015 - INSTITUCIONALISMO E EFETIVIDADE JURÍDICA - Alan Pereira de Araújo - Caderno de
Doutrina - Página Pessoal de Serrano Neves
CADERNO DE DOUTRINA
23º Procurador de Justiça
Criminal de Goiás
INSTITUCIONALISMO E EFETIVIDADE JURÍDICA
Alan Pereira de Araújo. Advogado em Belo
Horizonte e pós-graduando em Direito Processual Civil.
Sumário: 1. Introdução – 2. Instituições e Institucionalismo – 3. Evolução do Pensamento
Institucional – 3.1 A Instituição na Filosofia do Direito – 3.1.1 Rousseau e o direito subjetivo – 3.1.2
Hegel e o direito objetivo – 3.1.3 A tentativa de síntese de Hauriou e Renard – 3.1.3.1 Hauriou –
3.1.3.2 Renard – 3.2 Marxismo e Instituições – 3.2.1 Crítica da filosofia do direito – 3.2.2 A
revolução e o obstáculo institucional – 3.2.3 A crítica institucionalista de Cardan – 3.3 O Conceito
de Instituição em Sociologia – 3.3.1 Sistemas de referência – 3.3.2 Das origens a Durkheim
(Sistema de referência do direito objetivo) – 3.3.3 Durkheim – 3.3.4 A instituição como instância
imaginária – 3.3.5 A Crise do Conceito de Instituição - 4. Institucionalismo e Lobbyismo - 5.
Institucionalismo e Eficácia Jurídica - 6. Cidadania, democracia dinâmica e efetividade jurídica - 7.
Alguns Exemplos - 8. Institucionalismo no Legislativo de Minas Gerais - 9. Instrumentos
processuais à efetividade - 10. Conclusão - 11. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A complexidade da vida em sociedade e a necessidade de conjugação de esforços de vários
indivíduos para a consecução de objetivos comuns ou de interesse social, ao mesmo tempo em
que aconselham e estimulam a agregação e polarização de suas atividades, sugerem ao Direito o
reconhecimento de instituições criadas para melhor e mais fácil realização daqueles objetivos.
Como bem notou WALD, "as grandes realizações nem sempre podem ser atendidas pelo esforço
individual naturalmente limitado, necessitando assim da cooperação de muitos para atingir uma
finalidade, um objetivo ou um ideal comum."
Neste contexto, o papel que instituições, as mais diversas, vêm desempenhando na sociedade
assume particular destaque. Sejam elas sociedades civis, associações, fundações, organizações
não-governamentais, o que importa é que tais entidades têm funcionado como autênticos
instrumentos da "luta pelo direito" em favor dos cidadãos.
Pretendemos, pois, com o presente trabalho, demonstrar como a agregação ou "adesão" dos
indivíduos em instituições constitui medida viabilizadora para reivindicações de ordem variada, ao
mesmo tempo em que as referidas organizações se prestam a reforçar a cidadania daqueles que
as compõem, dando, assim, maior efetividade ao Direito.
2. INSTITUIÇÕES E INSTITUCIONALISMO
A idéia de institucionalismo vem, muitas vezes, ligada à noção de instituições sociais, embora não
se confundam. Na verdade, "os complexos de formas sociais estabelecidas, que visam a assegurar
a unidade e a continuidade do grupo, são chamadas de instituições sociais."
Creio não ser possível falar em institucionalismo sem falar em instituições. Cumpre observar,
entretanto, que o termo "instituição" apresenta uma indisfarçável polissemia que, segundo
LOURAU, se revela "desde a filosofia do direito até os últimos desenvolvimentos da sociologia."
Como bem explica CASAL,
"El término ‘institución’ adolece de una aguda polisemia. Acostumbramos hablar de
‘instituciones jurídicas’ tanto como de ‘instituciones educativas’, ‘políticas’,
‘económicas’, ‘sociales’, ‘religiosas’, ‘militares’, etc. Podrá observarse que los
calficativos que designan los tipos de instituciones distan de ser homólogos entre
sí y esta disparidad afecta el mismo significado de palabra ‘institución’, pues si
puede considerarse una institución jurídica la patria potestad, por ejemplo, los
partidos políticos son definidos como instituciones políticas y el comercio como una
institución económica; la patria potestad es, en general, un conjunto de derechos y
obligaciones que la ley confiere a los padres para la crianza y gobierno de los hijos
hasta la mayoría de edad, mientras que los partidos políticos – al menos para la
tradición clásica – son agupaciones de personas identificadas sobre sí por
opiniones similares respecto a la política y el comercio es una actividad lucrativa
que desarrollan aquellas personas que denominamos comerciantes. En estos tres
casos el término ‘institución’ designa respectivamente: a) un conjunto de derechos
y obligaciones, b) un grupo de personas y c) una actividad humana; es decir, en
cada oportunidad la particularización ‘jurídica’, ‘política’, y ‘económica’ há
modificado el sentido de dicho término, pudiendo hacer outro tanto distintos
calificativos."
E continua o referido autor:
"Largo sería transitar la historia de esta palabra y vano procurar un acuerdo entre
los muchos estudiosos – sociólogos, juristas, economistas, historiadores – que han
intentado asirla en definiciones. De ahondar en la esencia del concepto y revelar
sus rasgos más primordiales, encontraremos las notas semánticas de fundación y
permanencia (instituere, institutum), la idea de cosa establecida: (...) una institución
es un bien social – por ello se establece y perdura – o, dicho de outro modo, es
funcional a las necessidades, intereses o valores de la sociedad."
NÁUFEL, por sua vez, vê no vocábulo "instituição" o "ato ou efeito de instituir. Instituto. Aquilo que
se instituiu ou se estabeleceu. Estabelecimento ou fundação de alguma coisa. Exs.: instituição de
dote, instituição de um legado, instituição da República, instituição da Justiça do Trabalho, etc. (Dir.
Civ.) – Associação, corporação ou organização de fim científico, religioso, beneficente, etc. (Dir.
Pol.) – Pl. As leis fundamentais de um Estado. A constituição política de uma nação. Órgãos da
soberania nacional a quem cabe a administração harmônica do Estado."
LOURAU também nos oferta preciosos esclarecimentos:
"O fato de fundar uma família, o ato do casamento, ou ainda o fato de fundar uma
associação, de iniciar um negócio, de criar uma empresa, um tipo de ensino, um
estabelecimento de socorros são fenômenos que recebem também o nome de
instituição.
(...)
Enfim, formas sociais visíveis, porquanto dotadas de uma organização jurídica
e/ou material, por exemplo, uma empresa, uma escola, um hospital, o sistema
industrial, o sistema escolar, o sistema hospitalar de um país são chamados de
instituições. Na linguagem corrente, empregam-se sobretudo os termos instituição
escolar ou instituição religiosa. Nos demais casos, talvez se prefira falar de
organização, organismo, administração, sociedade, firma ou associação."
Difícil, como se vê, escapar da referida polissemia. Longe de ser pacífico, o termo "instituição"
pode ser tomado em vários sentidos, o que dificulta nosso estudo.
Como observou, ainda, o mesmo autor, "o conceito de instituição é criticado em sua extensão tanto
quanto em sua compreensão." Indo mais além, denuncia: "É particularmente à sociologia norteamericana que se dirige a censura de ter abusado de uma noção que acabou por ser confundida
com outras noções (estrutura, organização)."
Este último aspecto é essencial para a compreensão deste estudo, uma vez que as instituições às
quais nos referimos e que interessam ao nosso institucionalismo são organizações, que podem, ou
não, ser pessoas jurídicas e, nesta qualidade, verdadeiras "unidades abstratas nas quais se
enfeixam determinados direitos subjetivos e certas obrigações, constituídas para alcançar
determinadas finalidades."
Na verdade, estas "pessoas morais" apresentam órgãos próprios, por meio dos quais manifestam e
exteriorizam sua vontade que, certamente, não se confunde com a vontade daqueles que a
constituem.
Vale lembrar, por oportuno, que as pessoas jurídicas podem ser de Direito Público interno, ou
externo, e de Direito Privado (art. 13 CC). Estas últimas estão enumeradas no artigo 16 do Código
Civil Brasileiro e são as associações, as sociedades e as fundações reguladas pelo Direito Privado
(Civil ou Comercial), enquanto as pessoas jurídicas de Direito Público interno se encontram
enumeradas no artigo 14 do mesmo diploma.
Não comportando, aqui, maiores explanações a respeito das pessoas jurídicas, sob pena de
desviarmos o foco deste trabalho, queremos apenas ressaltar que o papel reivindicatório e, ao
mesmo tempo, integrador das instituições de que tratamos, embora seja desempenhado com mais
freqüência por pessoas jurídicas de Direito Privado, pode também ser levado a cabo por pessoas
jurídicas de Direito Público. Tal é, por exemplo, o que se dá com a OAB – Ordem dos Advogados
do Brasil que, sendo uma autarquia federal e, como tal, um "serviço autônomo, criado por lei, com
personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da
Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e
financeira descentralizadas", conforme preceitua o artigo 5º do Decreto-lei nº200, de 25 de
fevereiro de 1967, com a redação que lhe deu o Decreto-lei nº900, de 29 de setembro de 1969,
goza de inequívoca e substancial autonomia, se encarregando, ainda, de reivindicar "com unhas e
dentes" os direitos da classe dos advogados, insurgindo-se mesmo contra certos aspectos da
ordem estabelecida e frustrando, em diversos momentos, os intuitos governamentais.
SZKLAROWSKY, destacando o papel da mencionada instituição, elucida:
"A OAB, ex vi de norma constitucional, possui ainda funções constitucionais
próprias, além da fiscalização profissional, com participação nos procedimentos de
ingresso na Magistratura, no controle da constitucionalidade de leis, na defesa da
Constituição e da ordem jurídica. A jurisprudência, em uníssono, vem perfilhando
esse entendimento, ao proclamar que a OAB é uma autarquia profissional especial
com perfil de serviço público de natureza indireta. Recordem-se, pois, as
características especialíssimas que a Constituição e o Estatuto da Advocacia lhe
conferem, com o reconhecimento expresso da Lei 9649/98."
Entretanto, o que nos interessa numa dimensão mais ampla é a atuação de instituições de
natureza tipicamente privada, posto que organizadas no seio da sociedade e voltadas para a
defesa de interesses sociais, de cunho assistencial ou não, coletivos, difusos, individuaishomogêneos, etc.
As instituições consideradas para o fim deste estudo, reafirmamos, são organizações que enfeixam
interesses comuns dignos de proteção legal, caracterizando-se pela existência de uma estrutura
interna e de uma vontade própria, distinta da vontade daqueles que a constituem, mas não alheia a
esta, e que se expressa por meio de seus órgãos. Para tanto, não se pode perder de vista o fato
de que a sociologia norte-americana modificou o conceito de instituição a ponto de confundí-lo com
o de "estrutura" ou "organização", o que reforça nossa idéia.
Por outro lado, não se pode olvidar que "a importância das instituições tem sido, recentemente,
enfatizada pela vertente teórica do ‘novo institucionalismo’." Mas o que seria o chamado
institucionalismo?
O institucionalismo, como compreenderemos melhor ao longo deste estudo, teve a sua origem em
Maurice Hauriou - pai da doutrina institucional – sendo apontado como uma renovação da filosofia
do direito e da sociologia jurídica. Embora a "teoria da instituição" tenha sido praticamente
esquecida pela maioria dos juristas, tenho que, hoje, pode-se falar em uma retomada do
institucionalismo, dotado, porém, de novas feições, traduzindo-se num movimento ou fenômeno
protagonizado por instituições, as mais diversas, junto aos órgãos de poder, cujos reflexos se
estendem aos planos social, político e jurídico, privilegiando o debate, o diálogo, a reivindicação e
a participação efetiva no "destino da sociedade".
No tópico seguinte, faremos um estudo daquilo que seria a evolução do pensamento institucional.
Sem a pretensão de esgotar o assunto, é nosso intuito mostrar como se deu tal evolução, fazendo
referência aos seus mais importantes responsáveis. Obviamente, o espaço deste trabalho não
comporta o exame aprofundado que o tema, necessariamente, reclama. Contamos, assim, com a
compreensão do leitor.
Para a tarefa proposta, basear-nos-emos, principalmente, na obra de RENÉ LOURAU, intitulada A
Análise Institucional, valendo-nos, também, da contribuição de outros autores, nacionais e
estrangeiros.
3. EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO INSTITUCIONAL
Neste momento, um conceito mais sintético de instituição será útil para bem prosseguirmos nesta
exposição. Assim, segundo GUSMÃO, instituições são "modelos de ações sociais básicas,
estratificados historicamente, destinados a satisfazer necessidades vitais do homem e a
desempenhar funções sociais essenciais, perpetuados pela lei, pelo costume e pela educação."
Nesta perspectiva, o Estado é uma instituição social, da mesma forma que a família, o casamento,
a propriedade, a Igreja, etc. Algumas instituições, por sua vez, são entes jurídicos, tais como o
Estado, a Igreja, com poder criador e garantidor de suas ordens jurídicas. O mesmo autor ainda diz
o seguinte:
"Da definição acima podem-se deduzir as seguintes características das
instituições: perduram no meio social, não sofrendo em suas características
básicas o impacto das transformações sociais, apesar de se adaptarem a elas;
satisfazem a necessidades vitais básicas, como, por exemplo, o casamento, que
atende às de natureza sexual, à procriação e à constituição da família, enquanto
outras são condições fundamentais da ordem social, como o Estado, o governo
etc. Assim, as instituições são estáveis, sem serem imutáveis. Podem satisfazer a
mais de uma função social ou vital básicas, como, por exemplo, o Estado ou o
casamento. Através da História adquirem e perdem funções, como, por exemplo, a
família, que na Antigüidade teve funções políticas, jurisdicionais e de culto,
perdidas com a evolução social, bem como a Igreja, que já fora árbitro de conflitos
internacionais e que já monopolizara o registro civil, hoje da alçada do Estado etc."
Assim, durante nossa "evolução do pensamento institucional", tenhamos em mente que o conceito
de instituição variará conforme o sistema adotado para a análise, o que faz com que apresente
características distintas. Por isto, o conceito de instituição deve ser tomado em seu sentido amplo,
tendo em vista suas características essenciais, quais sejam, algo estruturado historicamente, que
existe na sociedade para a satisfação de necessidades, apresenta durabilidade no tempo e que
tem funções variáveis. Vamos, então, ao estudo da instituição na filosofia do direito.
3.1 A Instituição na Filosofia do Direito
POUND nos ensina que a filosofia do direito teve uma utilidade prática ao tentar solucionar
grandes problemas. Procurou dar uma informação racional do sistema jurídico de certo tempo e
lugar, ou ainda, formular uma teoria geral da ordem legal estabelecida para satisfazer as
necessidades de um determinado período de desenvolvimento jurídico. Como se pode ver, a tarefa
a que ela se propôs é audaciosa, mas útil e louvável.
Ao comentar sobre o papel da filosofia do direito, assim se manifesta:
"Em todas as fases daquilo que razoavelmente pode ser descrito como evolução
legal, a Filosofia jamais deixou de ser um útil servo. Mas em algumas foi um servo
tirano e em todas se apresentou sob formas que mais pareciam de um amo que de
um vassalo. Foi usada para abater a autoridade de uma tradição que já acusava
desgaste; para dobrar regras autoritariamente impostas e que não admitiam
mudanças a novos usos que alteraram profundamente seus efeitos práticos; para
trazer de fora novos elementos ao Direito e criar novos corpos de lei, a partir
desses novos materiais; para organizar e sistematizar as matérias legais
existentes e fortalecer as regras e as instituições vigentes, quando aos períodos de
crescimento sucediam períodos de estabilidade e de reconstrução meramente
formais. Tais foram suas realizações reais e concretas. Contudo, sua finalidade
declarada foi, durante todo esse tempo, muito mais ambiciosa. Pretendeu dar-nos
uma completa imagem final de controle social. Procurou estabelecer uma carta
moral, legal e política que fosse permanentemente válida. Tinha fé em poder
encontrar aquela realidade legal, duradoura e imutável, em que pudéssemos
confiar, tranqüilos, e habilitar-nos a estabelecer uma lei perfeita, mediante a qual
as relações humanas pudessem ser ordenadas para sempre, sem momentos de
incerteza e livres da necessidade de mudar."
Pois bem. Cientes da pretensão da filosofia do direito – importar novos elementos ao Direito, criar
novos corpos de leis, organizar e sistematizar as matérias legais existentes e fortalecer as regras e
as instituições vigentes - voltaremos nossa atenção para as contribuições dadas por alguns de
seus representantes, quais sejam, Rousseau, Hegel, Hauriou e Renard.
3.1.1 Rousseau e o direito subjetivo
Impossibilitados de fazer um estudo das instituições a partir de seus antecedentes na Grécia,
iniciaremos nossa análise do Renascimento, que marcou uma importante etapa na evolução do
pensamento institucional, em razão do humanismo que, então imperante, abriu espaço para a
contestação, crítica e para as chamadas "contra-instituições", principalmente em matéria religiosa,
através de Calvino e do protestantismo, e educacional, com Rabelais e sua Abadia de Télema, que
era uma contra-instituição educativa aos padrões da época.
LOURAU nos explica o que era a instituição àquele tempo:
"Em primeiro lugar, a instituição é um espaço singular. É o lugar clausurado,
marcado, lugar do recalcamento libidinal; lugar recortado no espaço e no tempo
sociais; lugar submetido a normas imperativas, refletindo em parte as normas
sociais da classe dominante, acentuando-as, e instaurando em parte normas
especiais desprezando tanto as regras jurídicas quanto a ‘lei natural’. Lugar onde
as modalidades de entrada (e de participação) e de saída (e de exclusão) são
extremamente codificadas em um sistema simbólico, no qual se reconhece uma
vontade de regulação – sempre problemática – da entrada pela saída. O conteúdo
do conceito designa neste caso estabelecimentos bem delimitados no espaço
social, organizações ou grupamentos definidos por uma seleção e pelas
características de uma clientela, simbolizados no espaço urbano e rural por uma
arquitetura ‘funcional’. Ademais do convento e de outras instituições religiosas,
vêm-nos infalivelmente à lembrança dois tipos de instituições das quais o convento
é a matriz: as instituições hospitalares e as instituições educativas. De maneira
mais geral, pensamos em todas as ‘instituições’ morfologicamente delimitadas no
espaço e no tempo sociais, o quartel, a prisão, etc."
Como não poderia deixar de ser, segue a crítica do mesmo autor:
"O sistema social, determinando excessivamente as particularidades desta forma
social singular que é a instituição educacional (abadia, escola, função de
preceptor, etc.), fragmenta a aparente universalidade da educação como função
‘natural’ de toda sociedade. Para compreender a interação destes três momentos,
isto é, a ação da negatividade de que são portadores uns em relação aos outros,
deve-se explorar o sistema oficial e o sistema oculto de normas, valores, modelos
que tecem as condutas em toda instituição. (...) Hoje em dia, o caráter
superdeterminante do sistema institucional global manifesta-se não somente a
propósito das instituições familiares ou educacionais, mas em relação com as
instituições que têm por função a produção."
Como se pode observar, o conceito de instituição, já àquela época, fazia referência a
estabelecimentos delimitados no tempo e espaço sociais, a organizações ou grupamentos
definidos, seletos, no espaço urbano ou rural, dotados de certas funções. Desconhece, porém, a
necessidade de se investigar, além do sistema oficial, o sistema oculto – diremos interno - de
normas e valores que modelam as condutas no interior da instituição. Por outro lado, o sistema
institucional global alcança também as instituições que se ocupam da produção, não se limitando
às familiares ou educacionais.
Rousseau, a seu turno e, posteriormente, valendo-se do método indutivo, procurou isolar as
estruturas constitutivas de todo sistema social a partir do modelo teórico do contrato.
A este respeito, MALUF destaca "a importância transcendente da teoria contratualista como
primeiro alicerce do Estado liberal. Foi ela a base filosófica da revolução francesa que proclamou:
os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. O fim de toda associação política é a
conservação dos direitos naturais do homem."
Rousseau inaugurou, com isso, uma corrente de reflexão institucional, segundo a qual o Estado
não mais seria a Providência da vida social, ou seja, abandonada a situação de fato à época
(Estado apoiado na Providência divina), a legitimidade estaria confiada ao povo e não àquele.
Este, "organizado em corpo social, passa a ser o soberano único, enquanto que a lei é, na
realidade, uma manifestação positiva da vontade geral." O direito, por sua vez, não seria divino,
mas legal e decorrente da soberania nacional.
Por outro lado, a base de todas as instituições estava na idéia de propriedade privada. Mesmo a
indústria, o comércio e a agricultura estariam ligadas a esta instituição primitiva. Também o direito,
como não poderia deixar de ser, só teria aparecido com a propriedade privada.
Entretanto, é de se notar que o conceito de instituição adotado por Rousseau é "genérico",
aparecendo em várias de suas obras (Ensaio sobre a origem das línguas, Contrato Social,
Discurso sobre a desigualdade e Emílio), bem como em seus escritos sobre o teatro e a música.
Mesmo assim, observa-se em seu conceito de instituição, três significações da maior importância:
a) uma universal, estrutural ou tópica, que se refere a normas instituídas, ou seja, ao que já existe,
ao estabelecido; b) uma singular, morfológica da instituição, que diz respeito às formas sociais
visíveis, tanto eclesiásticas como estatais; c) uma particular, dinâmica da instituição, referente ao
ato de instituir, fundar, modificar o sistema instituído.
Inobstante tenha adotado um conceito genérico, Rousseau contribuiu para o estudo das
instituições, uma vez que em seu "pacto social", base essencial da sociedade, é a atividade social
instituinte que, no dizer de LOURAU, "isola" o direito subjetivo, que, por sua vez, ganhou espaço
nos textos constitucionais. RIOS assim o confirma:
"Generaliza-se, a partir do século XVIII, a idéia do pacto entre soberano e súditos,
e com ela a forma que logo assume de Carta, de Constituição. Para isso
contribuía, não só a necessidade de garantir aqueles direitos fundamentais e de
estendê-los, pelo menos em teoria, a todos os participantes do corpo social; e algo
mais importante, tornar previsíveis as relações de direito público, exigência
indispensável a uma sociedade onde o político tendia a girar na esfera do
econômico."
Recapitulemos: em Rousseau, a base de todas as instituições se encontra na idéia de propriedade
privada que, por sua vez, é, também, uma instituição primitiva. Mesmo o direito só teria surgido a
partir da propriedade privada, ao passo que a lei, expressão da "vontade geral" do povo –
verdadeiro e legítimo soberano quando organizado em corpo social – deveria garantir direitos
fundamentais, que, entretanto, encontraram guarida nos textos constitucionais. Por fim, é a
atividade social instituinte, manifestada no pacto social, que permite vislumbrar o direito subjetivo.
O subjetivismo de Rousseau, porém, foi criticado por LOURAU tendo em vista que: a) o problema
da instituição se acha colocado no fundo de sua discussão sobre o conceito de natureza no
contexto da oposição entre direito civil e direito natural, uma vez que postula o estado de natureza
como sistema de referência da estrutura do sistema social e não como ideal ou projeto político. O
estado de natureza, para ele, é um objeto de conhecimento (nominal), teórico e não real; b) as
instituições do Antigo Regime, fundadas sobre o poder e a influência pessoal, desempenhavam um
papel oposto ao verdadeiro papel das instituições. Isto porque, no "consenso" ou "vontade geral",
as vontades particulares não se confundem com a boa intenção ou o capricho de seu
representante, mas se fundem no sentido de fundação, de modo que o povo, em Rousseau, só
seria povo se tivesse consciência de sua atividade instituinte.
Por outro lado, a "sociologia emigrada", encabeçada pelos contra-revolucionários da Revolução
Francesa, nos dá também a sua contribuição ao estudo das instituições, ao considerá-las como
"idéias dotadas de realidade", assim como as categorias filosóficas de extensão e de matéria.
Sob esta ótica, o institucional não só tem primazia sobre o contratual, mas deve permanecer a
salvo de toda ação política ou jurídica. Segundo aquela corrente, apesar da fragilidade e da
mutabilidade das instituições humanas, é preciso encontrar um núcleo estável, que fosse a
garantia de uma ideologia da estabilidade.
Buscava-se, de um lado, o que há de essencial e estável nas instituições, um "núcleo duro" que
resistisse às transformações sociais, e de outro, contestar o contratualismo de Rousseau, na
medida em que o aspecto institucional gozava de primazia em relação ao contratual e mais,
deveria estar livre, isento de qualquer ação política ou jurídica.
3.1.2 Hegel e o direito objetivo
Posteriormente, Hegel, reagindo violentamente contra o subjetivismo de Rousseau, se utilizou do
objetivismo, do direito objetivo para conceituar instituição, conferindo a ela a "significação de
coação exterior e legítima, que tende a se confundir hoje em dia com a definição dada pelo bomsenso e pela ideologia dominante."
Afastando, desde logo, a moralidade subjetiva como fundamento suficiente do direito, "Hegel dá
uma resposta que por muito tempo marcará a filosofia do direito: o Estado de fato constitui a base
de todas as instituições."
Procura, assim, estabelecer os critérios objetivos da instituição, atribuindo a ela, no dizer de
LOURAU, o sentido de "instância fundadora da sociedade (propriedade privada, casamento,
Estado, etc.)".
Distinguindo a "instituição" da "corporação", tem-se que aquela seria uma mediação inconsciente,
interior, através da qual os indivíduos teriam consciência de si, ao passo que esta, uma mediação
exterior, imposta somente a uma classe de indivíduos. Destaca, dessa forma, o caráter universal
de seu conceito.
O sujeito, por sua vez, só existe a partir da instituição, na condição de "instituído", por ela ou contra
ela. Simbolicamente, as instituições reproduzem no Estado e na sociedade civil o sistema de
parentesco objetivado na família, seu modelo institucional.
Hegel combate o contratualismo de Rousseau, deixando-nos o legado de que o "institucional
prevalece sobre o contratual". Família, casamento, Estado e Constituição não seriam resultantes
de um contrato. Nítida, como se pode ver, a querela entre a corrente do direito objetivo e a do
direito subjetivo.
Sua gana de negar completamente o direito subjetivo levou Hegel a desconsiderar dois momentos
importantes do conceito de instituição, quais sejam os da singularidade (que atribuiu à corporação)
e o da particularidade, por assim dizer, "esvaziando" a atividade instituinte do indivíduo e da
sociedade civil. Vislumbrou no poder instituído do Estado a única ação social legítima.
Destacou, mais que qualquer outro filósofo, o momento da universalidade do conceito de
instituição, mas não conseguiu suprir sua falha – a desconsideração daqueles dois momentos.
Observa-se, ainda, um misticismo, um mistério em seu conceito de instituição: não se sabe se a
instituição é objeto real ou objeto de conhecimento. Hegel tende a identificar o conceito de
instituição com a coisa instituída. FARIAS também o confirma, esclarecendo:
"Hegel tende a identificar o conceito de instituição com a coisa instituída,
convalidada pelo único fato que o Estado lhe garante: o casamento, a propriedade
privada, a religião, a administração, as classes sociais, a escola, a usina, a prisão,
o asilo – as formas sociais ficam num estado estático. A operação de fundação das
instituições é o momento que faz nascer o constituído na história, e este é
identificado à razão, à idéia realizada, ao Estado. O Estado é, por conseqüência, o
único constituinte e a constituição é a fonte de todas as outras instituições."
Tomando o Estado como origem e fim, tornou-se filósofo do Estado. No dizer de LOURAU, "em
Hegel não se sabe afinal se é a existência do Estado que legitima a existência do filósofo do direito
ou se é a filosofia do direito que legitima a existência do Estado."
Apesar de ter esvaziado de alguma forma a atividade instituinte do indivíduo e da sociedade civil,
destacou o papel instituinte do Estado, bem como o caráter universal do conceito de instituição.
Seja como for, o referido filósofo deu a sua contribuição ao estudo das instituições.
3.1.3 A tentativa de síntese de Hauriou e Renard
3.1.3.1 Hauriou
Por fim, dentro ainda da filosofia do direito, observamos em Maurice Hauriou e George Renard,
representantes da sociologia francesa, uma tentativa de síntese entre o direito subjetivo de
Rousseau e o direito objetivo de Hegel.
Hauriou, com sua Teoria Institucional, propôs uma alternativa (não uma antítese) ao
contratualismo, no intuito conter os excessos da doutrina da autonomia da vontade privada.
Oportuna, a este respeito, a lição de XAVIER:
"A Teoria Institucional, na verdade, buscava desmistificar um individualismo
exacerbado que se utilizava do contrato como um instrumento de extrema
potência, que atingira culminância mormente em alguns códigos civis europeus, e,
por outro lado, visava aquela Teoria conseguir um maior prestígio para o social e
para o coletivo."
As instituições seriam, assim, entes coletivos surgidos a partir de um agrupamento consciente ou
de uma necessidade dos indivíduos, mas não de uma vontade privada autônoma do tipo
contratual. Haveria, na verdade, uma relação de fato, de inserção, ocupação ou incorporação,
enfim, um status do qual surgem direitos e obrigações para o indivíduo.
Observe-se, por oportuno, o destaque dado ao caráter associativo existente na instituição, que
nada tem de contratual, embora seus membros tenham direitos e obrigações.
Por outro lado, estariam presentes nas instituições os atributos da duração, continuidade e
realidade, tanto na história como no direito. Neste contexto, o casamento, a propriedade privada, a
religião, a administração, as classes sociais seriam formas sociais existentes e duradouras,
aparentemente imutáveis.
A própria realidade nos ensina que, estratificadas historicamente, as instituições se transformam,
perdem e adquirem funções. Qualquer imutabilidade é mera pretensão acadêmica. De qualquer
modo, inegáveis a sua realidade, continuidade e durabilidade.
O fundamento da sociedade e do Estado, a seu turno, estaria na própria operação de fundação de
uma instituição. Enquanto que, para Hegel, o Estado teria sido constituído, e todas as instituições
instituídas por ele - como resultado de um processo baseado na razão, no saber, na idéia realizada
- para Hauriou, até mesmo o Estado seria uma instituição, carecedora de um fundamento jurídico.
Observamos em Hauriou uma distinção entre instituições-pessoas e instituições-coisas, sendo que
as primeiras preponderam no conceito que adota, de instituição como idéia de uma obra ou
empreendimento que se concretiza, se torna real e que perdura, prolonga no tempo, num meio
social. Para realizar esta idéia, organiza-se um poder que, para tanto, cria órgãos. As
manifestações do "desejo comum" dos membros do grupo social interessado em realizar aquela
idéia seriam dirigidas pelos órgãos de poder e regulamentadas por procedimentos.
A este respeito, destaca LOURAU o fato de que Hauriou teve o mérito de correlacionar a instância
estática (instituição como idéia) com a instância dinâmica (instituição como obra ou realização),
onde se vê uma valorização do momento da universalidade de Hegel, no qual a instituição é
considerada um "lugar de ação social".
Hauriou, como vimos, se utiliza também da idéia tradicional de sociedade como "corpo dotado de
órgãos". Este organicismo também é encontrado em Hegel.
Como não poderia deixar de ser, em sua análise institucional, LOURAU faz a seguinte crítica:
"Com efeito, se Hauriou introduz a dimensão essencial do ‘grupo social’ (o qual,
enquanto momento da singularidade, era ocultado por Hegel), não conseguiu
reunir, conforme era sua ambição, a reivindicação do direito subjetivo e a
reivindicação do direito objetivo."
Ao tratar das manifestações de consenso, de desejo comum, dirigidas pelos órgãos de poder e
regulamentadas via procedimentos, observamos uma "juridicização" do processo social, ou seja,
uma tentativa de reintroduzir a idéia do direito neste último. LOURAU o confirma:
"O consenso ‘produz-se’ depois que os órgãos do poder já realizaram o conceito
de instituição na sociedade. A instituição já tem existência, permite a vida social,
mas supõe uma vida social anterior, da qual nada sabemos, a não ser que Hauriou
designa estas obscuras origens pelo termo ‘fundação’. Os fundadores não são
agentes sociais, mas os agentes de poder. Será que encontramos novamente, de
outro ponto de vista, o paradoxo de Rousseau? No nível dinâmico de conceito de
instituição Hauriou, como bom tradicionalista, coloca a ação instituinte no quadro
rígido de uma direção orgânica e de procedimentos. Quando conhecemos a
insistência com que freqüentemente mostrou que o direito, longe de fazer as
instituições era produzido por elas, somos obrigados a concluir, na definição de
que nos ocupamos, que é entretanto o direito que ‘faz’ não somente a vida social
mas também, em certa medida, a própria instituição."
O certo é que Hauriou não se filiou à corrente do direito objetivo e nem à do direito objetivo. Tentou
uma síntese, pôs em destaque o consenso necessário para que a instituição tivesse uma
existência efetiva e legítima. É nele – consenso - que reside o aspecto subjetivo de suas
instituições.
No seio das instituições, "a colaboração do meio", a participação na gestão, não constituem
apenas direitos, mas, sim, condição essencial para o funcionamento normal daquelas.
Hauriou supôs ainda, o reconhecimento de uma instância inconsciente da instituição, por assim
dizer, "introjetada" em nós, de modo que situações jurídicas que pareciam manter-se por si
mesmas, na realidade, estão ligadas a idéias gravadas de modo inconsciente na mente dos
indivíduos, inclusive dos juízes.
Em verdade, não se pode vislumbrar uma instituição sem um ato instituinte, que, para Renard era o
mesmo que a "fundação" de uma instituição. Contudo, para Hauriou, esta fundação exige o
consenso, sendo o ato instituinte sempre um ato coletivo.
Cumpre observar, porém, que "a capacidade instituinte não pode de nenhuma maneira ser
privilégio do governo, do aparelho do Estado." Se assim o entendêssemos, estaríamos, atribuindo
ao Estado – que é uma criação humana – a qualidade de fonte de idéias que preexistem a toda
ação humana.
Na Teoria da Instituição, parte-se de uma noção de liberdade humana como liberdade "de
empreendimento", de ação que visa a um resultado. Observa-se, no estudo de Hauriou, aspectos
muito interessantes, como, por exemplo, aquele no qual se vê no homem uma instituição, e mais, a
possibilidade de uma instituição corporativa – empresa – "assimilar" a personalidade humana. Para
tanto, estariam presentes na empresa todos os seguintes elementos: uma idéia de obra a realizar,
um poder de direção e consenso.
Na interiorização, processo que descreve a relação entre o indivíduo e a instituição, existiriam duas
fases, quais sejam a incorporação e a personificação. Pela primeira, o indivíduo "introjetaria" a
regra institucional e seria apoiado pela existência formal da instituição. Pela segunda, haveria a
"continuidade subjetiva", onde o indivíduo, aderindo livremente a ela, refletiria em si mesmo a
instituição. Observa-se, assim, mais uma vez, uma tentativa de reconciliação entre os direitos
subjetivo e objetivo na doutrina do jurista de Toulouse.
Na personificação está o "embrião" subjetivo das instituições, mas seu elemento objetivo está em
seu corpus, onde se encontra a "idéia diretora" (idéia de obra a realizar no grupo social e que
traduz um projeto coletivo) e o poder organizado (posto a serviço desta idéia para sua realização),
que é, pois, muito mais jurídico do que a própria regra de direito.
Segundo FARIAS, a idéia diretora tem como objetivo "apreender o direito na sua realidade
fenomenal imediata e objetiva, enquanto experiência humana e social corporificada nas
instituições, como os sindicatos, as associações, as sociedades anônimas, o Estado, etc."
Entretanto, se por um lado, no dizer de GUSMÃO, "a Teoria da Instituição encontra na instituição a
origem do direito", por outro, as regras de direito são elementos de conservação e duração para as
instituições. O certo é que, na concepção de Hauriou, a instituição é o verdadeiro elemento do
sistema jurídico. Aquela é que faz as regras de direito e, não, o contrário.
Pelo exposto, já se pode descortinar, ainda que por instantes, a importâncias das instituições para
o direito. Porém, em momento posterior deste trabalho, densificaremos ainda mais a doutrina de
Hauriou, voltada de modo específico para nosso tema central. Agora, vamos analisar a
contribuição de Renard para o estudo das instituições.
3.1.3.2 Renard
George Renard, em sua obra La Théorie de l’institution, se apresenta como um continuador das
teses de Hauriou sobre a instituição, vendo-a como uma entidade jurídica - um sujeito de direito cuja raiz está no indivíduo.
Quanto à operação de fundação de uma instituição, assunto que Renard destacou, tem-se que a
mesma trata sempre de um ato instituinte que, por sua vez, é sinônimo de instituição no sentido
ativo do termo. Esta operação de fundação não se dá por imposição, nem legal, nem do Estado, de
uma religião, empresa, etc. Não se trata de uma obrigação que se aceitou. Ao contrário, a
participação pessoal neste processo é essencial, chegando mesmo a estabelecer-se uma relação
dialética entre pessoa e instituição. Pessoas vivem inseridas em instituições e estas, também,
vivem de uma participação na vida das pessoas que a integram.
Renard, como sói acontecer, também se deparou com a questão de instituir as pessoas morais
(pessoas jurídicas), vendo nela um problema intrincado, que LOURAU analisou da seguinte forma:
"Com efeito, o ‘encaixamento’ mencionado parece sugerir que a ‘pessoa’ só é
observável em suas ações de pertencer e suas identificações, tese que a
sociologia americana dos grupos propõe na mesma época, e que Merton retoma
em sua teoria do grupo de referência. É uma tese aparentemente muito
nominalista, porque segundo ela o eu é a resultante de uma série de influências
institucionais. É quando não um ‘bricabraque de identificações’, segundo a fórmula
de Pontalis, ao menos um bricabraque de institucionalizações. Contudo, o
encaixamento de que se trata é o do ‘título da pessoa humana’ nos títulos de suas
múltiplas relações institucionais. A relação estabelece-se entre ‘títulos’ individuais
e institucionais, não entre um sujeito (o indivíduo) e um objeto (a instituição). O
indivíduo vive, fala, age em nome de seus modos de pertencer institucionais, mas
estes modos e estas instituições só existem porque o indivíduo lhes dá um nome."
Renard estudou o "fenômeno institucional", começando por ver que a fundação, no sentido jurídico
do termo, se refere a uma destinação de bens e capitais para uma "dotação perpétua". Dessa
forma, acreditou no "funcionamento indefinido" de uma obra. A este respeito, LOURAU esclarece
que "a idéia de perpetuidade, de duração quase infinita, que é ligada à instituição pela filosofia do
direito em geral, encontra aqui sua base jurídica, e esta base é de fato material, pois se trata de
capitais." Entretanto, alerta que "o fenômeno institucional não é observável apenas no nível das
organizações que já têm um longo passado. Renard evoca igualmente o sindicato (cuja fundação,
na França, data da lei de 1884) e a associação de acordo com a lei de 1901, outra fundação da II
República."
Renard, como se depreende das passagens acima, contribui para nosso estudo na medida em que
destaca o aspecto jurídico das instituições. Vale-se, para isso, da fundação que tem, sob certo
aspecto, materialidade, representada por uma dotação de bens. O aspecto da durabilidade das
instituições também não foi ignorado.
Por outro lado, é de se notar que o fenômeno institucional é mais amplo e abrangente do que a
mera organização sob a forma de fundações, sindicatos, associações. Tal fenômeno pode se
verificar nestas corporações e através delas, mas não se limita a elas.
Veremos em outro tópico, que o aspecto de grupo, de união, está no centro do institucionalismo. A
criação ou fundação, mesmo informal, de um grupo operoso de cidadãos pode, não raras vezes,
ser mais eficiente do que uma instituição formalizada. Embora não se possa vislumbrar um
institucionalismo sem instituições, o mais importante é o indivíduo e o grupo que existem por trás
delas e que justificam sua atuação. Assim, a forma ou "aparência" jurídica destas instituições
assume importância secundária.
Renard viu na instituição um conceito flexível, algo que se "mexe", cujas fronteiras não são fixas,
rígidas. Tenho, pois, que esta idéia é interessante, uma vez que, para Renard, a finalidade
universal da instituição, seu momento de universalidade, é a sua continuidade. A perpetuidade de
uma instituição rígida é menos provável que a de uma instituição flexível e, por outro lado, a
adaptação é fundamental para a sobrevivência, quer seja do ser humano, quer seja das
instituições.
LOURAU nos dá a família como exemplo de instituição que se perpetua. Bom exemplo, na
verdade, pois a família tem se modificado e subsistido. O antigo esquema pai – mãe – filhos, hoje,
não satisfaz mais. O artigo 226 de nossa Lei Maior, considera a união estável entre homem e
mulher uma entidade familiar, o que se dá, também, com a comunidade formada por qualquer dos
pais e seus descendentes. Mesmo o Estado conheceria diferentes graus de existência institucional.
Por outro lado, Renard parece substituir a continuidade da instituição pela objetividade, no sentido
de que a instituição é real, ou seja, uma instância morfologicamente observável, onde se verifica,
também, uma coação exercida pelas normas instituídas.
Observou, nas instituições (instituições-grupos ou instituições-pessoas), uma estrutura dotada de
órgãos "hipostasiados", que têm, além de uma "posição", direitos e deveres dentro dela. Graças a
isto é possível ao homem pertencer a várias instituições independentes. Como se pode ver, o
organicismo de Hauriou aparece também em Renard.
Estes órgãos, cuja atuação é baseada na isonomia, vez que é comum um dos órgãos da instituição
agir por ela, representá-la, são responsáveis por uma "dinâmica institucional". Há, pois, assim, uma
"troca absolutamente recíproca", um "equilíbrio" entre aqueles órgãos. Se assim não fosse,
teríamos uma burocracia, não uma instituição. LOURAU, em sua percuciente análise, diz o
seguinte:
"A posição dos ‘órgãos’ (ou melhor, das instâncias) na estrutura institucional não
sugere somente uma topologia institucional, mas também uma dinâmica
institucional. Estas instâncias não são encaixadas umas nas outras como os
‘serviços’ de uma organização. Estão em movimento umas em relação às outras,
em relação ao todo (‘a instituição é uma coisa que se mexe’). Este movimento é
produto de uma ‘energia social’ e produz uma ‘energia institucional’, isto é, a
conservação do instituído e, pela discussão do instituído, da capacidade instituinte.
(...) Se nos lembrarmos que estas instâncias não são funcionais mas simbólicas,
traduziremos a formulação de Renard da seguinte maneira: as instâncias
institucionais formam um sistema."
Dessa forma, o indivíduo faz parte de uma instituição (e pode, como vimos, pertencer a várias
instituições independentes) que, por sua vez, é um sistema dentro de um outro "sistema
institucional total", que é a sociedade em que ele vive. A instituição se apresenta, então, como um
subsistema de outro sistema maior e mais amplo. Contudo, ensina-nos o autor que as instituições
– estes subsistemas - mantêm entre si uma solidariedade, relações recíprocas que garantem a
isonomia social, ao menos no plano imaginário, na ideologia ou no direito.
De todo o exposto, vê-se que a questão do Estado também integra o chamado "mistério da
instituição". Hauriou e Renard não conseguiram fazer a síntese, ou melhor, a reconciliação entre
Rousseau e Hegel, mas serviram para mostrar que esta questão faz parte de um problema mais
amplo, qual seja o das relações entre o institucional e o contratual.
Como veremos no item seguinte, estas relações também se refletem no sistema ou modo de
produção – o lucro vai ser, por assim dizer, a "instituição primordial" do modo de produção
capitalista. Sob este aspecto, Marx e seus sucessores se propuseram a tarefa de analisar as
deficiências e contradições da teoria institucional no plano da economia e da "organização".
3.2 Marxismo e Instituições
A fim de compreendermos melhor a análise institucional formulada por Marx, faz-se necessário
conhecer, primeiramente, o método de que se utilizou para abordar o tema. Sabemos, contudo,
que sua preocupação estava em descobrir como dado fenômeno se produz.
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Alan Pereira de Araújo. Advogado em Belo