Revista Brasileira de Ensino de Fsica vol. 20, no. 3, Dezembro, 1998
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Estudando Vidros por Meio de Analise
Termica Diferencial
(Studing glasses by dierential thermal analysis)
Eudes Borges de Araujo
Universidade Federal de S~ao Carlos, Departamento de Fsica
Caixa Postal 676, S~ao Carlos - SP
e-mail: [email protected]
Recebido 26 de novembro, 1997
Este trabalho apresenta, de forma qualitativa, os mecanismos de nucleac~ao e cristalizac~ao
em vidros. Estes mecanismos s~ao estudados usando a tecnica de Analise Termica Diferencial
(ATD). Este metodo tem sido empregado com sucesso para a deteminac~ao da maxima nucleac~ao em vidros e possui inumeras vantagens em relac~ao ao metodo convencional. Complementando, par^ametros importantes como entalpia e energia de ativac~ao para a cristalizac~ao
s~ao explorados usando ATD.
This work presents of qualitative form the nucleation and crystallization mechanisms in
glasses. These mechanisms are studied using Dierential Thermal Analysis (DTA). This
method has been applied with success to determination for maximum nucleation in glasses
and has several advantages compared to conventional method. In complement, important
parameters like enthalpy and activation energy for crystallization are investigated using
DTA.
1. Introduc~ao
Vidros s~ao materiais que t^em despertado grande
interesse nos ultimos anos, visto que constituem, na
sua maioria, elemento principal em dispositivos para
a otica. Recentemente, com a evoluc~ao das comunicac~oes por meio de dispositivos oticos, os esforcos
t^em-se concentrado no estudo de novos materiais, a
partir de vidros modicados, procurando-se otimizar as
propriedades ja estabelecidas. As possveis aplicac~oes
envolvem a manufatura de prismas, lentes, ltros, etc.
Recentes aplicac~oes sugerem a utilizac~ao do vidro como
materia prima para a construc~ao de lasers ou guias de
onda 1]. Embora as principais aplicac~oes envolvam o
campo da otica, outras importantes aplicac~oes tambem
s~ao encontradas em outros campos. Alguns vidros
apresentam o fen^omeno de chaveamento eletrico 2]
(switching), que permitem sua utilizac~ao em dispositivos eletricos, outros, porem, s~ao utilizados como materiais sujeitos a tens~oes, utilizados em dispositivos de
seguranca para a prevenc~ao de acidentes, que permitam
a fragmentac~ao controlada do vidro. A natureza do
vidro, tecnicas de caracterizac~ao e possveis aplicac~oes
podem ser encontradas em um trabalho publicado recentemente 3].
Com o advento do vidro foi possvel preparar outros
tipos de materiais baseados na matriz vtrea, principalmente as vitro-cer^amicas. Esses materiais s~ao essencialmente matrizes vtreas permeadas por microcristais.
Os microcristais podem ser induzidos na matriz vtrea
de varias forma, sendo atraves de tratamentos termicos
controlados a maneira usual. E particularmente util
obter microcristais com o ndice de refrac~ao proximo ao
ndice de refrac~ao do vidro, de tal forma que a dispers~ao
da luz seja mnima na interface vidro/cristal. Esse procedimento foi recentemente adotado com sucesso na
preparac~ao de vitro-cer^amicas transparentes com microcristais de LiNbO3 4] e BaTiO3 5] em matrizes
de vidros teluretos (TeO2 ). Para obter vitro-cer^amicas
como essas e importante conhecer e entender o mecanismo de nucleac~ao e crescimento de cristais no interior
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da matriz vtrea.
Este trabalho tem o objetivo de explorar o estudo
de vidros por meio de analise termica, enfocando alguns importantes par^ametros e suas inter-relac~oes. A
nucleac~ao e crescimento de cristais em vidros sera explorada por meio de uma introduc~ao qualitativa, seguida
de um estudo experimental, usando Analise Termica
Diferencial (ATD). Essa tecnica tem sido utilizada recentemente com excelentes resultados no estudo de nucleac~ao em vidros e apresenta consideraveis vantagens
sobre as tecnicas convencionais.
II. O mecanismo da cristalizac~ao
O vidro e um material amorfo que n~ao possui simetria de longo alcance. Por essa raz~ao e as vezes referido
como lquido, porem com elevada viscosidade. Sob
condic~oes favoraveis surgem pequenos aglomerados que
constituem o ponto de partida para o desenvolvimento
de regi~oes ordenadas. Esses aglomerados, ou embri~oes,
apresentam utuac~oes constantes no tamanho e s~ao criados ou destrudos de acordo com utuaco~es estruturais produzidas por agitac~ao termica. Existe, portanto,
um certo tamanho crtico do embri~ao a partir do qual
sera desenvolvida uma nova fase cristalina denominada
nucleo. O processo que leva a formac~ao de nucleos
chama-se nucleac~ao. A nucleac~ao que ocorre de uma
forma totalmente aleatoria atraves de um sistema e
dita homog^enea. A condic~ao necessaria para que isso
ocorra e que todo o elemento de volume da fase inicial
seja estruturalmente, quimicamente e energeticamente
id^entica. Outro processo de nucleac~ao esta associado
a imperfeic~oes, impurezas, etc., e ocorre preferencialmente atraves das interfaces. Esse processo chama-se
nucleac~ao heterog^enea. Na pratica, a nucleac~ao heterog^enea e difcil de ser evitada e por essa raz~ao e questionavel se somente ocorre a nucleac~ao homog^enea em
um dado sistema. A fase posterior a formac~ao do nucleo
constitui o crescimento do cristal atraves da sucessiva
adic~ao atomos da fase lquida.
Na gura 1 est~ao representadas a taxa de nucleac~ao
(I), que e o numero de nucleos produzidos em uma
unidade de volume por unidade de tempo, e a taxa de
crescimento (u), taxa na qual essas partculas crescem.
Ambas as curvas dependem da temperatura, conforme
mostra a gura 1. A depend^encia quantitativa dessas
curvas pode ser encontrada no livro Glass Science 6].
Para a presente discuss~ao e suciente um estudo qualitativo.
Figura 1. Variac~ao da taxa de nucleac~ao (I ) e taxa de crescimento (u) em func~ao da temperatura.
Para a formac~ao de um vidro a partir da fase lquida
e necessario resfriar rapidamente o lquido para evitar a
cristalizac~ao. Na gura 1, Tf representa a temperatura
de fus~ao, acima da qual o lquido permanece em uma
fase estavel. Quando o lquido e rapidamente resfriado
abaixo de Tf , o crescimento de cristais e teoricamente
possvel entre Tf e T2 . Todavia, a formac~ao inicial de
nucleos ocorre entre T1 e T3 . Essa formac~ao inicial e
uma condic~ao necessaria antes que o crescimento seja
possvel. Assim, existe uma regi~ao crtica entre T1 e
T2 que possibilita a cristalizac~ao. Dessa forma, a cristalizac~ao dependera da maneira na qual as curvas I e
u na gura 1 se superponham e tambem dos valores
absolutos de I e u na regi~ao superposta (area hachurada). Se a regi~ao compreendida pelo intervalo T1 ; T2
for pequena, nenhuma cristalizac~ao perceptvel ocorrera
e o sistema passara para o estado vtreo. Se I e u s~ao
grandes e ha uma superposic~ao razoavel entre as curvas,
havera grande possibilidade de uma completa cristalizac~ao. Se no intervalo T1 ; T2 a taxa I for pequena e u
grande, ocorrera a cristalizac~ao de um pequeno numero
de cristais no interior da fase amorfa. Finalmente, se
I for grande e u pequena o resultado sera um material
parcialmente cristalino com gr~aos muito pequenos. As
curvas para I e u podem ser determinadas experimentalmente com certa facilidade e precis~ao usando analise
termica diferencial, assunto que sera abordado a seguir.
III. Analise termica diferencial (ATD)
Uma tecnica experimental extremamente util para
estudar vidros e a Analise Termica Diferencial (ATD)
7]. Trata-se de uma tecnica simples que permite comparar a temperatura de uma amostra (objeto de estudo)
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e uma refer^encia (material inerte) por meio de um aquecimento ou resfriamento linear em um forno eletrico. A
diferenca de temperatura entre a amostra e a refer^encia
e a func~ao armazenada. Transic~oes que envolvam trocas de calor podem ent~ao ser detectadas como uma
mudanca na linha de base (background) da curva ou
como picos exotermicos ou endotermicos. Transic~oes
de segunda ordem, como a transic~ao vtrea 3], s~ao associadas a mudancas na linha de base da curva. Picos endotermicos podem ser associados a reac~oes de
fus~ao como tambem a reac~oes de decomposic~ao ou dissociac~ao. Por outro lado, picos exotermicos s~ao associados a mudancas de fase cristalina.
A gura 2 mostra uma tpica curva obtida por
ATD para um vidro fosfato do tipo Li2O-P2 O5 -Nb2 O5 ,
tomado como exemplo. Nessa gura v^e-se claramente
a temperatura de transic~ao vtrea (Tg ), temperatura
de cristalizac~ao (Tc ) e temperatura de fus~ao (Tf ).
Obtem-se a temperatura que determina o inicio de cada
transic~ao pela intersecc~ao de uma linha que extrapola
a linha de base com outra linha tangente a curva no
ponto de inex~ao, conforme mostra a gura 2 (linhas
tracejadas).
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na taxa de aquecimento durante um ensaio de ATD.
Aumentando-se a taxa de aquecimento verica-se que
a altura do pico de cristalizac~ao aumenta enquanto a
maxima temperatura do pico (Tp ) desloca-se para altas
temperaturas. Esse fato pode ser visto na gura 3 para
o mesmo vidro fosfato da gura 2.
Figura 3. Curvas de ATD. Pico de cristalizac~ao sujeito
a varias taxas de aquecimento para um vidro Li2 O-P2 O5 Nb2 O5 .
Usando as maximas temperaturas de pico (Tp ) e as
respectivas taxas de aquecimento da gura 3, pode-se
usar a equac~ao de Kissinger 8]
ln(Tp2 =) = E=RTP + constante
Figura 2. Tpica curca de ATD para um vidro fosfato do
tipo Li2 O-P2 O5 -Nb2 O5 . No graco, Tg representa a temperatura de transic~ao vtrea, Tc a temperatura de cristalizac~ao
e Tf a temperatura de fus~ao.
IV. Estudando vidros usando ATD
A energia de ativac~ao (E ) para a cristalizac~ao e a
entalpia (H ) na cristalizac~ao podem ser determinadas
experimentalmente usando ATD. Para determinar E,
uma amostra deve ser inicialmente cristalizada em um
equipamento de ATD a diferentes taxas de aquecimento . O pico de cristalizac~ao e sensvel a mudancas
onde R e a constante dos gases, e determinar a energia
de ativac~ao E fazendo-se um ajuste linear dos pontos no
graco de ln(Tp2 =)versus1=Tp : A energia de ativac~ao e
ent~ao calculada usando o coeciente angular da reta. A
entalpia H pode ser determinada medindo-se a area sob
o pico de cristalizac~ao da amostra em estudo e comparar
esta area com a area sob o pico de fus~ao de alguma refer^encia disponvel (Zn ou Al, por exemplo), cujo calor
envolvido na reac~ao seja conhecido. A area sob um pico
de cristalizac~ao e diretamente proporcional a entalpia
H 7].
V. Taxa de nucleaca~o e crescimento
Recentemente, Ray e Day 9] sugeriram uma
maneira rapida e eciente, usando ATD, para a determinac~ao da maxima taxa de nucleac~ao em vidros, que
posteriormente foi tambem estendido para a maxima
taxa de crescimento 10]. O metodo convencional para
estudar a nucleac~ao e baseado em etapas que envolvam
tratamentos termicos prolongados seguidos de tratamentos termicos especcos para crescimento para posterior contagem dos nucleos 11]. O metodo proposto
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por Ray e Day oferece vantagens adicionais por requerer muito menos tempo de execuc~ao se comparado
ao classico metodo.
A ess^encia do metodo proposto consiste em associar
a altura do pico de cristalizac~ao (Tp ) com a concentrac~ao de nucleos na matriz vtrea. Assim, a altura
do pico de cristalizac~ao e proporcional a concentraca~o
de nucleos no vidro 8]. Experimentalmente, o vidro
e previamente nucleado para uma serie de temperaturas entre Tg e Tc , por um determinado tempo, e em
seguida faz-se um ensaio de ATD no intervalo de temperatura desejado. Mede-se ent~ao a altura do pico de
cristalizac~ao para esta dada temperatura de nucleac~ao.
Repete-se o processo para outras temperaturas de nucleac~ao ate que seja possvel esbocar a curva procurada.
E. Borges de Araujo
cristalizado em curtos intervalos de tempo para temperaturas previamente escolhidas entre Tg e Tf , preferencialmente fora do equipamento de ATD. A seguir,
para cada temperatura de crescimento, ensaios de ATD
devem ser realizados e a area sob os picos de cristalizac~ao medida e armazenada. Para cada temperatura
de crescimento determina-se a diferenca H entre a entalpia da amostra e uma refer^encia, cuja entalpia seja
conhecida. Um graco de H versus temperatura de
crescimento pode ent~ao ser construdo. Um maximo
obtido correspondera a maxima taxa de crescimento.
A tecnica baseada em ATD tem sido recentemente
empregada com sucesso no estudo de processos de nucleac~ao e crescimento de cristais em vidros ZBLAN
12], sistemas vtreos do tipo Ga-As-Se-I 9], vidros
fosfatos 13], teluretos dentre outros. A import^ancia
nesse estudo esta no controle de cristalizac~ao em matrizes vtreas, para a produc~ao de vitro-cer^amicas, como
tambem em situac~oes nas quais a cristalizac~ao deva ser
evitada. Trata-se de um estudo relativamente recente
que ainda n~ao foi devidamente popularizado.
Refer^encias
Figura 4. Curva de nucleac~ao de um vidro Li2 O-P2 O5 Nb2 O5 . Os pontos s~ao dados experimentais obtidos por
ATD (ver texto). A linha e apenas uma guia para os olhos.
A gura 4 mostra uma curva de nucleaca~o para um
vidro fosfato, nucleado por 30 minutos em cada temperatura de nucleac~ao. V^e-se claramente um maximo
proximo a 360 C que corresponde a maxima taxa de
nucleac~ao. Nessa gura v^e-se que a concentrac~ao de
nucleos no incio e praticamente constante e aumenta
com o aumento da temperatura de nucleac~ao, passando
por um maximo, e em seguida decai a concentrac~ao de
nucleos, tendendo a permanecer novamente constante.
Esse comportamento tambem foi observado em outros
vidros, como Li2O-2SiO2 8].
O metodo oferece grande eci^encia se o vidro possuir grande estabilidade termica e for nucleado no
proprio equipamento de ATD. A estabilidade termica
do vidro pode ser estimada qualitativamente pela
diferenca T = Tc ; Tg . Quanto maior for T maior
sera a estabilidade termica do vidro.
A curva para a taxa de crescimento pode ser obtida
de maneira analoga. Entretanto, o vidro deve ser
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