Universidade Federal do Rio de Janeiro ENSAIOS SOBRE PRODUTO POTENCIAL, CONTABILIDADE DO CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Rafael Chelles Barroso 2005 ENSAIOS SOBRE PRODUTO POTENCIAL, CONTABILIDADE DO CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Rafael Chelles Barroso Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Economia, Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências Econômicas. Orientador: Antonio Barros de Castro Co-orientador: Francisco E. P. de Souza Rio de Janeiro Setembro, 2005. ii ENSAIOS SOBRE PRODUTO POTENCIAL, CONTABILIDADE DO CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Rafael Chelles Barroso Orientador: Antonio Barros de Castro Co-orientador: Francisco E. P. de Souza Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Economia, Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências Econômicas. Aprovado por: Presidente, Prof. Antônio Barros de Castro Profa. Viviani Luporini Prof. João Sabóia Prof. Francisco Eduardo Pires de Souza Prof. Rio de Janeiro Setembro, 2005. iii Barroso, Rafael Chelles. Ensaios sobre Produto Potencial, Contabilidade do Crescimento e Desenvolvimento Econômico/ Rafael Chelles Barroso. – Rio de Janeiro: UFRJ/ IE, 2005. X, 145f.: il.; 31 cm. Orientador: Antonio Barros de Castro Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IE/ Programa de PósGraduação em Economia, 2005. Referências Bibliográficas: f.132-135. 1. Desenvolvimento Econômico. 2. Economia Brasileira. I. Castro, Antonio Barros de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Economia – Programa de Pós-graduação em Economia. III. Título. Em caso de dúvidas, favor contatar a Bibliotecária da sua Unidade ou Centro iv AGRADECIMENTOS Agradeço acima de tudo aos meus pais e a minha avó por me darem apoio material e emocional ao longo dessa jornada e a última, em específico, por me acolher em sua casa por quase 3 anos. Aos meus primos e primos, tias e mais recentemente à minha afilhada por terem criado no Rio de Janeiro um verdadeiro ambiente familiar para mim. Por último, mas não menos importante à Suzana que foi quem acompanhou a minha batalha diária e me reconfortou nos momentos mais exasperantes. Ao meu orientador, que além da orientação formal, me proporcionou outras oportunidades de interação e de aprendizagem. Ao meu co-orientador, que desobrigadamente e de coração aberto aceitou o pedido para me socorrer na reta final. Aos demais membros do Grupo de Conjuntura que proporcionaram nesse período de convivência, um rico fórum de debates para as mais variadas idéias. Também não posso esquecer dos funcionários do grupo: Sônia e Sidenir, que nunca me negaram o apoio necessário. Inestimável também foi a ajuda de todas as pessoas como Marta Areosa, Regis Bonelli, Lucilene Morandi, Richard Nelson e Howard Pack, que mesmo sem me conhecerem responderam aos meus chamados por ajuda, por e-mail ou telefone, seja esclarecendo dúvidas ou fornecendo base de dados ou outras informações que foram extremamente valiosas para a elaboração dessa dissertação. Por último, não posso me esquecer de agradecer aos meus colegas do programa de pós-graduação, que tornaram essa jornada mais prazerosa, a Capes que financiou os meus estudos e mais uma vez ao Grupo de Conjuntura que mesmo sob dificuldades assumiu a tarefa do financiamento após o término da bolsa de mestrado. v RESUMO ENSAIOS SOBRE PRODUTO POTENCIAL, CONTABILIDADE DO CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Rafael Chelles Barroso Orientador: Antonio Barros de Castro Co-orientador: Francisco E. P. de Souza Resumo da dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pósgraduação em Economia, Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências Econômicas. Recentemente, a pesquisa econômica brasileira viu seu interesse pelos temas dos limites do crescimento serem reacendidos, incluído entre eles o produto potencial e a contabilidade do crescimento. Essa dissertação faz uma avaliação crítica dos modelos de PIB potencial e contabilidade do crescimento, aplicados até hoje à economia brasileira. Ademais, algumas sugestões dentro do referencial teórico ortodoxo e também no enfoque evolucionista são feitas e avaliadas, com o intuito de se avançar na compreensão da questão. Palavras-chave: Desenvolvimento Econômico, Produto Potencial, Contabilidade do Crescimento, Teorias Evolucionistas Rio de Janeiro Setembro, 2005. vi ABSTRACT ESSAYS ON POTENTIAL OUTPUT, GROWTH ACCOUNTING AND ECONOMIC DEVELOPMENT. Rafael Chelles Barroso Orientador: Antonio Barros de Castro Co-orientador: Francisco E. P. de Souza Abstract da dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pósgraduação em Economia, Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências Econômicas. The Brazilian economic research has recently seen a renewal in the interest on the limits’ to growth literature, which includes themes such as potential output and growth accounting. This dissertation undertakes a critical appraisal of the potential output and growth accounting models, applied so far to the Brazilian case. Furthermore, some suggestions within the scope of the orthodox theory as well as in the evolutionary approach are advanced, in order to enhance the comprehension of such questions. Key-words: Economic Development, Accounting, Evolutionary theories Potential Rio de Janeiro Setembro, 2005. vii Output, Growth SUMÁRIO 1. 1.1. 1.2. 1.3. 2. 2.1. 2.1.1. 2.1.2. 2.2. 2.3. 2.4. 3. 3.1. 3.1.1. 3.1.2. 3.1.3. 3.1.4. 3.2. 3.2.1. 3.2.2. 3.2.3. 3.2.4. 3.3. 3.3.1. 3.3.2. 3.3.3. 3.4. 4. 4.1. 4.1.1. 4.1.2. 4.2. 4.2.1. 4.2.2. 5. 5.1. 5.2. 5.3. 6. 7. Introdução .........................................................................................................1 Proposta e Plano da Dissertação .....................................................................2 PTF (Produtividade Total dos Fatores) e Contabilidade do Crescimento ..4 A Importância do PIB Potencial e dos Exercícios de Contabilidade do Crescimento.....................................................................................................11 Metodologias de Cálculo do Produto Potencial ...........................................13 Métodos Estatísticos .......................................................................................14 O Filtro HP ...............................................................................................16 Resultados do Filtro HP aplicados ao Caso Brasileiro .........................18 Métodos Econômicos ......................................................................................21 Métodos Híbridos ...........................................................................................23 Breve Resenha da Literatura Internacional ................................................23 Métodos de Cálculo Aplicados ao Caso Brasileiro ......................................28 Um Modelo Simples de Função de Produção...............................................28 Metodologia ..............................................................................................28 Equações do Modelo ................................................................................34 Resultados.................................................................................................35 Projeções e Análises de Sensibilidade ....................................................42 Um Modelo de Crescimento Equilibrado.....................................................48 Metodologia ..............................................................................................48 Equações do Modelo ................................................................................54 Resultados.................................................................................................57 Produto Potencial e Exercícios Alternativos .........................................65 Modelos Alternativos: Solow-Swan e AK .....................................................71 Metodologia ..............................................................................................72 Equações ...................................................................................................74 Conclusões e Reflexões ............................................................................78 O Papel da Aplicação desses Modelos ao Caso Brasileiro ..........................85 Modelos Avançados de Produto Potencial ...................................................89 Taxa de Progresso Técnico de Fischer e PTF Vintage ................................89 Contabilidade do Crescimento e a Reprodutibilidade do Capital.......90 O Conceito da PTF Vintage...................................................................100 Um Modelo de Insumos Vintage..................................................................103 Justificativa e Metodologia....................................................................103 Resultados e Projeções...........................................................................105 Um Modelo Evolucionário de Desenvolvimento ........................................109 Relevância e Pertinência do Enfoque Evolucionário.................................110 Modelo Evolucionário Simples de Desenvolvimento numa Economia de Dois Setores ...................................................................................................115 Resultados e Conclusões Preliminares........................................................120 Conclusão ......................................................................................................128 Bibliografia....................................................................................................132 viii LISTA DE TABELAS Tabela 1 – O DP dos desvios absolutos do hiato na década de 1980 não foi o maior do período .................................................................................................................19 Tabela 2 – Taxa de crescimento médio das séries originais e filtradas. ......................20 Tabela 3 – Diferentes estudos trazem diferentes estimativas da taxa de depreciação .30 Tabela 4 – A estabilização da economia diminuiu a volatilidade da PTF ...................38 Tabela 5 – Decomposição do crescimento: taxa de crescimento e contribuição de cada fator ......................................................................................................................39 Tabela 6 – Diferenças na medição do fator trabalho são compensadas na PTF ..........40 Tabela 7 – Volatilidade do hiato diminui no período Pós-Real mas a taxa da crescimento do PIB potencial não aumenta .........................................................42 Tabela 8 – Hipóteses adotadas em cada cenário e respectivos resultados ...................44 Tabela 9 – Maiores taxas de depreciação aumentam a taxa de crescimento do PIB potencial. ..............................................................................................................47 Tabela 10 – Decomposição logarítmica teórica do crescimento – resultados originais ..............................................................................................................................62 Tabela 11 – Decomposição logarítmica teórica do crescimento sob hipóteses alternativas ...........................................................................................................67 Tabela 12 – Decomposição logarítmica teórica do crescimento – base de dados alternativa.............................................................................................................70 Tabela 13 – Decomposição do produto - modelo de Solow (apud Pessoa et Ali, 2003) ..............................................................................................................................78 Tabela 14 – Relação K/Y sobe mais fortemente na época do 4º Plano (1977-81) ......82 Tabela 15 – Quadro resumo dos exercícios do capítulo 3 ...........................................84 Tabela 16 – A correção de LP aumenta a importância da PTF em detrimento de K...98 Tabela 17 – Especificação da PTF Vintage ...............................................................101 Tabela 18 – Método Vintage redistribui a contribuição de K e L ao longo do período ............................................................................................................................106 Tabela 19 – PIB potencial vintage fornece maiores taxas de crescimento................108 ix LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Efeito da mudança do valor do parâmetro λ sobre o filtro HP. .................17 Figura 2 – Aplicação do filtro HP ao PIB brasileiro de 1940 a 2004. ........................18 Figura 3 – Aplicação do filtro HP ao PIB brasileiro de 1980 a 2004. ........................20 Figura 4 – Relação capital/ produto efetiva apresenta estabilidade no período 19802004......................................................................................................................36 Figura 5 – Trajetória da PTF no período 1980-2003. .................................................37 Figura 6 – PIB potencial e efetivo: 1980-2003 ...........................................................41 Figura 7 – Evolução do PIB potencial (em bilhões de R$ de 1999) sob os 3 cenários ..............................................................................................................................44 Figura 8 – Efeito da variação da NAIRU sobre o PIB potencial ................................45 Figura 9 - Efeito da variação da NAICU sobre o PIB potencial.................................46 Figura 10 – Efeito da variação da taxa de depreciação sobre o PIB potencial ...........47 Figura 11 – Participação do trabalho na renda declina ao longo do tempo ................53 Figura 12 – Modelo de Solow: crescimento equilibrado e de transição .....................57 Figura 13 – Evolução da relação capital/ produto total na economia brasileira de 1950 a 2000...................................................................................................................58 Figura 14 – Evolução da PTFD brasileira de 1950 até 2000 ......................................60 Figura 15 – PIB potencial difere muito pouco do PIB efetivo. ..................................65 Figura 16 – A PTFD obtida a partir dos dados com ajuste é quase um deslocamento paralelo.................................................................................................................69 Figura 17 – PIB potencial por trabalhador..................................................................71 Figura 18 – Brasil e Coréia priorizaram o desenvolvimento das mesmas indústrias no período do II PND................................................................................................83 Figura 19 - Trajetória de crescimento equilibrado de longo prazo ............................92 Figura 20 – PTF Vintage é menos volátil e antecede a PTF efetiva .........................102 Figura 21 – PIB potencial: PTF Vintage e PTF HP ..................................................102 Figura 22 – A PTF Vintage apresenta um resultado mais favorável a evolução da produtividade .....................................................................................................105 Figura 23 – PIB potencial vintage é maior do que o PIB potencial tradicional .......108 Figura 24 – Prêmio pela qualificação (g) apresenta tendência crescente ao longo do período ...............................................................................................................122 Figura 25 – Participação dos trabalhadores do setor moderno no total: efetivo x simulações..........................................................................................................124 Figura 26 – Evolução da relação produto por trabalhador (Q/L)..............................126 Figura 27 – Evolução da relação capital por trabalhador (K/L) ...............................127 x 1. Introdução A literatura econômica brasileira vive atualmente um ressurgimento do interesse pelos temas relacionados ao crescimento econômico e seus limites, incluindo cálculos do produto potencial e exercícios de contabilidade do crescimento. O produto potencial é uma variável não observada. Isto é, ela não pode ser medida através de pesquisas, como a produção industrial ou a taxa de desemprego. Portanto, como qualquer variável não-observada em outros campos da ciência, ela tem que ser construída conceitualmente a partir de uma teoria, tornando-a assim, passível de controvérsias. No conceito de produto potencial mais amplamente usado, o principal fator limitante é a inflação, pois, o produto potencial não é só um conceito técnico de engenharia. Assim, o produto potencial indica não somente o nível de produção máximo possível, condicionado a disponibilidade de todos os fatores de produção, mas também um uso não-inflacionário1 dos mesmos. Portanto, para se obter o PIB potencial de uma economia, de acordo com essa definição, deve-se ajustar os fatores de produção pelo seu nível de utilização não-inflacionário. Utilizam-se para esse fim os conceitos irmãos de NAIRU (Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment) e NAICU (Non-Accelerating Inflation Rate of Capacity Utilization). Por outro lado, ao nível micro, os limites de produção não são rigidamente definidos. Eles se alteram com o aprendizado, horas extras, novos turnos, etc, de modo que as plantas fabris possuem faixas de produção e não um limite pontual bem definido do seu máximo de produção. Outra distinção que deve ser feita em relação ao conceito, diz respeito à diferenciação entre produto potencial e tendência do produto ou produto tendencial. O 1 A inflação relevante para esse conceito é somente aquela originária de pressões de demanda. 1 produto tendencial é fruto de um tratamento estatístico, seja através de filtros como o filtro HP (Hodrick-Prescott) ou filtros do tipo BP (Band-Pass) ou através ainda de outras metodologias como a de Box-Jenkins, que visam extrair da série original os componentes sazonais e cíclicos, obtendo dessa maneira o componente de tendência do produto. Fica claro, portanto, que a tendência do produto é um conceito puramente estatístico, guardando apenas relações muito tênues com os fundamentos econômicos, por trás do conceito de produto potencial. Uma certa confusão entre os termos pode surgir, pois, uma prática muito comum para se obter estimativas do produto potencial é a aplicação pura e simples de métodos estatísticos como o filtro HP. Por último, deve se ressaltar que o conceito de produto potencial leva em conta apenas a capacidade de oferta da economia, não entrando explicitamente em seu cálculo nenhum elemento de demanda, mesmo que indiretamente ao induzir um aumento do investimento. Um outro conceito muito usado e estreitamente ligado ao produto potencial é o conceito de hiato do produto. Ele nada mais é do que a diferença entre o produto observado de uma economia em um determinado período e o produto potencial. O hiato indica quanto uma economia poderia crescer sem gerar inflação, em conseqüência de um maior grau de utilização dos fatores e da ampliação da produtividade ao seu nível potencial. 1.1. Proposta e Plano da Dissertação A proposta dessa dissertação é analisar os principais trabalhos brasileiros empíricos recentes, sobre produto potencial e contabilidade do crescimento. Mais do que uma revisão crítica, o objetivo é examinar as hipóteses subjacentes e 2 conseqüências das mesmas para cada exercício, assim como as implicações e as limitações das conclusões de cada um. Busca-se, em conexão com o exposto no parágrafo acima, entender as limitações e críticas que são feitas em geral a essas metodologias, de maneira a avaliar, em que medida, essas críticas podem ser incorporadas ao método de cálculo do produto potencial e exercícios de contabilidade do crescimento. Por último, essa dissertação faz uma prospecção preliminar da linha de pesquisa evolucionista, procurando ponderar as possíveis contribuições que ela possa oferecer, no intuito de clarificar os pontos controversos do debate. No restante dessa introdução, exploram-se os conceitos chaves para essa tese e a relevância acadêmica e de política econômica dos mesmos. O capítulo seguinte traz um resumo das metodologias disponíveis para exercícios de produto potencial e contabilidade do crescimento, em conjunto com uma breve revisão da literatura internacional. O capítulo subseqüente se dedica à análise de 3 estudos aplicados ao caso brasileiro, de grande relevância e impacto no debate, a saber: Silva Filho (2001), Bacha & Bonelli (2004) e Pessôa et Al (2003a). O quarto capítulo apresenta, então, uma alternativa de cálculo, incorporando críticas e aspectos metodológicos aplicáveis ao caso brasileiro, para a mensuração do produto potencial e exercícios de contabilidade do crescimento. O penúltimo capítulo explora possíveis contribuições para o debate, advindas da escola evolucionista, aplicadas a contextos similares do debate nos países asiáticos. As duas principais referências aqui são: Nelson & Pack (1999) e Nelson & Winters (1982). O sexto capítulo conclui. 3 1.2. PTF (Produtividade Total dos Fatores) e Contabilidade do Crescimento2 Uma outra variável econômica não observável e utilizada no cálculo do produto potencial é a PTF. O conceito de produtividade de um fator3 é amplamente usado e aceito em economia, porém, sua origem não vem da teoria econômica, apesar de ser usado pelos economistas desde os primórdios da ciência, e sim da engenharia. Por outro lado, o conceito de PTF é alvo de divergências entre os economistas, quanto a sua definição e operacionalização. Muitos trabalhos, acadêmicos e de natureza mais aplicada, que utilizam-se do conceito da PTF, suprimem essa polêmica da discussão, identificando a PTF como um resíduo ou diretamente como o progresso técnico. Outros, ainda, a descrevem sem conceituá-la, como Silva Filho (2001, p. 10): “durante a determinação do produto potencial obtém-se estimativas da PTF, que é a principal medida de eficiência agregada da economia e um dos principais determinantes do crescimento econômico”. São poucos os estudos que se detêm em analisar os aspectos teóricos da PTF. Hulten (2000) é um raro e completo exemplo. A PTF, não obstante as mais modernas técnicas usadas para estimá-la, pode ser obtida por uma singela manipulação das identidades contábeis das contas nacionais. O PIB (Produto Interno Bruto) pode ser representado como na Equação (1), onde P identifica o preço e Q a quantidade produzida. L e K são respectivamente as quantidades dos fatores: trabalho e capital, utilizadas para produzir Q. Por último, w e r são as respectivas remunerações ao fator trabalho (salário) e ao fator capital (juros). Os subscritos t indicam o período de tempo.4 2 Essa seção está, em grande medida, baseada em Hulten (2000). Definido como a quantidade do produto sobre a quantidade de um insumo (normalmente o fator trabalho) utilizado na produção. 4 Daqui por diante, os símbolos (representados por letras maiúsculas) nas equações referir-se-ão sempre as mesmas variáveis, ao menos quando explicitados de outra forma. 3 4 P ⋅Q = w ⋅ L + r ⋅ K t t t t t (1) t A igualdade representada na Equação (1), é válida para qualquer ano que se meça o PIB. Porém, quando fixamos os preços dos produtos e dos fatores ao preço nominal do período t = 0, por exemplo, essa igualdade só é válida se a produtividade da economia não tiver variado. Na situação oposta, onde uma melhora na produtividade permite obter uma maior quantidade do produto a partir da mesma quantidade de insumos, uma variável (St), terá que ser inserida no lado direito da equação para garantir a igualdade como mostra a Equação (2). Esta variável é a PTF. Um exemplo numérico pode ser bastante instrumental para melhor compreensão. Suponha que em t = 0, todos os preços (w0, r0, P0) sejam iguais a 1. Além disso, têm-se 10 unidades de cada insumo, que por sua vez geram 20 unidades do produto, garantindo assim a igualdade dos dois lados da equação. Suponha agora que no momento t = 1, as mesmas 10 unidades de cada insumo geram conjuntamente 25 unidades de produto, devido a um aumento da produtividade. Expressando o produto aos preços de t = 0, para evitar qualquer efeito advindo da variação nominal dos preços, fica claro que para garantir a igualdade descrita na Equação (2), St deve ser igual a 1,2.5 P Q = S ⋅ (w ⋅ L + r ⋅ K ) 0 t t 0 t 0 (2) t Num segundo exemplo, suponha que: em t = 0, todos os preços (w0, r0, P0) sejam iguais a 1. Além disso, temos 10 unidades de cada insumo, que por sua vez geram 20 unidades do produto, garantindo assim a igualdade dos dois lados da equação. Suponha agora que no momento t = 1, as mesmas 10 unidades de cada insumo geram conjuntamente 25 unidades de produto, devido a um aumento da produtividade. Suponha que todos os preços tenham subido para 2. Mesmo 5 Note que o procedimento descrito é diferente de uma operação de deflacionamento. 5 exprimindo a igualdade em termos dos preços do período corrente, fica claro que para garantir a igualdade descrita na Equação (2), St deve ser igual a 1,2. Isso mostra que a variável St é necessária, independentemente se a equação está expressa em preços correntes ou nominais, o que deixa claro a diferença entre o que foi dito acima e um processo de deflacionamento. Além disso, o aumento da produtividade provoca uma mudança de preços relativos entre o preço do produto e dos fatores. O produto torna-se mais barato em relação aos fatores, uma vez que agora com o mesmo montante de K e L produz-se uma quantidade maior. Em resumo, uma variação nominal do produto pode vir de três fontes: de uma variação nos preços, de um maior uso (ou aumento) dos insumos ou ainda de uma maior produtividade no uso dos mesmos. O deflacionamento separa o efeito preço dos demais, enquanto a variável St faz o mesmo com o efeito da produtividade. Isolando St no lado esquerdo da Equação (2) temos a expressão da PTF como mostra a Equação (3), que nada mais é do que a razão: produto por unidade total de insumo. St é na verdade um número índice. E seu valor, em um ano específico, depende do ano base a partir do qual ele foi calculado. Portanto, o seu valor pontual não é relevante, mas somente a sua trajetória ao longo do tempo. A equação (3) mostra exatamente isso: que St indica como evolui a quantidade produzida a partir de uma dada cesta de fatores de produção. St = P ⋅Q (w ⋅ L + r ⋅ K ) 0 0 t t 0 (3) t A PTF também pode ser obtida derivando-se uma função de produção em relação ao tempo. Seja Yt o produto de uma economia, Xt o vetor que contém todos os insumos e t; o índice de tempo. Então, a PTF é a derivada parcial da Equação (4), em 6 relação ao tempo. Ou seja, ela fornece a taxa de crescimento do produto ao longo do tempo, mantendo todos os outros insumos constantes. Y = F (X , t ) t (4) t Entretanto, não foi a partir de identidades contábeis ou derivações que o termo PTF ganhou tanto destaque na ciência econômica, mas sim a partir do trabalho de Robert Solow. Seu mérito foi juntar de forma elegante, porém formal, o conceito de PTF e a função de produção (FP), oferecendo uma alternativa ao enfoque de números índices, decorrentes das unidades contábeis descritas nas equações de (1) a (3). Na formulação de Solow, parte-se de uma FP, descrita na Equação (5), onde At é um parâmetro de deslocamento neutro no sentido de Hicks, isto é, ele não altera a razão (K/L) entre os insumos. At é comumente associado ao progresso técnico. Todavia, essa associação padece da falta de rigor formal, pois, como apontado por Hulten (2000, p. 9), At não capta o progresso tecnológico decorrente do investimento em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), como explicado mais adiante na página 10, que é parte intrínseca do progresso tecnológico de uma economia. Por outro lado, ele capta melhorias provenientes de variáveis institucionais, como mudanças na legislação, ambiente macroeconômico, organização das empresas, etc, quando essas não fazem parte do progresso tecnológico.6 Q = A ⋅ F (K , L ) t t t (5) t Partindo da Equação (5), e sem impor nenhuma forma a FP, obtemos uma decomposição do crescimento a partir da diferenciação total, como mostra a Equação (6). 6 O progresso tecnológico é referido aqui numa visão stricto sensu. Recentemente alguns estudos passaram a se referir ao termo mais amplo: tecnologia da sociedade, para assim incorporar logicamente os avanços provenientes de variáveis institucionais. 7 Q& Q t t ∂Q Kt ⋅ K& t + ∂Q ⋅ Lt ⋅ L& t + = ⋅ ∂K Qt Kt ∂L Qt Lt A& A t t (6) Os dois primeiros termos, no lado direito da equação, representam os movimentos ao longo da curva, enquanto que o último termo representa o crescimento devido ao deslocamento da curva. As partes destacadas entre parênteses representam respectivamente, a elasticidade do produto em relação ao capital e ao trabalho. Assumindo-se a hipótese de competição perfeita, isto é, de que cada fator é pago de acordo com a sua contribuição na margem para o produto, as elasticidades podem ser substituídas pela participação de cada fator na renda.7 Assim, chamando de Rt o Resíduo de Solow e Sxt a parcela do fator x na renda, temos a seguinte equação. & & A& Q& K L = − ⋅ − ⋅ R Q S K S L=A t t K t t t L t t t t t t (7) Portanto, em teoria, o Resíduo de Solow, ou seja, aquela parcela do crescimento do produto que não é explicada pelo crescimento dos insumos, é igual á mudança na variável de deslocamento Hicks neutra, At. A ressalva feita acima é necessária, uma vez que At é calculado por resíduo, e assim ele acaba por incorporar também erros de medida nas variáveis. Isso não é um detalhe sem importância, pois, o estoque de capital é uma variável não-observada, tornando os erros de medida algo quase implícito às tentativas de mensuração do estoque de capital. A medida da parcela do trabalho e do capital na renda também gera divergência que influencia o valor do resíduo. A formulação de Solow para o parâmetro de eficiência de Hicks, prescinde da hipótese de retornos constantes de escala. Na verdade, essa hipótese é usada em 7 Caso esta hipótese seja relaxada, Hall (1988) mostrou que o resíduo de Solow é uma estimativa viesada do parâmetro At. 8 muitos estudos empíricos para se obter a participação de um fator na renda, usualmente do capital, por resíduo. Exemplificando, se assumimos retornos constantes de escala e se sabemos por meio das contas nacionais que SLt é igual a 0,4; logo, por resíduo obtemos que SKt é igual a 0,6. O custo de relaxar esta hipótese auxiliar, conseqüentemente é ter que recorrer a outros artifícios para se estimar o valor da participação do capital na renda. Já a hipótese de que o progresso tecnológico, medido por At, aumenta a produtividade marginal dos dois fatores na mesma magnitude, foi usada originalmente na formulação de Solow e muitas vezes passa inadvertidamente. Essa hipótese pode ser substituída, por um progresso tecnológico que impacte diferentemente cada fator. Nesse caso, o Resíduo de Solow é dado pela Equação (8)b, que é uma média ponderada da taxa de crescimento do parâmetro de eficiência de cada fator.8 Dessa maneira, o progresso tecnológico pode aumentar de um período para o outro, apenas com uma mudança nos ponderadores, sem que a produtividade de cada fator tenha de fato aumentado. Essa característica, que pode acarretar distorções em exercícios de contabilidade do crescimento e produto potencial tem por outro lado um aspecto positivo, pois, realça a diferença entre progresso tecnológico e crescimento da produtividade. Q = F (a ⋅ K , b ⋅ L ) a& + ⋅ b& = ⋅ R S a S b K t t t t t t t t L t t t t (a) (b) (8) Portanto, fica claro da discussão acima, que apesar de estreitamente relacionados, progresso tecnológico, produtividade e PTF não são conceitos idênticos. Nessa dissertação, a menos quando especificado de outra forma, o termo PTF vai estar 8 Representados na Equação (8)a pelas letras minúsculas a e b. 9 sempre associado com a variável de deslocamento Hicks neutra da FP (At). A PTF é, conseqüentemente, uma medida da eficiência de como a sociedade combina os seus dois fatores de produção, para obter o produto. Logo, ela capta melhoras na eficiência decorrentes de mudanças institucionais e de mudanças tecnológicas, desde que disponíveis a custo zero e que possam ser aplicadas também sem incorrer em nenhum custo, o famoso “maná dos céus”. Ela não capta, ou o faz de maneira apenas parcial, o progresso técnico resultante do investimento em P&D, uma vez que todo o investimento se transforma no fator de produção capital. O investimento em P&D é, portanto, um insumo. Ainda que a PTF capte algum efeito do progresso tecnológico, fruto de P&D, devido as externalidades, ela não capta nenhum efeito do progresso tecnológico embutido nos bens de capital incorporados ao estoque de capital da economia ou devido ao aprendizado dos trabalhadores. Isso acontece, pois, o trabalho seminal de Solow e grande parte das aplicações práticas subseqüentes foram construídos sobre a concepção neoclássica de tecnologia, onde o conhecimento é visto como um bem público, gratuitamente acessado e utilizado por todos, apesar de essa não ser uma hipótese necessária para se obter a PTF. Essa certamente não é a práxis do mundo real, onde o conhecimento se encontra protegido através de barreiras como patentes, segredos industriais, blueprints e no conhecimento tácito dos funcionários e engenheiros de uma firma. Da posse do cálculo da PTF e do estoque dos dois fatores de produção, podese proceder à contabilidade do crescimento. Essa nada mais é do que calcular a contribuição de cada fator de produção e da PTF para o crescimento total do produto. 10 1.3. A Importância do PIB Potencial e dos Exercícios de Contabilidade do Crescimento Como já foi dito no início da introdução, há um crescente interesse sobre o PIB potencial e exercícios de contabilidade do crescimento.9 Esse destaque dado às estimativas e metodologias do PIB potencial é prática comum no mundo todo. Elas são usadas em organismos internacionais, como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o BCE (Banco Central Europeu), entre outros e por bancos centrais e órgãos nacionais de planejamento, ao redor do globo, como mostram as passagens abaixo. “Estimativas do produto potencial e do hiato do produto são, em particular, largamente usadas nos procedimentos de supervisão macroeconômica da UE. Estes indicadores também adquiriram um status operacional no SGP (Pacto de Estabilidade e Crescimento)10, uma vez que fornecem um insumo essencial para calcular os indicadores do resultado fiscal estrutural, que são usados por sua vez para avaliar o progresso feito pelos países com vistas á meta de resultado fiscal de médio prazo”.[Economic Policy Committee, 2001, p. 1]. “O produto potencial possui um papel em vários aspectos das previsões econômicas do CBO (Escritório do Congresso para o Orçamento).11 Em particular, o CBO usa o produto potencial para fixar o nível do PIB real nas suas projeções de médio prazo… Finalmente, o produto potencial é um insumo importante para calcular o déficit ou o superávit do orçamento padronizado, que o CBO usa para avaliar a posição da política fiscal.” [Congressional Budget Office, 2004, p. 1/2]. 9 O Prêmio Banco do Brasil/ UNB de Economia Brasileira premiou em sua edição 2004, um artigo cuja contribuição era um exercício de contabilidade do crescimento aplicado para o Brasil e para outros países no período 1950-2000. Vide (Pessoa et Al, 2003b). 10 Abreviação para as iniciais em inglês 11 Idem 11 No Brasil, cálculos do PIB potencial já foram objetos de comentários, em três relatórios de inflação do Banco Central. No relatório de setembro de 2004, o Banco Central deixa bem claro como se utiliza desse cálculo. “Ambas as variáveis [produto potencial e hiato do produto] são peças chaves para o arcabouço analítico que serve de base á formulação, análise ou avaliação da política monetária. Em particular, o hiato do produto tem papel central como indicador de pressões inflacionárias.” [Banco Central do Brasil, 2004, p. 112]. Esse interesse é justificável, uma vez que o PIB potencial e o hiato do produto são usados juntamente com outras informações, pelos formuladores de política, como insumos na definição da política fiscal, principalmente na União Européia e nos EUA, e da política monetária, inclusive no Brasil. Nessa última, o hiato do produto é normalmente usado para representar a intensidade do componente de demanda na inflação esperada. Ou seja, quanto menor o hiato do produto maior será o peso explicativo da demanda na inflação, pois, menor é a margem dos produtores para ampliar a oferta e maior é o ganho esperado, em termos de lucratividade, de um aumento nos preços. Na política fiscal12, o cálculo do produto potencial é utilizado para avaliar o resultado fiscal estrutural do governo. A idéia é separar o resultado fiscal efetivo, numa parcela cíclica ou sazonal, decorrente da posição em que a economia se encontra relativamente ao ciclo econômico, e outra estrutural, que retrataria um possível excesso ou insuficiência de gastos. Por isso, esse conceito, é às vezes referido também como déficit ciclicamente ajustado. O resultado estrutural é aquele que ocorreria caso o PIB de um país estivesse no seu nível potencial. Assim, uma 12 No caso brasileiro, o produto potencial não é usado atualmente por nenhum órgão oficial para fins de política fiscal. 12 economia num ano de recessão pode apresentar um déficit fiscal, mas se esse se deve única e exclusivamente ao mau desempenho da economia, o seu déficit estrutural será zero. A situação inversa, onde um déficit estrutural é contrabalançado por um excesso de arrecadação, graças a um desempenho extraordinário do PIB, também pode ocorrer. Os exercícios de contabilidade do crescimento, a princípio, despertam mais interesse no debate acadêmico, devido às implicações que sugerem quanto a interpretações do desenvolvimento econômico de um país. Porém, seus resultados não são desprovidos de utilidade para o debate de política econômica, ainda que sejam mais relevantes para uma discussão de mais longo prazo. 2. Metodologias de Cálculo do Produto Potencial Uma vez definido o conceito de produto potencial e outros conceitos correlatos e ter mostrado também a relevância prática do estudo do produto potencial para acadêmicos e formuladores de política, a atenção se volta naturalmente para a questão de como medir o produto potencial. A resposta não é simples, nem tão pouco definitiva. De fato, há uma pletora de metodologias concorrentes, cada uma com suas vantagens e desvantagens. Uma mesma metodologia, dependendo das hipóteses e argumentos considerados, pode comportar resultados distintos. Para complicar ainda mais, a própria distinção entre as metodologias tem se tornado cada vez mais fluída. De início, os diferentes métodos podiam ser classificados entre estatísticos ou econômicos. Os primeiros se apoiam única e exclusivamente em métodos puramente estatísticos para obter o PIB potencial, que 13 nesse caso, como discutido no começo da introdução, são na verdade uma medida da tendência do produto. Os métodos econômicos, ao contrário, são aqueles que se baseiam estritamente na fundamentação teórica da economia, para estabelecer as relações entre as variáveis necessárias para o cálculo, não se utilizando de nenhum método estatístico que ignore relações ditadas a priori pela teoria econômica. Essa distinção perdeu um pouco do seu sentido, a partir do momento que economistas e estatísticos começaram a misturálas no afã de obter melhores estimativas. Como a intenção aqui não é fazer um trabalho de taxonomia dos diferentes métodos, mas simplesmente facilitar a exposição, optou-se por seguir essa classificação acrescida de uma terceira categoria para incluir os métodos híbridos. Não é intenção aqui, de maneira alguma, delimitar as fronteiras entre cada categoria. 2.1. Métodos Estatísticos Os métodos estatísticos são aqueles que utilizam única e exclusivamente de técnicas estatísticas de modelagem para extrair os componentes de ciclo e tendência da série. Como nenhuma restrição de ordem econômica é imposta no processo, eles podem gerar resultados contra-intuitivos. Essa classe comporta quase todos os métodos de decomposição de séries, desde os mais simples como a extração de uma tendência linear, passando pela metodologia de Box-Jenkins, até o uso de filtros estatísticos. Esses últimos são os mais largamente usados, sendo o filtro HP o mais comum, não obstante a existência e o uso de outros filtros como o filtro de Kalman e os filtros do tipo BP. Há ainda outros métodos de decomposição de séries, menos usados, como a decomposição BeveridgeNelson. 14 Os métodos estatísticos, assim como os demais, têm as suas vantagens e desvantagens. Entre os pontos positivos, destacam-se a sua simplicidade e transparência. Além disso, esses métodos são de aplicação fácil e rápida, principalmente para os tipos mais difundidos, cujas rotinas para aplicação já estão incluídas em pacotes estatísticos.13 Por último, como são filtros univariados (a maior parte dos filtros multivariados não podem ser classificados como puramente estatísticos, por incluírem alguma relação econômica), necessitam apenas de uma série temporal, a série do PIB, para serem estimados. Por outro lado, apresentam algumas desvantagens como a dependência de hipóteses ad-hoc para a definição do valor de certos parâmetros, a falta de fundamentação econômica e a sensibilidade ao período de estimação. Isto é, os mesmos métodos aplicados à mesma série, porém para diferentes períodos de tempo, fornecem resultados distintos, revelando uma maior e indesejada sensibilidade do que as demais metodologias. Finalmente, os filtros estatísticos como o HP e o BP, que se utilizam de informações de períodos posteriores (t+1, t+2,…) e anteriores (t-1, t-2,…) para extrair a informação no momento presente (t), e são, por isso, chamados de filtros de 2 lados, sofrem do problema de viés de fim de amostra. Ou seja, a medida que a série se aproxima do seu final, a quantidade de informações posteriores vai diminuindo, conseqüentemente diminuindo a qualidade e confiabilidade da tendência extraída. Este problema pode ser superado, inserindo-se estimativas obtidas pelo filtro para os anos subseqüentes, expandindo as observações da amostra. Essa solução, contudo, não encontra unanimidade na literatura quanto ao seu uso. Uma outra solução menos controversa é aplicar o filtro somente para um subperíodo da amostra, contornando-se 13 tais como o E-Views ou podem ser obtidas gratuitamente na Internet, para os pacotes de programação mais populares como o Matlab. 15 assim o problema. O inconveniente dessa proposta é que muitas vezes não se pode abrir mão de informações mais recentes de uma série, devido ao pequeno número de observações, ao risco de não captar novas tendências, etc. Como o foco principal dessa dissertação não é a avaliação dos métodos estatísticos, não será feita uma descrição detalhada de todos os métodos. No que se segue, será apresentado apenas, uma descrição mais detalhada, assim como alguns resultados do filtro HP aplicados ao PIB brasileiro. 2.1.1. O Filtro HP O filtro HP foi originariamente proposto em meados da década de 80 pelos economistas Robert Hodrick e Edward Prescott, razão pela qual o filtro foi batizado de HP. A referência aqui usada, entretanto, é do paper de 1997.14 De acordo com os autores, as séries econômicas podem ser decompostas em um componente de ciclo e outro de tendência.15 Não há referência ao componente sazonal, uma vez que as séries usadas no paper já eram sazonalmente ajustadas. Eles, então, propõem um método para separar esses dois componentes, baseados na hipótese a priori de que o componente de tendência varia suavemente ao longo do tempo. O filtro proposto está explicitado na Equação (9), abaixo, onde c e g são respectivamente o componente de ciclo e tendência. T T 2 + λ ⋅ ∑ g t t = −1 ∑ c t t =1 t =1 Min{ } T [(g − g )− (g t t −1 t −1 −g )] 2 t −2 (9) Ou seja, o filtro HP nada mais é do que minimizar a soma dos quadrados dos desvios da série original (i.e. o componente de ciclo),16 sujeito a restrição de que a soma dos quadrados da segunda diferença seja zero. O parâmetro λ é um número 14 Vide Hodrick & Prescott (1997). Os autores usam no artigo a palavra growth, aqui traduzida como tendência. 16 y = c + g, logo c = y – g e c2 = (y – g)2. 15 16 positivo que penaliza a variabilidade da tendência. Ele é o peso que se atribui à redução da volatilidade na série a ser extraída. Para valores muito altos de λ, mais suave será a tendência. No limite, a série extraída se aproxima de uma tendência linear. No pólo oposto, se o valor de λ é muito baixo, a série da tendência se aproxima da série original, como mostra a Figura 1. A literatura acerca do filtro HP mostrou Bilhões de R$ de 1999 também, que λ determina a duração do ciclo que passa pelo filtro. 1.200 1.000 800 600 400 200 19 40 19 43 19 46 19 49 19 52 19 55 19 58 19 61 19 64 19 67 19 70 19 73 19 76 19 79 19 82 19 85 19 88 19 91 19 94 19 97 20 00 20 03 - (200) PIB-HP-(λ=10) PIB-HP-(λ=10000) PIB Figura 1 – Efeito da mudança do valor do parâmetro λ sobre o filtro HP. Qual é o valor então que deve ser usado para λ? Os trabalhos empíricos consagraram os seguintes valores para λ: 100, 1600 e 14400 se as séries são respectivamente: anuais, trimestrais ou mensais. O porque desses valores podem ser um mistério para muitos, mas como explicam os autores, eles são o quadrado da razão entre uma variação moderadamente grande do ciclo e outra da tendência.17 O cálculo do valor de λ, apesar de possuir uma explicação, é totalmente ad hoc e subjetivo, sendo portanto um grande alvo de críticas ao filtro HP. 17 Os autores consideram como variações moderadamente grandes no ciclo e na tendência, números da ordem de 5% e 0,125% respectivamente. Como dito pelos autores: “A nossa visão prévia era de que um componente cíclico de 5% é moderadamente grande, assim como é uma mudança de 1/8 de 1% na tendência em um trimestre.” Logo, para séries trimestrais, que são as utilizadas pelos autores, λ = (5/0,125)2 = 1600. 17 Este não é o único predicado do filtro, passível de criticismos. A hipótese, a priori, de que a tendência apresenta um comportamento suave é alvo também de questionamentos. Além disso, a baixa freqüência do filtro HP que faz com que componentes de ciclo e de tendência se misturem e o fato de que quando aplicado a alguns casos específicos, ele pode gerar ciclos inexistentes, são provavelmente a maior “vidraça” dessa metodologia e que estimulou o surgimento dos filtros BP. 2.1.2. Resultados do Filtro HP aplicados ao Caso Brasileiro Essa seção é dedicada aos resultados da aplicação do filtro HP à série do PIB brasileiro em R$ (Reais) a preços constantes de 1999, construída a partir de dados do IBGE e de Morandi & Reis (2004).18 O filtro foi empregado duas vezes, na primeira utilizou se o filtro na série toda, obtendo se a tendência do produto para o período 1940-2004 (Figura 2). Na segunda, o período foi restringido ao intervalo 1980-2004 Bilhões de R$ de 1999 (Figura 3). 1.200 1.000 800 1980 600 400 200 19 40 19 43 19 46 19 49 19 52 19 55 19 58 19 61 19 64 19 67 19 70 19 73 19 76 19 79 19 82 19 85 19 88 19 91 19 94 19 97 20 00 20 03 0 PIB Tendência HP Figura 2 – Aplicação do filtro HP ao PIB brasileiro de 1940 a 2004. 18 De 1940 até 1946, os dados são estimativas extraídas de Morandi & Reis (2004). A partir de 1947, os dados são fornecidos pelo IBGE. Ambos foram deflacionados pelo deflator do PIB. 18 Pela observação visual da figura acima, vemos que até 1980, as séries do PIB e do filtro HP apresentam comportamento mais uniforme e atrelado uma a outra. Porém, a partir da década de 1980 e até meados da década de 1990, os desvios entre uma série e outra parecem se tornar maiores. De fato, os desvios em termos absolutos ficaram maiores. Contudo, em termos percentuais, os desvios registrados em alguns anos da década de 1980 não são maiores do que os registrados em alguns anos anteriores. No ano de 1980, por exemplo, o PIB foi maior que a tendência em aproximadamente R$ 54 bilhões, o que é equivalente a 8,91% do PIB potencial do mesmo ano. Esse mesmo desvio, computado em números relativos para o ano de 1940, foi de 8,89%. De fato, a média e o DP (Desvio Padrão) do hiato em termos absolutos foi maior na década de 1980 do que na década precedente, porém, não foi maior do que na década de 1960, como mostra a Tabela 1. Além disso, os desvios tornaram-se menores e mais previsíveis depois da década de 1980, o que na Figura 2 acentua visualmente os desvios da década de 1980. Tabela 1 – O DP dos desvios absolutos do hiato na década de 1980 não foi o maior do período 1940-49 1950-59 1960-69 1970-79 1980-89 1990-99 2000-04 1940-79 1980-04 Média 2,85 1,64 6,14 3,03 4,08 2,29 0,82 3,42 2,71 Desvio Padrão 2,82 1,29 2,90 1,73 2,76 1,74 0,71 2,77 2,38 Portanto, devido à hipótese sobre a suavidade do comportamento da tendência e ajudado também pela escala do gráfico, a análise visual das duas séries em conjunto pode nos levar a conclusão errônea de que a dispersão das observações se ampliou ao longo do tempo, apesar da variabilidade da série não ter aumentado. 19 Bilhões de R$ de 1999 1.200 1.100 1.000 900 800 700 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 600 PIB Tendência HP Figura 3 – Aplicação do filtro HP ao PIB brasileiro de 1980 a 2004. Na Figura 3, que cobre o período de 1980 a 2004, a leitura mais imediata do gráfico não se mostra incorreta. A variabilidade da série diminui ao longo do tempo. O desvio padrão dos desvios percentuais entre a série original e a de tendência cai de 4,8 para 2,7 e depois para 1,3 respectivamente nos períodos 1980-1989, 1990-1999 e 2000-2004. Tabela 2 – Taxa de crescimento médio das séries originais e filtradas. Média Variância Original 1940-04 5,24 16,89 Figura 2 Filtro HP 1940-04 5,30 5,86 Filtro HP 1980-04 2,51 0,29 Figura 3 Original Filtro HP 1980-04 1980-04 2,18 2,34 10,83 0,03 A Tabela 2, mostra a média e a variância das séries apresentadas nas duas figuras acima, além disso na terceira coluna ela traz os mesmos dados calculados para o subperíodo 1980-2004 da série de tendência obtida pelo filtro HP na Figura 2. O primeiro fato que chama atenção, ainda que esperado, é como a aplicação do filtro HP reduziu a volatilidade da série original para a série de tendência. No caso da Figura 2, a variância é reduzida a 35% do seu valor e no período representado na 20 Figura 3, a redução é ainda maior com a variância chegando a menos de 1% do seu valor original. Por último, comparando a terceira com a última coluna, temos um exemplo do problema da sensibilidade do filtro HP ao período de estimação, aludido anteriormente. A Tabela 2, mostra que a aplicação do filtro HP com o mesmo parâmetro para a mesma série, porém, para períodos distintos (1940-2004 contra 1980-2004), gera um crescimento médio diferente para o mesmo período (19802004). 2.2. Métodos Econômicos Os métodos econômicos de obtenção do produto potencial são aqueles que levam em consideração apenas relações econômicas entre as variáveis (curva de Phillips, Lei de Okun, etc). Ou seja, por trás de cada hipótese feita, há uma fundamentação extraída da teoria econômica. Essa definição, porém, não exclui o uso do instrumental econométrico/ estatístico. Contudo, ao contrário do filtro HP e dos demais métodos estatísticos, nenhuma série ou estimativa é obtida a partir de métodos e hipóteses ad hoc. Os métodos econômicos mais comuns são os que se utilizam de uma (i) função de produção agregada ou de (ii) modelos estruturais (ou semiestruturais) macro-econométricos. Uma das vantagens desses modelos é o ganho, em termos do entendimento dos determinantes do crescimento do produto potencial. Saber, dentro do enfoque de uma FP, se o crescimento advém de maior produtividade ou do acúmulo dos fatores de produção, leva a diferentes respostas no que tange às políticas governamentais de suporte ao crescimento. 21 Além disso, esses enfoques abrem a possibilidade de incorporar particularidades das instituições e trajetórias econômicas de cada país, em oposição à abordagem “one size fits all” do filtro HP. Por exemplo, um modelo de mercado de trabalho para gerar uma NAIRU para um país europeu de ampla rede de proteção social não pode ser igual ao modelo americano, onde o seguro desemprego e os bens públicos são bem menos abrangentes. Ou seja, diferentes modelos de mercado de trabalho podem ser acoplados ao cálculo do PIB potencial para se obter a NAIRU. Por outro lado, as escolhas de especificação da FP ou do modelo, assim como das fontes de dados e das técnicas de estimação podem ser um verdadeiro calcanhar de Aquiles para a metodologia escolhida. Hipóteses simplificadoras, mas não necessariamente incontornáveis como as hipóteses de retornos constantes de escala e mercados competitivos são corriqueiramente impostas à FP e freqüentemente são apontadas como um fator limitante da metodologia pelos seus críticos. Por sua vez, modelos estruturais econométricos herdam todas as limitações conhecidas na literatura do método de estimação empregado. Além disso, fontes de dados que são revistas freqüentemente ou sobre cuja confiabilidade pairam dúvidas, constituem uma outra brecha para criticismos a esta abordagem. No Brasil, o modelo macroeconômico estrutural mais conhecido que estima, entre muitas outras coisas, o PIB potencial é, sem dúvida, o do Banco Central descrito em Muinho & Alves (2003). O modelo inclui mais de 30 equações, que estimam uma curva de Phillips, os componentes da demanda agregada, o produto potencial, além de blocos para o setor externo, o setor fiscal e o mercado de trabalho. Nele o PIB potencial é obtido por uma FP, que modela o lado da oferta da economia, onde a participação do capital na renda, a PEA e a PTF foram estimadas econometricamente e a NAIRU foi obtida, levando-se em conta a curva de Phillips. 22 2.3. Métodos Híbridos Os métodos híbridos tentam juntar as vantagens dos dois métodos anteriores, ao mesmo tempo em que procuram, na medida do possível, evitar as desvantagens de cada método. Assim, eles tentam unir a simplicidade e transparência dos métodos estatísticos com a fundamentação teórica dos métodos econômicos. Na prática, esses métodos surgiram quando os filtros estatísticos foram ampliados para incorporar mais de uma série, os chamados filtros multivariados que, portanto, incorporaram relações econômicas. Essa categoria também engloba derivações do método da FP, que frente à dificuldade de se obter estimativas da tendência da PTF ou da NAIRU, optam, às vezes, pela aplicação do filtro HP à série original, de modo a obter o resultado desejado. Um dos cálculos de produto potencial disponível para auxiliar o COPOM (Comitê de Política Monetária) do Banco Central brasileiro, feito de acordo com a metodologia apresentada em Areosa (2004), é um exemplo didático do método híbrido. Nesse artigo, a autora combina o filtro HP e o método da FP para estimar conjuntamente a NAIRU, a NAICU e o hiato do produto, todos submetidos a uma restrição da curva de Phillips. 2.4. Breve Resenha da Literatura Internacional Essa última seção do segundo capítulo é dedicada a uma breve revisão da literatura internacional produzida sobre o tema. Os trabalhos brasileiros não serão resenhados aqui, pois, serão assuntos do próximo capítulo. Esforços para se medir o produto potencial ocorrem já a um bom tempo, desde meados da década de 1960. O que há de novo é uma tentativa de organizar e 23 sistematizar o debate, para que esse avance. O primeiro artigo com esse intuito Giorno et alii (1995) - foi preparado pelo departamento econômico da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), para sistematizar os vários métodos usados internamente. Nesse trabalho, os autores fazem uma resenha teórica e empírica sobre três métodos: FP, filtro HP e o método da tendência temporal segmentada19. Esse último, único ainda não apresentado até aqui, consiste em impor uma tendência temporal distinta à série do PIB de cada país, para cada ciclo. Os ciclos são definidos então, como o período entre dois picos na série do PIB. Assim a taxa de crescimento do produto potencial varia entre os ciclos, mas a mesma é constante dentro de cada ciclo. Esse método apesar de simples e intuitivo, apresenta um grave problema para a etapa de previsão, que é como definir o tamanho do ciclo atual, razão pela qual ele acabou sendo descartado ao longo do tempo. O FMI também participou desse esforço. Dois artigos com a chancela do Fundo são amplamente citados. O primeiro: De Masi (1997) é também um levantamento dos estudos empíricos já feitos pela equipe de economistas do FMI. Grosso modo, o método da FP era, à época, o mais utilizado para os países desenvolvidos, devido à abundância e confiabilidade dos dados. Para os países em desenvolvimento, por motivo oposto ao referido acima, os filtros estatísticos eram os mais utilizados. Por último, para os países do antigo regime socialista, a escolha recaía usualmente sobre modelos de crescimento endógeno, suplementados por relações, de outros países, entre as variáveis-chaves e a taxa de crescimento, por absoluta falta de dados ou de melhor hipótese. O segundo paper do FMI: Cerra & Saxena (2000), apesar de ser um trabalho cujos testes empíricos são feitos somente para a Suécia, dá uma contribuição para toda 19 O nome consagrado deste método na literatura em língua inglesa é split time trend. 24 a linha de pesquisa, pois, analisa a teoria e aplica ao caso sueco, modelos até hoje pouco utilizados, como modelos bivariados de variáveis não observadas, modelos de componentes comuns (ciclo e tendência) com taxas de crescimento assimétricas e estimativas econométricas de produto potencial e NAIRU através de um sistema de equações. Outro aspecto relevante desse trabalho é a dispersão das estimativas de produto potencial e hiato do produto, calculadas para o ano de 1998, chamando atenção para o fato de quão importante são as hipóteses que baseiam a escolha do modelo e do valor dos parâmetros imputados. A taxa de crescimento do produto potencial varia de 0,9%, pelo filtro de Kalman (modelo de componentes permanentes e transitórios comuns) na segunda estimativa20 até 4,2%; pelo mesmo filtro, porém com dois estados21. O mesmo fenômeno ocorre com as estimativas do hiato do produto que variam de -5,5% até 0,2%22. O primeiro número é obtido pela segunda estimativa do modelo de componentes permanentes e transitórios comuns de um estado e a segunda estimativa é obtida pelo método das variáveis não-observadas univariado e também pelo método similar bivariado, onde o hiato do produto é estimado conjuntamente com a NAIRU. Ainda no âmbito dos organismos multilaterais, o estudo de McMorrow & Roeger (2001), da CE (Comissão Européia), prossegue na mesma linha dos anteriores, fazendo um survey teórico e a conseqüente aplicação empírica dos métodos aos países da UE (União Européia). A diferenciação em relação aos anteriores está na implementação do que eles chamam de modelo vintage, onde para se obter a PTF 20 A segunda estimativa difere da primeira apenas pelo valor dos parâmetros iniciais imputados para a iteração. 21 O filtro de Kalman é um filtro de representação estado – espaço. No modelo de dois estados, usado no artigo, cada componente da série: permanente e cíclico está representado num estado diferente. 22 Hiatos negativos significam que o produto efetivo está abaixo do produto potencial, enquanto que hiatos positivos sinalizam a situação oposta. 25 potencial, regride-se o resíduo de Solow sobre uma constante, uma tendência temporal e a idade média do estoque de capital. A intenção dos autores, com essa última variável, é captar no modelo o efeito da heterogeneidade, em termos de produtividade, do estoque de capital. Outro grande impulso para a pesquisa sobre produto potencial e hiato do produto veio dos bancos centrais do mundo todo, especialmente daqueles que passaram a adotar metas de inflação explícitas, uma vez que como já mencionado anteriormente, o hiato do produto é um indicador de pressões de demanda na inflação. Nesse aspecto, um dos bancos centrais mais avançados no tema é, sem dúvida, o Reserve Bank of New Zealand. No estudo apresentado sob a forma de um relatório de pesquisa do ano de 2000 - Claus et Ali (2000) - que compila os esforços empreendidos até então dentro do banco central daquele país, os autores procuraram abordar três questões: (i) desenvolvimento das várias técnicas de estimação, (ii) avaliação do resultado gerado pelas mesmas e (iii) implicações de política decorrente da incerteza associada as estimativas do hiato do produto. O banco trabalha com três metodologias distintas de estimação: filtro multivariado que é usado nas projeções econômicas, um VAR (vetores autoregressivos) e um modelo multivariado de variáveis não-observadas. Da avaliação conjunta das três, os autores concluíram que as mesmas movem-se conjuntamente, particularmente nas décadas de 1970 e 1990, mas que existe uma incerteza quanto à magnitude do hiato uma vez que os três métodos geram estimativas diferentes. Em relação ao último objetivo do paper, os autores afirmam que não obstante as incertezas acerca das estimativas do hiato do produto, esse é um previsor de razoável eficiência da inflação e que seu uso como insumo da política monetária gera 26 mais estabilidade do que instabilidade ao ciclo econômico. Porém, os autores não concluem sem antes fazer a seguinte advertência. “O hiato do produto fornece uma ligação entre a economia real e a inflação e permanece como um importante indicador de pressões inflacionárias futuras no Banco Central Neozelandês. Contudo, dado que uma gama de outros fatores também influencia a inflação, o hiato do produto tem o seu espaço dentro de um amplo enfoque de metas de inflação. Logo, o hiato do produto é sempre visto dentro do contexto, juntamente com outros indicadores. Se usado dessa maneira e não de acordo com uma exatidão espúria, ele tem um papel valioso a desempenhar”. [Claus, 2000, p. 8]. O BCE também possui seus estudos sobre metodologia de cálculo do produto potencial. Mendez & Palenzuela (2001) fazem uma avaliação de diversos métodos quanto ao seu poder de previsão da inflação e quanto à magnitude das revisões ex-post do hiato calculado e chegam a conclusão de que os modelos multivariados de componentes não-observados, onde o componente permanente é modelado como um passeio aleatório ou como uma tendência linear local são os melhores previsores, ainda que seu poder de previsão da inflação seja ligeiramente inferior a um modelo auto-regressivo com o número ótimo de defasagens. Willman (2002) também é um trabalho para discussão do BCE. O objetivo desse estudo vai um pouco além do produto potencial, porém, um subproduto dessa pesquisa são estimativas de produto potencial e hiato do produto, obtidas a partir de um modelo multi-setorial, onde cada setor, que se diferenciam pelos mark-ups, são agregados segundo uma FP Cobb-Douglas ou então uma FP CES (Constant Elasticity of Substitution). 27 Por último, mas não menos interessante, é o trabalho de Dupasquier et Ali (1999). Assim como muitos outros, ele traz uma análise dos resultados fornecidos por diferentes metodologias. A sua singularidade reside, porém, na análise da metodologia proposta por Cochrane, que é pouco estudada e aplicada. Essa metodologia usa um VAR com duas variáveis: produto e consumo e defasagens da razão produto/ consumo. Se o consumo é um passeio aleatório e as variáveis são cointegradas, então flutuações no produto sem contrapartida no consumo são vistas como transitórias. 3. Métodos de Cálculo Aplicados ao Caso Brasileiro Essa seção apresenta três exercícios alternativos de contabilidade do crescimento e produto potencial. Todos os três são baseados em artigos de outros economistas. O intuito, além de resenhar esses trabalhos, é atualizar seus cálculos e projeções, bem como testar hipóteses alternativas no âmbito da metodologia empregada. 3.1. Um Modelo Simples de Função de Produção O método usado nessa seção segue, em grandes linhas, a metodologia descrita em Silva Filho (2001). Esse trabalho foi uma das primeiras tentativas de se medir o produto potencial da economia brasileira, depois de um longo jejum temporal. A década de 1990 registra apenas duas tentativas correlatas,23 porém, o artigo citado acima é, sem dúvida, o primeiro, cujo período de análise se estendeu para além do Plano Real, por um ínterim consideravelmente longo, de 1980 a 2000. 3.1.1. Metodologia 23 Vide Carvalho (1996) e Bonelli & Fonseca (1998). 28 O estoque de capital foi construído a partir da série da FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo), através do método do inventário perpétuo. A intuição, por trás desse método, é que o estoque de capital de um país no período t é formado: pelo estoque de capital no período t-1, devidamente descontado da depreciação24 incorrida no período, mais o investimento no período t, como mostra a Equação (10). K t = (1−δ )⋅ K t −1 + I t (10) Escrevendo-se Kt-1 na forma da Equação (10), e substituindo-lo na mesma equação pela expressão obtida, temos a Equação (11), abaixo. 2 K t = (1−δ ) ⋅ K t − 2 + (1−δ )I t −1 + I t (11) Fazendo essas substituições sucessivamente até o período inicial, obtém-se a seguinte expressão de Kt. t t 1−δ ⋅ = + ∑i =1 1−δ Kt K 0 t −1 ⋅Ii (12) A Equação (12) é bastante instrutiva, pois, mostra que o estoque de capital em qualquer período pode ser construído, a partir do estoque de capital no período inicial, da taxa de depreciação e da série de investimento ou FBCF. Porém, com exceção dessa última, os outros dados necessários não são diretamente observáveis e suas estimativas trazem para o cálculo do estoque de capital um considerável grau de incerteza. Para a taxa de depreciação, não se dispõe no Brasil de nenhum dado oficial ou pesquisa de campo. Portanto, conta-se somente com estimativas feitas em trabalhos acadêmicos, a partir de dados agregados ou outros métodos. O problema é que os estudos que estimam a taxa de depreciação ou fazem hipóteses sobre a mesma, se 24 A depreciação é entendida como a perda de valor de um bem ao longo de sua vida útil devido à perda de eficiência, obsolescência tecnológica ou qualquer outro motivo extraordinário. Para uma discussão mais detalhada sobre o conceito de depreciação, vide seção 2 de Morandi & Reis (2004). 29 utilizam de números muito dispares, como mostra a Tabela 3. Silva Filho (2001) resolveu esse problema, adotando em seu cálculo a taxa arbitrária de 5%. Tabela 3 – Diferentes estudos trazem diferentes estimativas da taxa de depreciação Taxa de Depreciação 3,56% a 4,32% 3,10% 3,74%a 8,62% 3,50% 5% Carvalho, 1996 Bonelli & Fonseca, 1998 Morandi & Reis, 2004 Muinho & Alves, 2003 Pessoa et Ali, 2003 Silva Filho, 2001 a Média da taxa de depreciação do período: 1951-2003. Outra fonte de incerteza na obtenção do estoque de capital, como já dito acima, é a obtenção do estoque de capital inicial: K0. Uma maneira simples de se obter o estoque de capital inicial é supor uma relação capital-produto para o período inicial, e a partir do valor do produto, obter o valor do estoque inicial. Uma alternativa, condizente com o método do inventário perpétuo, é escrever K0 em função das variáveis descritas na Equação (12). n K 0 = 1−δ ⋅ K −n + ∑ 0 i =− n i 1−δ ⋅ Ii (13) O estoque de capital inicial pode ser expresso, então, como na Equação (13). Se supõe-se que o investimento cresce a uma taxa constante g, sua trajetória pode ser descrita, então, pela Equação (14). I j = (1+ g )⋅ I j −1 (14) Igualmente, o investimento no período t0 pode ser escrito no mesmo formato (Equação (15)). I 0 = (1+ g ) ⋅ I − j j (15) Trocando o termo entre parênteses de lado, isola-se I-j na equação e obtém-se a Equação (16). 30 I−j = I0 (1+ g ) j (a) (16) I − j = (1+ g ) ⋅ I 0 −j (b) Agora, pode-se substituir (16) em (13), para se obter a expressão final do estoque inicial, descrita na Equação (17). i n K 0 = (1−δ ) ⋅ K − n + ∑ 0 i = − n −1 1−δ ⋅I 0 1 + g (17) O último passo para se chegar a uma expressão mais palatável para o estoque inicial de capital é obter o limite da Equação (17), quando n tende ao infinito. O primeiro termo da equação zera, pois, a exponenciação à infinitésima potência da primeira expressão entre parênteses tende a zero, uma vez que 1-δ é menor que um. Logo, deve-se se preocupar apenas com o segundo membro da Equação (17), que simplifica para a expressão mostrada na Equação (18). K0 = (1+ g ) ⋅ (g +δ ) I 0 (18) Portanto, para calcular o estoque inicial de capital não é necessário nenhum dado novo. Note que g pode ser obtido a partir da série da FBCF. Esse desenvolvimento matemático todo, entretanto, não elimina de forma alguma a incerteza associada com o cálculo de K0. Há, contudo, uma estratégia mais pragmática, para se minimizar possíveis erros na estimação do estoque inicial de capital. Essa estratégia consiste em estimar o capital inicial para o ano mais longínquo possível e a partir daí, construir a série do estoque de capital. A estimação do produto potencial, porém, deve ser feita utilizandose apenas um subperíodo desse estoque, iniciado alguns anos depois de K0 e 31 terminado no último período, para o qual se disponha de informação. Isso minimiza a incerteza, pois, no período inicial do cálculo do produto potencial, K0 já foi depreciado por alguns períodos e a sua participação no estoque de capital corrente também já diminuiu consideravelmente, diminuindo assim a magnitude de qualquer erro incorrido ao se estimar o estoque de capital inicial. Nessa seção, o estoque de capital foi estimado a partir de 1970, contudo, o produto potencial só começou a ser calculado em 1980. Por último, o estoque de capital foi corrigido por um fator de utilização, de modo que, somente o capital em uso contribuísse efetivamente para o produto. Caso contrário, correria-se o risco de superestimar a contribuição do fator capital e em decorrência inflar artificialmente o produto potencial. Para isso, optou-se por corrigir o estoque de capital pelo NUCI (Nível de Utilização da Capacidade Instalada) da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Essa escolha é controversa, pois, se corrige uma variável (estoque de capital), que engloba os 3 setores da economia (agricultura, indústria e serviços) por uma variável setorial, que mede o grau de utilização apenas na indústria. Além disso, a própria definição de grau de utilização em alguns subsetores do setor serviço e principalmente na agricultura é bastante questionável. Outro dado, indispensável para o exercício, é o estoque do fator trabalho. Ao contrário do estoque de capital, esse não precisa ser estimado. Todavia, a escolha da série de trabalho a ser utilizada também influencia os resultados. Idealmente, esse estoque deveria ser medido em horas trabalhadas pela parcela da população empregada. Entretanto, no Brasil, os dados ainda não nos permitem construir essa série. 32 No artigo de Silva Filho, o estoque de trabalho é medido pelo número de trabalhadores na PEA, ajustados pela taxa de desemprego, isto é, somente os trabalhadores efetivamente empregados naquele ano são incluídos na série.25 A fonte de dados é a PME (Pesquisa Mensal do Emprego) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O problema aqui reside na pesquisa do IBGE, que não capta o total da população empregada no Brasil, pois, sua abrangência se limita a 6 regiões metropolitanas26 e mais recentemente pode estar superestimando a taxa de desemprego, devido a uma mudança na estrutura regional da localização da indústria e ao fortalecimento do agronegócio no interior do país. Ademais, a PME também apresenta dificuldades de encadeamento de seus resultados, devido às revisões metodológicas sofridas ao longo desse período.27 Por tudo isso, no exercício que se segue, optou-se por construir a série de estoque de trabalho, a partir dos dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), cuja abrangência engloba todas as regiões do Brasil desde 1981, com exceção da área rural da região Norte. Restam ainda algumas hipóteses necessárias ao cálculo do produto potencial que precisam ser comentadas. A primeira delas diz respeito sobre o nível nãoinflacionário de uso dos fatores, os conhecidos NAIRU e NAICU. No artigo que serve de base e no exercício feito nessa seção, a NAIRU foi obtida como a média simples das taxas de desemprego do período do exercício. A NAICU por sua vez, foi escolhida com base numa análise qualitativa, ou seja, que inclui julgamentos subjetivos do autor do artigo original. Ele escolheu o nível de 85% de utilização da 25 O autor ainda faz um ajuste na taxa de participação de sorte que a PEA não caia de um ano para o outro. Isso, porém, foi necessário somente em um ano da série empregada. Ele justifica esse ajuste com base numa prociclicalidade excessiva da série frente ao comportamento esperado pela teoria econômica. 26 A PME pesquisa as regiões metropolitanas das seguintes capitais: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. 27 A PME sofreu revisões metodológicas nos anos de 1982, 1983 e 1993. 33 capacidade como sendo a NAICU, argumentando que a média simples do período (79%) é claramente aquém da NAICU e que o pico da série atingido em 1973 foi claramente inflacionário.28 Por último, é necessário fazer hipóteses sobre a parcela do trabalho e do capital na renda.29 A escolha do autor recaiu em Sk = 0,49 e SL = 0,51; apoiando-se nos dados recentes. Porém, como veremos mais adiante na Subseção 3.2.1, esses dados são alvo de controvérsia no debate acadêmico e no caso brasileiro, em específico, são sensíveis ainda à hipótese de a que fator (capital ou trabalho) atribuir o rendimento dos autônomos. 3.1.2. Equações do Modelo O modelo parte do pressuposto de que a economia pode ser representada por uma FP Cobb-Douglas, com todas as suas propriedades conhecidas. Soma-se a isso a hipótese de retornos constantes de escala e de mercados competitivos, de sorte que a economia pode ser representada como na Equação (19). α 1−α Y t = At ⋅ K t −1⋅ Lt (19) Ou seja, o produto efetivo da economia no período t é função da PTF (At), do estoque de trabalho em t (Lt), do estoque de capital no período anterior (Kt-1) e da participação do trabalho (1-α) e do capital (α) na renda. O passo seguinte é aplicar o logaritmo à equação, para se chegar a Equação (20). ln Y t = ln At + α ⋅ln K t −1 + (1−α )⋅ ln Lt (20) Para se obter a PTF basta, então, rearranjar os membros dessa equação e derivá-la em relação ao tempo. 28 29 A hipótese de que a NAICU é igual a 85% foi mantida nos exercícios dessa seção. Assumindo se mercados competitivos e retornos constantes de escala. 34 ln At = ln Y t −α ⋅ln K t −1 − (1−α )⋅ ln Lt (21) ∂ ln At ∂ lnY t = −α ⋅ ∂ ln K t −1 − (1−α )⋅ ∂ ln Lt ∂t ∂t ∂t ∂t (22) Todo esse procedimento só é válido para variáveis em tempo contínuo. Como o produto é uma série de baixa freqüência, a PTF é melhor descrita usando uma equação em tempo discreto, como em (23). 30 1+ 1−α At = 1+ Y t − 1+ K t −1 At −1 Y t −1 K t −2 α − 1+ Lt Lt −1 (23) Uma vez obtida a PTF, o produto potencial pode ser obtido através da Equação (24), que é uma versão da Equação (19), escrita para os níveis potenciais do produto, dos insumos e da PTF. α 1−α Y t = A t ⋅ K t −1⋅ L t (24) O nível potencial do estoque de capital e do estoque de trabalho é obtido multiplicando-se o estoque total desses insumos pela NAICU e NAIRU respectivamente. Já para a PTF, o procedimento é ligeiramente diferente. Primeiramente, devese construir um índice para a PTF, com base 100 no ano de 1980, refletindo as variações encontradas através da Equação (23). Esse índice reflete, portanto, a produtividade efetiva de cada ano. Para encontrar a PTF potencial, optou-se por aplicar o filtro HP a essa série. 3.1.3. Resultados 30 As variáveis na Equação (23) estão medidas em logaritmo. 35 O primeiro resultado, obtido a partir do cálculo do estoque de capital, é a relação capital/ produto. Essa razão nos diz, em média, quantas unidades de capital são necessárias para se produzir uma unidade do produto. Uma razão igual a dois significa que a economia produz, em média, uma unidade do produto, a partir de duas unidades de capital. Isso, porém, não significa que a cada duas unidades de capital adicionadas a economia, o produto se elevará em uma unidade. Para esse cálculo, é necessário saber a relação capital/ produto incremental da economia, isto é, quantas unidades de capital são necessárias para se produzir, na margem, mais uma unidade do produto. A Figura 4 traz a relação capital/ produto total e efetiva, calculada para a economia brasileira de 1980 a 2004. A razão capital/ produto efetiva difere da total, pois, leva em conta somente o estoque de capital em uso, isto é, o estoque de capital é ajustado pelo NUCI. 3,4 3,2 3,0 2,8 2,6 2,4 2,2 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 2,0 Total Efetiva Figura 4 – Relação capital/ produto efetiva apresenta estabilidade no período 1980-2004. A primeira característica que chama atenção na figura acima, apesar de esperado, é que os movimentos na relação efetiva são muito mais suaves do que na relação total. A relação total indica uma intenção de oferta baseada em decisões 36 passadas dos empresários. A razão efetiva incorpora as decisões correntes de curto prazo de quanto ofertar, tomada pelo empresário. A Figura 4 mostra, então, que os empresários ajustam suas decisões de longo prazo para se adequar a demanda no curto prazo, mas ainda, a figura acima mostra que esse ajuste é substancial, pois, na relação total o ponto de máximo global é quase 19% maior que o ponto de mínimo global, enquanto que na relação capital/ produto efetiva essa mesma diferença é de 5%. Outro fato que chama atenção na Figura 4, é a estabilidade relativa das duas relações. Note que apesar das variações ao longo do período, as duas séries apresentam valores finais, muito próximos dos iniciais. A relação capital/ produto total apresenta em 2004, um valor 2,3% maior do que em 1980, enquanto a relação capital/ produto efetiva apresentou em 2004, um valor apenas 1,2% maior do que em 1980. As próximas seções desse capítulo trarão outros cálculos para a mesma relação, o que nos permitirá concluir se esse resultado é geral ou fruto de alguma escolha metodológica específica. O segundo resultado obtido com essa metodologia é a evolução da PTF e a tendência da PTF para esse período, como mostra a Figura 5. 1,00 0,98 0,96 0,94 0,92 0,90 0,88 0,86 0,84 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 0,82 PTF Tendência-PTF Figura 5 – Trajetória da PTF no período 1980-2003. 37 A leitura da figura acima deixa claro que a produtividade da economia brasileira, medida por essa ótica e na visão de Silva Filho (2001), sofreu uma queda em 1981, da qual ela não se recuperou até hoje. É notório também, que a volatilidade da série diminuiu, a partir de meados da década de 1990. Isso é, de certa forma, justificável, uma vez que a década de 1980 e o início da década seguinte, foi um período muito instável marcado por uma sucessão de planos econômicos de estabilização baseados em terapias de choque. Esse ponto fica bem claro na Tabela 4, que mostra que o desvio padrão no período Pós-Plano Real se reduziu a menos de 30% do seu valor na década de 1980. Contudo, o que pode parecer contra-intuitivo, é que a média da PTF nos subperíodos: 1981-90; 1991-00 e 1994-03, que correspondem respectivamente às décadas de 1980, 1990 e ao período de economia estabilizada, são muito semelhantes. De fato, um teste t aplicado a esses dois subconjuntos da amostra falha em rejeitar a hipótese nula de que as médias são iguais.31 Tabela 4 – A estabilização da economia diminuiu a volatilidade da PTF 1980-03 1981-90 1991-00 2001-03 1994-03 Média 0,911 0,910 0,904 0,907 0,911 Desvio Padrão 0,030 0,033 0,018 0,003 0,009 Com base no que foi dito nos dois parágrafos acima, fica claro que o efeito do Plano Real sobre a PTF foi de conferi-la uma maior estabilidade, assim como ocorreu com as outras variáveis na economia. Entretanto, ele não foi nem de longe condição suficiente para que a PTF alcançasse um crescimento sustentado. 31 O teste t bi-caudal aplicado para comparar as décadas de 1980 e 1990, supondo variâncias iguais, forneceu uma estatística de 0,5998, para um valor crítico à 10% com 9 graus de liberdade de 1,8333. Um segundo teste bi-caudal foi feito para comparar o período Pré e Pós-Plano Real, supondo variâncias distintas das suas amostras, fornecendo o valor de 0,9854 para a estatística de teste. 38 De posse do estoque de capital e da PTF podemos proceder à contabilidade do crescimento exposta na Tabela 5. Tabela 5 – Decomposição do crescimento: taxa de crescimento e contribuição de cada fator A K L -1,56% 1,50% 1,63% -100,2% 96,1% 104,1% 1991-2000 2,61% 0,87% 0,81% 0,93% 33,3% 31,0% 35,7% 1994-2003 2,46% 0,19% 1,39% 0,88% 7,8% 56,5% 35,7% a Os números em vermelho, na segunda linha de cada subperíodo, indicam a contribuição de cada fator para o crescimento . 1981-1990 Y 1,56% A decomposição do crescimento confirma que do ponto de vista da produtividade da economia, a década de 1980 realmente foi a década perdida. É de certa forma emblemático constatar que, na visão do autor, se a PTF tivesse ficado estável nessa década, tudo mais constante, o PIB brasileiro teria crescido a uma taxa média duas vezes maior. Em outras palavras, a queda da PTF reduziu o crescimento do PIB pela metade na década de 1980. A marca da década de 1990 é um crescimento eqüitativo com todos os fatores crescendo e contribuindo a taxas positivas e muito similares. Como resultado, a taxa média de expansão da economia foi a maior dos 3 subperíodos analisados. O terceiro subperíodo, cuja característica unificadora é a estabilidade da economia, mostra uma menor taxa de crescimento (e também da contribuição) da PTF, evidenciando que qualquer que tenha sido o fator que impulsionou a PTF na década de 1990, esse foi perdendo força ao longo do tempo. Os números, porém, corroboram com a hipótese levantada anteriormente de que só a estabilização da economia não foi suficiente para sustentar o crescimento da PTF e liderar o desenvolvimento econômico. Ainda sobre a Tabela 5, é válido comentar que a taxa de crescimento do estoque de trabalho é declinante, o que é condizente com um país como o Brasil, que 39 se encontra no estágio final de sua transição demográfica e é mais um ponto a favor da escolha da PNAD como fonte para o estoque de trabalho. Por último, como mostra a Tabela 6, a comparação dos resultados obtidos nesse exercício com os resultados originais de Silva Filho (2001) evidenciam um aspecto importante da metodologia de cálculo da contabilidade do crescimento. Como aludido anteriormente, esses dois exercícios diferem na escolha da fonte de dados para o estoque de trabalho. Logo, é de se esperar que a taxa de crescimento do estoque de trabalho difira levemente entre os dois exercícios. O efeito colateral disso é uma diferença de mesma magnitude, porém, de sinal oposto na taxa de crescimento da PTF. Por exemplo, na década de 1980, a taxa de crescimento médio do estoque de trabalho medido pela PME foi de 1,8%, enquanto que pela PNAD o mesmo crescimento foi de 1,6%, ou seja, uma diferença de 0,17 pontos percentuais a mais. Logo, a PTF calculada nesse exercício deve ser 0,17 pontos percentuais, menor do que a taxa encontrada em Silva Filho (2001).32 Tabela 6 – Diferenças na medição do fator trabalho são compensadas na PTF (Silva Filho, 2001) Tabela 4 Y A K L A K L 1981-1990 1,56% -1,74% 1,50% 1,80% -1,56% 1,50% 1,63% -111,2% 96,0% 115,2% -100,2% 96,1% 104,1% a 2,61% 1991-2000 0,97% 0,82% 0,84% 0,87% 0,81% 0,93% 37,0% 31,1% 31,9% 33,3% 31,0% 35,7% a A soma das taxas de crescimento em (Silva Filho, 2001) não somam 2,61%, pois o IBGE reviu os números das contas nacionais, após a publicação do artigo. Tendo analisado, os resultados da estimação do estoque de capital, da PTF e da contabilidade do crescimento, o próximo passo é calcular o produto potencial da economia de acordo com a Equação (24). Para isso, adotou-se como NAIRU, a média da taxa de desemprego no período 1980-2003, que foi de 6,1%. Para a NAICU, 32 A diferença entre as duas medidas da taxa de crescimento da PTF na Tabela 6, não soma exatamente 0,17% por uma mera questão de arredondamento. 40 manteve-se a taxa de 85% adotada no paper original. E para PTF adotou-se a Bilhões de R$ de 1999 tendência obtida pelo filtro HP, ilustrada na Figura 5. O resultado está na Figura 6. 1.200 1.100 1.000 1997 900 1989 800 700 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 600 PIB Potencial PIB Efetivo Figura 6 – PIB potencial e efetivo: 1980-2003 A primeira evidência que chama atenção é, sem dúvida, o fato de que no período analisado o PIB efetivo nunca esteve acima do potencial. O menor hiato registrado foi em 1980, onde o PIB efetivo correspondeu a 97,2% do potencial. Em contrapartida, o maior hiato ocorreu 3 anos depois, quando o PIB efetivo era somente 83,9% do potencial. Na Figura 6, podemos distinguir, grosso modo, 3 períodos. Nos dois primeiros que vão de 1980 a 1989 e de 1990 a 1997, respectivamente, o comportamento é muito similar. Os períodos iniciam com um hiato estreito que vai se ampliando até mais ou menos a metade do período, a partir da qual o hiato começa a se estreitar novamente, dando esse formato de barriga ao gráfico. No terceiro período, o que se vê é um hiato muito mais estável, com o PIB efetivo correndo quase que em paralelo com o PIB potencial. A coluna 2 da Tabela 7 confirma essa análise, mostrando que o DP (Desvio Padrão) do hiato, medido como porcentagem do produto efetivo, é muito menor no terceiro período. 41 Tabela 7 – Volatilidade do hiato diminui no período Pós-Real mas a taxa da crescimento do PIB potencial não aumenta 1980-89 1990-97 1998-03 1980-03 DP do Hiato 4,97 3,98 1,02 3,95 1981-90 1991-00 1994-03 1980-03 Hiato Médio 11,30 11,48 10,02 11,02 DP do Hiato 4,42 3,53 1,62 3,95 PIB Potencial - Taxa de Cresc. 2,68 2,22 2,19 2,39 A Tabela 7, também mostra que a taxa de crescimento do PIB potencial no período todo foi muito baixa, média de 2,4%. Além disso, o período Pós-Plano Real é caracterizado pela menor taxa de crescimento do potencial da economia e pelo menor desvio padrão. Em resumo, a economia brasileira cresceu a taxas menores a partir de 1994, porém, mais previsíveis. 3.1.4. Projeções e Análises de Sensibilidade Essa última subseção apresenta 3 possíveis cenários para o produto potencial da economia no horizonte de longo-prazo (2005-2014). Em seguida, alguns exercícios de estática comparativa são feitos para mostrar a influência de variações nos parâmetros sobre as projeções e o próprio produto potencial. Para se construir os cenários são necessárias 3 hipóteses somente. A primeira que é comum a todos os cenários é sobre a taxa de crescimento da PEA33 empregada (1,8% ao ano), que é equivalente a taxa de crescimento da mesma no período PósReal. As outras duas hipóteses versam sobre a taxa de investimento e a taxa de crescimento da PTF no período 2005-2014. Em seguida, definiu-se 3 cenários qualitativamente distintos para a economia brasileira. No primeiro cenário, chamado de crescimento natural, assume-se que a economia brasileira estará livre do ‘stop and go’ que a caracterizou de 1994 até 2003, entrando numa trajetória de crescimento sustentado, sem que isso implique necessariamente em altas taxas de crescimento. Essa nova dinâmica de crescimento é 33 Assumindo uma NAIRU constante e igual a 6,11%. 42 decorrente do ajuste interno (contas públicas e inflação sob controle) e externo (equilíbrio na balança de pagamentos), que se acredita irá perdurar. Nesse cenário, a taxa de investimento cresce meio ponto percentual (em termos do PIB) a cada ano, para chegar a 2014 com uma taxa de 24,6%, a preços constantes de 2004. O crescimento da PTF é uma média do crescimento, dos anos do período Pós-Real em que a economia brasileira não esteve submetida a intempéries externas.34 O segundo cenário é chamado de crescimento restringido. Nesse, o ano de 2004, não é visto como evidência de uma nova dinâmica macroeconômica, mas sim como um ano, onde a conjuntura externa favorável permitiu um forte crescimento da economia brasileira. Nesse cenário, os fundamentos macroeconômicos do Brasil voltariam a se deteriorar e o país voltaria a caminhar no ritmo do chamado vôo da galinha. No cenário restringido, a taxa de investimento é suposta constante e igual a 20% do PIB, também a preços de 2004. A PTF cresce ao mesmo ritmo lento, ao qual ela evoluiu no período 1994-2003. O último cenário, referido como crescimento estimulado, parte em linhas gerais dos mesmos pressupostos do primeiro, porém, assume que o governo e a sociedade civil levarão adiante uma agenda de reformas e políticas, que melhorarão o arcabouço institucional do país, impactando permanentemente o potencial de longo prazo do país. Tal agenda inclui, sem prejuízo de outras iniciativas, uma política industrial de apoio à inovação e uma reforma tributária que simplifique a legislação. Nesse cenário, a taxa de investimento cresce mais rapidamente em respostas às novas oportunidades de investimento que surgem no novo quadro institucional, 34 Para isso utilizaram-se os anos de 1994, 1997 e 2000. 43 atingindo em 2014, o nível de 28,6% do PIB, a preços de 2004. Já o crescimento da PTF parte do mesmo ritmo alcançado em 2004, se amplia mais rapidamente em 2005 e 2006 devido ao desengavetamento de conhecimentos e capacitações acumulados pelas empresas no período 1994-2003 e depois passa a crescer a um ritmo maior a cada ano, devido à difusão da cultura inovadora na economia brasileira. A Figura 7, mostra a trajetória do crescimento do PIB potencial do Brasil sob os 3 cenários para o período 2005-2014 e a Tabela 8, apresenta um resumo das hipóteses adotadas sob cada cenário e a taxa de crescimento médio do PIB potencial Bilhões de R$ de 1999 obtida em cada um deles. 2.200 2.100 2.000 1.900 1.800 1.700 1.600 1.500 1.400 1.300 1.200 1.100 2004 2005 2006 2007 2008 Restringido 2009 Natural 2010 2011 2012 2013 2014 Estimulado Figura 7 – Evolução do PIB potencial (em bilhões de R$ de 1999) sob os 3 cenários Tabela 8 – Hipóteses adotadas em cada cenário e respectivos resultados Restringido Natural Estimulado a b Taxa de Investimentoa 20,00% 24,60% 28,60% Crescimento da PTFb 0,19% 2,30% 4,04% Crescimento do PIB Potencialb 1,74% 4,16% 6,20% Taxa de investimento em 2014 a preços constantes de 2004. Média do período 2005-2014. No cenário de crescimento estimulado o Brasil entraria, então, na tão sonhada trajetória de crescimento elevado e sustentável, rivalizando assim com o crescimento de outros países emergentes como a China e a Índia. Por outro lado, o crescimento do 44 produto potencial sob o cenário de crescimento restringido, se mostra inferior ao crescimento obtido no período Pós-Real, pois, ao contrário do que ocorreu nesses anos, supõe-se que os choques externos serão a regra e não a exceção. Agora, veremos como a mudança em um dos parâmetros como a taxa de depreciação ou a NAICU, altera os resultados obtidos. A Figura 8, mostra o efeito da mudança do nível da NAIRU sobre o PIB potencial. Para esse exercício, se escolheu uma NAIRU de 4% e outra de 8%, permitindo assim avaliar tanto mudanças para Bilhões de R$ de 1999 cima como para baixo. 1.200 1.100 1.000 900 800 700 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 600 PIB Potencial (original) PIB Potencial (NAIRU = 8%) PIB Potencial (NAIRU = 4%) Figura 8 – Efeito da variação da NAIRU sobre o PIB potencial Vemos que um menor nível da NAIRU está associado a um maior nível do produto potencial, uma vez que se aumentou o estoque potencial de empregados. A mesma lógica, porém, com os sinais inversos se aplica ao PIB potencial obtido com a NAIRU de 8%. A variação da NAIRU corresponde a um deslocamento da curva do PIB potencial, uma vez que as três curvas no gráfico são exatamente paralelas em todos os seus segmentos. Dessa maneira, ela não altera a evolução do PIB potencial e, portanto, não influi nas taxas de crescimento do produto potencial, obtidas nos 3 cenários. 45 A Figura 9, mostra o mesmo exercício feito para a NAICU. O resultado e a interpretação são muito similares à da Figura 8. A única diferença fica por conta do Bilhões de R$ de 1999 tamanho do deslocamento das curvas, que é maior na Figura 9. 1.250 1.150 1.050 950 850 750 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 650 PIB Potencial (original) PIB Potencial (NAICU = 90%) PIB Potencial (NAICU = 80%) Figura 9 - Efeito da variação da NAICU sobre o PIB potencial O último exercício de estática comparativa mostra os efeitos de uma variação na taxa de depreciação do estoque de capital. Para esse exercício, a metodologia adotada foi ligeiramente diferente. Enquanto nos outros exercícios o parâmetro foi modificado na fase inicial, ou seja, antes da obtenção da PTF, aqui a taxa de depreciação só foi modificada na fase do cálculo do potencial. A conseqüência disso é que nos dois primeiros exercícios a tendência da PTF precisou ser reestimada, ao passo que nesse exercício utilizou-se a mesma série, que foi empregada para o cálculo do PIB potencial original. A intenção com isso é mostrar, como que partindo do mesmo nível do PIB potencial em 1980, a escolha da taxa de depreciação influi no PIB potencial de uma maneira que vai se magnificando ao longo do tempo. Assim, obtém-se duas trajetórias completamente distintas, como mostra a Figura 10. 46 Bilhões de R$ de 1999 1.500 1.400 1.300 1.200 1.100 1.000 900 800 700 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 600 PIB Potencial (original) PIB Potencial (δ = 2,5%) PIB Potencial (δ= 7,5%) Figura 10 – Efeito da variação da taxa de depreciação sobre o PIB potencial Uma menor taxa de depreciação, gera por sua vez, um maior estoque de capital, cuja contribuição absoluta para o crescimento também aumenta. Isso ocorre porque a vida útil do estoque de capital é estendida. Um bem de capital, cuja depreciação ocorre à taxa linear de 5% ao ano, como suposto no exercício tem uma vida útil de 20 anos. Se a taxa de depreciação assumida for de 2,5%, a vida útil desse bem então dobra. No caso oposto em que a depreciação é suposta mais rápida, por exemplo, igual a 7,5%, a vida útil do estoque de capital se reduz para 13,3 anos. Tudo isso se refere ao nível (valor) do PIB potencial. Entretanto, como fica claro na Figura 10, diferentes taxas de depreciação implicam em diferentes taxas de crescimento do potencial, uma vez que as curvas não são mais paralelas umas as outras. Em função disso, a Tabela 9, mostra as taxas de crescimento médio, obtidas sob os 3 cenários, variando a taxa de depreciação e mantendo constante as demais hipóteses. Tabela 9 – Maiores taxas de depreciação aumentam a taxa de crescimento do PIB potencial. Restringido Natural Estimulado (δ = 2,5%) 1,74% 4,01% 6,05% 47 (δ = 7,5%) 1,75% 4,29% 6,42% Uma taxa de depreciação maior significa, principalmente nos cenários de crescimento natural e estimulado, uma maior taxa de crescimento, pois, as adições ao estoque de capital são proporcionalmente maiores representando assim, um maior crescimento do estoque de capital. 3.2. Um Modelo de Crescimento Equilibrado Essa seção investiga e estende os resultados de Pessôa et Ali (2003). Esse artigo utilizou-se de uma base de dados internacionais para realizar exercícios de contabilidade do crescimento para vários países. Além disso, a FP utilizada foi levemente modificada em relação à da Seção 3.1, para levar em consideração trajetórias de crescimento equilibrado e de transição. Nesse exercício, a FP é dada pela Equação (25) , onde yt é o produto por trabalhador, At é a PTFD (Produtividade Total dos Fatores Descontada da evolução tecnológica), kt é o estoque de capital por trabalhador, Ht é o capital humano (escolaridade) por trabalhador e λt representa o aumento de produtividade decorrente da evolução da fronteira tecnológica. yt = At ⋅ f (k t , H t ,λ t ) (25) 3.2.1. Metodologia Os dados para esse exercício foram extraídos da PWT (Penn World Table) versão 6.1. A PWT é uma base de dados internacional mantida pelo CIC (Centro para Comparações Internacionais) da Universidade da Pensilvânia. Essa base de dados contém informações para 168 países sobre 23 diferentes variáveis das contas nacionais dos anos de 1950 até 2000. Infelizmente, para muitos países alguns dados não estão disponíveis, ou estão apenas para algum subperíodo da amostra. Os dados são informados em dólares de 1996, ajustados pela PPC (Paridade do Poder de 48 Compra), de maneira a minimizar distorções decorrentes do nível de preços e das taxas de câmbio, na comparação entre países.35 Os autores utilizaram-se de uma base de dados internacional e ajustada pela PPC, pois, o artigo original aplica a mesma metodologia para diversos países, comparando os resultados em seguida. O estoque de capital é construído pelo método do inventário perpétuo, assim como demonstrado na Subseção 3.1.1. Porém, diferentemente do exposto previamente, o estoque de capital inicial imputado foi obtido através da multiplicação da relação capital/ produto para o Brasil em 1950 (1,94) em Morandi & Reis (2004) pelo PIB do Brasil dado pela PWT. Para os anos posteriores, depreciou-se o estoque de capital em 3,5% ao ano, o que corresponde à média da taxa de depreciação da economia americana no período 1950-2000, acrescentando-se o montante anual do investimento ao estoque. A taxa de depreciação como vimos anteriormente é o parâmetro mais crucial nesse tipo de exercício. Contudo, como não há no Brasil dados para se calcular uma taxa de depreciação do estoque de capital nacional, resta nos, então, somente apontar as vantagens e desvantagens da escolha feita por cada autor. Nesse caso, a principal vantagem de utilizar a taxa de depreciação americana, sem dúvida, é a confiabilidade dos dados. Por outro lado, admitir que máquinas e equipamentos no Brasil se depreciem ao mesmo ritmo que na economia americana, que está na fronteira tecnológica, talvez não seja a hipótese mais plausível. Além disso, o estoque de construções e estruturas dos dois países foi construído com diferentes métodos e materiais. 35 Para maiores detalhes vide o apêndice de Heston et ali (2002) em: http://pwt.econ.upenn.edu/Documentation/append61.pdf. 49 Para a série de escolaridade, utilizou-se os dados compilados em Barro & Lee (2000).36 Nesse artigo, os autores calculam para intervalos de 5 anos, a escolaridade média de 1960 até 2000, medida em anos de estudo, levando em consideração diferenças de duração dos ciclos educacionais entre países, para dois grupos da população: maiores de 15 anos e maiores de 25 anos. Nesse exercício, utilizaram-se os dados de escolaridade para a população maior de 15 anos, uma vez que essa faixa etária é a mais próxima da PEA. Para representar o progresso tecnológico na fronteira, os autores ajustaram uma tendência exponencial à série do produto por trabalhador, controlando pelo aumento da escolaridade média da força de trabalho, para o período 1950-72. O progresso técnico é dado, então, pela Equação (26), onde g representa a taxa de progresso técnico. λ t = 1+ g t = (1,0153)t (26) Os autores escolheram esse subperíodo, porque segundo os mesmos, após 1972, o crescimento da PTF teria se reduzido nos E.U.A, conseqüência dos choques do petróleo. Ora, não há razão a priori para se supor que a fronteira tecnológica cresça a taxas constantes. Pelo contrário, dado o caráter disruptivo e inovador do progresso tecnológico é muito provável que esse se processe a taxas variáveis ao longo do tempo. Portanto, a adoção de uma taxa de progresso tecnológico constante para todo o período da série e extrapolada a partir de um subperíodo da série, pode induzir a subestimação da PTFD em certos anos das décadas de 1970 e 1980, onde a PTF claramente se expandiu mais devagar e a superestimação da mesma na década 36 A Base de dados Barro-Lee pode ser obtida em: http://www.cid.harvard.edu/ciddata/ciddata.html. 50 seguinte, devido à aceleração da produtividade trazida pela revolução da tecnologia da informação e comunicação. Como afirmado em Pessôa et ali (2004), se alguns países conseguiram escapar dessa tendência mundial na década de 1970 e 80, muito provavelmente não alcançaram tal feito porque a fronteira crescia a uma taxa mais rápida e sim devido a arranjos institucionais particulares, que lhes permitiram avançar além da fronteira nesses anos. A FP da Equação (25) necessita também de dados sobre o número de trabalhadores, uma vez que algumas das suas variáveis são expressas em termos per capita. A PWT usa dados da PEA para calcular as variáveis per capita. O ideal seria calcular tais variáveis em termos do número de trabalhadores empregados. No artigo original, os autores constroem uma série de PEA e PEA empregada, a partir de dados do Censo, da PNAD e do SCN (Sistema de Contas Nacionais). Finalmente, resta comentar sobre o valor dos parâmetros usados. Nesse exercício, há dois novos parâmetros, que são utilizados na função representativa do capital humano (Ht), que serão oportunamente comentados na próxima subseção. Uma outra diferença em relação ao exercício da Seção 3.1, é que no exercício de Pessôa et ali (2003) os autores não fizeram nenhum ajuste para a utilização dos fatores. Portanto, é de se esperar que a PTFD reflita também fatores conjunturais. Nesse exercício, também é necessário imputar valores para a parcela do capital e do trabalho na renda. Os valores usados são alvo de controvérsia, porque não guardam relação com os dados calculados pelo SCN. Os autores fixaram SL = 0,6 e SK = 0,4; com base em Gomes et ali (2005). Nesse artigo, seguindo sugestões de Gollin (2002) e Young (1995), aplicam-se procedimentos para a correção da parcela do trabalho na renda para um valor, que refletiria com maior acuidade o dado real. 51 Para propor essa correção, descartaram-se explicações baseadas em diferentes tecnologias de produção, na existência de poder de mercado dos empresários gerando quase-rendas em detrimento dos trabalhadores e em diferenças de arranjos institucionais ou na existência de fatores fixos, para explicar a diversidade da parcela do trabalho na renda entre países. Gollin (2002), especificamente, também descarta qualquer explicação baseada na diferença da composição setorial do produto entre os países. Para ele, a disparidade dos números entre países se deve unicamente à contabilização errônea da renda do trabalhador por conta própria ou autônomo como renda do capital, uma vez que essa última sai como resíduo, ou seja, ela é o resultado da subtração da renda dos assalariados da renda total. Gomes et ali (2005) aplica essas correções para o Brasil e chega a resultados para a participação do trabalho na renda entre 0,5 e 0,67. Pode parecer plausível que essa explicação responda por uma parte da discrepância, em países como Gana, Bangladesh e Nigéria, onde os empregados por conta própria correspondem de 75% a 80% do total dos trabalhadores empregados na manufatura, como dizem os próprios autores. Porém, a aplicação ao Brasil das mesmas correções feitas para tais países, não parece muito correta por uma série de motivos, que estão expostos abaixo. Em primeiro lugar, porque desde 1990, quando se iniciou o novo SCN, o PIB pela ótica da renda traz dados separados para rendimentos dos trabalhadores autônomos, sendo esse definido como uma renda mista, isto é, aquela parcela da renda total, cuja contribuição do capital e do trabalho não podem ser distinguidas no todo. Portanto, se o SCN já capta o rendimento dos autônomos, não há muito sentido em se fazer uma correção para levar em conta o rendimento dos trabalhadores por conta própria. 52 Além disso, mesmo que os dados do IBGE captem o rendimento dos autônomos de maneira incompleta, o tamanho dessa distorção, sugerida pela diferença entre os números obtidos em Gomes et alii (2005) e os números do IBGE mostrados na Figura 11, parece muito grande. Levando-nos, pois, à conclusão de que as correções propostas parecem superestimar a parcela dos autônomos na renda nacional. É muito difícil supor que uma parcela de aproximadamente 12% da renda nacional, que está contabilizada como sendo do capital, corresponda à renda de autônomos que não foi captada pelo SCN, principalmente se levarmos em conta que essas ocupações normalmente estão associados a um trabalho precário de baixa produtividade e rendimento. 0,65 0,62 0,60 0,55 0,52 0,50 0,48 0,45 0,40 0,38 0,35 0,30 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 Capital (Excedente Operacional Bruto) 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Trabalho (Assalariados + Autonômos) Figura 11 – Participação do trabalho na renda declina ao longo do tempo O argumento acima, apesar de contundente, não é a única razão para se suspeitar da adequação de tal ajuste ao caso brasileiro. Os dados mostrados na Figura 11, são coerentes com a distribuição pessoal da renda, na qual o Brasil apresenta um dos maiores índices de Gini do mundo e com a evolução da taxa de juros e da massa salarial no mesmo período. 53 Quanto à distribuição da renda pessoal, é razoável supor que ela guarde alguma relação com a distribuição funcional da renda. Logo, é pouco plausível que um país, onde os 10% mais ricos se apropriam de 47% da renda total e os 50% mais pobres ficam com apenas 13% do total,37 tenha uma distribuição funcional da renda, onde 67% corresponda a rendimentos do trabalho. Por último, muitos modelos teóricos de desenvolvimento assumem hipóteses sobre a parcela do capital na renda ou obtêm resultados sobre a evolução da mesma. Em particular, o modelo de Nelson & Winters (1982) prevê que ao longo do processo de desenvolvimento, a parcela do capital na renda deve crescer em função das quaserendas geradas pelos produtores do setor moderno da economia. Ao final do processo, essas quase-rendas se dissipam e a parcela do capital na renda encontra um novo equilíbrio ao mesmo valor que prevalecia anteriormente. Maiores detalhes desse modelo serão explorados no Capítulo 5. Por hora, a passagem transcrita abaixo, extraída da mesma obra é bastante instrumental ao ponto levantado. “Nos países menos desenvolvidos, encontra-se uma considerável dispersão entre firmas nos seus níveis de produtividade, salários pagos e lucratividade. Ademais, a parcela do capital é provavelmente maior nos países menos desenvolvidos do que nos países desenvolvidos, refletindo principalmente a presença de quase-rendas grandes no setor da economia que emprega a tecnologia moderna” [Nelson & Winters, 1982, p. 240] 3.2.2. Equações do Modelo O modelo é representado genericamente pela Equação (25). Porém, adotandose uma especificação Cobb-Douglas para a função e assumindo-se retornos constantes de escala e mercados competitivos, podemos reescrever a equação na forma exposta em (27). 37 Dados de 2002 calculados pelo IPEA com base na PNAD, obtidos no IPEADATA. 54 yt = At ⋅ k αt ⋅(H t ⋅λ t )1−α (27) Todos os símbolos acima representam as mesmas variáveis discutidas anteriormente. A variável referente ao capital humano (Ht) toma a forma específica representada na Equação (28). { θ H t = exp 1−ψ ⋅h1−ψ } (28) Nessa equação, h representa a escolaridade da PEA para um dado ano, medida em anos de estudo. As letras gregas θ e ψ são parâmetros da função, onde θ é igual a 0,32 e ψ é igual a 0,58. A Equação (28) assume que o retorno, em termos de salário, ao investimento em educação é positivo, porém, decrescente. Além disso, para incluir essa equação na forma funcional da FP, é suposto implicitamente que o impacto da educação na produtividade do trabalhador é bem descrito pelo rendimento recebido pelo trabalhador, ou seja, externalidades decorrentes do maior nível educacional do trabalhador não são captadas aqui. O próximo passo é encontrar a PTFD, que é dada por (29). At = yt 1−α α k t ⋅(H t ⋅λ t ) (29) De posse da PTFD e de todos os demais dados descritos aqui, pode-se proceder ao exercício de contabilidade do crescimento propriamente dito. Os autores propuseram, porém, uma maneira diferente de se fazer a decomposição do crescimento em relação ao procedimento da Seção 3.1, a qual eles batizaram de decomposição logarítmica teórica do crescimento. Para isso, eles partiram da Equação (27) e multiplicaram os dois lados por y -α, obtendo (30). 55 α k 1−α 1−α y t = At ⋅ t ⋅ (H t ⋅λ t ) yt (30) Elevando-se os dois lados a (1/1-α)-iésima potência, obtêm-se a Equação (31). α kt yt = At α ⋅ ⋅ H t ⋅λ t yt 1 1− 1−α (31) O termo no primeiro parênteses é a relação capital/ produto, chamando-a de Kt, chega-se finalmente a Equação (32). α yt = At α ⋅ (K t ) α ⋅ (H t ⋅λ t ) 1 1− 1− (32) A partir dessa equação, fazendo a divisão de yt+1 por yt e depois aplicando o logaritmo, obtém-se a expressão necessária para fazer a decomposição. yt +1 1 At +1 λt +1 α Kt +1 eh ⋅ln ⋅ln ln = + ln + + ln h y − 1 − α 1 α λ A K t t t e t t +1 t (33) O objetivo de se fazer toda essa transformação com as equações, para colocar a FP em termos da relação capital/ produto está relacionado com o modelo de crescimento de Solow e a intenção dos autores de avaliar se os países apresentam uma dinâmica de crescimento equilibrado ou de transição. No crescimento equilibrado ou estado estacionário de Solow, a relação capital/ produto é constante, logo, ∆K/∆Y38 em (33) deve ser igual a 0. Isso não quer dizer que o estoque de capital não cresce, mas que ele aumenta somente no ritmo necessário para dotar os novos trabalhadores com o mesmo estoque per capita que os trabalhadores mais antigos. Já no crescimento de transição, a relação capital/ produto cresce indicando que a economia está se movendo de um estado estacionário a outro. 38 ∆K/∆Y é o terceiro termo no membro direito da equação. 56 Figura 12 – Modelo de Solow: crescimento equilibrado e de transição B y C A ka kc kb k Na Figura 12, as linhas retas (de cor vermelha) representam a relação capital/ produto, enquanto as linhas côncavas (de cor azul) representam a FP agregada da economia. Uma trajetória de crescimento equilibrado é exemplificada na figura como um movimento do ponto A até C, ao passo que uma trajetória de transição é representada por uma mudança do ponto A até B. A vantagem desse procedimento é que o crescimento do produto, medido no eixo vertical como a distância entre os pontos A e C, que na decomposição tradicional seria atribuído ao fator capital, aqui é contabilizado como um incremento da PTF. Somente o aumento do produto, ocasionado por uma acumulação de capital numa dinâmica de transição, é contabilizado sob o fator capital nesse exercício. Na Figura 12, esse montante corresponde a distância entre os pontos C e B, medidos no eixo vertical. 3.2.3. Resultados 57 Como no exercício anterior, vamos começar a explorar os resultados pela relação capital/ produto. Como não se fez nenhum ajuste para a utilização do estoque de capital, a Figura 13 traz apenas a relação total. 3,00 1983 2,75 2,50 2,25 1967 1980 2,00 1,75 1973 19 50 19 52 19 54 19 56 19 58 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 1,50 Capital/ Produto Figura 13 – Evolução da relação capital/ produto total na economia brasileira de 1950 a 2000 Claramente, distinguem-se dois períodos de estabilidade na relação capital/ produto, entremeados por uma fase de transição. No primeiro período, que vai do início da série até 1967, a relação K/Y oscila em torno de uma média de 2. No segundo período, que abrange os anos de 1983 até 2000, a mesma razão oscila em torno de uma média de 2,7. A diferença entre os dois períodos fica por conta da volatilidade que é muito maior no segundo intervalo. De fato, o desvio padrão no segundo período (0,12) é mais que o dobro do que o desvio registrado no primeiro momento (0,056) da série. Os anos da série, que marcam o intervalo entre esses dois momentos, de 1967 até 1983, também apresentam dois períodos nitidamente distintos, cujos comportamentos se coadunam excepcionalmente bem com a história econômica brasileira do período. 58 No primeiro, que vai de 1967 até 1973, a relação capital/ produto cai até atingir o menor nível nessa série histórica (1,78). Esse período coincide com o chamado milagre econômico brasileiro, quando o país apresentou altas taxas de crescimento, em grande parte, advindas de uma maior utilização da capacidade instalada, que desfrutava de elevada ociosidade, fruto da recessão dos primeiros anos do governo militar. Isso se traduziu, na relação capital/ produto, num crescimento do denominador (Y) em maior proporção do que o numerador (K). De 1973 até 1983, pelo contrário, a relação capital/ produto entrou numa trajetória estritamente ascendente, com exceção de 1980. Nesse período, a razão K/Y subiu mais de 50%, passando de 1,8 para 2,8. Esse ínterim foi marcado na economia brasileira pelos investimentos da chamada safra do milagre e pela implementação do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento). Esse último apesar de originalmente planejado para terminar em 1979, teve muitos projetos, cujos prazos de maturação foram estendidos até o início da década de 1980, devido à instabilidade do período que impediu que o plano fosse implementado de acordo com o seu cronograma inicial. O II PND se caracterizou pela prioridade dada aos projetos na área de insumos básicos e bens de capital, setores reconhecidamente de maior intensidade em capital, o que explica o aumento da relação capital/ produto, verificado na Figura 13.39 Por último, vemos que, ao contrário do estoque de capital elaborado no primeiro exercício e mostrado na Figura 4, o estoque de capital calculado nesse exercício não apresenta a estabilidade verificada no anterior para o período 19802000. De fato, em 1980, a relação capital/ produto se encontrava no meio de um período de transição. Essa estabilidade da relação, verificada na Seção 3.1, durante todo o período, só encontra paralelo aqui a partir de 1983. 39 Para maiores detalhes sobre o II PND vide Castro & Souza (1985). 59 Na prática, porém, não podemos garantir que as duas séries fornecem resultados contraditórios. É muito mais provável, que o estoque de capital do primeiro exercício tenha antecipado uma tendência, que só se verificou alguns anos mais tarde no presente exercício, devido a características particulares do primeiro método como a maior taxa de depreciação e a menor amplitude da série do estoque de capital. Ou seja, ambos os gráficos apresentam resultados quase similares. 110 1976 1980 100 1961 90 1967 80 1990 70 1997 19 50 19 52 19 54 19 56 19 58 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 60 PTFD Figura 14 – Evolução da PTFD brasileira de 1950 até 2000 A Figura 14, exibe um outro importante resultado derivado do exercício de decomposição do crescimento: a evolução da PTFD de 1950 até 2000. A variável mostrada nesse gráfico, é ligeiramente diferente daquela comentada na Figura 5. Aqui se descontou uma constante, que representa o progresso técnico da fronteira, assim a produtividade total é, na verdade, um deslocamento paralelo para cima, da curva apresentada. Contudo, o fato desse deslocamento ser paralelo não altera a dinâmica da produtividade, o que torna indiferente comentar os resultados da PTFD ou da PTF total. A primeira tendência que chama atenção é o salto de produtividade registrado entre 1967 e 1976, que se estendeu, em grandes linhas, até 1980. Depreende-se daí 60 que o milagre econômico brasileiro (1967-73) não foi puramente uma ocupação da capacidade ociosa, ele também estava fortemente fundamentado na produtividade ascendente da economia. Prosseguindo mais adiante na história econômica brasileira daquele período, fica claro que os dados não sustentam a interpretação daqueles que tentam negar qualquer racionalidade econômica do II PND (1975-79), pois, a PTFD da economia nesse período cresceu ou se manteve em patamares altos. Essa, porém, é a única implicação indubitável do cotejo do gráfico com a experiência econômica do período. Uma conciliação dos dados da produtividade da economia brasileira com as outras interpretações acerca do período demanda maiores investigações, que fogem ao escopo dessa tese, uma vez que esse período foi extremamente complexo e marcado por: choques externos (crise do petróleo e da dívida externa), uma nova rodada de investimento (II PND) que se prolongou até o início da década de 1980 e a inflexão da política macroeconômica com o retorno de Delfin Neto ao Ministério da Fazenda. Igualmente ao exercício anterior, percebemos que, na visão dos autores, a década de 1980 foi realmente, a década perdida em termos de produtividade. A PTFD registrou uma queda de mais de 22% nesse período, sendo que até o ano de 2000, ela ainda estava em um nível inferior ao de 1990. Porém, mais impressionante ainda, é o fato de que em 2000 e em toda a década de 1990, a PTFD registrou um nível menor do que na década de 1950. Ou seja, em termos da PTFD e baseado nesse enfoque teórico, o Brasil regrediu mais de meio século, depois de 1980! As reformas de cunho liberal e a estabilização macroeconômica, nas quais muitos economistas depositaram suas apostas como a pré-condição suficiente para a retomada do crescimento sustentável, chegaram a ensaiar uma resposta positiva, com a PTFD crescendo 7,5% de 1992 até 1996, mas logo se mostraram insuficientes. 61 E por último, mas não menos importante, a Tabela 10, resume por décadas, de 1950 a 2000, a decomposição logarítmica teórica do crescimento, o objetivo final dos autores do artigo original. Tabela 10 – Decomposição logarítmica teórica do crescimento – resultados originais 1950-59 1960-69 1970-79 1980-89 1990-00 1950-00 PTFD 39% 44% 37% 417% -55% -25% Fronteira K deepening 40% 11% 46% -12% 46% 26% -107% -112% 92% -16% 72% 21% H 9% 23% -10% -99% 79% 33% Os dois fatos que mais chamam atenção nessa tabela são, sem dúvida, os números da década de 1980 e como o resultado total do período na última linha não guarda muita relação com os resultados decenais. Por isso, antes de tecer comentários sobre esses resultados, uma advertência sobre o método de obtenção desses resultados tem que ser feita, a fim de evitar distorções na análise. Cada célula da tabela foi obtida através de divisões como a expressa em (34). ln xt + n xt y ln t + n yt (34) A letra x representa os 4 componentes da decomposição: fronteira, PTFD, capital humano e relação K/Y. Além disso, a PTFD e a relação capital/ produto tem seu numerador multiplicados pelos mesmos fatores da Equação (33). Ou seja, o que a Tabela 10, mostra é a importância relativa do crescimento de cada fator para o crescimento do PIB. Os sinais positivos e negativos não indicam necessariamente contribuições positivas ou negativas. Um sinal positivo indica que aquele fator atuou, evoluiu na mesma direção do PIB, enquanto que um sinal negativo indica que um determinado 62 fator atuou em direção contrária à evolução do PIB. Logo, para que possamos entender os resultados acima, temos que saber, a priori, se o PIB cresceu ou diminuiu em cada década. Para os dados da tabela acima, o PIB apresentou variação positiva para todas as décadas com exceção da década de 1980. Dessa maneira, o crescimento de 417% da PTFD na década de 1980, que numa leitura rápida poderia indicar um estrondoso movimento de catch-up, na verdade indica que tanto o PIB e a PTFD caíram nessa década e que a queda dessa última foi mais de 4 vezes maior do que o declínio do PIB. Da mesma forma, os outros 3 fatores: fronteira, relação capital/ produto e capital humano cresceram nessa década. Os autores concluem, então, que a queda da PTFD foi tão grande que contrabalançou o crescimento dos outros fatores e acabou por determinar o declínio do produto nessa década. Esse modo de decompor o produto permite aos autores responder a duas questões. A primeira é se o crescimento do Brasil é melhor descrito por uma trajetória de transição ou de equilíbrio? O período 1950-2000 como um todo, pode ser descrito como de transição, uma vez que o aumento da relação capital/ produto explica 21% do crescimento do PIB nesse período. Porém, de modo algum ele foi uniforme, a maior contribuição da transição para um maior nível da relação capital/ produto foi na década de 1970 e 1980, como esperado. A segunda pergunta é sobre se o crescimento do Brasil foi fruto de um esforço próprio de crescimento da produtividade mais rápido que o ritmo da fronteira, ou se o Brasil cresceu apenas involuntariamente devido à expansão da fronteira tecnológica? Pessôa et ali (2003), olhando para a última linha da Tabela 10, conclui que o Brasil não conseguiu diminuir a brecha de produtividade em relação aos países da 63 fronteira e que seu crescimento se deve majoritariamente a expansão da fronteira tecnológica. Essa é uma conclusão forte mas que a primeira vista, está bem fundamentada nos dados empíricos obtidos pelos autores e sumariados na Tabela 10. Entretanto, ela é fortemente dependente da visão teórica e das hipóteses práticas adotadas, a respeito do progresso tecnológico. Primeiramente, pelo fato do progresso técnico ser representado por uma taxa de crescimento positiva e constante, não se poderia esperar outro resultado que não uma contribuição positiva da fronteira para o crescimento. Ou seja, ao contrário dos outros fatores, que podem apresentar contribuição positiva ou negativa, a fronteira por construção do exercício é uma variável que possui um limite inferior positivo para o seu intervalo. Em conexão com o tópico acima e como já aventado anteriormente, parece claro que a contribuição da PTFD está subestimada na década de 1980 como contrapartida da superestimação do crescimento da fronteira na mesma década, que ficou marcada pela desaceleração em escala mundial da produtividade. Ademais, o próprio conceito teórico de fronteira tecnológica, onde o conhecimento seria um bem público sem custo para a sua assimilação e implementação, parece inadequado a realidade, o que acaba por distorcer a interpretação. O fato de um país mais atrasado conseguir acompanhar o ritmo da expansão da fronteira denota, por si só, um grande feito e não um movimento involuntário, pois, tal proeza não é, de forma alguma, uma tarefa mecânica ou automática. De fato, a literatura registra muitos exemplos de países que por um tempo estiveram na fronteira do desenvolvimento e por motivos diversos ficaram para trás.40 40 Uma discussão mais detalhada sobre a natureza do progresso tecnológico será feita nos capítulos 5 e 6. 64 3.2.4. Produto Potencial e Exercícios Alternativos Essa última subseção se dedica a apresentar o cálculo do produto potencial, que não é feito no artigo original, mas que sai quase como uma extensão natural da metodologia aplicada. Apresentam-se também exercícios alternativos de contabilidade do crescimento e produto potencial para que se possa avaliar até que ponto, os resultados originais são dependentes dos valores dos parâmetros adotados. A Figura 15, mostra o produto efetivo e o potencial da economia brasileira para o período 1950-2000. Como nessa metodologia não foi feito nenhum ajuste para o grau de utilização do fator capital, o estoque de capital é o mesmo nas séries do produto efetivo e potencial, o mesmo ocorrendo com os dados de escolaridade e da fronteira tecnológica. Logo, as duas séries apresentadas na figura abaixo, diferem somente nos dados da PEA e da PTFD. Para essas duas séries, por falta de melhor opção, aplicou-se o filtro HP. Para a série da PEA, na verdade aplicou-se o filtro à série da razão PEA sobre população total. Por último, as séries do PIB foram multiplicadas pelo número de trabalhadores para se passar do PIB por trabalhador Bilhões de US$ PPC para o PIB total. 1.250 1.150 1.050 950 850 750 650 550 450 350 250 150 19 50 19 52 19 54 19 56 19 58 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 50 PIB potencial (total-HP) PIB efetivo (total) Figura 15 – PIB potencial difere muito pouco do PIB efetivo. 65 O produto potencial, obtido por esse método, possui uma trajetória muito próxima do produto efetivo, principalmente de 1950 até a década de 1980, a partir da qual eles começaram a apresentar uma maior diferença. O hiato médio, em termos relativos, para o período total é de 3%, sendo que o maior e o menor hiato registrado foram respectivamente de 9,2% e 0,2%. Tal resultado é muito mais um subproduto da metodologia empregada, que não ajustou o fator capital pelo seu nível de utilização, do que a reprodução de uma real característica da economia brasileira. Outro fato interessante, que pode ser visto nesse gráfico é que a partir da década de 1980, a economia brasileira apresentou ciclos claramente delineados, isto é, após um momento, onde o produto efetivo se mantém acima do potencial, segue um momento no qual o inverso ocorre. Note que esse resultado é particular a esse exercício, não sendo obtido noutro exercício. Além disso, o fato da economia brasileira se manter acima do potencial por períodos prolongados de tempo, não obstante o hiato positivo acumulado, se coloca em oposição à teoria, que nega a sustentabilidade de tais períodos. Mais intrigante ainda é verificar que isso ocorreu uma vez num período de baixa inflação: 1994 a 1998. É claro, que tal fato pode ser um subproduto (indesejado) desse exercício, o que não nos permite, por enquanto, extrapolar maiores conclusões a partir daí. Feito o cálculo do produto potencial, que surge quase como uma extensão natural do artigo original, o foco agora se volta para a influência das variações dos parâmetros e da base de dados sobre os resultados obtidos no artigo de Pessoa et ali (2003). A Tabela 11 apresenta o mesmo exercício de decomposição do crescimento feito anteriormente, porém, agora sob novas hipóteses para os valores dos parâmetros. Aqui, a taxa de depreciação adotada é de 5%, a parcela do trabalho na renda é de 50% 66 e a taxa de crescimento do progresso técnico é assumida constante e igual a 0,8% ao ano. Tabela 11 – Decomposição logarítmica teórica do crescimento sob hipóteses alternativas 1950-59 1960-69 1970-79 1980-89 1990-00 1950-00 PTFD 76% 81% 43% 393% 18% 16% Fronteira K deepening 21% -7% 24% -28% 24% 43% -56% -139% 48% -45% 38% 13% H 9% 23% -10% -99% 79% 33% Nesse exercício, as conclusões derivadas são distintas. A começar, pela contribuição da fronteira, que é bem menor, evidenciando que esse é um componente determinístico da decomposição e que por construção sua contribuição é sempre positiva e será tanto maior quanto for o valor do parâmetro g. Sob essas novas hipóteses, verifica-se que todos os fatores passaram a contribuir positivamente para o crescimento do PIB no período 1950-00, e que a contribuição foi mais equânime. Portanto, com base na tabela acima não podemos concluir, como os autores fizeram baseados na Tabela 10, de que o Brasil cresceu praticamente por osmose do progresso técnico gerado na fronteira. Quanto à relação capital/ produto, a maior taxa de depreciação do estoque de capital, sem dúvida, influiu para que a contribuição ao crescimento de K/Y diminuísse, reduzindo conseqüentemente o poder explicativo de um movimento de transição, nos termos de Solow, na evolução do PIB brasileiro. Porém, cresceu a importância desse fator para explicar o crescimento das décadas de 1970 e 1980, quando o Brasil empreendeu um esforço de implantação e fortalecimento de indústrias mais capital-intensivas. Por último, vê-se que a PTFD cresceu durante todo o período com exceção apenas da década de 1980. Além disso, nas décadas de 1950, 1960 e 1970 ela foi o principal motor do crescimento brasileiro. 67 Todos esses itens levantados e em especial os dois últimos são muito mais intuitivos e condizentes com os fatos estilizados e as interpretações prevalecentes sobre o desenvolvimento econômico brasileiro. Por exemplo, é de se esperar que de 1950 a 1979, quando a população brasileira estava migrando do campo para a cidade, novas indústrias estavam sendo instaladas no Brasil e novos bens de consumo sendo difundidos, que a PTFD da economia aumentasse. Da mesma maneira, é coerente com o escopo do II PND que a relação capital/ produto se ampliasse. Portanto, ao invés de assumir hipóteses, que são questionáveis e tomar seus resultados como verdades absolutas, um enfoque, onde as hipóteses são escolhidas com base na verossimilhança entre os resultados e a experiência efetiva do Brasil, pode ser uma boa alternativa para se calibrar os parâmetros, dada a incerteza em torno dos mesmos. A maior diferença entre o cálculo feito em Pessôa et ali (2003) e exercícios similares, além da decomposição teórica, está na base de dados usada pelo primeiro, que se justifica uma vez que um objetivo do estudo era fazer uma comparação entre países. Além disso, nesse estudo não se ajusta nenhum fator pelo seu grau de utilização. O motivo não é mencionado no texto, mas certamente, deve estar relacionado com a dificuldade ou impossibilidade de se obter estimativas do grau de utilização para todos esses países de maneira confiável e compatível. Tendo isso em vista, optou-se por aplicar a mesma metodologia de decomposição e os mesmos valores dos parâmetros aos dados de fontes nacionais e ajustados para o grau de utilização. Assim, o PIB e a população total foram extraídos do SCN do IBGE. O estoque de capital foi obtido, multiplicando-se o PIB pela razão capital/ produto apresentada na Figura 13. A série de escolaridade e da razão PEA/ população total foram mantidas. O ajuste para o estoque de capital foi feito com base no NUCI da FGV, já o estoque de trabalho foi ajustado pela taxa de desemprego 68 obtida na PNAD, pois, o Brasil não dispõe de uma série tão longa de desemprego, que cubra o período 1950-00. Por conta disso, o período de análise teve que ser encurtado.41 A Figura 16 traz uma comparação da PTFD obtida originalmente (PTFD1) com a PTFD obtida sob o novo conjunto de dados (PTFD2). 130 120 110 100 90 80 PTFD1 20 00 19 98 19 96 19 94 19 92 19 90 19 88 19 86 19 84 19 82 19 80 19 78 19 76 19 74 19 72 19 70 70 PTFD2 Figura 16 – A PTFD obtida a partir dos dados com ajuste é quase um deslocamento paralelo O ajuste pela utilização do fator capital diminui a contribuição do mesmo ao crescimento, o que automaticamente aumenta a PTFD, uma vez que essa sai por resíduo. A maior diferença entre uma e outra está no nível das séries, uma vez que a taxa de crescimento médio das duas é muito similar (-1,1% contra -1%) e também pelo fato de a PTFD2 apresentar movimentos mais suaves. Tirando essas diferenças, o movimento ao longo do tempo e, portanto, a sua análise, são praticamente iguais. E como que a mudança da base de dados e a correção pela utilização dos fatores altera a decomposição teórica do crescimento? A Tabela 12 traz os novos resultados para que eles possam ser comparados com os números da Tabela 10. 41 Os cálculos foram feitos somente de 1970 a 2000, mas mesmo assim teve se que assumir que a taxa de desemprego de 1970 até 1975, foi igual à de 1976. 69 Tabela 12 – Decomposição logarítmica teórica do crescimento – base de dados alternativa 1970-80 1980-90 1990-00 1970-00 PTFD 41% 357% -73% -135% Fronteira K deepening 46% 23% -107% -51% 79% 26% 121% 52% H -10% -99% 68% 63% A nova base de dados não alterou os resultados de maneira considerável. Como previsto, a contribuição do aumento da relação capital/ produto, o chamado capital deepening, diminuiu. Como contrapartida, a contribuição da PTFD aumentou, apesar de ainda continuar contribuindo negativamente para o crescimento do PIB no período. No quadro geral, a mensagem continua a mesma: a fronteira foi o maior determinante do crescimento brasileiro no período e o desenvolvimento da produtividade local somente atrapalhou. Com base na tabela acima e na visão dos autores do artigo original, tivesse a PTFD ficado estável nesses 30 anos, o crescimento do Brasil teria sido 135% maior. A Figura 17 mostra os resultados do produto potencial por trabalhador, utilizando a nova base de dados e o ajuste para a utilização dos fatores. O período de análise foi estendido até 2004, uma vez que para parte dos dados como PIB e população se dispunha de dados mais atuais. Para outros, teve-se que assumir algumas hipóteses. Para a escolaridade, extrapolou-se a taxa de crescimento da década de 1990. Para o estoque de capital, aplicou-se a mesma taxa de crescimento da relação capital/ produto de Morandi & Reis (2004) e para PEA assumiu-se uma tendência linear. 70 Milhares de R$ de 2003 27 25 1997 1980 23 1976 21 19 17 Efetivo 20 04 20 02 20 00 19 98 19 96 19 94 19 92 19 90 19 88 19 86 19 84 19 82 19 80 19 78 19 76 19 74 19 72 19 70 15 Potencial Figura 17 – PIB potencial por trabalhador A maior diferença fica por conta do tamanho dos hiatos comparado com aqueles obtidos na Figura 15. Para o mesmo período, 1970-2000, o PIB potencial com ajuste e base de dados alternativa apresenta um hiato médio em termos absolutos de 8,1%, enquanto que com os dados originais e sem ajuste o mesmo valor foi de 3,4%. Outra dessemelhança importante é quanto ao comportamento das duas séries. Na Figura 15, chamou-se atenção para a dinâmica de ciclos do PIB efetivo, que ultrapassava o potencial por longos períodos de tempo. Na figura acima, ao contrário, e similarmente ao primeiro exercício, não se verificou nenhum hiato negativo depois de 1980. Além disso, os anos de menor hiato (1986/7 e 1997) coincidem com os do primeiro exercício. Ademais, os comportamentos dos hiatos nesse período e também na década de 1970 são muito mais compatíveis com a história econômica brasileira. 3.3. Modelos Alternativos: Solow-Swan e AK Essa seção, a última do capítulo 3, faz uma resenha de Bacha & Bonelli (2004). Esse artigo tenta entender os determinantes por trás do crescimento brasileiro 71 acelerado nas décadas de 1940 a 1970 e também o porque do baixo crescimento econômico registrado a partir da década de 1980. Para isso, os autores aplicam duas metodologias diferentes aos dados empíricos: o modelo AK e o modelo Solow-Swan (SS), obtendo alguns resultados, que serão analisados adiante. Nas duas próximas subseções, faz-se a descrição dos dados e da metodologia. 3.3.1. Metodologia O trabalho referido difere um pouco daqueles analisados nas seções anteriores, pois, ele não restringe sua análise somente a exercícios de contabilidade do crescimento. O artigo investiga também os determinantes da acumulação de capital e implementa um modelo do tipo Y=AK. Por isso, o número de séries requeridas é um pouco maior e distinta dos exercícios precedentes. Comecemos, entretanto, pelas séries mais usuais. A série do estoque de capital, utilizado pelos autores, é aquela construída em Morandi & Reis (2004), que abrange todo o período do estudo: 1940 a 2002. Nesse artigo, porém, o estoque de capital no ano t é uma média geométrica do estoque de capital em Morandi & Reis (2004) nos anos t e t-1. A taxa de depreciação utilizada, quando necessária, também foi estimada no mesmo paper em que se obteve o estoque de capital. Ela varia entre 3,5% e 4% do estoque líquido de capital, sendo sua média para o período de 1951 a 2004, equivalente a 3,73%. O estoque de capital também é ajustado pelo seu grau de utilização, porém, nesse texto, os autores incorporam, de certa forma, as críticas ao ajuste puro e simples pelo NUCI da FGV e propõem uma correção alternativa. Segundo eles, certos setores da atividade econômica, como administração pública, agricultura e aluguéis operam, 72 por definição, sempre ao nível de pleno emprego. Esses setores representariam em média, para o período do estudo, 35% do PIB quando visto pela ótica da oferta. A utilização do restante do estoque de capital da economia variaria de acordo com o nível de utilização da capacidade da indústria, cuja melhor aproximação é o NUCI da FGV. O grau de utilização é descrito, portanto, pela Equação (35). UC = 0,35×1 + 0,65× NUCI ( FGV ) (35) O NUCI da FGV só foi calculado a partir de 1968. Logo, os autores tiveram que estimar uma equação para o mesmo para poder inferir seu valor nos anos de 1940 a 1968. Por último, a série obtida foi normalizada, com o nível de utilização de 1973, o maior da série, sendo igualado a 100%. A construção da série de trabalhadores empregados desde 1940, sem dúvida alguma, é a tarefa mais difícil. Os autores usam uma série decenal de empregados em relação a PIA (População em Idade Ativa), pois, tais dados só estão disponíveis para os anos dos censos demográficos brasileiros. Para se interpolar essa série e obter assim dados anuais de trabalhadores empregados, os autores optaram por uma metodologia distinta da interpolação linear simples. A variação anual do número de empregados foi obtida multiplicando-se a elasticidade emprego capital (que pode ser calculada somente para os anos de censo) pela variação anual do capital utilizado. A vantagem desse procedimento, segundo os autores, é que emprego e estoque de capital passam a apresentar comportamentos relacionados ao longo do ciclo, além de se preservar os dados decenais obtidos do censo. As duas últimas séries usadas no artigo são a taxa de poupança e o preço relativo do investimento. A taxa de poupança, pelas identidades das contas nacionais, é igual à taxa de investimento da economia. Por último, o preço relativo do 73 investimento é a razão do deflator da FBCF e do deflator do PIB, ambos obtidos do SCN, tomando o ano de 2000 como ano base. 3.3.2. Equações Como dito no começo dessa seção, o principal objetivo do artigo é investigar as causas das crescentes taxas de crescimento do PIB brasileiro e da conseqüente queda da mesma, a partir de meados da década de 1980. Com esse objetivo em mente, os autores traçaram um roteiro de pesquisa que averigua possíveis fatores explicativos como a acumulação de capital, a taxa de poupança e o preço relativo do investimento. O artigo se aprofunda na investigação do comportamento da acumulação de capital, pois, esse parece ser a principal razão da queda da taxa de crescimento. Para isso, deriva-se uma equação dos determinantes da acumulação de capital. O ponto de partida é a Equação (36), que descreve a taxa de crescimento do estoque de capital ( K& ). I K& = − δ K (36) Essa depende positivamente do investimento e negativamente da depreciação. Dividindo-se e multiplicando-se por Y a taxa de investimento (I/K), a equação pode ser reescrita como em (37). I I Y = ⋅ K Y K (37) Por sua vez, (I/Y) também pode ser escrito de outra maneira se dividido e multiplicado por (Py/Pi), que é a razão entre o preço do produto e o preço do investimento. 74 I Pi ⋅ I P y = ⋅ Y P y ⋅Y Pi (38) O primeiro termo no lado direito da Equação (38) é a taxa de investimento em termos nominais, que pela identidade das contas nacionais pode ser escrita como a taxa de poupança (S). O segundo termo, por sua vez, é o inverso do preço relativo do investimento, ao qual chamaremos de p. Assim, a equação acima simplifica para. I 1 = s⋅ Y p (39) O Termo (Y/K) na Equação (37), também pode ser reescrito de outra maneira se multiplicado e dividido pelo nível de utilização da economia (u). O termo entre parênteses na Equação (40) nada mais é do que o inverso da famigerada relação capital/ produto efetiva, já mostrada anteriormente, e aqui referida pela letra (v). Y Y = u ⋅ K u⋅K (40) Substituindo as Equações (40) e (39) em (37) e a resultante delas depois em (36), obtemos a Equação final (41), que descreve os determinantes da taxa de acumulação de capital, a saber: taxa de poupança, preço do investimento, utilização da capacidade, razão produto/ capital efetivo e taxa de depreciação. 1 K& = s ⋅ ⋅ u ⋅ v − δ p (41) Após construírem uma matriz de correlações, os autores verificam, que o preço do investimento e a relação produto/ capital efetiva apresentam as maiores correlações com a taxa de acumulação de capital e alta correlação entre si, passando, então, a investigar mais apuradamente essas duas séries. 75 O comportamento delas no período de análise é completamente distinto. O preço relativo do investimento (p), após um período inicial de queda até 1952, apresenta uma tendência clara de elevação, enquanto a relação produto/ capital efetiva cai ao longo do período. Uma das possíveis explicações levantadas para a queda de v, ou igualmente para o aumento da relação capital/ produto é de que o Brasil estaria convergindo em direção a um estado estacionário de Solow, partindo de um estoque de capital menor do que o de equilíbrio. Para testar tal hipótese, calculou-se a taxa de crescimento do estoque de capital num suposto estado estacionário. Nesse caso, ela seria igual a taxa de crescimento do progresso técnico e da força de trabalho, que também é a taxa a qual o produto total da economia evolui. & & K& ss = A + N (42) A taxa de crescimento do estoque de capital no estado estacionário está resumida na Equação (42). A taxa do progresso técnico foi obtida como resíduo, num exercício de decomposição do crescimento, com SK igual a 0,5 e as séries anteriormente comentadas. Substituindo (42) na Equação (41), obtém-se o valor da relação produto/ capital efetiva no estado estacionário (vss), como mostra (43). v ss = A& + N& +δ ⋅p s⋅u (43) A comparação das séries de v e vss, mostra, que realmente o Brasil está num momento de transição, o que justifica a queda em v. Além disso, os autores estimaram uma equação para essa trajetória de ajustamento que mostrou, que esse movimento é bem lento. 76 O paper direciona-se, em seguida, à exercícios de decomposição do crescimento do PIB. O primeiro modelo usado é um modelo do tipo Y=AK, cuja FP está descrita na Equação (44). 1−α ~ Y = (u ⋅ K )α ⋅ A ⋅h ⋅ L ( ) (44) Y, K, L, u e α representam as variáveis usuais ao passo que à representa o progresso tecnológico exógeno e h é a habilidade ou qualificação contida no fator trabalho. Supõe-se que a habilidade do trabalho é dada pela quantidade produzida, ou seja, ela é proporcional à relação capital/ trabalho efetiva. K h = u ⋅ L (45) Substituindo (45) em (44), a FP simplifica-se para a Equação (46), onde v não é a relação produto/ capital efetiva, mas sim uma transformação de Ã, (v=Ã1-α). Y = v ⋅u ⋅ K (46) Essa equação é decomposta aditivamente em termos de taxas de crescimento, como mostra (47), para se proceder com o exercício. Y& = v& + u& + K& (47) O segundo modelo teórico usado para se decompor o produto é o modelo de Solow, que parte da seguinte FP. Y = (u ⋅ K )α ⋅ ( A⋅ L )1−α (48) Multiplicando-se e dividindo-se essa FP por (AL)α, obtém-se a Equação (49). u ⋅ K Y = A ⋅ L α 1−α 1−α ⋅ A⋅ L 77 (49) Chamando o termo entre colchetes de (1/v), que é apenas uma função da razão capital/ trabalho efetiva e assumindo α igual a 0,5; a expressão acima simplifica-se para a Equação (50)a, ou em termos de taxas de crescimento, na Equação (50)b. 1 Y = ⋅ A⋅ L v (a) (50) 1& & & & Y = + A + L v (b) Essa última equação mostra que fora do estado estacionário, o capital deepening também explica o crescimento do PIB, juntamente com as usuais taxas de progresso técnico e crescimento da população. 3.3.3. Conclusões e Reflexões O artigo oferece várias conclusões, implicações e desdobramentos de sua análise. Aqui serão comentados apenas aqueles pertinentes ao tema dessa dissertação. Em primeiro lugar, a Tabela 13, traz os resultados do exercício de decomposição do crescimento, no enfoque do modelo de Solow, feito no artigo, de acordo com a Equação (50)b. Tabela 13 – Decomposição do produto - modelo de Solow (apud Pessoa et Ali, 2003) 1942-52 1952-65 1965-74 1974-84 1984-93 1993-02 Y' 0,069 0,064 0,095 0,039 0,025 0,027 (1/v)' 0,011 0,008 0,002 0,026 0,008 -0,001 L' 0,021 0,024 0,034 0,031 0,025 0,016 A' 0,035 0,031 0,057 -0,017 -0,008 0,012 A'/Y' 51,1% 47,9% 59,6% -43,5% -32,0% 43,1% Dois fatos chamam atenção por si só e também por estarem em concordância com os resultados mostrado na Tabela 10. O primeiro deles diz respeito à contribuição da PTF para o crescimento. Assim como no exercício da seção anterior, a PTF 78 contribuiu fortemente para o crescimento até meados da década de 1970, atuando no sentido oposto, nos 20 anos seguintes, aproximadamente, para depois apresentar uma leve recuperação no período mais recente. Além disso, vimos que o capital deepening foi uma variável relevante para explicar o crescimento durante todos os períodos com exceção do último. Porém, sua contribuição mais primaz, assim como no outro exercício, foi em meados da década de 1970 e início dos 80, coincidindo em grande parte com o período do II PND. Os resultados acima, apesar de relevantes, não são o ponto central da conclusão do artigo. A contribuição mais relevante, sem dúvida, é a explicação tentativa que os autores oferecem para a queda das taxas de crescimento do PIB desde meados da década de 1980 e que se prolonga até hoje. Grosso modo, eles postulam que a contrapartida de uma relação produto/ capital efetiva (v) cadente foi o aumento do preço relativo do investimento. A acumulação e aceleração dessa dinâmica teriam resultado na queda das taxas de acumulação de capital, que por sua vez redundaram na queda das taxas de crescimento do PIB. A origem da queda de v estaria no modelo brasileiro de desenvolvimento, a ISI (Industrialização por Substituição de Importações), caracterizada como um modelo de economia orientada internamente e que gerava ineficiências, por proteger os produtores locais. Essas características se acentuaram ao longo do tempo, principalmente no governo militar e depois dos choques do petróleo. Tudo isso, na visão dos dois autores, também levou a uma diminuição progressiva da taxa de progresso técnico, a PTF, que em última instância se tornou negativa por duas décadas. 79 Bacha & Bonelli (2004) afirma ainda que o II PND foi o paroxismo de todo esse processo, levando ao entupimento dos mecanismos de transmissão do crescimento econômico. O crescimento verificado no período 1974-84, ainda que relativamente elevado, logrou-se as custas de um aumento na relação capital/ produto, financiada por endividamento externo e aumento da força de trabalho empregada. Em resumo, os autores acreditam, que uma resposta mais sensata aos choques econômicos de 1970, teria evitado que a dinâmica descrita acima desaguasse no tombo experimentado pela acumulação de capital. Essa conclusão tentativa, apesar de fundamentada em dados empíricos e gozar de certa lógica e plausibilidade, não passa por certas contraprovas empíricas, pelo confronto com outros diagnósticos do período, consagrados na literatura, e pela experiência vivida em outros países semelhantes. De forma alguma, os argumentos arrolados em seguida são motivos para se abandonar tal explicação, muito pelo contrário, esforços devem ser feitos para torná-la mais geral e compatível com os mais diversos aspectos da realidade empírica. Os autores, como dito acima, postulam que a queda em v, ou igualmente o aumento da relação capital/ produto, tem relação com a natureza do modelo de ISI seguido pelo Brasil. A ISI, com certeza, atuou para reduzir v (ou aumentar a relação K/Y), porém, isso não é uma exclusividade do modelo específico do Brasil, tampouco é por si só um fato ruim. O aumento da intensidade do capital é uma característica estrutural dos processos de industrialização, como o brasileiro, que partem das indústrias leves de bens de consumo até a implantação do setor produtor de bens intermediários e bens de produção. Note que não há nada a priori ou automático, que ligue a natureza do progresso técnico à relação K/Y. Ademais, como o próprio artigo 80 mostra, a perspectiva internacional e uma dinâmica de transição no modelo de Solow, e não só a ISI, também explicam a queda em v. Atack et ali (2003), usando dados ao nível da firma para a indústria manufatureira dos EUA, obteve um aumento real de 70% na relação capital/ produto entre 1850 e 1880. Caselli & Tenreyro (2005), analisando o processo de convergência entre os países da União Européia, mostra que o aumento da PTF e da relação capital/ produto são os dois principais fatores, que explicam, no referencial do modelo de Solow, a convergência entre os países mais atrasados e a França, país escolhido como referência. De fato, quase 50% da redução do hiato de Espanha e Portugal em relação à França se deve ao capital deepening. O outro elo do argumento exposto acima, de que o aumento do preço relativo do investimento (p) é um entrave ao crescimento, é indubitavelmente uma questão enigmática da economia brasileira. Entretanto, o enigma acerca dessa questão é muito maior. Vários autores já se debruçaram sobre ela, sem que obtivéssemos até hoje alguma explicação confortável. E pior, não há consenso sequer sobre se o preço relativo do investimento está subindo de fato e sobre o seu poder de afetar o investimento. Frischtak & Cavalcanti (2005) mostra que o preço dos bens de capital em relação aos preços industriais médios apresenta uma tendência de queda, que se reforçou a partir da década de 1990. Por outro lado, Souza (2004) mostra que o preço relativo do investimento, medido pelos deflatores das CN, está subindo devido ao aumento do preço dos bens da construção civil, uma vez que o preço de máquinas e equipamentos vem caindo, ainda que em ritmo menor do que no resto do mundo. Quanto ao efeito do preço relativo do investimento sobre o mesmo, também não há consenso. A literatura empírica, aplicada ao caso brasileiro, oferece resultados 81 que substanciam os dois argumentos extremos. Frischtak & Cavalcanti (2003) traz resultados, onde o preço real de máquinas e equipamentos: domésticos e importados explicam, junto com outros fatores, a taxa de investimento em máquinas e equipamentos, tanto domésticos quanto importados. Lélis (2005), ao contrário, não aceita, aos níveis de significância usuais, a hipótese nula de que os coeficientes das variáveis de preço do investimento sejam diferentes de zero, num modelo onde a variável dependente é a Formação Bruta de Capital Fixo em máquinas e equipamentos. Tampouco, é correto atribuir ao II PND e sua estratégia de aprofundar a industrialização brasileira, o golpe final que teria travado o crescimento brasileiro. A Tabela 14, mostra a variação da relação capital/ produto e do preço relativo do investimento para a Coréia, obtido na PWT e em Pessôa et ali (2003). A periodização é feita de acordo com os planos qüinqüenais de desenvolvimento coreano. Tabela 14 – Relação K/Y sobe mais fortemente na época do 4º Plano (1977-81) Taxa de Crescimento Acumulada no Período Relação K/Y Preço Relat do Investimento 1962-66 1º Plano -9,82% -13,09% 1967-71 2º Plano 9,40% 7,66% 1972-76 3º Plano 6,02% -8,03% 1977-81 4º Plano 38,15% 2,46% 1982-86 5º Plano 2,80% 9,47% 1953-00 157,98% -12,99% Fonte: (Heston et Ali, 2002), (Pessôa et Ali, 2003) Fica claro que a relação capital/ produto subiu ao longo do processo de industrialização coreano e que o preço relativo do investimento não subiu concomitantemente, de fato, ele até caiu no mesmo período. Isso levanta dúvidas à explicação, sem descartá-la totalmente, que postula uma relação entre o aumento em K/Y (ou queda em v) e o aumento do preço relativo do investimento no Brasil. Mais intrigante ainda é verificar que o maior aumento da relação capital/ produto ocorreu justamente durante o quarto plano que foi empreendido quase que 82 simultaneamente ao II PND e cuja prioridade, entre outras, foi a promoção da indústria química e pesada, como mostram a Figura 18 e as passagens abaixo, extraídas da íntegra do plano coreano. “Enquanto que o crescimento passado da Coréia foi liderado por uma rápida expansão das exportações intensivas em trabalho, no futuro, a ênfase deve ser direcionada às indústrias intensivas em trabalho qualificado, para manter o crescimento contínuo… Como resultado dessa mudança de foco, a proporção das indústrias química e pesada na manufatura total irá aumentar de 42% para 50%.” [Korea, 1976, p. 11]. “Ênfase será colocada nas indústrias intensivas em trabalho qualificado como máquinas, eletrônicos e construção naval durante o período do plano. Indústrias capital intensivas como ferro e aço, metais não-ferrosos e petroquímicas serão estabelecidas em escala grande suficiente para garantir competitividade internacional.” [Korea, 1976, p. 42]. Brasil X X Setores Coréia Bens de Capital X Cimento X Construção Naval X Defensivos agrícolas X Eletrônica de Base X X Fertilizantes X X Mat. Prima p/ Fármacos X Metais Não-ferrosos X X Novas Fontes de Energia X X Petroquímica X X Papel e Celulose X X Siderurgia X X Têxtil X Vidros Planos X Fonte: II PND, 3º e 4ºPlano. Elaboração do autor Figura 18 – Brasil e Coréia priorizaram o desenvolvimento das mesmas indústrias no período do II PND O endividamento externo também não é o fator que diferencia a industrialização brasileira e coreana do período e que, portanto, seria um candidato 83 para explicar o porque do aumento do preço do investimento no Brasil. O volume de empréstimos externos coreanos saltou de US$ 2 bilhões em 1970 para US$ 20 Bilhões em 1979 (Chun, 2002). Para o mesmo período, a dívida externa bruta brasileira se elevou de US$ 5,3 Bilhões para US$ 49,9 Bilhões. Como mostram os dados, Brasil e Coréia se endividaram no exterior para avançar na industrialização nesse período. Há ainda muitas nuances entre a experiência coreana e brasileira, que não são exploradas aqui. Acredita-se que os pontos descritos acima tenham ajudado a ilustrar que a experiência histórica brasileira é muito singular e complexa e que a explicação tentativa fornecida pelos autores não dá conta de explicar por completo todos os fatos macroeconômicos do período. Por último, o artigo ainda traz as estimativas para o crescimento potencial do PIB brasileiro num futuro próximo. De acordo com o modelo AK, a taxa de crescimento potencial do estoque de capital é 2,1%. Já o modelo de Solow fornece uma taxa de crescimento do PIB no estado estacionário de 4,3%. Como o estoque de capital cresce a uma taxa menor do que a dada pelo modelo de Solow, no curto prazo a taxa de crescimento potencial será uma média dessas duas que pode ser calculada a partir da Equação (48), o que fornece uma taxa de crescimento potencial de 3,2%. A Tabela 15 traz uma comparação resumida das principais características dos exercícios de contabilidade do crescimento e produto potencial feitos nessa seção e nas duas anteriores Tabela 15 – Quadro resumo dos exercícios do capítulo 3 84 Método Silva Filho (2001) Seção 3.1 F.P. Cobb-Douglas α 1-α Yt = At. K t-1. L t Pessôa et ali (2004) Bacha & Bonelli (2004) Seção 3.2 Seção 3.3 F.P. Cobb-Douglas, PTF Y = AK e modelo é Harrod neutra Solow-Swan Período 1980-2003 1950-2000 1940-2002 Dados SCN, PNAD e FGV PWT e IBGE para PEA empregada SCN e FGV Somente em L Em L e K com ajuste parcial pelo NUCI/FGV Correção para Em ambos os fatores (K e Utilização L) Participação do K na renda 0,49 0,60 0,50 Estoque de K e K inicial Método do Inventário Perpétuo (PIM) PIM e Morandi & Reis (2004) Média geométrica de Morandi & Reis (2004) Taxa de depreciação 5% 3,50% variável entre 3,5% e 4% 3.4. O Papel da Aplicação desses Modelos ao Caso Brasileiro Uma vez feita essa resenha ampliada da literatura empírica brasileira acerca do produto potencial da economia, a pergunta que se coloca é sobre que papel, que crédito se pode dar a tais medidas na formulação da política monetária. Ou seja, há restrições específicas ao caso brasileiro no uso do hiato do produto como insumo para a definição da política monetária? Para se responder a tal pergunta, deve-se levar em conta que todos os modelos apresentados nesse capítulo, utilizam-se da trajetória passada da economia para construir o potencial futuro de crescimento. Isto é, eles partem da hipótese de que se pode inferir o comportamento futuro da economia brasileira, a partir do seu desempenho pregresso. Tal hipótese não seria um grande problema se esse passado da economia, notadamente as décadas de 1980 e 1990, fossem informativas sobre o comportamento da economia no momento atual. Grosso modo, todos esses modelos seriam mais 85 relevantes e úteis, se os ciclos da economia na década de 1980 e 1990 tivessem sido ditados por descompassos entre oferta e demanda. Porém, como se sabe, as quedas do nível de atividade nessas duas décadas, em raros momentos, foram reflexos de apertos monetários decorrentes de um superaquecimento da demanda, e mesmo nos momentos, onde o desbalanço entre oferta e demanda poderia gerar pressões inflacionárias, esse fator não foi o único determinante da reversão do momento de crescimento econômico. Por exemplo, na primeira metade da década de 1980, a recessão foi causada pelo ambiente externo, caracterizado pela elevação dos juros americanos, que determinou um ajuste externo forçado na economia brasileira. Já no período PósPlano Cruzado, realmente se vivenciou um momento de aquecimento da demanda. Contudo, esse não foi o único fator a gerar inflação. Muitos setores, que foram pegos no contrapé pelo congelamento, reduziram a quantidade ofertada, uma vez que ao preço tabelado sua atividade não era lucrativa. Isso foi especialmente importante no caso dos produtores agrícolas, onde a diferença entre os preços na safra e entressafra é significativa e naquela época o era em proporções maiores do que atualmente. Portanto, a inflação Pós-Cruzado não pode ser atribuída exclusivamente ao excesso de demanda. Depois do Plano Cruzado, a inflação assumiu uma dinâmica própria aceleracionista e o país passou a flertar com a hiperinflação. Os ciclos da atividade econômica passaram a ser ditado pelas tentativas de controle da inflação. Assim, num primeiro momento logo após o plano havia uma euforia de consumo, devido a fugaz estabilidade de preços. A aceleração da inflação, em seguida, trazia mecanismo recessivos como a erosão dos salários, além dos demais efeitos deletérios da alta inflação, que em conjunto determinavam o arrefecimento econômico. 86 O Plano Collor e o período no qual o ex-ministro Marcílio Marques Moreira esteve a frente do Ministério da Fazenda, tampouco pode ter a sua recessão associada com descompassos entre oferta e demanda. No primeiro, a recessão, que já vinha do governo anterior, foi causada por um aperto na liquidez promovido para combater a inflação e no segundo, o baixo crescimento do PIB foi ocasionado pelas altas taxas de juros utilizadas para quebrar a dinâmica de superindexação da economia brasileira. O período que coincide com o início do primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique foi o segundo e último momento, durante as décadas de 1980 e 1990, onde se verificou um forte aumento da demanda, que poderia gerar pressões inflacionárias. De fato, o governo tomou algumas medidas para restringir o crédito, porém, o aumento dos juros decretado não foi única e exclusivamente para deter o consumo, mas também e primordialmente para defender a paridade da taxa de câmbio, posta em dúvida pela crise mexicana. Todos os ciclos posteriores de alta dos juros e de “stop and go” da economia brasileira, até a eleição presidencial de 2002, foram motivados não por um excesso de demanda, mas por mecanismos de defesa da paridade da taxa de câmbio (até 1999), por problemas setoriais de restrição de oferta (crise energética), entre outros motivos. Um dos resultados obtidos e também dos mais utilizados e mencionados dessa metodologia é o pífio desempenho ex-post da produtividade, verificado nas décadas de 1980 e 1990. Porém, se a produtividade é dada pelas máquinas e processos utilizados na fabricação, não há motivos para se supor, a não ser por uma realocação setorial de fatores ou por uma não-utilização das máquinas, que a produtividade ex- ante apresente quedas da magnitude, que são encontradas nos exercícios feitos nos três artigos resenhados. Portanto, fica difícil negar a existência de um componente pró-cíclico nessa medida de produtividade. 87 A razão por trás disso está no fato de se fazer uma leitura (contabilização) ex- post pelo lado da oferta da trajetória efetiva da economia, quando essa na verdade se deu pela interação de elementos da oferta e da demanda. Dessa maneira, no caso brasileiro, o papel explicativo dado á crise da dívida, á quase hiperinflação quase somem e argumentos pelo lado da oferta, como um choque tecnológico negativo, ganham ampliada relevância. Essa baixa taxa de crescimento da PTF é depois apontada, numa pseudocausalidade, pois, há uma inversão de sentido da causação, como a principal responsável pela baixa taxa de crescimento do potencial. A inversão ocorre, pois, para se obter a PTF são necessários dados de produto, capital e trabalho e depois a mesma PTF vira um determinante junto com o capital e o trabalho do produto potencial. Em resumo, o uso desses métodos tem que ser relativizado, pois, a última vez em que os limites do crescimento pelo lado da oferta foram testados na prática, o que logicamente permitiria usá-los como um bom guia para o futuro, foi na década de 1970. A famigerada taxa de crescimento do PIB Potencial de 3% a 3,5%; é, portanto, a taxa que a economia brasileira pode se expandir se o cenário futuro for de uma mera repetição dos problemas enfrentados no passado. Caso se acredite, que muitos desses problemas já foram resolvidos ou se encontram, ao menos de certa forma, encaminhados a perspectiva é de um cenário qualitativamente distinto e mais promissor. Logo, há razões para se supor que em tal cenário, uma taxa de crescimento do PIB potencial de 3% estaria subestimando o real potencial da economia. Outro ponto intrigante notado nos cálculos de produto potencial, tanto nas seções desse capítulo como nos cálculos a serem apresentados no próximo capítulo, é o fato de que o produto potencial, após 1980, ficou sistematicamente acima do efetivo e nenhum mecanismo de correção da própria economia atuou para diminuir esse hiato. 88 Intuitivamente, isso corresponde a dizer que os ofertantes erraram suas previsões quanto a demanda esperada nos momento anteriores e mesmo assim não incorporaram esses erros na hora de planejar a oferta no momento atual. Tal fato contradiz pressupostos da teoria neoclássica como a racionalidade substantiva dos agentes e qualquer forma de expectativa embutida nos agentes, seja ela racional ou adaptativa. 4. Modelos Avançados de Produto Potencial Esse capítulo apresenta dois novos métodos, baseados em Hulten (1973) e Giorno et ali (1995), para se fazer a contabilidade do crescimento e o cálculo do produto potencial. A intenção é modificar os cálculos apresentados no capítulo anterior, incorporando algumas críticas existentes na literatura sobre o tema, avançando, assim, na direção de se obter cálculos mais condizentes com a realidade. É nesse sentido, que os modelos podem ser chamados de avançados. Na primeira seção, apresenta-se um exercício de contabilidade do crescimento, no qual se contabiliza a importância total da mudança tecnológica para o crescimento do produto, através da definição de uma taxa de progresso técnico de longo prazo de Fischer. Também nessa seção, é apresentada uma nova forma de calcular a PTF potencial: a chamada PTF Vintage. Na segunda seção, explora-se uma segunda alternativa para o cálculo do produto potencial, dessa vez utilizando-se dos conceitos de estoque de capital e de trabalho vintage. 4.1. Taxa de Progresso Técnico de Fischer e PTF Vintage O objetivo dessa seção era apresentar para a mesma base de dados com o período de tempo mais longo possível um exercício, onde a contabilidade do 89 crescimento fosse feita, permitindo-se a reprodutibilidade do capital, garantindo, assim, uma decomposição correta do crescimento entre mudança tecnológica e acumulação de capital. Em seguida, o PIB potencial seria calculado, utilizando-se um novo conceito de PTF, que descarta tratamentos puramente estatísticos. Devido à falta de séries longas para alguns dados necessários e a problemas econométricos, essa intenção teve que ser abandonada. Assim, optou-se por apresentar esses dois novos métodos com diferentes bases de dados, como ver-se-á nas duas subseções seguintes. 4.1.1. Contabilidade do Crescimento e a Reprodutibilidade do Capital Os exercícios de contabilidade do crescimento mais simples, como aquele feito na Seção 3.1, tendem a superestimar a real contribuição do fator capital para o crescimento do PIB. Isso acontece porque eles tratam o crescimento do estoque de capital como algo exógeno, tornando, portanto, estático o modelo, uma vez que o crescimento da PTF ou de outro fator qualquer, não gera um efeito de realimentação na FP. Na Seção 3.2, apresentou-se um modelo ligeiramente modificado, contudo ainda de caráter estático. Nele, o progresso técnico era do tipo Harrod neutro, pois, a relação capital/ produto era mantida constante. Assim, aumentos no estoque de capital, que são induzidos pelo aumento da PTF, uma vez que o estoque de capital aumenta para manter a relação K/Y constante, foram contabilizados como contribuição da PTF. Note que no exercício da Seção 3.2 e no exercício a ser desenvolvido nessa seção, uma maior (ou menor) contribuição do estoque de capital para o crescimento do produto, não implica, que o estoque de capital medido também tenha sido menor 90 ou maior. O crescimento do estoque de capital é o mesmo em todos os exercícios. A diferença entre os exercícios de contabilidade do crescimento feitos nessa dissertação é a concepção teórica acerca da origem dessa adição ao estoque de capital, que faz com que parte da contribuição tradicionalmente atribuída ao capital, seja então atribuída ao progresso técnico. Em suma, deve-se tomar cuidado para não confundir o crescimento do estoque de um fator com a contribuição desse mesmo fator para o crescimento do produto. Nessa seção, apresentar-se-á então, uma forma de captar o efeito dinâmico de causação entre progresso técnico e acumulação de capital, permitindo no modelo a reprodutibilidade do capital. Ou seja, nesse modelo, onde o capital é insumo e produto ao mesmo tempo, o aumento do estoque de capital não ocorre apenas por uma decisão exógena como nos modelos estáticos. Nesse modelo, um aumento da produtividade, aumenta o produto, ou seja, o estoque de capital, que por sua vez aumenta o produto novamente e assim sucessivamente até que novas adições de capital se igualem ao montante da depreciação e a economia repouse em um novo equilíbrio. Suponha que o progresso técnico faça a função de produção se deslocar para cima num movimento único e permanente, acarretando um aumento do produto potencial dessa economia, devido a maior produtividade da mesma. Nessa mesma economia, suposta fechada e sem governo, esse aumento do produto será distribuído entre consumo e poupança (ou investimento), sendo a parcela e o tamanho de cada um dado pela PMgC (Propensão Marginal a Consumir) e pelo multiplicador. Esse aumento do investimento acarreta uma ampliação correspondente do estoque de capital e, portanto, não deve ser contabilizado sob o fator capital e sim na parcela da PTF. Aumentos no estoque de capital, ocasionados por uma mudança na PMgC, é que 91 devem ser contabilizados sob o fator capital, nos exercícios de contabilidade do crescimento. Dessa forma, mede-se, portanto, o progresso tecnológico ao longo da trajetória de equilíbrio de longo prazo. A explicação dada acima fica mais clara, recorrendo-se à ilustração da Figura 19. Nela, a fronteira de produção é representada pelas linhas côncavas (de cor azul) e no eixo horizontal e vertical mede-se respectivamente o capital por trabalhador e o produto por trabalhador. B V1/L0 Produto/ Trabalhador C V0/L0 A D E K0/L0 K1/L0 Capital/ Trabalhador Figura 19 - Trajetória de crescimento equilibrado de longo prazo O aumento da produtividade se traduz num deslocamento para cima da fronteira de produção e o ponto de equilíbrio da economia move-se de A para B. O aumento total do produto é dado pelo segmento BD. Num exercício ordinário de decomposição, o crescimento da economia (BD) poderia ser decomposto em uma 92 parcela decorrente da acumulação de capital, o segmento CD, e uma outra decorrente do progresso técnico, representada pelo segmento BC. Na decomposição do crescimento proposta nesse exercício, todo o crescimento do produto acima, representado pelo segmento BD, é contabilizado como sendo decorrente do progresso técnico. A taxa de progresso técnico, chamada em Hulten (1975), de taxa de longo prazo de Fischer é dada pela razão BE/ DE, medindo assim corretamente a importância total do progresso técnico no crescimento. Já a taxa do progresso técnico de Hicks é dada pela razão BE/ CE. Os segmentos BC e CD, apesar de representarem o efeito total do progresso técnico, possuem origens distintas. Eles representam respectivamente o efeito puro da PTF e o efeito da acumulação de capital induzida pela PTF. A Figura 19 expressa uma situação extrema, onde toda a acumulação de capital foi induzida pelo progresso técnico, devido a propósitos exclusivamente didáticos. Esse método, porém, não exclui a possibilidade do estoque de capital se ampliar por outras razões, sendo essa parcela conseqüentemente atribuída ao fator capital como sua contribuição ao crescimento do produto. Uma vez feito esse aparte teórico, pode-se passar ao exercício de contabilidade do crescimento, propriamente dito. Como o intuito é aplicar um cálculo totalmente novo ao caso brasileiro, buscaram-se as séries de dados mais longas possíveis. O exercício abrange então, o período de 1940 até 2003. Os dados de estoque de capital foram extraídos de Morandi & Reis (2004) e os dados de utilização da capacidade, para o período anterior ao início da pesquisa da FGV, foram obtidos em Bacha & Bonelli (2004). Os dados de PIB, população e emprego são do IBGE42. Além disso, 42 Como os dados de emprego entre 1940 e 1970, só estão disponíveis para os anos de censo, fez-se uma interpolação linear similar à aplicada em Bacha & Bonelli (2004), utilizando-se, porém, a elasticidade produto-emprego. 93 supõe-se que a parcela do capital na renda é igual a 0,5 e a elasticidade de substituição entre os fatores é 1. A metodologia por trás da correção proposta foi explicada e mostrada graficamente acima, contudo, a operacionalização da mesma, através do método gráfico, não é facilmente implementável. Para fazer isso, tem que se recorrer a algumas equações. Como foi dito anteriormente, a taxa de progresso técnico de longo prazo de Fischer é aquela obtida a partir de um plano de consumo ótimo. Logo, a derivação dessa correção deve partir de uma função de utilidade como a descrita em (51), onde c é o consumo per capita e a é um fator de desconto subjetivo.43 U= ∞ t ∑ a ⋅u t =0 (ct ) (51) A dotação inicial de fatores é dada por K0 unidades do bem, pois, capital (K) é insumo e produto, e L0 unidades de serviço do trabalho. L cresce exogenamente por um fator constante e positivo: n. Lt +1 = n ⋅ Lt (52) A tecnologia é de retornos constantes e pode ser resumida na Equação (53). K t +1 = F (K t −C t , Lt ) (53) Ou seja, a dotação no período t+1 é função da dotação não consumida do período anterior e do insumo trabalho no período anterior. Expressando (53) em termos per capita, isto é, dividindo tudo por Lt, obtém-se a Equação (54). 44 0 ≤ a ≤ 1; u′ ≥ 0; u′′ ≤ 0, ∀ ct ≥ 0 1 1 44 A função f tem as seguintes propriedades: f ′ ≥ , f ′′ ≤ 0, f (0 ) = 0, f ′(0 ) = ∞, f ′(∞ ) = n n 43 Propriedades da Equação (51): 94 K t C t Lt k t +1 = f (k t −ct ) = f − , = Lt Lt Lt f K t − C t ,1 Lt Lt Manipulando a Equação (52), pode-se expressar Lt como (54) Lt +1 n e modificar assim a equação acima. K t C t Lt +1 1 − , = f (k t − ct ,1) k t +1 = f (k t −ct ) = f n L L t +1 t +1 n (55) O programa de consumo ótimo é, então, a solução do problema de otimização condicionada, descrito em (56). max U = ∑ at ⋅u (ct )s.a.k t +1 = f (k t − ct ) (56) A condição necessária para o extremo é que a derivada da equação de Lagrange seja igual a 0, isto é, que as taxas marginais de substituição na produção e no consumo devem ser iguais, como exposto em (57). u ′(ct ) = f ′(k t − ct ) a⋅u ′(ct +1) (57) Dada as propriedades de u e de f, a condição necessária é também suficiente. Os valores que solucionam (57) são os valores estacionários de kt e ct, ou seja, aqueles em que k t +1 = k t e ct +1 = ct . Logo, a Equação (55) pode ser reescrita como: ( k = f k −c ) (58) E como os valores que satisfazem (57) são os valores estacionários, decorre que u ′(ct ) = u ′(ct +1) . Então, a condição necessária e suficiente simplifica para (59). 1 = f ′ k −c a ( ) (59) Introduzindo a hipótese de mudança técnica, a tecnologia é descrita por uma variação da Equação (53). 95 i K t +1 = F (K t −C t , Lt )i = 0,1,2K (60) Se Fi satisfaz o problema de otimização, então para cada Fi há uma ordenada [k , c ], representando um ótimo estacionário descrito por (58) e (59). A mudança de i i Fi para Fi+1 causa uma mudança no produto de equilíbrio de longo prazo de k . Como essa mudança é resultado apenas da mudança técnica, a razão k k i +1 i para i +1 k i representa a taxa de progresso técnico de longo prazo de Fischer. Visto de outra maneira, k (t ) é a trajetória do produto de equilíbrio ótimo de longo prazo e sua derivada no tempo é também a taxa de progresso técnico de longo prazo de Fischer. Para fazer essa derivada, deve-se escrever o modelo numa forma contínua, onde a tecnologia é dada por (61). K (t ) = F (I (t ), L(t ),t ) I (t ) = K (t )− C (t ) (61) Fazendo a diferencial total da equação acima, escrita em termos per capita, obtém-se. Dk ∂F K Di ∂F = ⋅ ⋅ + ∂K F i ∂t k (62) Adicionando-se a hipótese de mercados competitivos, a Equação (62) simplifica para (63). Dk Di =π ⋅ +T i k (63) Na Equação (63), П é a parcela do capital na renda e T é a taxa de progresso técnico de Hicks. Portanto, a equação descreve a taxa de progresso técnico de longo prazo de Fischer, sendo seu primeiro termo: o efeito da acumulação de capital 96 induzido pelo progresso técnico e o segundo termo é o efeito puro da PTF ou progresso técnico de Hicks.45 O produto marginal de i é constante numa economia de 1 setor como mostra (59). Diferenciando i como expresso em (61), obtém-se a Equação (64), onde R é o viés de Hicks e σ é a elasticidade de substituição dos fatores. σ Di = ⋅T + σ ⋅ R i 1− π (64) Substituindo (64) em (63) e chamando Z = Dk k , tem-se que: σ ⋅T +σ ⋅ R + T Z = π ⋅ 1−π σ ⋅π ⋅T Z= + σ ⋅π ⋅ R + T 1−π π Z = T ⋅ 1+ ⋅σ + σ ⋅π ⋅ R 1−π (65) Logo, fica claro que o progresso técnico é diferente no conceito de Hicks e no conceito de Fischer, isto é, Z é diferente de T. Num modelo, onde a PTF é Hicks neutra, R é igual a 0, simplificando a Equação (65) para a expressão (66).46 π Z = 1+ ⋅σ ⋅T 1−π (66) Ou seja, o progresso técnico neutro de Fischer sempre será um múltiplo do progresso técnico neutro de Hicks e haverá de ser tanto maior quanto for a elasticidade de substituição dos fatores e a parcela do capital na renda. No caso mostrado na Tabela 16, onde σ é igual a 1, ou seja, igual ao de uma FP Cobb-Douglas Podemos associar os dois termos do membro direito da Equação (63) com a Figura 12. O primeiro termo que representa a acumulação de capital induzida é equivalente ao segmento CD e o segundo termo que representa o efeito puro da PTF equivale ao segmento BC. 46 A hipótese da neutralidade de Hicks assegura, além de uma expressão mais palatável, que a PTF obtida seja independente da trajetória, vide Hulten (2000). 45 97 e SK é igual a 0,5; o progresso técnico de equilíbrio de longo prazo é o dobro da PTF contabilizada pelo método tradicional. 47 Todo esse desenvolvimento algébrico, embora, necessário para a melhor explicitação e correção do problema, não precisa ser repetido para cada exercício. Para fazer a correção, basta utilizar a Equação (66). E para tanto, a única variável necessária adicional é a elasticidade de substituição entre os fatores. Essa metodologia, portanto, possui outro atrativo, além da contabilização mais fiel da PTF, que é a sua simplicidade de cálculo. Obviamente, essa correção também tem as suas desvantagens. A primeira é necessitar de uma estimativa ou de uma hipótese sobre a elasticidade de substituição dos fatores de produção.48 Além disso, para explicar como o aumento do produto se divide entre consumo e investimento, Hulten (1975) utiliza-se do conceito de PMgC e de um mecanismo muito similar ao multiplicador de gastos keynesiano. Esses, por sua vez, estão ligados a uma teoria e a um sentido de causação dos fenômenos econômicos, que não são perfeitamente compatíveis com a abordagem utilizada, que analisa a economia pelo lado da oferta. A Tabela 16, traz os resultados comparados da metodologia tradicional de contabilidade do crescimento, onde o progresso técnico é do tipo Hicks neutro, com a contabilidade do crescimento, na qual o progresso técnico está corrigido de acordo com a trajetória de equilíbrio de longo prazo do produto. Tabela 16 – A correção de LP aumenta a importância da PTF em detrimento de K 47 Mantendo-se π constante e igual a 0,5 e diminuindo σ para 0,7; o progresso técnico de Fischer se reduz a 1,7 vezes o progresso técnico de Hicks. 48 Na verdade, essa não é uma desvantagem em relação a maioria dos outros métodos que assumem uma forma funcional para a FP, como uma Cobb-Douglas ou uma CES (Constant Elasticity of Substitution), que implicam na adoção de um valor para a elasticidade. 98 Método Tradicional (Hicks) Correção de LP (Fischer) PTF K L PTF K L 1941-50 1,70% 3,17% 0,86% 3,40% 1,47% 0,86% 29,7% 55,3% 15,1% 59,3% 25,6% 15,1% 1951-60 7,12% 1,73% 4,11% 1,28% 3,45% 2,39% 1,28% 24,2% 57,7% 18,0% 48,5% 33,5% 18,0% 1961-70 5,99% 1,66% 3,28% 1,05% 3,32% 1,62% 1,05% 27,7% 54,7% 17,6% 55,4% 27,0% 17,6% 1971-80 8,28% 1,72% 4,56% 2,00% 3,44% 2,83% 2,00% 20,8% 55,0% 24,1% 41,6% 34,2% 24,1% 1981-90 1,56% -1,40% 1,68% 1,28% -2,80% 3,08% 1,28% -89,6% 107,5% 82,2% -179,3% 197,1% 82,2% 1991-00 2,61% 0,41% 1,36% 0,85% 0,82% 0,95% 0,85% 15,7% 51,9% 32,4% 31,4% 36,2% 32,4% 2001-03 1,26% -0,11% 0,96% 0,41% -0,21% 1,07% 0,41% -8,5% 76,2% 32,3% -17,0% 84,8% 32,3% a Os números em vermelho, na segunda linha de cada subperíodo, indicam a contribuição de cada fator para o crescimento . Y 5,73% Como explicitado, parágrafos acima, a PTF na sexta coluna da Tabela 16 é o dobro daquela obtida sob o método tradicional e descrita na coluna 3. Conseqüentemente, o ritmo de acumulação autônoma de capital é reduzido pela metade. Como que as mudanças proporcionadas por essa correção influem na interpretação histórica do desenvolvimento brasileiro? Em primeiro lugar, o fato que mais chama atenção é o desempenho excepcional da PTF, nos anos de 1941 até 1980, explicando sempre entre 40% e 60% do crescimento do PIB. Ou seja, o modelo de desenvolvimento adotado no período, a ISI, foi bem sucedido em ampliar a produtividade da economia como um todo e gerar assim um crescimento sustentável de longo prazo. Outro importante desdobramento da correção feita é o aprofundamento da visão, de que realmente, a década de 1980 foi perdida, não somente em termos de crescimento do produto, mas também e majoritariamente em função da forte queda da produtividade. Por último, é interessante notar que a taxa de crescimento do estoque de K na década de 1980 é a mais alta de todas, o que é certamente contra-intuitivo, à luz da 99 história econômica brasileira. Porém, muito mais do que apontar para um fato desconhecido ou desapercebido do desenvolvimento brasileiro, o dado mencionado é um efeito colateral (indesejado) da correção. Da mesma maneira, que a correção magnifica os efeitos positivos da PTF e conseqüentemente diminui o crescimento autônomo do K, o efeito inverso também ocorre. Ou seja, uma queda da PTF induz uma desacumulação de K. Porém, tal movimento encontra limites no mundo real, como a taxa de depreciação do capital, que depende da tecnologia e da intensidade de uso do mesmo e também limites de mercado para se tornar líquido o capital imobilizado em máquinas. Entretanto, como o crescimento de facto do estoque de K está dado e como a queda da PTF induz uma desacumulação, o resultado dessa equação é um aumento da acumulação voluntária, ainda que não planejada, do estoque de capital. 4.1.2. O Conceito da PTF Vintage Essa subseção apresenta uma forma diferente de se extrair a PTF potencial, aquela que entra no cálculo do produto potencial. Nos exercícios mostrados até aqui, essa série foi obtida através do uso de filtros estatísticos. Agora, porém, ela será estimada econometricamente a partir da série da PTF efetiva (ou resíduo de Solow) e de outras variáveis explicativas. Essa PTF, chamada de PTF Vintage, embute uma noção híbrida do progresso técnico. Por um lado, ele é suposto exógeno e, portanto, a PTF incorpora uma tendência linear. Por outro lado, ele é visto como endógeno o que justifica a introdução do investimento e da escolaridade como regressores, pois, esses supostamente possuem um efeito positivo sobre a produtividade. O termo Vintage é empregado para mostrar que as diferentes adições de trabalho e capital são distintas, 100 sendo a produtividade uma das diferenças entre elas. Assim, o investimento não só amplia o estoque de capital, como também aumenta a eficiência dos mesmos, através dos efeitos da tecnologia incorporados nas máquinas e equipamentos. A principal vantagem dessa alternativa é que ela fornece um rationale teórico para a PTF potencial, postulando uma ligação entre produtividade, educação e investimento. Além disso, contorna-se, em parte, o problema da separação entre capital e tecnologia ao reconhecer que o progresso técnico advém, pelo menos parcialmente, da tecnologia incorporada nas máquinas e equipamentos. A PTF foi estimada, então, a partir da Equação (67), onde RS é o resíduo de Solow, INDESC é um índice que capta a evolução da escolaridade média da PEA e INVEST é a taxa de investimento a preços constantes de 1999.49 A tendência Tt é uma variável tal que T = 0 para t = 1976,…1980 e T = 1, 2, 3,… para t = 1981, 1982, 1983,… A Tabela 17, traz os resultados da regressão. RS t = INVESTt + INDESCt + Tt (67) Tabela 17 – Especificação da PTF Vintage50 INDESC Coef. 61,61738 Estat t (-17,7) * Significante a 1% * INVEST 1,23707 (10,2) T Estatísticas da Regressão 2 * -0,949466 * R 0,9219 n 28 2 R ajust (-6,99) 0,9157 DW 1,33 A tabela acima mostra que todos os parâmetros são estatisticamente significantes e que além disso, obteve-se um bom ajuste da equação. Já a Figura 20, traz no mesmo gráfico a PTF efetiva e a PTF potencial obtida pelo método acima e pelo filtro HP. Por esse último método, a tendência da PTF obtida é muito mais suave, podendo ela ser decomposta em dois períodos: um primeiro de queda exponencial 49 A intenção original que era mais condizente com o intuito teórico era utilizar a idade média do estoque de capital como um dos regressores, porém, problemas econométricos impediram tal especificação para a equação. Outras estratégias, que não a substituição da variável, implicavam na perda da intuição teórica por trás das variáveis explicativas. 50 A regressão foi estimada empregando-se a matriz de covariância de White, minimizando assim o problema da heterocedasticidade. 101 mais acentuada e um segundo, a partir de meados da década de 1990, onde ela cresceu levemente de uma forma muito próxima de uma tendência linear. 105 100 95 90 85 19 76 19 77 19 78 19 79 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 80 PTF PTF Vintage PTF HP Figura 20 – PTF Vintage é menos volátil e antecede a PTF efetiva Já a PTF Vintage, apesar de não ser tão suave quanto a PTF HP, ainda é menos volátil do que a PTF efetiva, o que é uma propriedade desejada de uma série de tendência. Ademais, a PTF Vintage antecipou o movimento de inflexão da série Bilhões de R$ de 1999 efetiva, na maior parte das mudanças verificadas acima. 1.400 1.300 1.200 1.100 1.000 900 800 700 600 Potencial (PTF HP) Figura 21 – PIB potencial: PTF Vintage e PTF HP 102 Potencial (PTF Vintage) 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 1976 500 Por último, a Figura 21 acima, mostra os efeito de se utilizar as duas tendências distintas no cálculo do produto potencial. Em ambos, normalizou-se o estoque de capital para 1973, assumiu-se uma NAICU de 95% e uma parcela do capital na renda de 0,50. A NAIRU foi estabelecida em 3% para o período 1976-1990 e 6% para os anos seguintes. Fica claro que somente a introdução de uma nova forma de se extrair a tendência da PTF não altera muito a trajetória e o crescimento do PIB potencial. A taxa de crescimento média do produto potencial com a PTF Vintage foi apenas 0,09 ponto percentual, maior do que no outro método. 4.2. Um Modelo de Insumos Vintage 4.2.1. Justificativa e Metodologia Essa seção apresenta uma outra alternativa para se obter os resultados mostrados até agora. Aqui a contabilidade do crescimento e o produto potencial são obtidos a partir do estoque de capital e de trabalho vintage. O termo vintage, de origem francesa, tem a conotação de mostrar que diferentes safras, adições ao estoque de capital e trabalho possuem características distintas, entre elas a produtividade. É justamente devido à heterogeneidade do fator capital e do fator trabalho no mundo real, que nesse exercício busca-se relaxar a hipótese simplificadora de que ambos são fatores homogêneos. Por essa hipótese, o engenheiro aeronáutico e o funcionário encarregado da limpeza do hangar, contribuem igualmente para o estoque de trabalho, desprezando-se, portanto, os anos de educação formal e o treinamento na empresa e a experiência adquirida na função do primeiro. Para captar a heterogeneidade dos fatores, mesmo que parcialmente, ajustou-se o estoque de trabalho pela escolaridade média da PEA e o estoque de capital pela idade média do mesmo. Ou seja, a variação do estoque de capital vintage, num dado 103 ano, é o resultado da multiplicação da variação do estoque de capital original pela variação da idade média do estoque de capital. Um aumento da idade média é uma variação negativa e vice-versa. A variação ponta a ponta do estoque de capital, porém, continua sendo dada pela variação ponta a ponta51 do estoque de capital original. O mesmo procedimento é aplicado ao estoque de trabalho. Dessa forma, o estoque de capital continua sendo medido em valores monetários e não em alguma unidade híbrida do tipo: valores monetários x eficiência. A razão para isso é que não se possui, por fugir do escopo dessa tese, um modelo teórico que especifique como e quanto, as novas safras de capital atuam para aumentar a produtividade da economia.52 Sabemos simplesmente que esse canal existe e é relevante e por isso adotamos essa correção. Qualquer outra correção que aumente o estoque dos fatores, além do montante da série original, justificado pelo ajuste da heterogeneidade dos mesmos, poderia ser acusada de inflar artificialmente os estoques dos fatores de produção e, assim, obter por hipótese e não por decorrência lógica um produto potencial maior. A maior desvantagem dessa opção, com certeza, se encontra na fase de previsão do produto potencial. Pois, se anteriormente, o estoque de capital e trabalho já estavam dados e se buscava capturar ex-post a interação entre novas adições de capital (ou maior escolaridade, no caso do estoque de trabalho) e produtividade, agora essa interação ainda está por ocorrer. Assim, a construção de um estoque de capital baseado somente numa previsão estática da taxa de investimento prevista não capta esse efeito dinâmico de interação entre novas adições e produtividade. Ainda assim, 51 Isto é, a variação observada entre o ano inicial e o ano final, nesse caso de 1976 a 2003. A realidade descrita acima é melhor captada por modelos de capital vintage do tipo putty-clay, onde o progresso técnico é parcialmente exógeno e parcialmente incorporado no capital. 52 104 como será visto mais adiante, a aplicação da mesma metodologia na etapa de previsão fornece, todavia, resultados diferentes do método tradicional. Os dados utilizados para esse exercício são basicamente os mesmos dos exercícios anteriores com as mesmas fontes, a saber: as séries de estoque de capital, depreciação e idade média do capital vieram de Morandi & Reis (2004). Os dados de escolaridade foram extraídos de Barro & Lee (2000) e as séries da PEA e a população empregada foram obtidas na PNAD/ IBGE. O estoque de capital foi ajustado pelo NUCI da FGV e depois normalizado. A parcela do capital na renda assumida foi de 0,50; a NAICU de 95% e a NAIRU de 3% de 1976 até 1990 e 6% para os anos seguintes. A taxa de depreciação para a fase de previsão foi fixada em 3,7% ao ano. 4.2.2. Resultados e Projeções Uma vez explicada a metodologia e a origem dos dados, pode se passar para a apresentação dos resultados obtidos. A Figura 22, faz uma comparação da PTF obtida pelo método dos insumos vintage e a mesma obtida da forma tradicional. 104 100 1997 96 92 88 84 19 76 19 77 19 78 19 79 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 80 PTF Vintage PTF Tradicional Figura 22 – A PTF Vintage apresenta um resultado mais favorável a evolução da produtividade 105 Apesar das duas curvas na figura acima, apresentarem comportamento similares em alguns momentos, podemos distinguir 3 períodos distintos, que estão delimitados pelas linhas verticais. A PTF parte do mesmo nível em 1976, em ambos os conceitos, numa evidente tendência declinante até 1983. Porém, essa queda é muito mais acentuada na PTF vintage que nesse período decresce em média 2,6% ao ano comparado com uma queda de 1,7% na PTF tradicional. Em seguida, a partir de 1983, ambas experimentam um rápido interregno de crescimento. Na PTF tradicional, à esse breve período segue-se uma queda acentuada, de maneira que em 1995, o nível da PTF era ainda menor que em 1983. A PTF vintage apesar de declinar por uns anos, o faz em ritmo muito menor do que a PTF tradicional. Conseqüentemente, o nível da PTF vintage ultrapassa o da PTF tradicional. Além disso, a primeira volta a crescer antes, de maneira, que em 1995 ela é 11,7% maior do que em 1983. No último período, ambas voltam a seguir trajetórias quase que paralelas, entretanto, a PTF tradicional apresenta um ritmo de queda maior (-0,51%), do que a PTF vintage (-0,35%), ampliando assim a distância entre as duas. Ao final do período: 1976-2003, a PTF tradicional apresenta uma queda duas vezes maior que a PTF vintage. Além disso, o comportamento dessa última parece mais palatável à luz da experiência recente, pois, ela cresce quase monotonicamente a partir de 1990, quando houve a abertura comercial e somente volta a apresentar oscilações negativas depois de 1997, quando a economia passou a ficar sujeita a fortes intempéries externas. A razão para o comportamento distinto da PTF sob os dois conceitos fica mais clara na Tabela 18, que exibe o exercício de decomposição do crescimento. Tabela 18 – Método Vintage redistribui a contribuição de K e L ao longo do período 106 Método Vintage Método Tradicional PTF K L PTF K L 1977-86 -0,65 3,15 1,35 -0,52 2,65 1,73 -16,8% 81,7% 35,1% -13,6% 68,8% 44,8% 1987-96 1,96 0,39 0,42 1,14 -0,44 1,28 1,15 20,2% 21,4% 58,5% -22,5% 65,3% 58,6% 1997-03 1,74 -0,41 0,78 1,37 -0,50 1,15 1,08 -23,6% 44,7% 78,9% -28,7% 66,4% 62,3% 1994-03 2,46 0,35 0,93 1,17 0,24 1,36 0,86 14,3% 37,9% 47,7% 9,6% 55,4% 35,0% a Os números em vermelho, na segunda linha de cada subperíodo, indicam a contribuição de cada fator para o crescimento . Y 3,86 Fica claro que o método vintage redistribui a contribuição de cada fator ao longo do período, conseqüentemente a PTF também se altera por ser uma variável residual. A contribuição do estoque de capital aumenta no período: 1977-86, pois, esse foi marcado por grandes taxas de investimento, que fizeram com que a idade média do estoque de capital caísse pelo menos no período inicial. Nos períodos seguintes como contrapartida de um baixo investimento e de um envelhecimento do estoque de capital, que passa de uma idade média de 12,2 (em 1987) anos para 16,2 (em 2003); a contribuição de K para o crescimento diminui. Da mesma forma, a contribuição do estoque de trabalho não é mais necessariamente declinante ao longo do tempo, pois, o aumento de escolaridade da PEA aumentou a contribuição de L ao longo do período, compensando muitas vezes a queda da taxa de crescimento da PEA. A Figura 23, apresenta o produto potencial calculado de acordo com as duas metodologias, além do produto efetivo. 107 Bilhões de R$ de 1999 1.400 1.300 1.200 1.100 1.000 900 800 700 600 PIB Potencial - Vintage PIB Potencial - Tradicional 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 1976 500 Efetivo Figura 23 – PIB potencial vintage é maior do que o PIB potencial tradicional O primeiro dado que chama atenção da observação da figura acima é o fato do PIB potencial vintage ser maior do que o PIB potencial tradicional. A taxa anual média de crescimento do primeiro foi de 3,1%; enquanto o segundo cresceu a uma taxa de 2,9%. A diferença entre as taxas é tanto maior quanto maior for o investimento e/ ou o aumento da escolaridade. Nos primeiros dez anos: de 1977 a 1986, a diferença nas taxas de crescimento foi de 0,5 ponto percentual. Tudo isso é um indício de que a hipótese simplificadora da homogeneidade dos fatores tem um custo, em termos de crescimento do produto potencial. Segue-se, em decorrência, que o hiato do produto, medido em relação ao produto potencial, é maior do que se supunha. O hiato médio, no conceito vintage, foi de 10,7% do potencial, enquanto que no conceito tradicional, esse mesmo número foi de 6,9%. Fechando essa seção e o capítulo, a Tabela 19, mostra as taxas de crescimento do PIB potencial vintage sob os mesmos três cenários, supostos na Seção 3.1. Tabela 19 – PIB potencial vintage fornece maiores taxas de crescimento 108 Restringido Natural Estimulado Taxa de Crescimento do PIB Potencial (média do período 2004-2014) Vintage Tradicional Diferença 3,96% 3,82% 0,13% 2,40% 2,20% 0,20% 5,24% 5,06% 0,18% Como está claro o método vintage fornece maiores taxas de crescimento do produto potencial para todos os três cenários. Esse resultado, porém, reflete apenas a diferença da taxa de crescimento da PTF nos dois métodos, uma vez que o crescimento total do estoque de capital e de trabalho é o mesmo. Aqui, fica claro a limitação dessa correção para se fazer previsões acerca do crescimento do produto potencial. A base para se propor tal correção era de que os fatores de produção são heterogêneos e, portanto, a sua qualidade e não somente a sua quantidade deveria ser levada em conta. Ademais, uma melhor qualidade desses fatores pode determinar uma maior acumulação dos mesmos e uma maior PTF. Isso sem mencionar, que a medição dos fatores em alguma unidade de eficiência dos mesmos também influiria sobre os resultados da Tabela 19. Enquanto no cálculo do produto potencial, a correção do estoque dos insumos influía na PTF, na projeção do mesmo, isso não ocorre. A PTF potencial nos dois conceitos é uma mera projeção futura do ocorrido no passado, com pequenas diferenças na taxa de crescimento, pois, desconhece-se a priori como se dá essa mencionada interação. Logo, se essa correção proposta se mostrou válida para se avaliar ex-post o PIB potencial, o mesmo não pode ser dito quanto a sua capacidade de previsão, uma vez que nas condições atuais da economia brasileira ela provavelmente subestima o produto potencial. 5. Um Modelo Evolucionário de Desenvolvimento 109 O objetivo desse capítulo é mostrar que um modelo evolucionário de desenvolvimento econômico, como o apresentado em Nelson & Winters (1982) e Nelson & Pack (1999), aborda grande parte das questões levantadas ao longo dos 4 capítulos iniciais. 5.1. Relevância e Pertinência do Enfoque Evolucionário A abordagem evolucionária da teoria econômica pode parecer, para alguns, inapropriada ao foco dessa dissertação. De fato, desconhece-se um método de cálculo do produto potencial de matriz teórico explicitamente evolucionista. Tampouco, tal cálculo será apresentado aqui. A introdução e a pertinência desse capítulo se justificam por duas razões. A primeira razão está ligada à insatisfação de muitos economistas com o estágio atual do conhecimento acerca dos métodos de cálculo do produto potencial. As frustrações decorrentes do irrealismo das hipóteses, problemas de medição, etc têm levado à busca de novos caminhos. Um desses caminhos: o enfoque evolucionista, que é explorado nesse capítulo, parece promissor, pois, apresenta premissas mais realistas, corroborada por resultados iniciais, que mostram uma aderência dos resultados gerados pelo modelo com o desempenho efetivo da economia brasileira. Um caminho natural, portanto, para essa linha de pesquisa, seria expandir tal modelo para acomodar explicitamente um conceito teórico similar ao produto potencial. A segunda razão está ligada ao debate acerca das interpretações do desenvolvimento econômico brasileiro. O Capítulo 3, principalmente nas seções 3.2 e 3.3 mostrou que exercícios de contabilidade do crescimento e produto potencial estão intrinsecamente ligados à diagnósticos, julgamentos e interpretações sobre o desempenho histórico da economia brasileira. Tais análises se coadunam, em maior 110 ou menor grau, com o referencial teórico ortodoxo e exposam conclusões críticas sobre o desempenho passado e opiniões céticas quanto às perspectivas. Esse capítulo visa, então apresentar um outro enfoque para o desenvolvimento brasileiro, a partir de um referencial teórico evolucionista. Internacionalmente, um expoente dessa visão ortodoxa são os artigos de Young (1992, 1996). Como contraponto, dentro da abordagem evolucionista, um artigo representativo é o de Nelson & Pack (1999). No resto dessa seção, esse debate será resumidamente introduzido, como forma de contrapor a teoria evolucionista à teoria neoclássica. 53 Na primeira metade da década de 1990, Alwyn Young, numa série de artigos, questionou a existência de um milagre econômico asiático, com base em exercícios de contabilidade do crescimento e estimativas da PTF (Young, 1992, 1995). O autor afirma que quando se leva em conta o aumento das taxas de acumulação dos fatores de produção como capital físico e capital humano, além do aumento da taxa de participação da população na PEA, o crescimento da produtividade (PTF) nos países asiáticos não é tão extraordinário assim, equiparando-se ao registrado historicamente pelos países da OCDE e países latino-americanos. Dentre os países asiáticos, os casos extremos seriam Cingapura e Hong-Kong, que registraram taxas de crescimento da PTF de 0,2% e 2,3% respectivamente.54 A explicação fornecida pelo autor é de que o modelo dirigista da economia cingalesa, teria forçado um progresso demasiadamente rápido em direção a adoção de novas tecnologias, nas quais Cingapura não era eficiente e teria impedido assim, que a economia se beneficiasse dos efeitos do tipo ‘learning by doing’ das tecnologias 53 Para uma resenha a respeito do debate sobre contabilidade do crescimento, estimação da PTF e a existência de um milagre econômico no Leste Asiático, vide (Felipe, 1999). 54 Crescimento da PTF agregada da economia entre 1970 e 1985, dados extraídos da Tabela XIII em (Young, 1995). 111 descartadas. Como contraponto, o modelo liberal e favorável às alocações de mercado da economia de Hong-Kong teria evitado essa busca obsessiva pela adoção da tecnologia mais avançada, o que permitiu que a produtividade do país avançasse beneficiada pelo mesmo ‘learning by doing’. Outros artigos, com concepções teóricas similares ou distintas, obtiveram resultados frontais ou parcialmente contraditórios ao de Young. Por exemplo, Marti (1996) usando uma versão mais atualizada da mesma base de dados de Young,55 encontrou uma taxa de crescimento da PTF de 1,49% para Cingapura no mesmo período analisado em Young (1994). Na seqüência dessa seção, comentar-se-á o artigo já referido de Nelson & Pack (1999), por ele ser um contrapeso a corrente da literatura exemplificada por Young, (1992, 1996). Além disso, sua concepção teórica acerca da incorporação e função da tecnologia fornece uma visão distinta da lógica do desenvolvimento, que se operou nesses países asiáticos. Em adição, procurar-se-á mostrar que tal lógica não é particular do caso asiático, senão um enfoque mais geral o qual possui um futuro promissor, quanto a sua capacidade de fornecer previsões qualitativas e quantitativas inclusive. Como comentado pari passu, a visão neoclássica, principalmente na sua variante mais ortodoxa e tradicional, vê o processo de desenvolvimento como uma mera acumulação de fatores de produção, onde o aumento do estoque de capital e de trabalhadores qualificados pode ocorrer independentemente do progresso técnico. A firma se defronta com um cabedal de escolhas tecnológicas, cada qual resumida num par ordenado (insumo, produto), o qual ela escolhe com base na maximização do lucro. Estudos mais recentes tentam endogeneizar o progresso 55 A base de dados usada em ambos os exercícios foi a PWT. 112 técnico, mas o fazem introduzindo mais variáveis no lado direito da equação da FP da firma. Assumem implicitamente, que o produto resultante do investimento em P&D é um bem privado e que seu resultado pode ser perfeitamente previsto ex-ante. Em contraste, na visão evolucionista a própria conceituação da firma já é diferente. As firmas possuem várias capacitações, procedimentos e regras de decisão, que determinam suas ações. Elas também se engajam em operações de “busca”, onde descobrem, consideram e avaliam possíveis mudanças. As firmas cujas regras de decisão são lucrativas se expandem, enquanto aquelas que possuem regras de decisão não-lucrativas se contraem. Logo, a existência de uma fronteira de possibilidades de produção disponíveis a serem escolhidas pelas firmas não está aqui contemplada. A inovação ocorre através dessas operações de “busca” das firmas, que assim descobrem novas possibilidades a partir das existentes ou criam algo que não existia antes. Esse processo difere do procedimento de fabricação, onde a firma usa de suas capacitações para manufaturar o produto final, pois, ele não é um comportamento rotineiro, ele é inovador e como tal seu resultado não pode ser antevisto. No caso específico dos países em desenvolvimento, o procedimento de “busca” difere daquele dos países desenvolvidos, uma vez que a inovação se dá muito mais pela assimilação de tecnologias já existentes nos países mais avançados do que pela criação de algo totalmente novo. Isso não elimina, contudo, a incerteza associada à adoção das mesmas. Nesse caso, ela surge da necessidade de desenvolver e utilizar novas habilidades e conhecimentos (em relação aos existentes no país em desenvolvimento) para se implementar a nova tecnologia. Portanto, em oposição à teoria neoclássica, a diferença entre o produto per capita das nações em desenvolvimento e desenvolvidas não se resume somente a diferentes dotações de fatores numa FP comum. Os países diferem, sim pela dotação 113 de fatores, mas também e mais importante, distinguem-se pela gama de tecnologias empregadas em cada um. O processo de desenvolvimento é visto, portanto, como uma situação de desequilíbrio envolvendo uma cesta de tecnologias em uso, específica para cada país. Uma vez que se fala em assimilação de tecnologia, surge nesse contexto um papel relevante para alguns aspectos negligenciados pela teoria neoclássica tais como o aprendizado, o empreendedorismo e a política governamental. Os dois primeiros são essenciais na tarefa de “busca” mencionada acima. A política governamental é uma importante coadjuvante, na medida que incentiva e recompensa tais comportamentos. Como última conseqüência, se o desenvolvimento, principalmente nos países atrasados, se dá majoritariamente pela assimilação das tecnologias existentes, que é introduzida através de novas máquinas e equipamentos, torna-se necessário, portanto, o investimento em capital físico. Analogamente, o conhecimento não é um bem exclusivamente público e acessível a todos, muito dos conhecimentos e habilidades necessários para se operar essas máquinas são tácitos, logo, se faz necessário o investimento em capital humano, cuja função é entender, adaptar e pôr em uso eficientemente essas máquinas. Eis, portanto, o porque, que no âmbito evolucionista, não cabe dissociar capital físico e humano da tecnologia. Esse modelo, que será formalmente exposto na seção seguinte, aborda muitas das críticas, que foram levantadas ao longo dos capítulos anteriores, que versavam sobre a heterogeneidade dos fatores de produção, a interação entre tecnologia e os mesmos, além da conciliação do processo de desenvolvimento com uma trajetória ascendente, ainda que temporária, da parcela do capital na renda. 114 5.2. Modelo Evolucionário Simples de Desenvolvimento numa Economia de Dois Setores O modelo formalizado nessa seção tem por objetivo descrever, em linhas gerais, as principais macro-características do processo de desenvolvimento dos países atrasados. Por simplificação, assume-se que a economia pode ser representada por dois setores, um moderno (m) e outro artesanal (c),56 cada qual caracterizado por uma tecnologia diferente. Nesse modelo, inexiste a possibilidade de se aumentar o produto por trabalhador, ampliando-se simplesmente a intensidade do capital, ou seja, a relação capital por trabalhador, pois, pressupõem-se uma FP de Leontief (coeficientes fixos) em ambos os setores. O desenvolvimento se dá a medida que o setor moderno cresce mais rapidamente que o setor artesanal. A velocidade dessa mudança estrutural da economia depende da prontidão com que os empresários respondem as oportunidades de lucro que aparecem. No modelo, esse aspecto está associado ao valor do parâmetro (e). Formalmente, cada setor pode ser descrito por uma FP com retornos constantes de escala e coeficientes fixos. A característica de cada uma delas está resumida em (68), onde K e L indicam capital e trabalho e Q representa o produto, enquanto que m e c são os subscritos para cada setor da economia. K K = Q m Q c Q Q > L m L c K K > L m L c 56 Do inglês: craft. 115 (68) Isto é, a relação capital/ produto é a mesma nos dois setores, mas a relação produto por trabalhador e capital por trabalhador é maior no setor moderno. Se a remuneração dos fatores de produção for igual em ambos os setores, então, o custo unitário será menor no setor moderno. Uma outra diferença entre os dois setores está na mão-de-obra demandada, que no setor moderno é qualificada, recebendo por isso um prêmio (g) no seu salário. Já no setor artesanal, ela não necessita de qualquer qualificação. A situação hipotetizada pelo modelo, supõe que em qualquer economia em qualquer momento do tempo, as duas tecnologias convivem uma com a outra. Em especial, no início do processo de desenvolvimento, o setor artesanal responde pela maior parte da produção. Porém, o setor moderno não é inexistente e sua presença funciona como a semente do processo de desenvolvimento. O produto por trabalhador nessa economia, por definição, é uma média ponderada da produtividade do trabalho nos dois setores, como mostra (69). Q Q Lm Q Lc = ⋅ + ⋅ L L m L L c L Q e m Chamando am = L Q , onde c ac = L am > ac , (69) então, a equação acima pode ser reescrita como: Q Lm Lc = am ⋅ + ac ⋅ L L L Sabe-se que L m + Lc = L . Logo, (70) Lc = L − Lm . Fazendo uso dessa relação em (70), temos: 116 Lm L − Lm Q = am ⋅ + ac ⋅ L L L Q Lm L Lm = am ⋅ + ac ⋅ − ac ⋅ L L L L (71) Q Lm Lm = am ⋅ + ac − ac ⋅ L L L Q Lm = a c + (a m − a c )⋅ L L (72) A Equação (72) mostra que o piso para a produtividade do trabalho nessa economia é dado pela produtividade do setor artesanal, pois, se Lm é igual a zero, então (Q L ) = ac . Porém, a medida que o emprego no setor moderno se expande, o produto por trabalhador também cresce. Assim como o produto por trabalhador da economia aumenta, a relação capital por trabalhador também tem que crescer na mesma proporção para que a relação capital/ produto se mantenha fixa, que é uma das premissas do modelo. Como exposto no início dessa seção, o processo de desenvolvimento se dá pelo aumento relativo do setor moderno em detrimento do artesanal. Essa transição ocorre através da migração do capital do setor artesanal para o setor moderno. Para se modelar isso, são necessárias algumas hipóteses e equações sobre o lucro de cada setor e o processo de acumulação de capital. O lucro unitário no setor artesanal ( π c ) é dado pela Equação (73). π c = P−r⋅ K c − w⋅ a′c Qc (73) P é o preço do produto e é suposto igual para os dois setores da economia, r é a remuneração do fator capital e w é a remuneração ao fator trabalho, que como dito anteriormente também é idêntico em ambos o setor da economia. Por último, 117 a ′c éo inverso de ac . O lucro unitário no setor moderno ( π m ), por sua vez, é dado pela Equação (74), onde a maior diferença em relação à Equação (73) é a presença da variável g, que mede o prêmio acrescido ao salário pela maior qualificação do trabalhador. π m = P−r⋅ K m − g.w. a ′m Qm (74) Supondo que não há depreciação, o modelo assume que todo o lucro é reinvestido, ou seja, vira estoque de capital no período seguinte. Então, a taxa de crescimento do estoque de capital pode ser descrita para o setor artesanal e moderno pela Equação (75) a e b respectivamente. K& c = e ⋅ (P − r − w⋅ ′ ) ac Kc K& m = e ⋅ (P − r − g ⋅w⋅ ′ ) am Km (a) (75) (b) O lucro do setor moderno é reinvestido totalmente no próprio setor, porém, o mesmo pode não acontecer no setor artesanal, pois, se o diferencial de lucro entre os dois setores da economia, que é dado na Equação (76), for positivo, então há um incentivo para que o capital migre do setor artesanal para o moderno, pondo em movimento o processo de desenvolvimento econômico. ∆π =π m −π c = w⋅(a′c − g ⋅a′m ) Essa migração se dá ao ritmo dado pela derivada no tempo da razão (76) (K K ) , m c que está descrita na Equação (77). Lc L m Km = e ⋅ w ⋅ − g ⋅ Q Q K c c m 118 (77) Em resumo, quando o diferencial de lucro é nulo ou negativo, a acumulação de capital no setor artesanal e no setor moderno é descrito respectivamente pelas equações (75)a e (75)b. Porém, quando esse diferencial é positivo, a acumulação de capital no setor artesanal, é dada pelo resultado da subtração da Equação (77) da Equação (75)a e no setor moderno, a acumulação de capital é dada pela soma das Equações (77) e (75)b. Por último, resta analisar a evolução da participação do capital na renda. Como dito anteriormente, a fração do capital na renda em países em desenvolvimento tende a ser maior do que nos países avançados. Porém, pelas próprias hipóteses do modelo de que a relação capital/ produto é igual nos dois setores e que o custo do capital também é o mesmo nos dois setores, decorre-se que a parcela do capital na renda tem que ser a mesma no período inicial e no período final. Essas duas características, apesar de aparentemente conflitantes, são compatíveis, pois, a maior parcela do capital na renda se deve a existência de quase-rendas do capital, que diminuem à medida que o processo de desenvolvimento aproxima-se do final. Formalmente, a parcela do capital na renda nessa economia de dois setores é dada pela Equação (78). P⋅Qc − w⋅a′c Qc P⋅Q m − g ⋅w⋅Lm Q m ⋅ + ⋅ P⋅Q m P⋅Qc Q Q (78) Expressando o salário em termos do preço do produto e se utilizando do fato de que Q c = Q − Q , obtém-se a Equação (79). m (1− w⋅a′c)+ w⋅(a′c − g ⋅a′m)⋅ Qm Q 119 (79) Na equação acima, o primeiro termo entre parênteses é a parcela do capital no setor artesanal e o segundo termo é o diferencial de lucratividade dos dois setores da economia, multiplicado pela participação relativa do setor moderno na produção. Ou seja essa quase-renda será tanto maior quanto for o diferencial de lucratividade, ou seja, ela será proporcional ao montante de capital que migra do setor artesanal para o setor moderno. Para saber a parcela do capital na renda no período inicial e no período final, supondo que esses dois coincidam com os casos extremos onde Qc Q = 1 e Qm Q = 1 , basta substituir essas condições na Equação (79). Já que pelas hipóteses do modelo, SK deve ser igual em ambos os períodos, pode-se igualar as expressões de SK para as situações extremas. Fazendo isso, obtém-se a condição de equilíbrio, que deve vigorar no período final, descrita na Equação (80). g = a ′c a ′m 5.3. (80) Resultados e Conclusões Preliminares Essa última seção do Capítulo 5, apresenta os dados que foram necessários imputar para se simular o modelo apresentado na seção anterior, bem como seus primeiros resultados e conclusões. Em primeiro lugar, foi necessário determinar os valores iniciais para o estoque de capital e de trabalho. O mais importante aqui, não é reproduzir fielmente o montante em valores correntes do estoque de fatores de produção para a economia brasileira, mas sim a dinâmica do desenvolvimento da mesma. Assim, a distribuição inicial dos fatores entre os dois setores é que se torna a variável a ser ajustada para se iniciar a simulação. 120 As estatísticas históricas de produção industrial compiladas pelo IBGE57, permitem que se construa uma série da proporção dos trabalhadores (totais ou operários), no setor moderno da economia em relação ao número total de trabalhadores, desde 1952 até 1995, com algumas interrupções ao longo desse período.58 Para os anos cuja informação inexiste, fez-se uma interpolação linear simples para se preencher a série. Em ambas as séries, trabalhadores totais ou operários, a participação dos trabalhadores do setor moderno no ano inicial situa-se entre 31% e 32% do número de trabalhadores totais. Portanto, adotou-se para o período inicial uma proporção dos trabalhadores no setor moderno em relação ao total de 0,31. Já para a mesma relação, referente ao estoque de capital, não há nenhuma fonte primária de informação, que possa ser utilizada como guia. Sabe-se, entretanto, que devido a maior relação capital/ trabalho do setor moderno, a proporção de capital no mesmo, em relação ao total, deve ser maior do que a mesma razão para o fator trabalho. Tendo isso em mente escolheu-se, portanto, uma relação inicial de 0,4. Os coeficientes da FP, tanto do setor moderno como do setor artesanal, foram ajustados de maneira a se adequar às hipóteses explicitadas em (68), às condições iniciais da distribuição dos fatores entre os dois setores e de forma a se obter o maior diferencial de produtividade entre os setores moderno e artesanal. 57 Série: Produção Industrial – Resultados da Apuração do Registro Industrial. Fonte primária: Departamentos Estaduais de Estatísticas e Secretaria-Geral do Conselho Nacional de Estatística. Tabela extraída dos Anuários Estatísticos do Brasil e disponível no capítulo sobre trabalho nas Estatísticas do Século XX (IBGE, 2003). 58 A divisão dos setores da indústria de transformação entre moderno e artesanal tem, sem dúvida, um grau de arbitrariedade, pois deriva do julgamento do autor, baseado na história da industrialização brasileira e mundial, do que seriam indústrias modernas e artesanais. Nesse caso consideraram-se as seguintes indústrias como artesanais: Madeira, Mobiliário, Borracha, Couros, Peles e Similares, Têxtil, Vestuário, Calçados e Artefatos de Couro, Produtos Alimentares, Bebidas, Fumo, Editorial e Gráfica, Indústrias Diversas. Foram consideradas como sendo do setor moderno da economia, as seguintes indústrias: Transformação de Minerais Não-metálicos, Mecânica, Metalúrgica, Material Elétrico e de Comunicações, Material de Transporte, Papel e Papelão, Química, Produtos Farmacêuticos e Medicinais, Produtos de Perfumaria, Sabões e Velas, Produtos de Matérias Plásticas. 121 A dinâmica do fator capital está bem descrita nas equações do modelo, porém, diversas especificações para a evolução do fator trabalho são compatíveis com o modelo descrito na seção anterior. Como o trabalho é um fator de produção abundante no Brasil, em especial para o período analisado, assumiu-se que o fator trabalho não é um limitante para o desenvolvimento. Assim, seu ritmo de crescimento é totalmente endógeno, sendo dado pelo crescimento do estoque de capital. Ou seja, o estoque de trabalho cresce ao longo do tempo de maneira a manter constantes as relações descritas em (68). O prêmio pela qualificação do trabalhador (g) também foi obtido a partir das estatísticas históricas compiladas pelo IBGE. A pesquisa sobre a produção industrial traz o montante de salários e vencimentos pagos para os ramos da indústria de transformação, a partir do qual é possível calcular um salário anual médio pago em cada um. Essas médias, então, podem ser agregadas, de acordo com a taxonomia: moderno ou artesanal, para se obter o fator multiplicativo, que diferencia os salários entre os dois setores. A evolução desse prêmio pela qualificação está na Figura 24. 1,8 1,7 1,6 1,5 1,4 1,3 1,2 1,1 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 58 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 52 19 54 19 56 1,0 Prêmio pela Qualificação - (g) Figura 24 – Prêmio pela qualificação (g) apresenta tendência crescente ao longo do período 122 Esse prêmio oscila entre 15% até 75% do salário pago no setor artesanal, apresentando uma inequívoca tendência crescente ao longo de todo o período. Esse crescente prêmio pela qualificação, pode ser, por um lado, um incentivo, num referencial neoclássico, para que os trabalhadores invistam em mais anos de estudo, porém, como mostra a Equação (76), diminui também a velocidade do processo de migração do capital do setor artesanal para o setor moderno, podendo até estancá-lo. Também é necessário assumir um valor para o parâmetro (e), que representa a efetividade do empresário em responder as oportunidades de lucro que surgem no setor moderno. Em todas as simulações feitas, assumiu-se o valor unitário para o parâmetro. Esse é um valor neutro, no sentido que ele não diminui nem reforça os incentivos para a migração do capital, fornecidos pelo diferencial de lucratividade entre os setores. Por último, é necessário imputar valores para o preço do produto (p) e para o salário (w). Quanto a isso, duas especificações distintas foram simuladas. Na primeira, mais simples, w e p foram supostos constantes ao longo de todo o período. Já na segunda situação, p é fixo, porém, w varia de acordo com o preço relativo dos bens industriais em função dos bens de consumo, representados respectivamente pelo IPC (Índice de Preços ao Consumidor) e pelo IPA (Índice de Preços no Atacado), ambos da FGV.59 A intenção é que o preço relativo entre p e w na simulação se aproxime do preço relativo entre produtos e salários na economia brasileira. Na Figura 25, que mostra a participação dos trabalhadores no setor moderno no total de trabalhadores, três simulações com especificações e valores diferentes para w foram feitas. Na primeira e na terceira rodada, w foi mantido constante, enquanto que na segunda ele variou ao longo do período, de acordo com a regra estabelecida 59 Devido ao período de tempo coberto pela amostra, o IPC utilizado abrange somente a cidade do Rio de Janeiro. 123 acima. Ademais, na primeira e na segunda rodada, o valor do salário imputado foi compatível com o ponto de break-even do setor artesanal no período inicial.60 Por outro lado, na terceira rodada o salário estabelecido foi um pouco menor, de maneira que no período inicial, a tecnologia artesanal ainda gerava um lucro para os seus produtores, porém, menor do que no setor moderno da economia. Nas 3 rodadas, dadas as especificações do modelo e os valores imputados, o lucro no setor moderno (πm) é negativo em alguns períodos, o mesmo acontecendo com o lucro no setor artesanal (πc) na segunda e terceira rodada. Como essa queda na lucratividade é causada pelo aumento no prêmio pela qualificação (g), em alguns períodos a atividade no setor artesanal torna-se mais lucrativa do que no setor moderno. 60 55 50 45 40 35 Efetivo 1a. Rodada 2a. Rodada 19 88 19 90 19 92 19 94 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 56 19 58 19 60 19 62 19 64 19 52 19 54 30 3a. Rodada Figura 25 – Participação dos trabalhadores do setor moderno no total: efetivo x simulações Analisando a figura acima, vê-se que em geral, os modelos conseguiram reproduzir de maneira razoavelmente satisfatória a trajetória efetiva da variável. Em particular, a terceira rodada da simulação segue mais próxima da trajetória efetiva até 60 Para a segunda rodada, refere-se ao valor imputado no período inicial. 124 1970, ocorrendo o inverso com a primeira e a segunda, que se aproximam melhor da trajetória efetiva, a partir de meados da década de 1970. Tal fato pode ser um indício de alguma mudança num parâmetro estrutural do modelo tal como a efetividade do empresário ou a própria tecnologia, aumentando o diferencial de produtividade, o que por sua vez teria determinado esse rápido avanço do processo de desenvolvimento. Olhando somente para as curvas geradas nas duas primeiras rodadas da simulação, percebe-se que o efeito prático de se introduzir uma variação nos salários ao longo do tempo é gerar uma maior flutuação da trajetória. Essa, entretanto, ainda é menor do que a verificada na série efetiva, sugerindo que outros fatores além do preço relativo entre salários e produtos estejam por trás das oscilações. Por último, é nítido na Figura 25, que a partir de meados da década de 1980, o impulso do processo de desenvolvimento perdeu força, quando se tinha um pouco mais do que a metade da força de trabalho empregada no setor moderno da indústria de transformação. Os fatores, que dentro do modelo, podem explicar tal comportamento são uma queda na efetividade do empresário (e), no salário (w) ou uma alta no prêmio pela qualificação (g) . Contudo, o que mais chama atenção é, sem dúvida, o aumento do prêmio pela qualificação do trabalhador, que diminui a vantagem comparativa do setor moderno, podendo até invertê-la, tornando o setor artesanal mais lucrativo do que o moderno. Além disso, não se pode esquecer que o período de estagnação do processo de desenvolvimento, coincide também com um momento de aceleração inflacionária, que desorganiza o sistema de preços, podendo alterar preços relativos e também dificultar a prospecção de oportunidades lucrativas por parte dos empresários. 125 As duas próximas figuras mostram como esse processo de desenvolvimento se reflete na produtividade da economia, através da evolução da relação capital por trabalhador e produto por trabalhador. 2,08 2,05 2,02 1,99 1,96 1,93 1,90 1,87 19 52 19 54 19 56 19 58 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 1,84 1a. Rodada 2a. Rodada 3a. Rodada Figura 26 – Evolução da relação produto por trabalhador (Q/L) A relação produto por trabalhador dessa economia, como mostrada na Figura 26, é como explicitado na Equação (72), uma média ponderada da relação produto por trabalhador nos dois setores da economia. A relação total para a economia cresce enquanto a participação do setor moderno aumenta, uma vez que esse possui uma maior relação produto por trabalhador, o que está refletido nos anos desde o período inicial até meados da década de 1970. Em seguida, como reflexo do estancamento do processo de migração do capital, a produtividade da economia também regride a partir de meados da década de 1980. Raciocínio similar também pode ser aplicada a relação capital por trabalhador, que está representada na Figura 27. 126 0,83 0,82 0,81 0,80 0,79 0,78 0,77 0,76 0,75 19 52 19 54 19 56 19 58 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 0,74 1a. Rodada 2a. Rodada 3a. Rodada Figura 27 – Evolução da relação capital por trabalhador (K/L) As figuras acima trazem 2 pontos, em conexão com aqueles já levantados pela figura anterior, que merecem ser destacados. Em primeiro lugar, a trajetória descrita na segunda simulação se mostrou mais volátil do que a primeira, igualmente ao verificado na proporção (Lm/L), resultante da variação de w ao longo do tempo. Novamente, a primeira e a segunda rodada mostram um maior crescimento da produtividade no período, em comparação com a terceira rodada, fruto do maior diferencial de lucratividade entre os setores. Por último, esse modelo, assim como os apresentados anteriormente, não está livre de críticas ou limitações teóricas ou na sua implementação, que precisam ser resolvidas. No campo teórico, ele está claramente restrito a uma dinâmica de desenvolvimento industrial, quando atualmente em grande parte dos países, mesmo nos subdesenvolvidos, o setor de serviços responde por uma maior parcela do PIB. Quanto à sua aplicação empírica, a maior barreira com certeza é definir o que seria a tecnologia moderna e o que seria a tecnologia artesanal. Correspondências ao nível setorial como feito nesse exercício é, sem dúvida, apenas uma primeira aproximação. 127 Pois, um mesmo setor pode comportar firmas produzindo sob diferentes tecnologias com diferentes produtividades. 6. Conclusão Essa dissertação se dedicou a avaliar criticamente os estudos empíricos sobre o produto potencial brasileiro, sua aplicabilidade e uso na formulação de políticas econômicas, bem como possíveis melhoramentos nos seus cálculos. Na penúltima seção, ainda se avaliou um modelo de matriz teórico evolucionista como um possível ponto de partida para uma abordagem alternativa com um provável maior poder explicativo. No que tange à avaliação dos resultados obtidos até agora na literatura, alguns resultados comuns, principalmente em relação a PTF e a relação capital/ produto, emergiram. Essa última apresenta-se estável desde meados da década de 1980, após um período de rápida elevação iniciado ao final da década de 1960. Já a PTF apresenta uma evolução positiva até o ano de 1980, a partir do qual ela declina para apresentar uma leve melhora ou estabilidade, dependendo do estudo, na década de 1990. A grande distância entre a trajetória do PIB efetivo e potencial, depois do ano de 1980, é também outro ponto comum entre os exercícios. Já em relação à taxa de crescimento do PIB potencial, o traço comum é a amplitude das projeções. O primeiro exercício do Capítulo 3 fornece um intervalo de taxas de crescimento do PIB de 1,7% até 6,2%, dependendo das hipóteses assumidas. No terceiro exercício do mesmo capítulo, obtém-se uma taxa de crescimento de 4,3%, mas que no curto prazo está restrita pela taxa de crescimento do estoque de capital, o potencial torna-se, então igual a 3,2%. 128 Tal fato não é exclusividade brasileira. Como apontado na resenha da bibliografia internacional no Capítulo 2, diferentes métodos aplicados a Suécia forneceram um intervalo de crescimento entre 0,9% e 4,2% para um mesmo ano. Algumas críticas foram levantadas quanto aos métodos utilizados na medição do PIB potencial brasileiro, incluindo as de viés prático e outras de enfoque mais teórico. Em relação a essas últimas, deve-se ressaltar a impropriedade de se projetar um cenário potencial para o Brasil, a partir do desempenho da década de 1980 e 1990, sem levar em conta que esse período é pouco informativo sobre o presente momento e os seus desdobramentos. Quanto as primeiras é importante reforçar a incerteza no tocante a medição do estoque de capital,a homogeneidade dos fatores, a sensibilidade dos resultados às hipóteses e parâmetros iniciais e outras arbitrariedades como a definição da NAIRU e da correção pelo grau de utilização dos fatores. Tudo isso torna o resultado final muito sensível às especificações iniciais, que no fundo refletem uma concepção teórica a priori sobre a economia brasileira. Tendo isso em vista, o objetivo do capitulo 4 foi incorporar algumas dessas críticas com o objetivo de se obter um diagnóstico mais abrangente, que incorporasse outros aspectos relevantes da realidade. Para isso propôs-se uma correção de longo prazo na contabilidade do crescimento, de modo a contabilizar corretamente a contribuição da PTF e do estoque de capital e dois modelos que incorporam a heterogeneidade dos fatores. Por último, o Capítulo 5 apresenta um modelo de desenvolvimento, onde tecnologia e capital físico e humano não estão dissociados, a produtividade é dada pela tecnologia e a participação do capital na renda varia ao longo do tempo. Por contemplar essas características entre outras, que são deixadas de lado nos modelos de 129 produto potencial, é que esse modelo evolucionista se torna pertinente, podendo se tornar o ponto de partida para o desenvolvimento de uma metodologia alternativa daqui pra frente. A força da teoria evolucionista decorre do seu poder de reproduzir fatos econômicos estilizados ao menos tão bem quanto a teoria neoclássica ortodoxa, utilizando-se de hipóteses menos restritivas e mais realistas. Dessa maneira, princípios como: o pleno conhecimento de todas as escolhas possíveis a uma firma, a completa previsão de seus resultados e a capacidade de uma firma de tomar a decisão que maximiza esse problema, são deixados de lado. Ao contrário, a teoria evolucionista trabalha com a idéia de que as firmas diferem entre si pelo seu conjunto de rotinas, sendo que a seleção natural é que determinará quais rotinas são as mais eficientes para a sobrevivência da firma. Mecanismos de busca junto com mecanismos de mutação é que explicam a expansão de certas rotinas e a introdução de novas que podem vir a se tornar predominantes ou serem eliminadas naturalmente. Esse processo todo está longe de poder ser caracterizado como um equilíbrio, pelo contrário o motor desse mecanismo é justamente o desequilíbrio. Além de todos os aspectos práticos e teóricos levantados acerca do produto potencial, a discussão feita ao longo da dissertação, principalmente os exercícios de contabilidade do crescimento, tem clara repercussão sobre as interpretações acerca do desenvolvimento econômico brasileiro. A primeira vista, os resultados de baixa produtividade e potencial de crescimento, além de comparações com outros países, parecem corroborar com a visão de que a trajetória do desenvolvimento brasileiro, principalmente na segunda metade do século XX produziu efeitos perniciosos sobre a economia brasileira. Porém, quando se incorpora as correções feitas no Capítulo 4 e 130 outras ponderações feitas, principalmente, ao longo do Capítulo 3, as evidências empíricas deixam de amparar a visão mencionada acima. Em suma, os métodos disponíveis e usados atualmente apresentam alguns problemas, porém, não há substitutos imediatos que não sofram dos mesmos problemas ou similares e que forneçam resultados superiores. Por isso, não se deve abandonar os métodos existentes, mas usá-los com muita cautela e não com um fervor fundamentalista na formulação de políticas econômicas, em especial a política monetária, enquanto se avança na pesquisa de métodos alternativos. Nesse ínterim, melhoramentos como aqueles propostos no Capítulo 4 devem ser levados em consideração. 131 7. Bibliografia 1. Areosa, Marta Baltar Moreira. Combining Hodrick-Prescott Filtering with a Production Function Approach to Estimate Output Gap. Banco Central do Brasil – mimeo, Rio de Janeiro: Outubro, 2004. 2. 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