Ampliando o acesso ao sistema de
saúde no Brasil por meio da inovação
Um relatório do Economist Intelligence Unit
Patrocinado por
Ampliando o acesso ao sistema de saúde
no Brasil por meio da inovação
Prefácio
Ampliando o acesso ao sistema de saúde no Brasil por meio da inovação é um relatório de pesquisa
do Economist Intelligence Unit, patrocinado pela Roche. O Economist Intelligence Unit conduziu a
pesquisa e a análise e redigiu o relatório. O autor é Daniel M. Branco e a responsável pela edição é
Katherine Dorr Abreu.
O Economist Intelligence Unit gostaria de agradecer a todos que dedicaram seu tempo e suas ideias
para este projeto.
Novembro 2010
1
© Economist Intelligence Unit Limited 2010
Ampliando o acesso ao sistema de saúde
no Brasil por meio da inovação
Introdução
A
economia brasileira está em rápida expansão devido ao crescimento dos mercados de crédito,
aumento da classe média e maiores investimentos em infraestrutura. Contudo, as sérias deficiências
no setor de saúde representam um dos principais empecilhos para que ela atinja um padrão de
prosperidade equivalente ao dos países desenvolvidos. Para aumentar a eficácia e também a inovação
do sistema de saúde, será preciso implantar grandes mudanças na gestão empresarial dos provedores
de serviços de saúde e das empresas farmacêuticas, de biotecnologia e de equipamentos e productos
médico-hospitalares. (Nesse relatório, usamos o termo “indústria de ciências da vida” para descrever esse
conjunto de empresas.)
A demanda mundial por commodities e um mercado interno em expansão estão dando forte impulso
à diversificada economia brasileira. Nos últimos 20 anos, o país pôs em dia seus assuntos econômicos e
políticos, adotando medidas estáveis que deram aos investidores a confiança necessária para criar e expandir
seus negócios. Tanto a burocracia opressiva quanto a pesada tributação, somadas à carência histórica de
investimento em infraestrutura, continuam a constrangir o crescimento, mas não é razoável fazer uma
comparação direta com as excepcionais taxas de crescimento demonstradas por gigantes emergentes como
a China e a Índia: os índices de renda per capita da China e da Índia são muito menores do que os do Brasil.
Graças à implantação de um sólido leque de políticas, ao seu sistema financeiro e à diversidade econômica,
o Brasil passou quase incólume pela crise de 2008-09. Para 2010, o Economist Intelligence Unit prevê
A economia do Brasil vai crescer mais do que de seus vizinhos até 2020
% de mudança no PIB real
Brasil
Argentina
México
India
China
EUA
12
10
8
6
4
2
0
2005
* Previsão
2
2008
2010*
2012*
2014*
2016*
2018*
2020*
Fonte: Economist Intelligence Unit
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um crescimento real do PIB de 7,8%, que apenas em parte é resultado dos gastos na véspera das eleições
presidenciais em outubro deste ano.
As estimativas econômicas de longo prazo também são favoráveis: prevemos um crescimento médio anual
do PIB de 4,4% para a próxima década. Estima-se que em 2030 o Brasil será a quinta maior economia do
mundo, avaliada em US$ 3,7tri. A população passará de estimados 197 milhões em 2010 para 220 milhões
em 2030. A classe média está em expansão, o que aumenta a demanda por bens de consumo e também por
melhorias nos sistemas de educação e saúde. Quase 60% dos domicílios brasileiros tem renda anual entre
US$ 5.000 e US$ 10.000, e estima-se que esse número irá aumentar até 2020. Programas de transferência
condicional de renda, como o “Bolsa Família”, ajudaram a melhorar a situação dos mais pobres, encorajando
Economia brasileira entre as mais desiguais do mundo
Índice Gini*
Suécia
25.0
Índia
36.8
EUA
40.8
México
46.1
China
46.9
Argentina
51.3
Chile
54.9
Brasil
57.0
* O Índice Gini mede quanto a distribuição de rendas domiciliares ou de indivíduos em um país desvia de uma distribuição perfeitamente equitativa. 0=igualdade absoluta,
100=desigualdade absoluta. Dados mais recentes.
Fonte: Banco Mundial
famílias a vacinar suas crianças e mantê-las na escola. De fato, como resultado de tais medidas, a notória
desigualdade de renda brasileira diminuiu na última década, embora ainda continue alta para os padrões
mundiais e até mesmo regionais.
O Brasil está colhendo os frutos de uma população jovem. Estima-se que a força de trabalho em potencial
do país – pessoas entre 15 e 64 anos de idade – continue a crescer mais rapidamente do que a população
total, antes de atingir seu ápice em 2029. Esse “dividendo demográfico” estimulará o crescimento, mas o
seu impacto dependerá da capacidade do país de utilizar seus recursos da maneira eficaz. Isso depende, em
grande parte, do grau de saúde e preparação/capacitação de seus trabalhadores.
Embora o país tenha tomado medidas significativas para melhorar a saúde da população, é preciso fazer
mais. O setor de saúde enfrenta diversos desafios para alcançar as metas de acesso universal a um sistema
de saúde de qualidade e de uma indústria de ciências da vida competitiva. As seções a seguir tratarão de três
desses desafios:
l acesso deficiente ao sistema de saúde, tanto no setor público quanto no privado;
l ausência de inovação;
l dados insuficientes e de baixa qualidade em todas as áreas de atendimento.
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O sistema de saúde brasileiro: desejo
versus realidade
Indicadores brasileiros mostram a
fragilidade do setor de saúde
Em teoria, o Brasil possui um dos sistemas de saúde
mais inclusivos do mundo. A constituição de 1988
garantiu o acesso universal e total à saúde, desde
a prevenção de doenças básicas até transplante de
órgãos. Para satisfazer a essa exigência, que inclui o
acesso eficiente e eficaz para todos, a constituição criou
o Sistema Único de Saúde (SUS), administrado pelo
governo.
Sob diversos aspectos, o SUS é um modelo de
sistema universal de saúde. Os municípios e estados
têm autonomia para prover serviços de saúde de
acordo com sua necessidade, e o governo federal dá o
apoio financeiro e tecnológico necessário. E o sistema
tem tido sucesso. O programa de combate ao HIV e à
AIDS, por exemplo, é considerado um dos mais bem
executados do mundo. Somente 1% da população
brasileira convive com a doença, um número bem
abaixo da média mundial. Sob uma perspectiva mais
abrangente, o SUS pode ser considerado uma grande
conquista para o Brasil.
No entanto, para os indivíduos que dependem
totalmente do sistema, a realidade é bem diferente.
Existem apenas 1,3 médicos para cada 1.000
habitantes, sendo que metade deles opera no setor
privado, e apenas 2,2 leitos para cada 1.000 habitantes.
Se comparada com a de outros países latino-
Mortalidade infantil (para cada 1.000 nascimentos)
No. de médicos (para cada 1.000 habitantes)
No. de leitos hospitalares (para cada 1.000 habitantes)
Índia
30.1
0.6
0.6
Brasil
22.6
1.3
2.2
China
20.2
1.7
2.5
México
18.4
2.2
1.1
Argentina
12.1
3.2
4.0
EUA
6.2
3.3
3.0
Itália
3.9
5.5
6.0
Canadá
1.9
5.0
3.4
Espanha
4.2
4.6
3.4
Fontes: Economist Intelligence Unit; Organização Mundial de Saúde. Dados de 2009.
americanos, a porcentagem do PIB gasta com saúde no
Brasil é significativa. Mas os índices da área de saúde
mostram que o país não está alcançando os resultados
necessários. O Economist Intelligence Unit estima que
Indicadores de saúde por região no Brasil
Brazil
North
Northeast
Southeast
South
Centre-west
Mortalidade
infantil (por
cada 1.000
nascimentos)1
Mortalidade
por infecções e
parasitas1
Mortalidade por
complicações
no período prénatal1
Número de
médicos (por
cada 1.000
habitantes)2
20.7
22.8
29.8
15.0
13.3
17.1
4.92
6.89
5.49
4.67
4.00
5.35
2.99
7.19
4.40
2.17
1.90
3.27
1.74
0.85
1.03
2.33
1.81
1.76
Número de leitos hospitalares (por
cada 1.000 habitantes)3
Overall
2.41
1.85
2.27
2.44
2.76
2.62
Overall
2.04
1.59
2.19
1.93
2.22
2.25
1. Fonte: DATASUS, dados de 2006. 2. Fonte: DATASUS, dados de 2007. 3. Fonte: DATASUS, dados de 2005
4
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em 2009 8,4% do PIB brasileiro foi gasto em saúde
pelos setores público e privado, em comparação com
9,3% na Argentina, 7,3% no Chile e 6,4% no México.
No entanto, a mortalidade infantil é estimada em 23
para cada 1.000 nascimentos, maior do que a taxa da
Argentina, Chile, Costa Rica e México. A expectativa de
vida, embora tenha aumentado, está entre as menores
da América Latina, alcançando uma média de 72,3 anos.
As diferenças regionais no Brasil são bastante
acentuadas. Nas regiões mais ricas do sul e sudeste,
as taxas de mortalidade infantil são de 13,3 e 15,
respectivamente, um grande contraste com as regiões
mais pobres do norte e nordeste, que atingem 29,8 e
22,8, respectivamente. O acesso ao sistema de saúde
continua limitado, apesar de programas como o Bolsa
Família, do foco na prevenção e em serviços de saúde
básicos e de empreendimentos inovadores, como a
fusão de recursos municipais para prestar serviços que
um único município não teria condições de financiar.
A principal causa desses problemas é que o SUS não
recebe financiamento adequado. Os planos privados,
previstos na constituição como um suplemento ao
atendimento público, tornaram-se um sistema paralelo
utilizado por aqueles que têm condições de pagar por
ele. Aproximadamente 22% dos brasileiros utilizam
planos de saúde privados; o restante depende do SUS.
5
Apesar disso, o governo é responsável por apenas 44%
dos gastos totais do país com saúde. Os 56% restantes
são oriundos do setor privado. E, desses 56%, os
consumidores pagam dois terços diretamente do bolso.
Em comparação, nos países da OCDE os governos são
responsáveis por 70%, em média, de todos os gastos
com saúde.
A indústria de ciências da vida do Brasil tem
um peso significativo, mas não é líder em termos
de inovação. Empresas tanto nacionais quanto
multinacionais suprem as necessidades farmacêuticas
e médicotecnológicas do país. O Brasil é detentor do
décimo maior mercado farmacêutico do mundo, mas o
gasto per capita com medicamentos é apenas metade
do índice alcançado pelo México, e apenas 5% do índice
alcançado pelos EUA. De acordo com a ANVISA (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária), existem 1.398
fabricantes de medicamentos no Brasil, e um relatório
de 2009 da ABIMO (Associação Brasileira da Indústria
de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos,
Hospitalares e de Laboratórios) identifica 448
fabricantes de material e equipamento odontológico,
médico e de diagnóstico.
1. A expectativa de vida relativamente baixa do Brasil também
reflete sua alta taxa de óbitos causados por assassinatos e
acidentes.
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Primeiro desafio: Acesso deficiente ao sistema
de saúde
A
2. http://www.
monitordesaude.blogspot.
com/ ,1º de agosto de 2010.
3. http://www.
saudebusinessweb.
com.br/noticias/index.
asp?cod=71618
6
garantia constitucional de acesso universal à saúde no Brasil não está sendo cumprida. De acordo
com um estudo feito por André Medici, economista-sênior da área de saúde do Banco Mundial, em
2008 quase 20% dos brasileiros não tinha acesso aos serviços de saúde, muitas vezes devido a barreiras
econômicas, institucionais e até mesmo geográficas.2 Isso pode ser explicado em grande parte pela verba
insuficiente e pela ineficiência no fornecimento dos serviços de saúde.
Limitar o acesso das pessoas aos serviços de saúde pode ajudar pagadores públicos e privados a
equilibrar suas finanças no curto prazo, mas simplesmente posterga o acerto de contas final. Na verdarde,
afastar as pessoas talvez só agrave o problema: os tratamentos inadequados acabam resultando
em pessoas mais doentes, que depois necessitam de cuidados mais dispendiosos. Essa abordagem
obviamente compromete o objetivo de manter a população sadia.
No Brasil, tanto o setor público quanto o privado padece de verba insuficiente. Desde sua criação,
em 1988, o SUS sofre com a escassez de verbas. Um imposto sobre transações financeiras, elaborado
especificamente para auxiliar o sistema de saúde, foi revogado depois que grande parte dos fundos passou
a ser desviada para outros propósitos. Uma emenda constitucional (EC-29), aprovada em 2000, definiu
contribuições mínimas para o sistema de saúde em todos os níveis de governo, mas nem o governo federal
e nem os estaduais cumpriram suas obrigações.
Segundo o deputado Darcisio Perondi, líder da Frente Parlamentar de Saúde (um grupo apartidário do
Congresso que dedica à área da saúde), a EC-29 gerou maior estabilidade no financiamento público do
sistema de saúde, mas precisa de uma reforma urgente. “Há dez anos, o governo federal era responsável
por 75% dos gastos públicos totais com a saúde, o que correspondia a 10% de sua arrecadação fiscal.
Hoje, ele é responsável por 48% dos gastos, contribuindo com apenas 7% da arrecadação fiscal. Além
disso, somente dez estados cumprem suas obrigações.” Assim, o ônus do financiamento da saúde recai
sobre os governos municipais. Segundo um relatório recente da Organização Mundial de Saúde (OMS),
98% dos municípios cumprem suas obrigações fiscais3, mas a qualidade da assistência varia muito,
refletindo a riqueza relativa entre eles.
O setor privado mobilizou-se para preencher essa lacuna no sistema de saúde público. Originalmente,
os planos privados seriam responsáveis por uma cobertura suplementar, de acordo com a constituição
brasileira. Hoje em dia, tais planos, regulamentados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS),
oferecem cobertura para 43 milhões de pessoas (no ano 2000, esse número era de 30 milhões). Eles são a
principal, se não a única, forma de acesso à saúde utilizada pelos indivíduos que possuem planos privados.
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Fazendo muito com pouco: a Índia explora novos
modelos
A Índia enfrenta muitos dos mesmos desafios que o Brasil e é um
exemplo de abordagem inovadora no campo da saúde. O país
está alavancando seu papel como pesquisador e fabricante de
medicamentos genéricos para aumentar o valor de sua produção,
desenvolvendo medicamentos genéricos de marca e novas
formulações para medicamentos já existentes, por exemplo. Através
da “farmacologia reversa”, a Índia está desenvolvendo e lançando
medicamentos baseados em seus tratamentos tradicionais com um
custo muito inferior ao de medicamentos desenvolvidos por empresas
ocidentais – US$ 50 milhões e US$ 1bi, respectivamente.4 Empresas
indianas, como a Glenmark, já estão operando no Brasil e têm a
intenção de expandir seu modelo de negócios no país.
A Índia também está inovando na área de serviços de saúde. O
Hospital Narayana Hrudayalaya, em Bangalore, com 1.000 leitos,
realiza cirurgias coronárias de alta qualidade e no entanto baratas.
Seus cirurgiões, que são assalariados, realizaram 3.174 cirurgias de
ponte de safena e operaram 2.777 pacientes de pediatria em 2008,
mais do que o dobro do índice dos principais hospitais especializados
dos EUA. O índice de intervenções bem sucedidas dos médicos do
Narayana é maior do que a de seus colegas do estado de Nova York,
e as taxas de mortalidade e de infecção hospitalar são iguais às
dos melhores hospitais no resto do mundo. O hospital divulga que
tem uma margem de lucro de 7,7%, maior do que a média para os
hospitais dos EUA, mas cobra US$ 3.000 ou menos por cirurgia, em
comparação com o valor de US$ 5.000-7.000 cobrado pelos hospitais
privados da Índia e de até US$ 50.000 nos EUA. Com novas mudanças
nos processos, negociações com os fornecedores e parcerias criativas,
o Narayana Hrudayalaya planeja reduzir ainda mais seus custos.
Se adotar tal perspectiva inovadora, o Brasil pode fortalecer suas
vantagens competitivas de modo a alavancar sua posição mundial
nessa área.
4. “Preparing for a Demographic Dividend roundtable”, Strategy+Business, maio
de 2010.
5. Wall Street Journal, novembro de 2009; Health Economics, Wharton School of
Business, julho de 2010.
Mas a falta de verba é também um problema no setor privado. O resultado é que muitos planos de saúde
e hospitais fecharam suas portas. Em 2000, havia mais de 2.000 empresas de seguro de saúde registradas;
hoje, há menos de 1.200. Os planos de saúde aumentaram suas mensalidades além da taxa de inflação
geral, embora esse aumento tenha sido menor do que a inflação do setor de saúde como um todo. A ANS
limita o aumento das mensalidades, diferenciando entre os planos individuais (contratos entre indivíduos
e as seguradoras) e os contratos coletivos (feitos entre as empresas e as seguradoras). Contudo, o aumento
das mensalidades é apenas uma solução de curto prazo. As restrições sobre as mensalidades podem reduzir
ainda mais o acesso da população aos serviços: os planos contornam essas restrições criando longas
listas de espera (uma prática que recentemente passou a ser regulamentada pela ANS) e restringindo os
tratamentos cobertos. Enquanto isso, os hospitais enfrentam seus próprios desafios e têm acesso restrito
ao capital, em parte porque estrangeiros não podem ter participação acionária nos hospitais brasileiros.
Concentrar a atenção nos hospitais, que podem ser responsáveis por até 70% dos custos nos planos de
saúde privados, pode gerar maiores retornos em termos de otimização do uso dos recursos disponíveis
aos provedores de serviços de saúde no Brasil, desde postos de saúde comunitários até hospitais privados
tecnologicamente avançados. Hospitais são difíceis de gerenciar por causa de sua complexidade e do
conflito de interesses financeiros entre as partes. No Brasil, tal fator é agravado pela ineficiência, que
resulta em parte de tais conflitos e também da falta de gerenciamento profissional.
Por exemplo, de acordo com a ANAHP (Associação Nacional de Hospitais Privados), os materiais usados
pelos médicos correspondem a 35% dos custos totais de um hospital. Mas os médicos costumam ser
profissionais autônomos que não possuem compromisso com a sustentabilidade financeira do hospital.
São formados para dar a seus pacientes o melhor atendimento possível, independentemene do custo.
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Qualidade do atendimento é comumente associada a maior tecnologia e intervenção, mas cada vez mais
há indícios de que qualidade não está diretamente relacionada aos gastos.
Os hospitais, por sua vez, costumam receber de acordo com a quantidade de procedimentos feitos e
materiais utilizados. Nenhum deles é pago para obter os melhores resultados. E, na prática, são raros os
que avaliam os resultados obtidos. Esse choque de interesses não se restringe ao Brasil, é claro, mas a
escassez de recursos financeiros faz com que seja ainda mais importante evitar os custos causados por
interesses conflitantes.
Soluções sugeridas
6. http://siteresources.
worldbank.org/INTLAC/
Resources/2578031269390034020/EnBreve_
156_Web_Port.pdf
8
O aprimoramento do sistema de saúde público deve começar pela total implantação da EC-29. Isso ajudará
a garantir que todos os estados e municípios tenham os recursos necessários para suprir as necessidades
da população.
Para aumentar sua eficiência e ampliar os recursos existentes, o sistema público de saúde brasileiro
deve adotar mais parcerias público-privadas (PPPs). Um estudo do Banco Mundial revela que os hospitais
estruturados como PPPs utilizam mais intensamente suas instalações, contratam menos serviços médicos,
têm maior rotatividade de pacientes e menor custo médio por paciente. Ao mesmo tempo, esses hospitais
seguem mais protocolos para alcançar o nível de excelência desejado e também fazem uso de profissionais
mais qualificados, aumentando, assim, a eficácia dos recursos existentes.
No Brasil, os hospitais que operam sob o modelo PPP têm tido sucesso, principalmente na cidade
de São Paulo. Dados do Banco Mundial demonstram que eles alcançam resultados melhores do que
os hospitais não-PPP, com maior índice anual de altas por leito (60 por leito, em comparação com 46
dos não-PPP), menor tempo de internação (3,3 dias, em comparação com 5,2 dias), menor número de
cesarianas (25,5%, em comparação com 77,1%), menor custo por paciente (R$ 3.300, em comparação
com R$ 3.600), maior número de médicos residentes (80,9%, em comparação com 72,1%) e custos
menores para as unidades de tratamento intensivo (UTIs) (R$ 978, em comparação com R$ 1.197).6 Isso é
de grande importância, já que eles atendem à população mais necessitada. Por exemplo, o Hospital Albert
Einstein está alavancando sua renomada qualificação médica e administrativa ao gerenciar o hospital
público de M’Boi Mirim, com 300 leitos, em uma das regiões mais pobres da cidade.
O uso de ferramentas sofisticadas para gerenciamento da população, desde a gestão de doenças até
ferramentas de controle de custo-benefício, passando por novos modelos de reembolso médico, pode
auxiliar os planos de saúde que sobreviverem à atual onda de consolidações empresariais a assegurar
sua sustentabilidade. Alguns prestadores de serviço já se deram conta dessa oportunidade: o laboratório
Fleury, o segundo maior centro diagnóstico do Brasil, firmou parceria com a Healthways, a maior empresa
de gestão de doenças dos EUA, para oferecer tais serviços aos clientes brasileiros. A penetração desses
serviços no Brasil ainda é bem pequena (0,09% da população com acesso a planos de saúde privados,
em comparação com 4% nos EUA), mas está aumentando. O SUS também pode se beneficiar de tais
ferramentas, o que poderia aumentar sua eficácia.
À medida que o sistema de saúde brasileiro passa a ser mais eficaz e mais bem administrado, maior é
a chance das empresas envolvidas alcançarem prestígio global. A DASA, a maior empresa de medicina
diagnóstica do Brasil, já possui a quarta maior receita do mundo. Outras poderão seguir seu exemplo.
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Segundo desafio: Falta de Inovação
C
om exceção de algumas áreas isoladas de excelência, como energia “verde”, a indústria aeroespacial
e o agronegócio, o Brasil não possui uma economia altamente inovadora. Sob o ponto de vista do
desempenho global, ele está bem abaixo do que é capaz: um estudo feito pelo Economist Intelligence
Unit em 2009 classificou o país em 49º lugar entre 82 países em termos de inovação, atrás da Rússia (39º)
e da China (46º). Embora o país seja a oitava maior economia do mundo,
Gastos do Brasil com P&D crescem—lentamente
seu investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) é menor que
Gastos com P&D como % do PIB
2007
2000 1% do total mundial, de acordo com a Associação Nacional de Pesquisa,
Coréia do Sul
Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (ANPEI). O
3.47
2.39
Brasil ocupa apenas o 24º lugar no registro de patentes, de acordo com a
Japão
Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO).
3.45
3.04
A indústria de ciências da vida no Brasil apresenta um desempenho
EUA
2.67
inferior ao de outros setores, registrando poucas patentes e
2.75
França
medicamentos inovadores. De fato, somente 3,2% dos registros de
2.10
2.15
patente das empresas brasileiras são da área de saúde e de ciências da
Canadá
vida, de acordo com um estudo feito pela Prospectiva Consultoria, de
2.03
1.91
São Paulo. E isso apesar do fato de que, das patentes registradas pelas
Reino Unido
1.84
universidades brasileiras, 25% estão relacionadas à biomedicina e a
1.86
China
laboratórios, uma porcentagem muito mais alta do que a das empresas.
1.49
0.90
Isso sugere que o conhecimento gerado no mundo acadêmico não está
Brasil
chegando até o mercado.
1.02
0.94
Esses dados são típicos de uma indústria bastante jovem. As leis
Índia
para
promover a inovação e proteger a propriedade intelectual só
0.80
0.77
entraram em vigor nos últimos 15 anos. De 1945 a 1996, o Brasil não
Turquia
0.71
reconhecia as patentes internacionais para medicamentos, e durante
0.48
Argentina
muitos anos o país até mesmo proibiu o patenteamento de moléculas
0.51
0.45
desenvolvidas em seu território. Mesmo hoje em dia, o governo faz uso de
México
uma exceção do Artigo 31 do TRIPS (Acordo sobre aspectos dos direitos
0.50
0.37
de propriedade intelectual relacionados ao comércio) da Organização
Indonésia
0.05
Mundial do Comércio (OMC), que permite o cancelamento de patentes sob
0.07
Fonte: Banco Mundial, dados de 2007.
determinadas condições, de modo a pressionar empresas a fabricar os
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medicamentos necessários para cumprir as metas sociais implantadas no Brasil.
A Lei de Propriedade Industrial, que proteje a propriedade intelectual, foi aprovada em 1996. Mas são
necessários maiores avanços para mudar as atitudes e a estrutura de um setor que cresceu copiando a
propriedade intelectual desenvolvida em outros países. A lei precisa ser reforçada e tornada totalmente
compatível com as leis de patente internacionais. O sistema judiciário precisa ser mais eficiente, o que
ajudará a vencer a desconfiança por parte das empresas quanto à sua capacidade para fazer cumprir os
direitos de propriedade intelectual.
Outras leis têm o objetivo de incentivar a inovação. Em 2004, a Lei de Inovação foi aprovada para
facilitar a colaboração entre as universidades, os institutos de tecnologia e as empresas, e para estimular
a criação de fundos de investimento para inovação. (Não está claro quem é o detentor das patentes
resultantes dessa colaboração, o que gera grande risco para as empresas.) A Lei do Bem de 2005 prevê
incentivos fiscais para as empresas que investem em P&D tecnologicamente inovadores e permite que
o governo invista diretamente em projetos de empresas privadas. (O governo oferece capital para as
empresas contratarem pesquisadores e cientistas por meio de um “subsídio econômico”.) Tais incentivos
começam lentamente a ser adotados.
Recentemente, o governo federal deu início a um grande projeto para desenvolver o chamado
Complexo Industrial da Saúde, que engloba laboratórios farmacêuticos e empresas de equipamento
médico. De acordo com Franco Pallamolla, presidente da ABIMO, “o governo federal entende que a
tecnologia de saúde é estratégica para o país e pode colaborar para o desenvolvimento de muitas outras
indústrias complementares”. Através do programa Profarma, o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) está injetando cerca de R$ 3bi (US$ 1,7bi) no setor. Os incentivos têm sido
tão favoráveis para as empresas que os fundos de investimento privados estão tendo dificuldade de
competir com eles. Mas as pequenas empresas podem acabar sendo deixadas de fora se não conseguirem
cumprir as exigências burocráticas para obter o incentivo financeiro.
Com todas essas medidas recentes para aumentar a inovação da indústria de ciências da vida, o setor
passou a atrair novos investimentos. O segmento de biotecnologia está ainda em seu estágio inicial; com
o apoio de grandes incentivos governamentais, pode servir de base para o Brasil competir com o resto do
mundo em todos os segmentos da indústria de ciências da vida.
Mas isso pode levar tempo, e outros países continuam a avançar. A Índia especializou-se no
desenvolvimento de matérias-primas e genéricos, mas agora está aumentando o valor contido em
seus produtos. A reputação da China no mercado farmacêutico mundial foi maculada por problemas de
qualidade em seus medicamentos. No entanto, ela detém uma vantagem de custo em algumas áreas, e é o
maior país exportador de equipamento e instrumentos médicos entre as economias emergentes. O Brasil
está em segundo lugar, embora as importações de equipamento médico ainda sejam muito superiores às
exportações, o que resulta num déficit comercial maior que US$ 2,2bi.
Para que o Brasil ganhe uma posição de destaque no mercado mundial de produtos farmacêuticos e
médico-hospitalares, competindo com outros países emergentes, o país precisará investir em mão de
obra, instalações e tecnologia. As barreiras para a ascensão da indústria incluem a falta de capacitação
gerencial nas empresas, principalmente no que diz respeito à inovação, e uma escassez de investidores
versados no assunto, que compreendam, e estejam dispostos a assumir os riscos envolvidos em
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no Brasil por meio da inovação
A “engenharia frugal” brasileira
As empresas brasileiras podem se beneficiar de uma grande vantagem
competitiva no mercado global: a excelência em engenharia
frugal. A redução dos custos e um maior acesso a serviços de saúde
de qualidade são necessidades em qualquer país do mundo. Em
tal conjuntura, a disseminação de tecnologia mais barata é uma
garantia de sucesso. Apesar da falta de recursos, muitas empresas
têm obtido sucesso ao desenvolver equipamentos que fazem uso de
tecnologias simples e alcançam os mesmos resultados de aparelhos
mais sofisticados. O setor de equipamentos de odontologia no
Brasil apresenta bom desempenho e é o único setor da indústria de
equipamentos e materiais médicos que tem saldo comercial favorável
no exterior.
As aquisições de empresas brasileiras por multinacionais são
prova do potencial do país nessa área. A Philips fez quatro grandes
aquisições no Brasil nos últimos três anos. Uma dessas aquisições
permitiu que a empresa começasse a produzir localmente aparelhos
de imagem por ressonância magnética usando tecnologia também
local. Isso sugere que o Brasil pode vir a ter uma forte presença
global por meio da inovação reversa, ou seja, produtos mais baratos
desenvolvidos nos mercados emergentes são oferecidos às nações
industrializadas como alternativas inovadoras de baixo custo.
desenvolver produtos para o setor de ciências da vida. Além disso, a infraestrutura brasileira para a
pesquisa intermediária (laboratórios, animais para testes e outros) é inadequada, e as empresas start-up
muitas vezes fazem seus testes no exterior.
Também existem barreiras institucionais. Entre elas estão leis fiscais e trabalhistas onerosas, o lento
processo de aprovação de novos medicamentos e aparelhos e procedimentos complexos para a obtenção
de verba, o que dificulta a competição das empresas menores.
Soluções sugeridas
7. A engenharia frugal
é uma abordagem para
o desenvolvimento de
produtos que enfatiza as
características essenciais
e o baixo custo, elaborada
para clientes em mercados
emergentes.
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O Brasil agora possui uma estrutura regulatória e legal para desenvolver uma forte indústria de ciências
da vida, mas é preciso fazer mais para assegurar que tais medidas de fato resultem em crescimento e
inovação. Novas medidas deverão promover o desenvolvimento de pesquisadores qualificados, assim
como de profissionais especializados em gerenciamento da inovação que saibam avaliar os riscos e
vantagens de projetos que incorporam altos níveis de incerteza. Isso ajudará a otimizar a verba investida
na inovação e a aumentar o fluxo de capital para indústria.
As medidas adotadas também deverão encorajar as empresas que, apesar de capazes de competir no
exterior, carecem da liderança necessária para se aventurar no mercado global. À medida que o setor
(e sua liderança) for amadurecendo, ele estará mais preparado para competir com países como a China
e a Índia. Além disso, o Brasil historicamente mais importa do que produz aparelhos médicos de última
geração. Embora exista uma demanda interna por tais produtos, a viabilidade econômica de tais projetos
frequentemente exige também exportar. A falta de experiência em fazer negócios no exterior faz com
que investidores e executivos deixem de expandir e inovar. Ao alavancar a “engenharia frugal”7, as
empresas podem vir a ter um lucro maior no mercado interno e se tornarem mais competitivas no mercado
internacional.
Uma reestruturação do sistema tributário brasileiro, que é notoriamente oneroso, poderia também
ajudar a impulsionar o crescimento do setor. Hoje em dia, é mais vantajoso para hospitais e instituições
públicas com isenção tributária importar equipamento diretamente do que comprá-lo internamente (eles
não precisam pagar impostos de importação). Esse benefício não se aplica aos produtos comprados no
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mercado interno, sobre os quais incide ICMS. As pequenas empresas inovadoras também poderiam se
beneficiar da isenção de taxas de importação.
Além disso, deve-se acelerar o processo de aprovação e registro de novos medicamentos e aparelhos.
Atualmente, são necessários entre oito e doze meses para o registro de um produto. Ademais, o processo
de aprovação sofre pressões políticas e sociais, as quais às vezes influenciam as diretrizes técnicas sobre
quando e quais medicamentos e aparelhos devem ser aprovados. Isso representa um peso adicional para
as empresas com orçamentos limitados que fazem todos os investimentos de P&D antecipadamente.
Por fim, é preciso abordar os problemas específicos das pequenas e médias empresas. A maioria
das empresas brasileiras são negócios de família que enfrentam problemas de gestão e sucessão. Elas
precisam ter acesso a administradores habilitados que possam ajudá-las a progredir. Além disso, o
processo para obter acesso a incentivos governamentais precisa ser simplificado para as empresas
menores que não possuem pessoal e nem estrutura adequadas para lidar com as exigências burocráticas.
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Terceiro desafio: Grande falta de informações
I
nformação de boa qualidade é essencial para qualquer negócio, mas na área da saúde pode ter
consequências de vida ou morte. Ao recomendar um tratamento, por exemplo, o médico precisa
saber que outros medicamentos o paciente está tomando para evitar gerar outros problemas de saúde.
Na França, as pessoas possuem a carte vitale, um cartão com chip que registra seu histórico médico. Em
contraste, no Brasil, os pacientes nos hospitais do SUS precisam carregar pastas lotadas de históricos
médicos, raios X e pedidos de laboratório.
A má organização dos registros médicos dos pacientes é apenas um aspecto do problema da informação
no campo da saúde no Brasil. Entre as outras deficiências estão a falta de informações a respeito da
prevalência de doenças, a avaliação dos resultados do tratamento e as constatações sobre os custos reais
de procedimentos e tratamentos.
Aumentar o fluxo de informação no sistema pode gerar frutos para os governos que necessitam
promover crescimento e ao mesmo tempo otimizar recursos limitados. Pode dar aos políticos uma
melhor compreensão da magnitude dos desafios na área da saúde, melhorando o processo de tomada de
decisão para a alocação de recursos. Pode fazer com que as partes interessadas fiquem mais cientes das
implicações das opções de tratamento, e decisões esclarecidas podem levar a resultados melhores. Além
disso, um fluxo mais robusto de informações entre os serviços de saúde permite a redução de custos.
Um experimento nos EUA demonstra a importância dessa transparência e mostra que nem sempre
“caro” é sinônimo de “excelente”. Dados coletados nos hospitais do estado de Wisconsin mostram
que o custo médio para se tratar pneumonia em um centro médico, em 2008, era metade do custo de
outro centro. Mas a instituição mais barata alcançou 96% das metas de qualidade especificadas para o
tratamento da doença, em comparação com apenas 91% da instituição mais cara. (Este é um exemplo
da discussão qualidade versus custos mencionada no Primeiro desafio, Acesso deficiente ao sistema de
saúde.)
Tornar públicos tais dados faz com que os provedores de serviços que apresentem baixo desempenho
procurem melhorar e que as instituições mais caras concentrem-se em aprimorar seu custo-benefício.
Também pode ajudar a identificar quais são os melhores hospitais, os planos de saúde mais adequados e
os tratamentos, aparelhos e medicamentos que dão melhor resultado. No Brasil, a falta de transparência
tem influência direta sobre a proporção e distribuição dos gastos com a saúde. Ela não só acarreta um
custo geral maior como também favorece os ricos em detrimento dos mais pobres.
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8. http://monitordesaude.
blogspot.com, 12 de
setembro de 2010.
9. “Uso racional
de medicamentos
antineoplásicos e ações
judiciais no Estado de São
Paulo.”, Revista de Saúde
Pública, agosto de 2010.
10. Os pacientes estão
movendo processos para
obter cobertura para
medicamentos classificados
como “excepcionais”—
aqueles usados para tratar
doenças raras ou para as
quais as alternativas mais
baratas não apresentam
resultado — e que não estão
listados nos protocolos e
diretrizes publicados pelo
Ministério da Saúde.
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Isso fica evidente na aquisição de medicamentos. O SUS oferece cobertura para os medicamentos
receitados, mas o alcance dessa cobertura (se é para todos os medicamentos ou apenas para os
essenciais) é motivo de debate. Em 2008, os medicamentos foram responsáveis em média por 49% dos
gastos totais com saúde de domicílios (em 2002, eram responsáveis por 45%), de acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados revelam que os encargos eram mais pesados para
os mais pobres: os medicamentos totalizaram 76% de seus gastos totais com saúde, em comparação com
34% nas classes mais abastadas.8
Alguns pacientes estão processando as secretarias de saúde, exigindo que paguem por medicamentos
que são aprovados pela ANVISA mas não estão inclusos no orçamento das autoridades locais. Os tribunais
frequentemente aprovam tais pagamentos, apesar da falta de informações abalizadas para dar respaldo
a suas decisões. Em 2008, o Ministério da Saúde gastou R$ 52 mi com esses processos (em 2003, este
valor foi de R$ 188.000). Tais gastos, em todos os níveis do governo, ultrapassaram R$ 500 mi em 2007,
e tendem a aumentar.9 Isso desvia os recursos do governo, de maneira muitas vezes pouco eficiente, para
aqueles que podem pagar por serviços legais.10
É evidente que é de suma importância que as informações disponíveis sejam de boa qualidade. Embora
seja difícil mensurar o desempenho de um sistema de saúde, existem diversos exemplos de iniciativas
que chegaram a ótimos resultados. A Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health (CADTH,
Departamento de Avaliação de Tecnologia e Medicamentos do Canadá) faz avaliações de tecnologia em
saúde (ATS) que analisam as implicações clínicas e econômicas dos medicamentos e de outras tecnologias
relacionadas à saúde. Os resultados servem de apoio para as decisões sobre a cobertura das apólices
no sistema de saúde público do Canadá. A prática maior de uma medicina baseada em evidências está
aumentando a demanda por ATS no mundo todo, embora se reconheça cada vez mais que as questões
políticas e sociais também influenciam o processo. No Brasil, a ATS é conduzida pela Comissão de
Incorporação de Tecnologias (CITEC), parte do Ministério da Saúde.
A ANS implementou uma Política de Qualificação da Saúde Suplementar, a qual teve início com a
criação de um índice que mede o desempenho dos pagadores privados, o Índice de Desempenho de
Saúde Suplementar (IDSS). Mas a informação sobre a qualidade e o desempenho dos provedores é mais
relevante. Ela permite que o assegurado possa avaliar os planos com base no acesso que terá aos melhores
provedores. O Centers for Medicare and Medicaid (CMS), que oferecem cobertura para os idosos e pessoas
de baixa renda nos EUA, têm um sistema semelhante. O CMS regularmente coleta dados e gera relatórios
a respeito de mais de 375 índices de qualidade no atendimento de saúde, incluindo eficiência, estrutura,
procedimentos burocráticos, renda intermediária, resultados e nível de atenção dado ao paciente, para
assim avaliar o custo-benefício das operadoras.
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Soluções sugeridas
Aumentar a qualidade e o acesso às informações no sistema de saúde do Brasil é obviamente um projeto
de longo prazo. A criação de indicadores de desempenho padronizados que analisem a qualidade, os
custos e resultados é uma primeira medida importante e de execução viável. A responsabilidade final
para o estabelecimento de normas cabe ao governo federal, que deve delegar seu desenvolvimento
a organizações qualificadas para tal tarefa. Já existe um precedente para isso no Brasil: a Sociedade
Brasileira de Informática em Saúde (SBIS) criou normas (delegada pelo Conselho Federal de Medicina)
para gerenciar os dados médicos nos sistemas de informação. Esse importante avanço, que criou a base
para um sistema nacional de prontuários médicos unificado (ainda a ser implementado), pode servir como
modelo para o desenvolvimento de outras normas.
Quem paga pelos serviços de saúde – seja entidade pública ou privada – também deve exigir
informações de melhor qualidade. Eles podem fazer isso criando incentivos para que os provedores
meçam e divulguem dados de acordo com diretrizes e normas aprovadas pelo governo. Isso pode ser feito
oferecendo-se um reembolso diferenciado para os provedores que publicam seus dados. Se levarmos tal
sugestão um pouco adiante, a regulamentação do setor deveria permitir taxas de reembolso maiores para
os provedores que ofereçam serviços de alta qualidade e de bom custo-benefício, medidos de acordo com
normas sancionadas pelo governo e universalmente aceitas.
Aumentar a quantidade e a qualidade da informação em todo o sistema de saúde é essencial para
melhorar tanto a qualidade dos serviços como o acesso a eles. E isso precisa se estender da análise de
medicamentos e tecnologias cobertas pelos planos privados e públicos à avaliação dos provedores de
serviços de saúde.
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Conclusão
O
Brasil pode se tornar líder mundial na área de saúde. Sua economia em ascensão, seu forte perfil
demográfico e seu sistema de cobertura universal são condições favoráveis para o surgimento de
empresas de nível internacional nesse setor. Mas, por enquanto, existem só casos isolados de excelência.
Este estudo ressaltou três problemas que precisam ser resolvidos; no entanto, eles estão na verdade
intimamente interligados. Um maior e melhor fluxo de informações sobre saúde ajudará a aumentar
a eficiência do sistema. Inovações nos procedimentos hospitalares ajudarão a reduzir a duração das
internações e os custos. Uma maior exigência na prestação de contas por parte dos responsáveis pelos
serviços reduzirá o desperdício e servirá de incentivo para a inovação.
Ainda é preciso fazer mais para superar a inércia do sistema de saúde brasileiro de modo que ele possa
de fato contribuir para melhorar a posição do país na economia global. Isso exigirá um esforço consciente
por parte do governo, dos provedores de serviços, das seguradoras e das empresas farmacêuticas
e de produtos médico-hospitalares. Mas se o Brasil pode se destacar nos setores aeroespacial e de
agronegócios, pode também na área da saúde.
A alocação de recursos adequados é um primeiro e importante passo. Ela deve ser complementada com
maior visibilidade no que diz respeito a custos e resultados, alcançada através de indicadores e normas
objetivas. Também deve-se fazer valer o poder da inovação, seja no desenvolvimento de novas drogas e
aparelhos, seja na implementação de processos que otimizam o uso de recursos.
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