Márcia Rosa
Fobia social: suores e rubor à flor da pele*
O caso clínico de um adolescente, diagnosticado como padecendo de “fobia social”, leva a
autora a mostrar que, embora classifique, o DSM-IV não se propõe a discutir questões
relativas à terapêutica. Nesse sentido, este artigo trata as manifestações clínicas da dita
“fobia social” a partir da teoria e clínica psicanalíticas, privilegiando as contribuições de
Freud e Lacan.
> Palavras-chaves: Fobia social, DSM-IV, psicanálise
Thomaz, um jovem adolescente de 17
anos, retorna às suas sessões de análise, depois das férias de final do ano,
e comunica que tem conversado com
alguns médicos, aos quais teve acesso através de sites na Internet, sobre
a possibilidade de fazer uma intervenção cirúrgica sobre a glândula respon-
sável pelo suor. No entanto, diz não
ter se decidido ainda porque essa intervenção produz um suor compensatório (nas pernas etc.) que pode ser
muito desagradável.
Surpreendida pela possibilidade de
que ele tivesse seguido por aí, pedilhe que me prometesse não decidir
*> Este artigo faz parte de um trabalho de Pós-Doutorado realizado no Programa de Pós-Graduação em
Teoria Psicanalítica, Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ (Rio de Janeiro, RJ, Brasil) sob a orientação da Profa. Dra. Tânia Coelho dos Santos.
pulsional > revista de psicanálise >
ano 21, n. 3, setembro/2008
> Key-words: Social Phobia, DSM-IV, Psychoanalysis.
artigos > p.39-48
(Social phobia: sweating and blushing at one’s skin)
The clinical case of an adolescent, diagnosed as suffering “social phobia”, leads the
author to observe that although it classifies, the DSM-IV doesn’t propose itself as
discussing questions related to therapeutic. In this sense, this article considers the
clinical manifestations of the so- called “social phobia” since Freud and Lacan’s
theory and clinical approach.
>39
pulsional > revista de psicanálise > artigos > p.39-48
ano 21, n. 3, setembro/2008
nada sobre isso sem antes falar a respeito na sua sessão. Fato é que o incômodo dele em relação a esse suor já
havia sido mencionado, sem que a intensidade da angústia relativa a isso
tivesse chegado a esse ponto. Ao retornar das férias com a hipótese de
uma intervenção cirúrgica, o jovem
adolescente mostra à analista, através de um acting out, que as tentativas de tratar simbolicamente a
questão não foram suficientes; apesar
de terem sido acolhidas, elas esbarraram na prevalência de uma concepção biológica sobre o corpo. Na
ocasião mesmo, ele insistira em que
esse suor tinha uma causalidade orgânica. Mencionara, ao se levantar, o
fato de ter deixado uma mancha, uma
marca de suor onde repousara os braços. Esse era o incômodo maior: as
marcas, as manchas de suor nas camisas, camisetas etc. Ele já havia comentado, com alívio, estar indo ao
colégio com uma camiseta cujo tecido
não deixava transparecer o suor, no
entanto, no final do ano a sua angústia perante isso ficara muito intensa
e ele inventara um recurso: amarrar
algumas buchas debaixo dos braços
como tentativa de resolver o problema, contudo isso não funcionara, ficara muito pouco confortável.
Embora pudéssemos dizer, metaforicamente, que ele “marca o lugar pelo
suor”, ou mesmo que está “suando
para marcar um lugar”, essa marca é,
ao mesmo tempo, uma mancha e é sob
esse registro que ela o angustia. Entretanto, é interessante observar que
o suor só ganhou relevância para esse
jovem adolescente na medida em que
as suas preocupações com os rubores
faciais começaram a ceder. E foram
exatamente elas que o levaram ao
psiquiatra e que o trouxeram à análise. Na queixa inicial os “rubores” — a
“vermelhidão”, o blushing, conforme
termos que ele encontra na internet –
vieram associados à timidez e ao diagnóstico de Fobia Social. Quanto a isso,
o colégio é o lugar gerador de maior
angústia e, no seu dizer, sem a medicação e as sessões de análise já teria
parado de estudar há muito tempo.
Segundo relata, começou a ficar mal
desde a oitava série (por volta dos 14,
15 anos), sempre que precisava se
apresentar. Algumas situações, principalmente aquelas formuladas nos termos “vamos fazer uma rodinha” ou “já
que é o início das aulas vamos nos
apresentar”, tornaram-se absolutamente insuportáveis. Sair do fundo da
sala ou ter que falar em público, momentos nos quais se sente em evidência ou nos quais fica sob os olhares
dos outros, lhe são insuportáveis. A
intensidade da angústia chegou a
levá-lo, em uma apresentação de trabalho no colégio, a cair fora da cena
através de um desmaio (uma passagem ao ato?). Em vista disso, ele ocupou o momento inicial do tratamento
com o relato sobre cada situação na
qual precisaria se apresentar; tais mo-
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>40
Fobia social ou dificuldades de
enlaçamento dos registros
R. S. I.?
Se formos ao Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM-IV), no qual o termo Fobia Social
é forjado, encontraremos a dita síndrome listada sob o termo “transtornos de ansiedade”, ao lado da fobia
dita específica, bem como das síndromes de pânico, de estresse agudo ou
pós-traumático, de ansiedade generalizada ou induzida, bem como dos
transtornos obsessivo-compulsivos.
De acordo com o DSM-IV, a Fobia Social tem como característica essencial
ou Critério A (numa lista que vai até a
letra H) “um medo acentuado e persistente de situações sociais ou de desempenho nas quais o indivíduo
poderia sentir vergonha”. Uma vez
exposto a tais situações, a resposta
imediata é a ansiedade, que pode chegar ao pânico (critério B). De modo geral, o adolescente ou adulto reconhece
que seu medo é irracional ou excessivo (critério C), no entanto isso não diminui a evitação da situação que, se
suportada, o é com pavor (critério D).
(DSM-IV-TR, 2003, p. 437).
Interessa observar ainda que, de acordo com o Manual, para configurar o
diagnóstico de Fobia Social é necessário que o medo, a esquiva ou a antecipação ansiosa relativos à possibilidade do indivíduo deparar-se com a situação temida interfiram significativamente na rotina diária, no funcionamento ocupacional ou na vida social
do indivíduo. Os sujeitos que padecem desses transtornos manifestam
fracas habilidades sociais, por exemplo, fraco contato visual, ou sinais observáveis de ansiedade, por exemplo,
mãos frias e úmidas, tremores, palpitações, sudorese, rubor facial (DSM-IVTR, 2003, p. 437-439).
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ano 21, n. 3, setembro/2008
mentos, antecipados com um sofrimento intenso, eram trazidos e, de algum modo, assimilados (isto é,
preparados) de antemão nas sessões.
Pesquisador fervoroso, ele vasculhou
a internet e os trabalhos sobre
blushing, sobre “vermelhidão” e sobre
o tratamento medicamentoso para
essas manifestações corporais; pesquisou as medicações que lhe foram
prescritas pelo psiquiatra, com o qual
discutiu, por exemplo, a indicação do
uso do propanolol para as situações de
tensão. Estudou o mecanismo biológico responsável pelo rubor e chegou
também a aventar a hipótese de tratar a questão por uma intervenção cirúrgica. Essas preocupações, sobre as
quais não conseguia parar de pensar,
funcionaram também como causa, e
ele se decidiu a estudar farmácia ou
medicina, “para ajudar as pessoas que
sofrem com os rubores”. Para o contexto da análise, ele trouxe o significante “fobia social”, que lhe foi
soprado pelas pesquisas virtuais, sob
o qual ele se reconhece e a partir do
qual traz as suas questões à análise.
>41
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artigos > p.39-48
Na descrição proposta pelo DSM-IV encontramos os índices a partir dos
quais o caso de Thomaz foi diagnosticado; no entanto, embora forneça elementos descritivos que possibilitam
uma classificação, não está entre os
propósitos do DSM-IV tratar de questões relativas à terapêutica. Nesse
sentido, para a discussão do tratamento desse jovem adolescente precisamos nos reportar a uma outra
abordagem teórico e clínica.
O psicanalista Jean-Pierre Deffieux
(2006) nos auxilia a ler o que se passa
na Fobia Social ao comentar:
>42
... observamos, por exemplo, a importância
que tomou, nas novas gerações, o que outros
chamaram “fobia social” e que não é justamente a fobia no sentido freudiano. Trata-se,
antes, de uma dificuldade de enlaçamento
R.S.I. [Real, Simbólico, Imaginário], que faz com
que o sujeito seja tomado pela angústia não da
castração, mas pela angústia diante do real do
olhar do Outro, não apaziguado pelo Nome-doPai. (p. 74)
Com esse comentário, Defieux estabelece uma distinção entre a fobia
freudiana, marcada pelas questões relativas à angústia de castração, e a
fobia social, na qual o sujeito se angustia diante do olhar do Outro, de um
grande Outro não barrado. Portanto,
no caso da fobia social dois elementos são importantes: a relação do su-
jeito com o Outro e a sua relação com
o objeto escópico, o olhar. Além disso,
fica assinalada uma dificuldade do sujeito fóbico com o operador responsável pelo enlaçamento dos três
registros real, simbólico e imaginário,1 operador que, em princípio, é o
Nome-do-Pai.
No seu texto de 1925, “Inibição, sintoma e angústia”, Freud articula a angústia à castração e mostra que em
cada período da vida o sinal de angústia surge diante de uma falta específica, faltas cuja lista ele constrói: falta
de amparo, falta de amor do objeto,
falta fálica e falta moral. O psicanalista chega a estabelecer uma relação
“razoavelmente estreita” entre essas
modalidades de falta do objeto – modalidades de castração – e a forma assumida por cada uma das três
neuroses. Assim, os homens obsessivos se angustiam diante do temor de
um castigo por uma falta moral, as
mulheres histéricas diante de uma
possível falta de amor do objeto, e as
crianças fóbicas diante de uma possível falta fálica (Freud, 1925, p. 166-167).
Portanto, para o psicanalista vienense a angústia gira em torno da castração, do temor da perda do objeto, seja
ele o amparo, o amor, a moral ou o falo.
Lacan (1963), por sua vez, argumenta
que “a angústia não é sem objeto”
1> Com esses três termos, que atravessam o ensino de Lacan do primeiro ao último momento, sendo reformulados e redefinidos juntamente à teoria e à clínica, Lacan se refere ao campo das imagens em sua
consistência (I), ao campo da linguagem com seus furos e lapsos (S) e ao campo daquilo que ex-siste,
que existe fora do registro das imagens e da linguagem, e que é designado real (R).
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de nenhum dos modos sob os quais é
possível localizar o fenômeno da angústia. A presença do Outro se dá
como gozo, como demanda e como desejo, de tal modo que podemos dizer
que o gozo, a demanda e o desejo do
Outro angustiam. O sonho de angústia, o pesadelo, é uma ilustração disso na medida em que nele algo do
Outro se apresenta e leva o sujeito a
acordar. O psicanalista francês menciona a figura da Esfinge que, com seu
imperativo “decifra-me ou te devoro!”,
acaba sendo uma das figuras do pesadelo e encarnando o gozo do Outro. Na
medida em que é, ao mesmo tempo,
uma figura questionadora, a Esfinge
também representa a demanda do
Outro. Assim, a pergunta formulada
por ela, “que animal é este que anda
com quatro pés pela manhã, dois ao
meio-dia e três à noite?”, apresentase como um significante que se propõe, ele mesmo, como opaco,
constituindo a posição do enigma
como tal. No entender de Lacan, temos aí a forma mais primordial da demanda do Outro. Enfim, para falar da
articulação entre o desejo do Outro e
a angústia, ele menciona o caráter
enigmático suscitado pela interpretação analítica: ele me diz isso, mas o
que é que ele quer? Ao se apresentar
no percurso de uma análise em relação ao desejo do analista, essa questão não deixa de suscitar angústia
(Lacan, 1962 p. 68 e segs.).
Feitas essas considerações, podemos
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ano 21, n. 3, setembro/2008
(p. 81). Para ele, é a presença e não a
falta de objeto que angustia. Ele observa, por exemplo, que não é a nostalgia, mas a presença do seio que
engendra a angústia; ao lembrar os
arruinados pelo êxito, ele mostra que
a presença do sucesso é mais angustiante do que a sua possível falta e
assinala ainda que a angústia do Pequeno Hans – caso paradigmático para
tratarmos da fobia freudiana – surge
não exatamente diante da perda do
pênis, mas no momento em que o pênis se movimenta através das ereções, sinalizando a emergência do
real pulsional (ibid., p. 64). Nesse sentido, a invés de considerar a castração apenas como angustiante, Lacan
assinala que ela é também uma solução, um tratamento possível para a
angústia. Na fobia, na medida em que
está mal formulada, não resta ao sujeito outro recurso senão aquele de
tratar a angústia pela construção do
sintoma. Assim, Lacan lê o sintoma
fóbico do Pequeno Hans, o medo de
ser mordido pelos cavalos, como resultante de uma inoperância da intervenção paterna sobre o desejo da
mãe; angustiado pela proximidade excessiva da mãe, o sujeito recorre ao
sintoma.
No entanto, na leitura lacaniana não
é apenas a presença do objeto que
está em jogo na angústia, além dela é
preciso considerar a relação do sujeito com o Outro. Para Lacan, a dimensão do grande Outro não está ausente
>43
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>44
observar que a fobia social não encontra, de saída, um campo de ressonância nas formulações freudianas sobre
a fobia enquanto fundada no temor da
perda do objeto. Assim, são as elaborações de Lacan sobre a relação do
sujeito com o Outro e sobre a presença do objeto que nos permitirão ler o
que se passa aí como uma resposta
sintomática do sujeito diante da angústia suscitada pela presença do Outro. No caso de Thomaz, o trabalho de
subjetivação das manifestações corporais, que o deixam “mal na própria
pele” ou “à flor da pele”, evidencia
que o objeto em jogo aí não é outro
senão o olhar; diante do olhar do Outro ele se intimida, se envergonha, se
esquiva. É muito claro, e ele insiste
nisso, o incômodo experimentado em
situações nas quais está em evidência
e se sente à mercê das demandas do
Outro, demandas que surgem na forma de perguntas que lhe são endereçadas tanto pelos colegas quanto
pelos professores. A angústia surge
ainda diante da possibilidade da gozação dos colegas e dos professores (um
dos quais zombou sobre o modo como
ele estava ficando vermelho) ou em
situações nas quais o desejo do Outro
se manifesta como enigmático: afinal,
por que da insistência em tirá-lo do
fundo da sala e em convocá-lo para as
apresentações diante da turma?
Se retornarmos agora ao comentário
de Deffieux, anotamos que, na seqüência, ele mostra como a passagem
do Nome-do-Pai, segundo a tradição
religiosa, para o Nome-do-Pai como
operador lógico, corresponde à pluralização dos Nomes do Pai, pluralização
que faz com que o pai se torne um
nome entre outros. E Deffieux (2006)
conclui:
... no final do ensino de Lacan, o Nome-do-Pai
torna-se o operador que enlaça os três elos, e
todo operador que enlaça os três elos é um
Nome-do-Pai. Todo enlaçamento R.S.I., estigmatizado por Lacan na função do sintoma, apela para a nomeação de um pai que, em termos
lógicos, não está mais forçosamente ligado à
pessoa do pai. (p. 75)
Da mulher como um dos Nomesdo-Pai
No caso de Thomaz, o despertar do
amor por uma menina parece ocupar,
embora ainda de modo precário, essa
função sintomática de estreitar um
pouco mais a amarração um tanto
frouxa dos três registros R.S.I. Embora
diante de perguntas do tipo: “será que
meninos e meninas ficam ruborizados
do mesmo modo?”, as respostas fossem sempre que não havia diferença,
desqualificando, de algum modo, a diferença sexual e uma possível significação fálica das manifestações em
questão, pode-se dizer que a significação fálica, que nada indica estar zerada, parece estar inoperante. E o que a
torna inoperante? O caráter não típico do que está em jogo? Ou seja, através do uso das suas pesquisas na
internet, alimentadas por uma pulsão
epistemofílica, o jovem adolescente
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sendo a lógica fálica, regida pela castração. Através desse amor ele se desloca da posição de objeto “manchado”
ou “ruborizado” aos olhos dos playboys e das patricinhas; através dele
um movimento de falicização se esboça. Embora essa tentativa de construção de uma parceria sintomática dure
pouco (uma vez que a menina muda-se
de cidade), por mei0 dela ele deixa
aberta uma outra via possível de
amarração de um sintoma: se amarrar
em uma menina. Não é sem interesse
anotar que, na mesma sessão em que
aventa a possibilidade de tratar cirurgicamente a sudorese, diz também
que vai economizar dinheiro para poder sair à noite e encontrar as meninas. Portanto, essa via permanece
aberta, aquela da mulher como um dos
Nomes-do-Pai, isto é, da colocação de
uma mulher no lugar do sintoma.
Percebe-se que o despertar da primavera, para usar os termos com os
quais Wedeking (1895) se refere à entrada na adolescência, em uma contemporaneidade marcada pela inoperância da função paterna, deixa o sujeito exposto a propostas de intervenções reais sobre o corpo, como tentativas de tratamento e de subjetivação
do mal-estar da adolescência. Neste
contexto, as pesquisas e os achados
dos adolescentes na internet podem
ser incluídos entre os “novos ordenadores da cultura” (Santos, 2006) — variações do objeto que têm aí a forma
dos gadgets, isto é, dessas quinqui-
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insiste em uma concepção biológica do
corpo e em uma subjetividade “configurada” nos moldes propostos pelo
DSM-IV. Neste sentido, é interessante
lembrar que Lacan (1972-73) não deixou
de colocar em questão o estatuto
epistemofílico da pulsão, ao sugerir
que isso fala, isso goza, e na d a
sabe (p. 142). Talvez essa seja uma das
questões: a dificuldade em saber algo
sobre o gozo e, mais especificamente,
sobre o gozo fálico.
A diferença sexual e a significação fálica entram em jogo no momento em
que ele se apaixona por uma menina.
Com isso, ao invés de Lacan (1958)
pensar em “rubores e suores” – ou no
“demônio do pudor” (p. 699) – ele passa a pensar nela e chega a dizer que
“está curado”, que “não está nem aí
para as questões de ficar vermelho”.
Diz não estar mais preocupado em ruborizar diante dos colegas; ao invés
disso, surge a fantasia de se mostrar a
eles acompanhado por ela que, obviamente, entra em cena com um valor
fálico. Agora esses colegas, e não mais
a presença de um Outro anônimo e de
seu olhar, se dividem em grupos nomeados como playboys e “idiotas” no
caso dos meninos, e “patricinhas” e
“gente boa” no caso das meninas.
Nesse momento, ele, um “idiota”,
tenta construir uma parceria sintomática com uma menina “gente boa”.
Através do amor por essa menina, o
jovem sujeito entra no que poderíamos reconhecer classicamente como
>45
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lharias produzidas pela ciência – e
mostram a sua ineficácia no fato de
acabarem gerando manifestações
acentuadas de quadros de inibição e
de angústia, cuja dosagem exige atenção especial na direção do tratamento.
No caso de Thomaz, a intervenção psicanalítica se orienta no sentido de ir
contra o excesso traumático e de
abrir as trilhas, os caminhos da formação do sintoma. Isso implica “que o
sintoma se constitua em sua forma
clássica, sem o que não haverá meio
de sair dele” e, além disso, acrescenta Lacan (1962-63), implica “que se desenhe no sujeito uma coisa tal que lhe seja
sugerido que há uma causa disso”, disso que é o “não-assimilado do sintoma,
não assimilado pelo sujeito” (p. 306).
na adolescência. Em que pese isso, o
caso nos interessa nesse momento na
medida em que esse jovem mostra-se
embaraçado com as concepções sobre
o corpo e sobre a subjetividade que
lhe são sopradas pelo DSM-IV através
da internet, bem como pelas nuanças
que introduz no campo da pulsão escópica e do objeto olhar.
Nas suas considerações sobre o objeto olhar, no seminário A angústia, Lacan (1962-63) observa que:
As ironias do desejo
Ao inverter a perspectiva, Lacan nos
leva a perceber que o que olha os colegas de Thomaz na cena do rubor não
é outra coisa senão o rubor, ele próprio. (Pode-se evocar aqui a experiência na qual o sujeito se sente olhado
pela mancha branca no olho do cego.)
Ali estaria aquilo pelo que eles mais
seriam olhados, e que mostra como a
angústia emerge na visão no lugar comandado pelo objeto. Nesse sentido,
o rubor merece algum desdobramento.
Salvo engano, não encontramos no
ensino de Lacan referências ou mesmo uma discussão sobre a Fobia Social,
no entanto, em alguns momentos ele
se detém sobre o rubor. Entre as
Este caso clínico nos suscita discussões diversas. Com Freud ele nos levaria, entre outros, a uma discussão
sobre esses três termos maiores que
são a inibição, o sintoma e a angústia.
Com Lacan, surgem questões que vão
desde a mancha que incide sobre a
pele, isto é, sobre a superfície da imagem especular, e que apresenta um
ponto opaco, um ponto de real na
imagem almejada, passando pelo embaraço e pela passagem ao ato, gerados pela angústia, até as questões
relativas aos diversos registros do
corpo (Real, Simbólico e Imaginário) e
ao despertar bifásico da sexualidade
... para ver dilacerar-se o que há de ilusório
nisso, [no eidos visual], basta introduzir uma
mancha no campo visual, e então vemos a que
se liga realmente a ironia do desejo. (...) basta
uma mancha para exercer a função da pinta. Os
sinais e tecidos de beleza (...) mostram o lugar
do a , aqui reduzido ao ponto zero (...). mais
que a forma que ele mancha, é o sinal que me
olha. (p. 277-278)
do pudor e, após essa confissão pública, conotada por não sei qual vergonha, depois de mostrar o seu pequeno
autômato, o velho colecionador se
afasta com um “rubor feminino”, diz
Lacan. Nesse momento, esse objeto, a
caixinha de música, tem o estatuto de
objeto pequeno a na fantasia, e isso
faz com que ele seja um objeto que
não agrada mostrar; trata-se de um
objeto de cobiça única, do qual se
quer afastar a concorrência, conclui o
psicanalista (Lacan, 1961, p. 137). Esse
desejo secreto que se comunica, só o
faz por engano e aí
Se a revelação do objeto que causa o
desejo feminiza o velho colecionador,
tal não é o caso de Thomaz. Para ele,
a presença e a exibição do objeto feminino não faz senão virilizá-lo. No
primeiro momento, diante do olhar do
Outro, de um Outro anônimo encarnado pelos colegas, ele morre de vergonha, se desvanece e, embaraçado,
cai como objeto; entretanto, no segundo momento ele tem algo a lhes
mostrar: querem olhar? Vejam isso!
2> Tal como Lacan os lista no seu texto Seminário sobre A Carta Roubada: o esconder-mostrando, o mistério, o estar à sombra de, a contradição, o escândalo, o silêncio, a simulação do domínio do não-atuar, a
imobilidade, a raiva e a caligrafia.
artigos > p.39-48
... o sujeito mostra o ponto maior, mais íntimo dele mesmo. O que é suportado por esse
objeto, é justamente o que o sujeito não pode
desvelar ainda para si mesmo (...). Trata-se de
algo que se coloca diante do sujeito, que o determina retroativamente em um certo tipo de
ser. (Lacan, 10.12.1958 )
pulsional > revista de psicanálise >
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menções ao tema temos aquela que
associa o rubor à vergonha e à falta
em relação a alguma virtude (por
exemplo, quando da análise de um
fragmento da Divina Comédia de
Dante), bem como uma outra em que
o associa ao mérito da existência do
sujeito e da obra de arte (no caso do
personagem Stephan Dedalus, de James Joyce). No entanto, quando ele é
tratado no campo do cinema, através
de um filme de Jean Renoir, “Le règle
du jeu”, o rubor nos interessa sobremaneira, pois essa referência nos
possibilita inseri-lo entre os signos de
uma posição feminina:2 nesse caso o
olhar do Outro tem um efeito feminizante sobre o sujeito em questão e o
rubor surge associado ao pudor.
Lacan (10.12.1958, inédito) menciona o
personagem Dálio, um colecionador
de objetos, mais especificamente de
caixas de música. Ele comenta o momento do filme de Jean Renoir no qual
o velho colecionador revela, em frente a uma concorrência numerosa, sua
última descoberta, ou seja, uma caixinha de música particularmente bela.
Nesse exato momento, o personagem
está na posição do pudor: ele sorri, se
apaga, desaparece, está muito incomodado. Ao mostrar o objeto colecionado, uma das formas do objeto do
desejo, o sujeito franqueia os limites
>47
artigos > p.39-48
_____ . (1958-1959). O seminário. Livro VI. O
desejo e sua interpretação. Lição de 10.12.1958.
Inédito.
_____ . (1960-1961). O seminário. Livro VIII. A
transferência. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.
_____ . (1962-1963). O seminário. Livro X. A
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_____ . (1964). O seminário. Livro XI. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio
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_____ . (1972-1973). O seminário. Livro XX.
mais, ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.
_____ . (1974). Prefácio a O despertar da primavera. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro:
Zahar, 2003.
MILLER, J.-A. Nota sobre a vergonha. Opção Lacaniana. Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, São Paulo, n. 38, p. 8-18, out. 2006.
_____ . AMP2008. Os objetos a na experiência analítica. Opção Lacaniana. Revista Brasileira
Internacional de Psicanálise, São Paulo, n. 46,
p. 8-18, out. 2006.
WEDEKING (1895). O despertar da primavera. Lisboa: Editorial Estampa, 1991.
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Garcia e de ‘tradição’, de Angelina Harari. Opção
Lacaniana. Revista Brasileira Internacional de
Psicanálise, São Paulo, n. 46, p. 73-75, out.
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DSM-IV-TR. Manual Diagnóstico e Estatístico de
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Porto Alegre: Art Méd, 2002. p. 437-443.
FREUD, S. (1925). Inibições, sintoma e ansiedade.
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LACAN, J. (1955). Seminário sobre A carta roubada. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
pulsional > revista de psicanálise >
ano 21, n. 3, setembro/2008
Uma transcendência torna-se possível e ele sai da posição de ser-aí
(Miller, 2003, p. 10-11). A fantasia exibicionista dá sustentação ao desejo e
a parada viril pode se configurar. E o
mais surpreendente é que, com o passar do tempo, as meninas começam a
ser incluídas em uma lista, uma lista
na qual os objetos femininos têm um
valor fálico { (a, a’, a’’, a’’’, ...)}.
Será que Thomaz está começando a ficar com pinta de conquistador?
M ÁRCIA R OSA
Psicóloga; psicanalista; membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise; doutora em Literatura Comparada (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil); pós-Doutorado em Teoria Psicanalítica (Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil); coordenadora e Membro do Corpo Docente da Pós-Graduação lato-senso em “Psicanálise aplicada à saúde mental”. (Centro Universitário do Leste de Minas Gerais –
UNILESTE-MG, Cel. Fabriciano, MG, Brasil).
Rua Levindo Lopes, 333, sala 305 – Savassi
30140-170 Belo Horizonte, MG, Brasil.
Fones: (31) 3296-9423; 3281-0708; 9617-6443
e-mail: [email protected]
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Artigo recebido em janeiro de 2008
Aprovado para publicação em agosto de 2008
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Fobia social: suores e rubor à flor da pele*