, não posso.
Faço futebol às quartas e quintas, das 19 às 21h. Então,
saio do Ibase, vou para o treino, tomo banho, janto e vou
fazer os trabalhos da escola. É cansativo, mas estou conseguindo conciliar. Na minha escola, tem três pessoas que
trabalham por indicação da escola. Elas têm toda a liberdade do mundo. Saem mais cedo das aulas. Eu saio às
12h50 para estar no Ibase às 13h.
Os professores não querem saber:
eu tenho que assistir a aula e pronto. Eu já avisei que trabalho, mas
está sendo difícil.
Diogo – Para quem estuda à
noite, é um pouco diferente. Eu estudo à tarde, mas, como faço parte
do grêmio da escola, faço o intercâmbio. Vejo que à noite os professores contribuem, entendem
quando a pessoa chega mais tarde
por causa do trabalho. Mas depende da escola.
Vanessa – No ano passado, eu
saía da escola para ir para o prévestibular. Estudo no Largo do Machado e o pré é na Praça Onze.
Pegava o metrô porque é mais rápido, mas eu tenho que almoçar. Aí,
falava para o professor que ia sair 10 minutos mais cedo
para almoçar. Tinha semanas que conseguia, outras não.
Aí, você não sabe se sai mais cedo do colégio ou se chega
atrasada no trabalho.
Iara – Quando comecei a trabalhar ainda estava no ensino médio. A época em que considerei mais difícil estudar e
trabalhar foi durante o pré-vestibular, pois não tinha tempo
para me dedicar aos estudos. Agora, na faculdade, por um
lado, é mais tranqüilo, pois não tem cobrança de presença e
horários, mas, por outro, percebo que meu rendimento não
é igual ao de outras pessoas que só estudam.
Gosta do trabalho que faz?
Alan – Eu acho bom ter responsabilidade. Minha diversão é trabalhar, não tenho tempo nem de jogar futebol. Trabalho de domingo a domingo, vendendo chocolate, pipoca.
Quando está chovendo, vendo guarda-chuva. Eu gosto porque é o que sustenta a minha família. Não posso falar que
não gosto. Sem isso, minha família ia passar perrengue. É
lá que sobrevivo. Prefiro ter um trabalho fixo em vez de
ficar no sinal, passando humilhação. Muitas pessoas do sinal já trabalharam em outros lugares; algumas são formadas, mas trabalham por necessidade. Se eu arrumasse um
trabalho para viver tranqüilo, não ficaria lá não.
Taiane – Eu gosto de trabalhar aqui, num lugar que é
tranqüilo. Também tem alguma coisa a ver com o que eu
quero fazer na faculdade: produção cultural.
Conhece a lei do estágio? Como tomou
conhecimento?
Iara – Tenho um colega que arrumou um estágio de
8 horas por dia. São 40 horas semanais! A bolsa é bem
baixa. Essa história das 8 horas me chamou muito a atenção. Perguntei como foi isso, se ele tinha assinado contrato, mas disse que não.
Diogo – Eu conheci através da minha militância política. Comecei no PDT, depois fui para o PT e agora estou no
PSOL. Então, conheci a CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas]. Hoje, o trabalhador tem direito a 40 horas semanais,
mas existe uma tentativa de acabar com
isso para a economia crescer, para os
bancos lucrarem mais etc.
Gustavo – Esse negócio de direitos
aprendi com a vida. Meus irmãos são
mais velhos e alguns já trabalham. Talvez por causa disso saiba algo. Tem
que ter carteira de trabalho para arrumar emprego.
Quais são as dificuldades
para arrumar emprego?
Diogo – Não gosto do meu trabalho, de jeito nenhum, mas gosto de ter um trocado no bolso para fazer
um lanche, sair com namorada. Muitas pessoas trabalham
ali para ter uma remuneração melhor. Estão ali para ter
uma grana, para ter um dinheirinho a mais.
Que tipo de trabalho busca?
Julio – Estágio. Estaria aprendendo mais sobre a minha
profissão. Seria mais proveitoso. Em princípio, o salário não
ia contar muito, mas depois que tivesse uma experiência de
estágio, procuraria um que pagasse melhor. Quando trabalhei,
não tinha contrato de atendente de telemarketing, mas de estagiário. Pagava pouco, eles se aproveitam disso.
Diogo – Para mim, o trabalho ideal seria aquele que
eu gostasse de fazer. Eu gosto de atuar no movimento,
por isso seria trabalhar num instituto como o Ibase, trabalhar na escola, ensinar. Pretendo fazer Licenciatura. É
algo que gosto de fazer.
Gustavo Cavalheiro de Azevedo, 18 anos –
está no 3º ano do ensino médio no colégio
Santo Alberto Magno, mora em Botafogo.
Procurou emprego, mas, sem certificado
de reservista, não conseguiu. Alistou-se,
mas não serviu.
Gustavo – Se tiver com 18 anos
algo que dificulta muito é o fato do
empregador ter que garantir trabalho
depois que a pessoa sai do serviço militar. Tem muita gente que nem contrata. E, sem o certificado de reservista, só a carteira não
adianta nada. Essa situação da exigência do certificado de
reservista não ajuda nem um pouco. Mas ninguém faz
nada, ninguém luta, se mobiliza para mudar isso.
Julio – Isso não ajuda em nada. Você vai pra lá, fica
um ano ralando pra caraca, não ganha quase nada, aí
quando você tem esperança de entrar, é mandado embora.
Quando serve, ganha 50% de um salário mínimo.
Taiane – Acho que a primeira é falta de experiência,
que exigem. Como é que eu vou ter experiência?
O que é melhor: trabalhar com patrão ou
por conta própria?
Diogo – Sem patrão. Empresa é mais exigente, a
competição é maior. Por exemplo, bancário. Ele tem que
produzir, vender. Não ia me adaptar a isso. Eu pretendo
fazer concurso público, trabalhar para o povo, essa é a
minha meta. Patrão não dá.
Júlio César Meira Matos, 19 anos –
estudante universitário, 2º período
de Economia. Reclassificado pela Uerj
para Estatística. Mora no Engenho Novo.
Já trabalhou em telemarketing.
Outubro 2006 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • 9
Julio – Depende muito. Tem uns trabalhos com paVocê sente que tem apoio do governo
trão que valem a pena, outros não.
para conseguir emprego? Conhece algum
Iara – Trabalhar com patrão, de carteira assinada, tem
projeto de estímulo ao primeiro emprego?
Diogo – Principalmente este governo está abrindo
estabilidade, em caso de ficar doente, ficar grávida, por
várias oportunidades de trabalho que eu considero um
exemplo. Trabalhando por conta própria é mais complicado. Quando trabalhar com patrão significa um emprego
avanço. Mas para conhecer, para conseguir, tem que corformal, sem dúvida as garantias e os direitos adquiridos
rer muito atrás. Por exemplo, abriu inscrição para o Prósão fundamentais. É muito problemáJovem, era em tal lugar, foi para o
tico para quem trabalha por conta
Camburi, depois quando a gente
própria quando adoece ou para as
chegou lá, era em outro lugar,
No ensino infantil
mulheres quando engravidam, porque
mandou para a Secretaria de Eduficam sem garantia.
cação. Não é fácil ter acesso àquilo
há mais professoras,
T a i a n e – Em um estágio, se
ali. Mas se você for persistente
que não são tão
mesmo, correr atrás, bater nas porvocê engravida, pode ser mandada
bem-remumeradas.
tas, acaba conseguindo.
embora. Não tem as mesmas leis do
Conforme aumenta
Taiane – Tem a FIA, que é a
trabalho. O estágio também tem esses problemas.
Fundação
de Infância e Adolescência,
o grau de ensino,
Alan – Ter patrão, dependendo do
tem
a
PAR,
que oferece cursos, acho
a maioria é homem
patrão, pode ser muito bom. Meu pai
que é só o que eu conheço.
(Iara)
trabalha há anos e nunca reclamou.
É mais fácil para homens
Depende da situação e da pessoa que
ou para mulheres
emprega. Tem pessoas que descontam
conseguir emprego? Por que elas ganham
tudo, comida etc. Meu sonho é ter um trabalho fixo, arrumenos?
mar um patrão bom, eu cumpriria horário, trabalharia corJúlio – Acho que para mulher. Acontecem muitas
retamente. Cada um cumprindo a sua parte. Hoje, e se eu
inscrições para empregos de forma diferenciada para muficar doente? Sorte que eu nunca caí de cama.
lher e homem. Elas ganham menos porque ainda há maQual a remuneração ideal para você hoje?
chismo, preconceito. É o que acontece com as
Diogo – Se eu tivesse emprego hoje, o salário ideal
mulheres. Homens e mulheres negras ganham
seria de uns R$ 500. O salário ideal é aquele com o qual
menos ainda.
Diogo – Depende do tipo de trabavocê consegue sobreviver. Já uma família como a do Alan,
para ter conforto, precisaria de R$ 2.500, por aí.
lho. As mulheres são mais aceitas no
Vanessa – Li esta semana que o ideal para uma fatelemarketing, ainda que tenham homília viver bem é de R$ 1.400. Esse seria o padrão ideal
mens nessa área. Na construção
para uma família como a do Alan, para ter uma vida norcivil, tem mais homens. No
mal, para poder viver tranqüilo, ir num cinema no fimsetor administrativo, se forde-semana. Para mim, que não pago aluguel, não pago
mos observar os cursos
nada, R$ 500 estaria bem legal. O dinheiro é mais para
superiores de administrair ao cinema, ir a praia, curtir a vida.
ção, o número de muIara – Acho que uma boa remuneração para uma peslheres está aumentando.
Acho que as mulheres
soa que mora com a família, mas ajuda em casa, estaria
em torno de R$ 1.000.
estudam mais, são mais
Meriane – Eu moro com a família, então uns R$ 600,
eficientes e ganham menos, mas estão em proR$ 700 estaria bom.
Gustavo – Se eu ganhasse um salário mínimo já estaria
fissões mais populares.
É preciso ficar de olho
bom, preciso só para as minhas despesas.
nessa questão.
Alan Luís Guimarães de Souza, 20 anos –
estudou até a primeira etapa do ensino
fundamental. Tem dois filhos e mora na
comunidade da Chacrinha, Praça Seca.
Desde que parou de estudar, é vendedor
ambulante de doces na Barra da Tijuca.
Vanessa – Ainda impera muito o machismo, mas depende também no que você vai trabalhar. As mulheres,
em algumas áreas, são mais eficientes, mas sempre ganham menos. Os homens sempre vão dizer que fazem alguma coisa a mais para justificar isso.
Iara – Isso está muito relacionado à questão do estilo
do trabalho. O trabalho das mulheres ainda está muito relacionado com a questão do cuidado, trabalham como
babá, como domésticas. Foi feita uma pesquisa há pouco
tempo, pegando o Instituto de Educação como exemplo. A
pesquisa mostra que no ensino infantil há mais professoras, que não são tão bem-remumeradas. Conforme vai aumentando o grau de ensino, esse trabalho vai se tornando
mais bem-remunerado, e a maioria é homem. Isso mostrou que, mesmo ocupando os mesmo cargos, os homens
são mais bem pagos. Ainda tem muito no imaginário do
empresário o fato de que uma mulher, de carteira assinada, vai custar mais, pois pode ficar grávida, e aí ele vai
ter que substituir por outra pessoa depois.
Júlio – Você não acha que os homens se mobilizam
mais, lutam mais por seus direitos? Por exemplo, no recente protesto em São Paulo contra a Volskwagen, eles
mostraram disposição para lutar por seus direitos, eram
basicamente homens. Você não vê a mesma atitude por
parte das mulheres.
Diogo – O sindicato dos metalúrgicos é formado
basicamente por homens. Já no sindicato dos professores, as mulheres participam mais. Nas comunidades pobres, são as mulheres
que defendem seus filhos
Vanessa Nogueira, 20 anos – terminou o
ensino médio. Faz curso de telemarketing,
hotelaria e vendas em um projeto social
e curso de inglês. Mora em Santo Cristo,
na comunidade da Providência. Não
trabalha no momento.
10 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • Outubro 2006
contra o caveirão e também contra o tráfico. São elas
que ficam na linha de frente buscando seus direitos,
mais do que os homens. Nas situações-limite, o homem
explode e a mulher vai, diplomaticamente, se articulando, conseguindo o que quer.
No caso do trabalho de rua, como fica a
situação das mulheres?
Alan – Minhas irmãs fizeram curso na
Fundação São Martinho, todas fizeram estágio, mas tem que estar estudando. Eu, como
parei de estudar, não pude fazer.
Como você se imagina daqui a
10 anos?
Alan – Imagino que já estou com a minha lojinha, ganhando melhor, podendo dar
tudo o que as minhas filhas precisam. Meu
sonho é abrir um comércio, uma lojinha,
pode ser de roupa, de comida, uma coisa
que seja minha.
Vanessa – Já estarei independente, morando sozinha,
terei terminado a Fisioterapia e estarei fazendo Cinema, que
é o meu grande sonho. A Fisioterapia é só uma forma de
eu me manter financeiramente, mas vou curtir mesmo é
quando puder fazer Cinema.
Se pudesse fazer um curso
Julio – Já terei terminado minha
para melhorar suas condições
faculdade
de Estatística e estarei traSonho em criar
na busca por um emprego,
balhando numa grande empresa,
algum projeto social
o que seria?
como a Petrobras ou o IBGE.
em
que
possa
Vanessa – Faço inglês e informátiM e r i a n e – Não sei o que eu
realmente ajudar as
ca, acho que se eu fizesse um outro
quero ser hoje, mas acho que até lá
idioma seria bom.
vou saber.
pessoas (Taiane)
Júlio – Queria fazer um curso técGustavo – Estarei formado em
nico na área da petroquímica, na Bacia
Direito, e trabalhando. Se gostar mesde Campos, no estado do Rio. É uma
mo, fico nisso, senão, mudo.
área boa, que paga bem. Eles ficam 15 dias trabalhando e
Diogo – Estarei dando aula de História e Geografia.
praticamente um mês em casa. Qual é o outro trabalho
Quero ajudar os jovens a terem uma formação política
que oferece isso?
melhor. Como aconteceu comigo: quando estava na 6 a
Meriane – Queria estudar inglês e aprender a usar o
série, foi um professor de Geografia que me despertou a
computador, essas coisas.
curiosidade para política, ele foi perseguido na escola.
Gustavo – Queria fazer um curso de idiomas, já fiz
Lembro dele até hoje. Também quero ser um exemplo
inglês uma vez, e seria muito bom voltar.
para os estudantes. Quero dar aula em escola pública,
Diogo – Queria fazer um curso de recursos humanão em colégio particular.
nos. É um curso caro, custa cerca de R$ 300, mas serve
Taiane – Quero ser campeã do mundo pela Seleção
para tudo, é útil em qualquer emprego, acho que todo
Brasileira de Futebol, quero jogar muito, se Deus quiser.
mundo deveria fazer.
Quero estar formada em Produção Cultural e continuar
Taiane – Queria fazer curso de línguas e alguma
trabalhando aqui no Ibase, na minha área. Também quero
coisa voltada para a cultura. Quero fazer produção culcasar, ter filhos. Sonho também em criar algum projeto
tural. Estava procurando algum curso gratuito na área
social em que possa realmente ajudar as pessoas e que
de cultura, mas não tem. O que eu achei custa R$ 350,
lembrem de mim para sempre.
não dá para fazer. Os cursos gratuitos, em geral, são
Iara – Acabarei a faculdade de Direito daqui há dois anos
de informática.
e meio. Espero poder atuar em prol dos movimentos sociais,
Iara – Acho que os cursos necessários hoje em dia
nos sindicatos, movimentos de mulheres. Embora eu saiba
são informática e idiomas.
que esse não é um campo de trabalho tão grande. Outra coisa
Alan – O perigo é o mesmo, a exposição é a mesma.
Elas fazem mais panfletagem do que vendem doces. Todos
nós recebemos do público uma atitude de discriminação,
muitas vezes, elas são maltratadas. Corremos risco quando
atravessamos por entre os carros, quando a guarda municipal vem em cima da gente. Tem gente que nos trata bem,
quando nos vê, abre a janela, já nos conhece. Mas a maioria das pessoas nos olha com um olhar diferente, fecha as
janelas, achando que vamos roubar.
Diogo Reis, 21 anos – aluno da Escola
Estadual Raul Vidal, mora em Rio do Ouro,
em São Gonçalo, é vendedor ambulante de
picolés na praia de Itapuaçú, Niterói.
que me interessa muito é trabalhar na Defensoria Pública, pois
acho que é um dos órgãos governamentais mais próximo da
realidade, mais próximo das pessoas.
Participaram do debate:
AnaCris Bittencourt e Jamile Chequer
Jornal da Cidadania/Ibase
Paulo Carrano (moderador) e Raquel Júnia
Observatório Jovem/UFF
João Roberto Lopes
coordenador do Ibase convidado
Fotos: Jamile Chequer
Proposta para uso em sala de aula
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Pesquisar e debater os diferentes programas, projetos etc que estimulam a inscrição de jovens para
que consigam emprego. Quais são os pré-requisitos? Em que lugar as inscrições são feitas? Eles
funcionam? Quais são os prós e contras?
Quais as maiores dificuldades para que jovens
consigam emprego? Como a escola pode auxiliar para que consigam seu primeiro emprego?
A seguir, algumas dicas de pesquisa:
Sobre o programa primeiro emprego do governo federal: www.mte.gov.br/futurotrabalhador/
primeiroemprego/
Sobre o Pró-Jovem: www.projovem.org.br
Sobre o curso Preparação para o Mundo do Trabalho, Fundação São Martinho: www.saomartinho.org.br
Fundação para a Infância e a Adolescência
(FIA): www.fia.rj.gov.br
Iara Amora, 22 anos – estudante de Direito
da UFRJ, mora no Centro da cidade. É
coordenadora do Núcleo de Juventude da
Casa da Mulher Trabalhadora (Camtra). Faz
curso de inglês.
Outubro 2006 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • 11
Cristina Lopes *
Histórias de favelas contadas
por quem faz parte delas
O trabalho rendeu frutos: avós de estudantes eram
convidados(as) a contar as histórias de suas comunidades,
promovendo a valorização daquele saber; estudantes se percebiam como sujeitos de suas próprias histórias inspirados
nas pessoas mais velhas e fortalecendo suas identidades
como moradores(as) de favela; além do estreitamento de
laços entre o espaço escolar e as comunidades.
A interação com outros grupos que trabalham a questão da memória também foi de fundamental importância,
como a visita realizada à Rede Memória Local, do Centro
de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm). Além da
troca de experiências, ainda
teve como desdobramento
uma proposta de realização
de um seminário conjunto
que possibilitasse a outros
grupos que trabalham a questão da memória dar visibilidade aos trabalhos, expor as
metodologias utilizadas, assim como dividir dificuldades e êxitos de cada iniciativa. A proposta foi concretizada pelo Viva Rio e pelo Instituto de Estudos da Religião
(Iser), meses depois.
Ao longo desse tempo, o
projeto registrou a memória
do morro do Andaraí, Borel,
Chácara do Céu, Formiga e
Salgueiro, cinco favelas da Grande Tijuca – região que compreende os bairros do Alto da Boa Vista, Andaraí, Grajaú,
Maracanã, Praça da Bandeira, Tijuca e Vila Isabel. Personagens interessantíssimos que são dignos das páginas dos
livros que resgatam as histórias dos bairros tanto quanto
almirantes, condes e barões, são apresentados ao público
leitor juntamente com a trajetória das comunidades.
O Borel é muito lembrado, tanto por sua população
quanto por residentes de outras favelas, pela sua organização política presente desde muito cedo. Tanto é que a associação de moradores do Borel, fundada legalmente em 1958,
que já se organizava muito antes disso, foi a primeira do
estado da Guanabara. O Sr. Josias Pereira, morador de lá,
ressalta a importância da memória das lutas para aquela comunidade: “eu espero que as pessoas continuem contando
GUTO MIRANDA/DOTZ DESIGN
Este é o título do livro lançado no último dia 5 por Agenda
Social Rio/Ibase como resultado do Projeto Condutores de
Memória. Mas essa história começou muito antes. Já se
passaram seis anos desde que as educadoras Maria Aparecida
Coutinho, Mauriléa Januário Ribeiro e Ruth Pereira de Barros conceberam o projeto Condutores de Memória. A idéia
surgiu após um curso destinado a representantes de movimentos sociais e comunitários, promovido pela Gestão Comunitária, em 1999, em parceria com a Agenda Social Rio
– uma articulação que busca estimular e fortalecer grupos
locais e que, na época, reunia representantes de associações de bairros e favelas, escolas, organizações comunitárias e instituições governamentais, entre outros importantes
atores sociais da Grande Tijuca.
O objetivo do então embrionário projeto era capacitar jovens como guias turísticos que fossem capazes de contar a
história local, ressaltando o lado positivo de suas comunidades.
Durante o processo, as educadoras perceberam que uma fundamental contribuição ainda estava por vir: a participação de
moradores(as) mais antigos(as) das favelas que guardavam
ainda lembranças que poucas pessoas conheciam, como as
primeiras moradias ou como era o morro quando ali chegaram.
A partir daí, a iniciativa tomou outros rumos e passou a
organizar encontros que reuniam gerações distintas para, juntas, resgatarem a memória local. A meta era dar visibilidade,
tanto para dentro quanto para fora das favelas, às lutas de
moradores(as) para conseguir um mínimo de infra-estrutura,
resistir a remoções e à contribuição socioeconômica e cultural dessas comunidades para a cidade como um todo.
A experiência das oficinas permitiu que as educadoras
elaborassem formas de trabalhar a importância da memória
para além das comunidades. Iniciativas como os informativos relatando as histórias resgatadas por moradores(as), a
participação em programas de rádios comunitárias e seminários que reuniam estudantes interessados(as) em conhecer a metodologia utilizada pelo grupo e outros grupos que
desenvolviam trabalhos com a mesma temática, ampliaram
o campo de atuação do projeto.
Após as oficinas realizadas no Borel, Chácara do Céu e
no morro do Andaraí, o projeto realizou um relevante trabalho nas escolas próximas às favelas, cujos(as) estudantes,
em sua maioria, eram dessas áreas e, no entanto, não
promoviam nenhuma atividade que privilegiasse o saber e a
identidade das comunidades. O objetivo das educadoras,
então, era sensibilizar estudantes e professores(as) quanto
a importância da memória local.
aos seus filhos, para que eles possam entender que houve
uma luta sim! Luta para se ter água encanada, para se ter
uma casa melhor, para se ter luz. Houve luta aqui!“
Essas lutas são velhas conhecidas de moradores(as) da
Chácara do Céu, favela localizada no alto do morro, fato que
dificultava ainda mais a chegada de luz elétrica, suprida então
por lampiões a querosene. A água vinha de uma mata localizada em seu entorno. Como se as dificuldades impostas pela
natureza não fossem suficientes, o local, que possuía uma das
mais belas vistas da cidade, era alvo da especulação imobiliária para a construção de um hotel.
No morro do Andaraí, a participação
das mulheres foi destaque e muitas das
memórias, além das lutas, também relatavam questões como sexualidade, moda e
as formas de lazer da época, como os
bailes e blocos de carnaval. As formas de
lazer também se destacam na história do
Salgueiro. Na verdade, esse lazer é a forma mais leve e descontraída da forte resistência cultural dessas comunidades,
que, pela união de moradores(as) para
a organização dos blocos, preservaram
além do samba o caxambu, a folia-dereis, o maracatu e o jongo. Em outras
palavras, a cultura dos(as) primeiros(as)
moradores(as), escravos(as) que permaneceram na região depois da Abolição.
Outra favela que preserva até hoje a foliade-reis é a Formiga. A tradição remonta à
década de 1940.
Essas são algumas das histórias apresentadas no livro
Histórias de favelas da Grande Tijuca contadas por quem faz
parte delas – Projeto Condutores de Memória.
A iniciativa da Agenda Social Rio/Ibase visa mostrar o
trabalho desenvolvido por essas educadoras, bem como
ressaltar a importância de um novo olhar para a favela, que
a incorpore como parte constitutiva da cidade e não produtora de violência, na tentativa de desconstruir estigmas que
tendem a criminalizar a pobreza. A publicação tem distribuição dirigida preferencialmente a estudantes, escolas e
organizações sociais e comunitárias.
* Pesquisadora do Ibase
Pedidos de exemplares:
[email protected] ou (21) 2509-0660
12 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • Outubro 2006
Beatriz Gredilha
Quase 120 anos se passaram desde a abolição da escravatura
e o trabalho escravo continua fazendo parte da realidade
de milhares de brasileiros e brasileiras. Embora haja grande
dificuldade para que violências humanas e trabalhistas sejam
reconhecidas como escravidão pelo poder público, casos sérios
de violações à dignidade e aos direitos dos cidadãos(ãs) não são
raros no país. A maioria deles é considerado trabalho degradante
e não escravo, com a justificativa de que não há coerção por
parte dos patrões. Alojamento em casebres inóspitos, alimentação
precária, abuso das usinas na pesagem da cana, deslocamento
irregular, descontos abusivos por alimentação, moradia e
transporte e cargas de trabalho excessivas são alguns exemplos
de violações trabalhistas freqüentes.
O documentário Tabuleiro de Cana, Xadrez de Cativeiro, produzido pela Comissão Pastoral
da Terra (CPT) de Alagoas, trouxe para as telas um pouco da realidade dos(das) assalariados(as)
da cana, dentro de um universo de super-exploração, desrespeito aos direitos humanos e trabalho forçado. O projeto que deu origem ao documentário teve início em abril de 2005, quando a
CPT de Alagoas retomou seus trabalhos nas periferias das cidades da zona canavieira do estado.
“A partir dos relatos dos trabalhadores e de seus familiares, decidimos realizar um
documentário que mostrasse os dois pólos dessa rede de exploração. Foram captadas
imagens e depoimentos tanto em Alagoas como em Mato Grosso”, explica Thalles Gomes,
produtor e diretor do filme. “Com as visitas, fomos percebendo que tudo era bem mais
complexo e perverso do que imaginávamos. Mas a própria constatação da existência de
trabalho escravo já é revoltante e desconsoladora”, completa.
Para ele, a experiência de dirigir um documentário sobre trabalho escravo é a de
vergonha. “Tenho vergonha da raça humana. De saber que um ser humano é tratado como
uma coisa qualquer, como mercadoria, e que somos todos nós, seres humanos, responsáveis por isso, seja por ação ou omissão”, revela.
O enfoque do filme é o fenômeno migratório dos(das) alagoanos(as), em sua maioria
homens entre 18 e 40 anos, para o trabalho nas usinas de Mato Grosso. “A partir de depoimentos dos canavieiros do município de Joaquim Gomes, pudemos perceber a rota de migração
estabelecida há mais de uma década para o Mato Grosso, ignorada pelos órgãos fiscalizadores”,
revela Lilian Nunes, agente pastoral da CPT Alagoas, produtora e roteirista do documentário.
Segundo ela, a abertura do mercado de açúcar e do álcool para a Europa e o Japão,
bem como a retomada do pró-álcool pelo governo federal, aumentaram as áreas de produção de cana e, conseqüentemente, a exploração dos(das) trabalhadores(as). “Visando seus
lucros e competitividade, os usineiros e fornecedores de cana estão repassando o ônus do
aumento da produção para os canavieiros: longas jornadas de trabalho e baixos salários”,
afirma. O Brasil é o maior exportador de açúcar e álcool do mundo. O setor sucroalcooleiro
movimenta cerca de R$ 20 bilhões por ano.
O principal objetivo do documentário é divulgar para a sociedade brasileira e internacional o custo social proveniente do aumento das exportações de açúcar e etanol. A idéia é
denunciar essa realidade e instigar as pessoas para que reflitam sobre a existência de
trabalho escravo em pleno século 21.
LILIAN NUNES
Tabuleiro de cana,
xadrez de cativeiro
O filme está sendo exibido, também, nas próprias comunidades de assalariados(as) da
cana e nas periferias de cidades onde há vítimas em potencial. Trata-se de um trabalho de
formação que visa alertar aos(às) migrantes sobre a importância do deslocamento para
outras cidades apenas com um vínculo empregatício garantido.
“O sentimento de ilusão diante de uma realidade que julgavam diferente ecoa em todos os
depoimentos colhidos. Antes de serem levados para outras regiões do país pelos ‘gatos’
contratados pelas usinas, os trabalhadores são abordados com falsas promessas de salários
altos e contratação regular”, explica Lilian Nunes.
Além disso, faz parte de um processo de informação para que os(as) trabalhadores(as)
“compreendam o alcance dos seus direitos e saibam a quem recorrer diante de situações de
exploração e degradação de sua dignidade”, completa ela.
Durante as gravações, as dificuldades não foram poucas. Além da falta de condições
financeiras para a utilização de equipamento profissional, a equipe, muitas vezes, estava
resumida a duas pessoas. Nenhuma autorização foi pedida às usinas para que gravassem os
depoimentos, as condições de trabalho e alojamento. “Sabíamos que não permitiriam ou só
mostrariam o que lhes conviesse. Apesar de certo risco e receio, não houve nenhum incidente. Pelo menos até agora”, conta Thalles Gomes.
Em novembro, o documentário será lançado também na França e na Itália. Há a possibilidade de uma parceria com a Procuradoria Regional do Trabalho para a distribuição de cópias
para todo Brasil. Além disso, outras entidades e órgãos de defesa dos direitos humanos estão
sendo contatados pela CPT Alagoas para endossar a Campanha Nacional de Combate ao
Trabalho Escravo. A TV é também um objetivo, mas, de acordo com Lilian Nunes, a dificuldade em conseguir espaço na mídia é grande. “Um documentário sobre trabalho escravo, por se
tratar de um tema delicado e até incômodo, encontra muita resistência”, revela.
A Comissão Pastoral da Terra acompanha o crescimento do trabalho escravo e a carência de políticas eficazes para o combate dessa prática, promovendo denúncias nos órgãos
fiscalizadores e a sociedade civil. A CPT articula entidades nacionais e internacionais que
atuam na defesa dos direitos humanos. Todo o trabalho é baseado nas visitas pastorais às
comunidades de assalariados(as) rurais, onde são ouvidos(as) e orientados(as).
Cópias do curta-metragem: CPT Alagoas
Tel: (82) 3221-8600 ou <[email protected]>
R$ 15 (mais despesas com os Correios).
Outubro 2006 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • 13
Flávia Mattar
Cineclube rima com
militância
O Ibase está apostando em estratégia
diferenciada para aprimorar a formação
de seu quadro funcional e para aproximar
pessoas até então distantes da
instituição. Jovens ibaseanos(as) se
uniram para impulsionar o Cine Ibase.
“É uma forma diferente de se aproximar do público externo e de funcionários. O formato de mesa de discussão,
muitas vezes, inibe a participação, partem do pressuposto
de que todas as pessoas presentes têm conhecimento anterior sobre determinada questão. No cineclube, os presentes compartilham de um sentimento comum que é o
filme que acabou de ser exibido”, acredita a pesquisadora
do Ibase, Patrícia Lânes.
O assessor de Relações Institucionais do Ibase, Diego
Heredia, reforça: “Partir da imagem é um novo jeito de lidar
com a participação. É muito mais próximo das pessoas,
rompe várias barreiras. Para o Ibase, essa é uma maneira
diferente de se comunicar”. A ação também tem como objetivo escoar a produção nacional que não encontra espaço
de exibição. “Há uma produção intensa de documentários
que as pessoas não têm acesso”, chama a atenção Diego.
Desde julho deste ano, vem sendo exibido um documentário por mês, seguido de debate. Para novembro, com data
a confirmar, está prevista a exibição de “Sementes da Memória”, uma produção do Observatório Jovem da UFF, que tem
como foco jovens quilombolas. A escolha levou em conta o
Dia Nacional da Consciência Negra, em 20 de novembro.
“Entre as nossas preocupações na seleção dos documentários está colar o tema central do Cine Ibase com a
conjuntura. Estaremos sempre atentos a datas comemorativas, até porque isso estimula mais o debate”, defende a
pesquisadora Márcia Tibau.
Para Beto Novaes, diretor do filme “Expedito”, atração
de agosto do Cine Ibase: “essa é uma experiência inovadora. O Ibase está fazendo uso da linguagem visual para fazer
um mapeamento da realidade brasileira. Seria ótimo que
pudesse ampliar a iniciativa para os projetos que desenvolve em outros pontos da cidade, não ficando circunscrito à
sede da instituição”.
“Acho super-válida a iniciativa porque a produção
nacional nem sempre tem boa visibilidade. Projetos como
o do Ibase e de outros cineclubes representam um incentivo para o produtor ampliar a produção. É uma forma de
reeducar a população para ver a produção nacional, um
meio de formar público”, defende Re.Fem, diretora de
“Rap de saia”, que esteve em cartaz em abril.
O número de participantes tem variado de 30 a 10 pessoas, sendo metade de funcionários(as) do Ibase e metade de
fora. O perfil do público externo tem sido jovem: a maioria é
ligada a movimentos de juventudes. “Queremos diversificar
mais o público e incorporar o Cine Ibase à rotina da instituição. Queremos que outras pessoas que não têm o hábito de
acessar o Ibase comecem a se aproximar”, projeta Patrícia.
Cultura audiovisual
Outras organizações da sociedade civil também apostam em
cineclubes para a difusão da produção independente nacional
e formação do público. O Instituto Pólis, de São Paulo,
começou a estudar a possibilidade de criação de
um cineclube aberto ao público externo
em setembro de 2005.
A primeira fase foi experimental, direcionada apenas a funcionários(as).
Assim, foi possível verificar possíveis problemas,
implementar estrutura técnica etc. A partir de 2006,
a instituição abriu suas portas para o público externo. O
Pólis exibe tanto documentário como ficção, quinzenalmente, às 19h, na sua sede. As produções são seguidas de debate
com diretores(as) dos filmes ou
estudiosos(as) envolvidos(as) com
a questão central apresentada.
“Buscamos constituir um espaço de difusão artísticocultural democrático. Procuramos filmes que estejam fora
do circuito, produções independentes. Nos preocupamos
em encontrar produções que dialoguem com os temas com
os quais trabalhamos”, explica a técnica da área de cultura
do Instituto Pólis, Fernanda Versolato.
A idéia de iniciar uma atividade de cineclube pelo
Observatório de Favelas, no Rio de Janeiro, surgiu há dois
meses, depois do sucesso de um evento chamado “Filma
Favela”, que reuniu produções realizadas por instituições
localizadas em comunidades.
No mês seguinte, foi dado início à atividade de cineclube. Os filmes são apresentados semanalmente, às sextasfeiras, às 19h30, na sede do Observatório. Segundo um dos
idealizadores da iniciativa, Márcio Blanco, o objetivo é mostrar a produção brasileira independente: tanto a produção
da escola de audiovisual do Observatório como a de outras
escolas, não só do Rio de Janeiro como de todo o Brasil.
“É uma produção que cresceu e não tem espaço regular
de exibição. É feita por gente de comunidade, há um olhar de
dentro das comunidades. Não devemos ver essas produções
apenas como o resultado de uma oficina social para salvar
vidas. Há muito esse discurso de dar cidadania ao jovem, como
se ele não fosse cidadão”, critica Blanco.
Ele também chama a atenção para o fato
de que esses cineclubes são espaços importantes para um público que, muitas vezes, não
tem acesso aos cinemas do circuito, por conta do valor das entradas, pelo fato de a
exibição dos filmes ficar circunscrita a
poucos bairros da cidade etc. “É uma
forma de criar uma cultura audiovisual
dentro da comunidade”, complementa.
Tendo como foco a experiência do
cineclube da Camtra, também no Rio,
Iara Amora, coordenadora do Núcleo
de Juventude do centro, corrobora
com esta visão: “A maioria das mulheres não tem acesso à produção
audiovisual, mesmo os filmes
mais conhecidos. Favorecer o acesso é algo que julgamos positivo”.
Ela ressalta a importância do audiovisual em atividades
de formação: “algumas questões que talvez fossem difíceis
de serem trabalhadas com textos ganham com o audiviosual.
O filme acaba sensibilizando mais, favorecendo o debate”,
defende. A atividade de cineclube na Camtra teve início em
junho deste ano. As exibições ocorrem mensalmente, às
16h, na sede da instituição.
Informações sobre as projeções
Ibase: (21) 2509-0660
Camtra: (21) 2544-0808
Observatório de Favelas: (21) 3104-4057
Pólis: (11) 2174-6800
14 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • Outubro 2006
Beatriz Gredilha [email protected]
Toda criança
quer ser criança
Em defesa dos
nossos direitos
O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) está lançando um gibi com os(as)
personagens da turma da Mônica em um alerta sobre o
trabalho infantil. Na publicação Toda criança quer ser criança, Mônica, Cascão, Cebolinha e Magali explicam a Benedito, uma criança que trabalha no lixão, a importância
de brincar e estudar. Os 85 mil exemplares vão ser distribuídos a ONGs e instituições. Recentemente, cerca de 30
mil gibis Turma da Mônica em: Estatuto da Criança e do
Adolescente também foram enviados a entidades que atuam nessa área. Toda Criança quer ser criança foi apresentado pela primeira vez em Brasília em comemoração ao
Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, em junho. O Brasil é considerado referência mundial no combate à exploração de crianças. De acordo com o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), trabalho infantil é prática ilegal e crime no país.
Pedidos: (11) 3249-8113
Talento acadêmico
premiado
O Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) e a Academia Brasileira de Letras (ABL) estão
promovendo o 9º Prêmio Literário Escritor Universitário Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athaide)
para estudantes do ensino superior. Os(as) três primeiros(as) colocados(as) vão receber medalha,
diploma e uma premiação em dinheiro. O concurso, que tem como tema A Educação Brasileira
e a Inclusão Digital, pretende estimular o gosto pela leitura entre os(as) universitários(as).
O prêmio em dinheiro varia de R$ 3 mil a R$ 6 mil e será entregue, assim como as outras
premiações, em maio de 2007, na sede da ABL no Rio de Janeiro. Os(as) interessados(as)
devem entregar ou enviar os trabalhos na sede do CIEE até o dia 30 de abril de 2007.
www.ciee.org.br
Brasileirinhos
Cândido Portinari é o tema do livro Com vontade de pintar o mundo, da Coleção Brasileirinhos, da editora Paulus. A coleção traz em cada livro a história de um(uma) brasileiro(a)
ilustre. De autoria da escritora Lúcia Fidalgo, contadora de histórias do Grupo Morandubetá
e mestra em Educação, e com ilustrações de Luiz Maia, a publicação conta, de forma efetiva,
didática e instigante, os aspectos mais interessantes da vida de Portinari. A convivência em
família, sonhos, viagens, o jeito especial de enxergar o mundo e dar a ele cores e formas na
tentativa de transformar o que podia ser melhor. Cândido Portinari foi um dos maiores
artistas nacionais. Nascido em Brodósqui, no interior de São Paulo, chegou a estudar fora,
mas gostava de retratar sua própria terra. A intenção da editora é mostrar às crianças que
brasileiros(as) que fizeram a diferença no mundo podem servir de exemplo e estímulo para
que construam um futuro melhor. O livro tem 16 páginas, custa R$ 18 e já está a venda nas
principais livrarias do país.
www.paulus.com.br.
O Chamado a Ações Globais contra as Instituições Financeiras Internacionais
(IFIs) foi realizado de 14 a 20 de setembro. Representantes de movimentos e
organizações da sociedade civil de mais de 50 países entraram em acordo para
que as mobilizações ocorressem em 2006. O objetivo era elaborar ações decisivas
que chamassem a atenção do mundo com relação à destruição e violação dos
direitos humanos causados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial (Bird), os bancos regionais de desenvolvimento e as agências de crédito. As mobilizações ocorreram no mesmo período em que foi realizada a semana
de reuniões do Bird e do FMI, este ano, em Cingapura.
Identificar temas e articular exigências que reflitam os impactos específicos
dessas instituições sobre cada país é um dos resultados pretendidos pelas
organizações. Além disso, essa união visa incentivar a anulação imediata de 100%
das dívidas multilaterais, como parte da anulação total das dívidas exigidas pelo
Sul, sem a imposição de condicionalidades externas; deter o financiamento e
colaboração das IFIs em projetos que destroem o meio ambiente, começando pelas
grandes empresas de petróleo, de gás e de mineração; e contribuir para que façam
as devidas reparações por práticas como a exigência de pagamentos de cotas dos(das)
usuários(as) de educação pública e dos serviços públicos de saúde.
www.rbrasil.org.br/
Álcool e juventude
Como prevenir e falar sobre o uso de álcool com
jovens? As escolas que tiverem interesse na
promoção de ações nesse sentido já podem inscrever-se no projeto do Centro de Informações
sobre Saúde e Álcool (Cisa). A iniciativa oferece
palestras com médicos(as) especialistas e tem por
objetivo alertar a pais, mães e educadores(as)
sobre o modo como se deve abordar o assunto.
Por meio de parcerias, o Cisa produziu duas
publicações. A primeira destinada a pais e mães
é intitulada Como falar sobre álcool com seus filhos, elaborada por profissionais
da própria ONG, com uma tiragem de 15 mil exemplares. A intenção é que se
discuta mais, dentro de casa, sobre os perigos do álcool. A outra publicação, o
guia Escolha certa – esporte sem álcool, tem linguagem apropriada para
adolescentes e foi feita em parceria com o Instituto Compartilhar, do técnico de
vôlei e ex-jogador da seleção brasileira Bernardinho. O guia está sendo distribuído,
desde junho, a alunos e alunas de escolas públicas do Brasil.
Além de palestras, o Cisa promove seminários e eventos científicos que
objetivam debater questões relevantes sobre consumo de bebidas, bem como a
experiência de especialistas nacionais e internacionais a respeito do uso abusivo
do álcool e suas conseqüências para a saúde.
www.cisa.org.br
Outubro 2006 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • 15
AnaCris Bittencourt
Museu da Vida
Você já visitou uma célula humana? Já pôde
fabricar uma? Viu um barbeiro de perto? Já
acendeu uma lâmpada apenas pedalando
uma bicicleta? Uma ida ao Museu da Vida,
na Fundação Oswaldo Cruz, é se lançar em
uma viagem pelo mundo da ciência e da
descoberta. Mas se seu interesse for
entender a história da sociedade para
buscar um futuro melhor, precisa conhecer o
Museu da Maré, que conta a trajetória, os
percalços e conquistas das 16 comunidades
que vivem no Complexo da Maré.
Essas são apenas duas opções dos 36 museus existentes na
cidade maravilhosa. São espaços que aliam lazer ao conhecimento e estão de portas abertas para receber, gratuitamente, grupos de estudantes e professores(as). Mas não se
trata de um privilégio do Rio de Janeiro. O Brasil conta
com cerca de 2 mil museus, a maioria instalada em municípios com mais de 100 mil habitantes. Vale a pena conferir.
Museu da Vida
Criado em 1999 no campus da Fundação Oswaldo Cruz,
recebe, em média, 3 mil visitas por mês – cerca de oito
escolas por dia, de março a novembro. E mantém um projeto especial para aproximar a educação formal (aquela que
é aprendida na escola) da educação não-formal. Dividido em
cinco espaços (Centro de Recepção, Espaço Biodescoberta,
Ciência em Cena, Parque da Ciência e Espaço Passado e
Presente), conta com um acervo de 1.500 peças representativas da história da ciência e da tecnologia, além da Biblioteca de Obras Raras, com 10 mil volumes. Seu acervo é
apropriado para crianças a partir de 7 anos de idade.
Cada visita dura em média três horas, incluindo um passeio de trem pelo conjunto arquitetônico e histórico de Manguinhos, construído em 1905. As visitas são acompanhadas
por um monitor ou uma monitora, um resultado do Curso de
Formação de Monitores. Trata-se de um projeto para capacitar jovens moradores(as) das favelas do entorno – Favela do
Amorim, Mandala Um, Mandala Dois e Vila do João. Para
participar do curso, com duração de dois anos, é preciso
morar ou estudar no entorno, ter entre 16 e 24 anos e estar
no ensino médio da rede pública.
É o caso de Gabriel Lima, de 19 anos, que está participando do curso há um ano e meio e acompanha as visitas
ao castelo. Ele está cursando a 1ª série do ensino médio na
Escola Estadual Ruy Barbosa, em Manguinhos. “Antes do
curso, só vim aqui uma vez para assistir a um show de
rock, nunca tinha entrado no museu.”
O desconhecimento inicial de Gabriel em relação ao museu não é um fato isolado. O esforço que o Museu da Vida
vem fazendo para aproximar o professorado, e, em conseqüência, estudantes da rede pública, não é pequeno e tem
dado resultados. Porém, ainda está longe do ideal.
“Os museus e os professores são parceiros que se conhecem e se atraem mutuamente. O que falta para tornar a
visitação mais freqüente é uma estratégia para garantir o acesso
das escolas públicas, que não dispõem de recursos para trazer as turmas até aqui”, esclarece o coordenador-geral do
Museu da Vida, Pedro Paulo Soares.
O museu vem apostando na capacitação do professorado
como forma de estreitar essa relação. Mantém um projeto de
organização de visitas semanais exclusivamente para esse público. “É uma visita preparatória, na qual apresentamos as possibilidades de interação entre o acervo do museu e a escola
para que, depois, o professor retorne com suas turmas”, conta
o coordenador. Há ainda a possibilidade de participar de oficinas, minicursos e do plantão pedagógico, no qual esses(as)
profissionais são auxiliados pelo pessoal do museu para elaborar uma proposta pedagógica diferenciada em sua visita.
Funciona dentro do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm), que, desde sua criação, há oito anos,
vem desenvolvendo projetos de resgate da memória de favelas. Seu acervo é dividido em 12 módulos temáticos: Tempo
da Água; Tempo da Casa; Tempo da Migração; Tempo da
Resistência; Tempo do Trabalho; Tempo da Festa; Tempo da
Feira; Tempo da Fé; Tempo do Cotidiano; Tempo da Criança;
Tempo do Medo; Tempo do Presente e do Futuro.
As visitas duram, em média, 50 minutos. No caso das
escolas, precisam ser agendadas e incluem a contação de
histórias, a partir da narrativa de moradores(as), baseadas
em experiências reais e no folclore local. Os módulos marcam, de forma cronológica, as vivências das cerca de 130
mil pessoas moradoras da Maré.
“Esse museu não só contribui para a preservação do patrimônio histórico, mas ajuda a valorizar a identidade desses moradores, que passaram a ter uma nova noção de pertencimento e
estão conseguindo superar o estigma sofrido por quem mora
em favelas. É uma ação do local que visa também o global”,
anima-se Luiz Antonio de Oliveira, coordenador do museu.
Entre os objetos diversos que ajudam na reconstituição
desse universo, o que chama mais a atenção do público é a
réplica de uma palafita mobiliada com objetos doados por
pessoas da comunidade, que reproduz uma moradia da década de 1960. Há também objetos que fizeram parte dos
desfiles da Escola de Samba Gato de Bonsucesso, sediada
na Maré, e outros que revelam a pluralidade de religiões
daquelas comunidades.
O museu tem feito parcerias com outras instituições
para expor trabalhos diferentes. Foi assim que, em setembro e outubro, abrigou a exposição itinerante Ibase: a luta
pela democracia faz parte da nossa história, que marca os
25 anos do instituto. Para novembro, está prevista uma
exposição do Museu da Ciência sobre Santos Dumont.
Museu da Vida
Av. Brasil, 4.365 Manguinhos
Agendamento de visitas escolares: (21) 2509-6747
Ponto de Cultura Museu da Maré
Criado em maio deste ano, trata-se do primeiro museu organizado dentro de uma favela. Já recebeu 5.500 visitas, a
maioria adolescentes, com mães e pais. Mas também caravanas de escolas, universidades e representantes de instituições internacionais. O museu foi viabilizado a partir do
programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura, que tenciona criar pólos culturais em cerca de 200 comunidades.
O programa deu origem ao Rede Memória, projeto que
traduz um esforço de organização e catalogação das comunidades que formam o Complexo da Maré. O resultado é um
acervo com 3 mil fotografias, vídeos, recortes de jornais,
revistas e trabalhos acadêmicos sobre diversos aspectos da
história do bairro. O museu é fruto dessa rede.
Ponto de Cultura Museu da Maré
Av. Guilherme Maxwell, 26 – Maré
Agendamento de visitas escolares: (21) 3868-6748
OROSINA VIEIRA/CEASM
ARQUIVO MUSEU DA VIDA
Saber + diversão = ida ao museu
Museu da Maré
16 • Jornal da Cidadania • Nº 137 • Outubro 2006
*
Vá de táxi
A morte de cinco jovens de 16 a 22 anos num carro que se despedaçou contra uma árvore,
na madrugada do primeiro domingo de setembro deste ano na Zona Sul do Rio de Janeiro,
teve ampla repercussão na mídia e aumentou a intranqüilidade da classe média carioca, já
assustada com a criminalidade.
Tragédias similares se repetem diariamente. No Brasil, ocorrem cerca de 34 mil
mortes por ano, segundo o Departamento Nacional de Trânsito. A média dá 93 por dia.
Os acidentes anuais somam 1,5 milhão, deixando 400 mil pessoas feridas, entre elas
muitas mutiladas.
No mundo, pelas contas da Organização Mundial de Saúde, morrem 1,2 milhão de
vítimas de 50 milhões de acidentes, com uma distribuição perversa: 90% acontecem nos
países em desenvolvimento que, proporcionalmente, têm menos carros.
Mas a matança pior é indireta. Calcula-se que a poluição atmosférica provoca 3 milhões de mortes a cada ano em todo o mundo e a maior parte pode ser atribuída ao veículos
motorizados, grandes poluidores do ar urbano. Além desses danos locais, há o global, o
aquecimento da Terra provocado principalmente pelo uso dos derivados de petróleo.
A humanidade vem tratando de desativar, ou pelo menos neutralizar parcialmente,
algumas armadilhas que acabou armando para si própria nos últimos séculos. O cigarro é
uma delas, a primeira talvez a ser equacionada por um tratado internacional que tende a
reduzir o consumo. Um movimento mundial busca abolir ou recolher armas pequenas, que
matam meio milhão de pessoas no mundo a cada ano. A indústria de bebidas teme ser o
próximo alvo de campanhas por restrições. Já é bem conhecido que drogas lícitas, como o
fumo e o álcool, provocam danos maiores que as ilegais.
O carro começa a entrar nessa lista. Dia 20 de setembro o governo da Califórnia, nos
Estados Unidos, iniciou uma ação judicial contra seis montadoras de veículos para
responsabilizá-las pela poluição local e global, provocando prejuízos de bilhões de dólares
e o efeito estufa. O aumento do calor já está matando gente ali e pode acabar com Los
Angeles, ao derreter o gelo das montanhas, principal fonte de água para a cidade.
Em 22 de setembro, umas 1.400 cidades de 40 países participaram da sexta jornada
“Na cidade sem meu carro”, um movimento surgido na França em 1997 que se expandiu
rapidamente pela Europa e daí para o mundo. Esse é um dia internacional de mobilização
para deixar o carro na garagem, evitando poluir e congestionar os centros urbanos. No
Brasil, participaram 51 cidades, mas pouco se percebeu a adesão de São Paulo e Rio de
Janeiro, o trânsito não melhorou e até aumentaram os engarrafamentos na capital paulista.
É difícil imaginar pessoas renunciando ao carro. Já se estabeleceu uma relação de
dependência, é questão de status, mesmo as pessoas pobres com perspectiva de ascensão
sonham comprar o seu. Reduzir danos parece ser a única possibilidade: endurecer as
regras de trânsito e as punições, melhorar o combustível e a eficiência dos motores, atenuando a poluição, num esforço de poucos resultados porque aumenta o número de veículos.
Para jovens em noitadas, acho irrealista recomendar que alguém do grupo, escalado para
dirigir, fique sem beber. É desconhecer a natureza humana, principalmente de jovens em bando.
Mais eficaz seria uma campanha estimulando o uso de táxis. Evitaria muitas mortes e dores.
* Jornalista, correspondente da IPS e Amigo do Ibase
[email protected]
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