Qual autonomia queremos?
Por Sani Belfer Cardon1
A autonomia do professor é um tema que vem sendo discutido há algum
tempo, em especial por autores da Espanha. No Brasil, as instituições de
ensino implementaram um formato de educação que se pauta por
acompanhamento nas funções docentes através da utilização de apostilas,
tolhendo o professor de atuar como um ser transformador da aprendizagem.
No Rio Grande do Sul, essa experiência é mais recente em função das
características da maioria das organizações educacionais, que tem viés
confessional e comunitário, levando mais tempo para adotar a visão tecnicista
e de reprodução dos conteúdos.
Atualmente, os professores são controlados nas suas ações, sejam elas
de cunho didático, metodológico e até de comportamento. Muitas vezes,
ferindo a sua capacidade ideológica, de discussão de assuntos relevantes e de
construção de espaços de aprendizagem para tornar os seus alunos seres
críticos e capazes de produzir conceitos próprios.
Em relação à reprovação de alunos, tanto no ensino superior quanto na
educação básica, os professores são submetidos a constrangimentos por parte
das direções das instituições de ensino para que não atrasem a progressão
dos alunos/clientes na sua caminhada escolar. Essa prática está presente em
muitas instituições, precarizando e desconstituindo o trabalho docente.
O desafio a ser enfrentado tem a ver com a maneira como o professor
pode resgatar as suas convicções pedagógicas e ideológicas frente a essa
reestruturação dos empregadores, que retiram gradativamente sua autonomia.
A justificativa para abordarmos esse assunto é que está presente nas
discussões realizadas entre os professores, que revelam suas preocupações
com a forma como estão submetidos nos seus locais de trabalho e as
respostas automáticas que devem apresentar frente às solicitações das
instituições.
O objetivo da discussão desse tema é proporcionar uma reflexão crítica
sobre o momento que estamos passando e provocar uma desacomodação nas
atitudes reproduzidas pelos docentes por receio de sofrerem sanções por parte
dos empregadores.
Claudia Pimenta, na apresentação do livro A autonomia de professores,
de José Contreras, propõe a seguinte reflexão: “a educação retrata e reproduz
a sociedade; mas também projeta a sociedade que se quer”. José Contreras
defende o enfrentamento da proletarização do trabalho do professor, cuja tese
básica é:
... que o trabalho docente sofreu uma subtração progressiva de
uma série de qualidades que conduziram os professores à
perda de controle e sentido sobre o próprio trabalho, ou seja, à
perda da autonomia (CONTRERAS, 2012, p.37).
É fundamental que se discuta essa realidade para evitar o que projeta o
mesmo autor (2012): o gradativo desgaste das condições de trabalhos.
No início do século XX, Taylor deu foco ao “Taylorismo”, que se
caracterizava pela realização de tarefas e rotinas mínimas e com o treinamento
dos trabalhadores para a realização destas ações, como atualmente podemos
relacionar com a forma como os professores estão desenvolvendo suas rotinas
nos locais de trabalho.
A causa da proletarização, segundo Contreras (2012, p.39), é que o
trabalhador passa a depender inteiramente dos processos de racionalização e
controle da gestão administrativa da empresa e do conhecimento cientifico e
tecnológico dos experts. Desta forma, o professor tem a sua capacidade
criativa e autônoma no processo pedagógico aviltada, sem condições de
produzir aspectos relevantes no processo de aprendizagem.
Ainda segundo Contreras (2012, p.48):
A equiparação do professor com o operário industrial faz
pensar provavelmente que suas reivindicações ou resistências
correspondem apenas à recusa em realizar trabalhos que o
degradam como pessoa, porque é equiparado a um
mecanismo sem raciocínio, sem vontade e sem desejos, ou
ainda, a seus interesses na transformação do modo capitalista
de produção. Mas não se considera que o ensino como
trabalho vincule o docente a uma responsabilidade e a um
compromisso com o valor e o compromisso de seu próprio
trabalho. Isso justifica provavelmente as tentativas de
racionalização do ensino, como forma de controlar um trabalho
de perigosas consequências ideológicas...
Analisando dessa forma, os professores da contemporaneidade não
precisariam mais se debruçar em estudos inovadores e que estimulassem os
alunos a pensarem e organizarem o seu pensamento de maneira crítica e
propositiva. Na mesma sequência de ideias, o próprio autor coloca que:
Necessariamente, o professor detém um nível de autonomia e
de planejamento em seu trabalho. E precisamente essa
impossibilidade de separar radicalmente a concepção da
execução o que leva as tentativas de desenvolver modos de
racionalização do próprio processo de planejamento ou
concepção que os professores deverão realizar, de modo que
fiquem presos na lógica do controle pelo processo de
tecnicidade, abandonando a reflexão sobre os seus fins e
assumindo os da instituição. (CONTRERAS, 2012, p.49)
Essa crítica serve para alertar os professores que gradativamente estão
perdendo a sua identidade pedagógica e ideológica, de forma que sua
autonomia vem sendo dilacerada por atitudes e pressões dos empregadores
que, cada vez mais, estão monitorando e indicando como deve ser o trabalho
dos professores, cerceando a livre iniciativa do quadro docente numa
perspectiva “inovadora” de educação.
Com base nessas questões conceituais que servem para as nossas
reflexões, destaco alguns questionamentos que podem produzir uma calorosa
discussão:

o que está por trás dessas atitudes das instituições de ensino que
insistem em trabalhar com apostilas, que não levam em
consideração as culturas locais?
a que veio o monitoramento do trabalho dos professores por meio
de câmeras de vídeos dentro da sala de aula?
a quem serve a não reprovação de alunos?


Esses itens podem nos levar a pensar que o controle do trabalho do
professor esteja adequado aos parâmetros que as mantenedoras consideram
como ideais.
Finalizo com um pensamento do livro Pedagogia da autonomia, de Paulo
Freire:
O que sempre deliberadamente recusei, em nome do próprio
respeito à liberdade, foi sua distorção em licenciosidade. O que
sempre procurei foi viver em plenitude a relação tensa,
contraditória e não mecânica entre autoridade e liberdade, no
sentido de assegurar o respeito entre ambas, cuja ruptura
provoca a hipertrofia de uma ou de outra. (FREIRE, 1996, p.67)
1
Professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS) e do Colégio Israelita Brasileiro, mestre em Educação, diretor do
Sinpro/RS. Contato: [email protected]
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