Gestão por Competências: Revisão de Trabalhos Acadêmicos no Brasil no período 2000
a 2008
Autoria: Roberto Lima Ruas, Bruno Henrique Rocha Fernandes, Judith Elba Merlo Ferran, Francielle Molon da Silva
Resumo
Apesar de constituir ainda atualmente um dos mais recorrentes modelos de gestão no
ambiente organizacional, a abordagem gestão por competências paradoxalmente já não ocupa
um espaço atraente no contexto acadêmico brasileiro. Aparentemente, as causas principais da
dicotomia entre os ambientes organizacional e acadêmico estão colocadas, simultaneamente,
de um lado, na adequação do modelo de competência a grande parte das organizações,
incluindo as públicas e aquelas sem fins lucrativos, de outro, num certo esgotamento do
debate acadêmico acerca das possibilidades deste modelo. Este artigo aprofunda esta questão,
por meio de um estudo exploratório-descritivo voltado para a sistematização e análise de
produção científica acerca do tema competências, levantada em algumas das principais
publicações do campo da administração no Brasil. Esse levantamento compreendeu 44 artigos
científicos publicados entre janeiro de 2000 e dezembro de 2008. Considera a noção de
competência na dimensão individual; a noção de competência na dimensão estratégica - as
competências organizacionais; a aplicação da Noção de Competência nas organizações - A
Gestão por Competências. A partir de tais conceitos, analisa os artigos sob as seguintes
categorias: noção de Competências adotada; Tipos de competências estudados; Condições do
ambiente ou contexto ambiental do estudo; Abordagens Metodológicas utilizadas. Como
conclusões, o estudo observa uma tendência a se considerar competência como “entrega”, em
linha com autores nacionais como Dutra (2004), sobretudo nos trabalhos oriundos de pesquisa
em Recursos Humanos. Em outras áreas, como Inovação e Estratégia, o conceito de
competência individual, quando presente, está associado a conhecimentos, habilidades e
atitudes (CHA). Sobre os tipos de competências estudados, observa-se predominância de
competências individuais em artigos de RH e competências organizacionais nos trabalhos em
áreas de Estratégia e Inovação. Poucas vezes, porém, estes temas encontram-se articulados,
embora a menção à necessidade de vincular tais conceitos seja freqüente. Sobre o contexto,
observa-se uma variedade de situações, com ênfase a ambiente produtivo. A diversidade
mostra a amplitude em que vem sendo aplicado o conceito de competências na pesquisa. Por
fim, quanto a abordagem metodológica, nota-se o predomínio de estudos de caso voltados à
aplicação, com foco em uma ou duas empresas. Poucas são as pesquisas de cunho quantitativo
ou que se proponham a cobrir uma amplitude maior de organizações. A constatação
assinalada direções para pesquisas no campo, como a articulação integrada entre os conceitos
de competência individual e organizacional; a adoção de metodologias mais abrangentes e
alternativas, que extrapolem estudos de caso.
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1. Introdução
Apesar de constituir ainda atualmente um dos mais recorrentes modelos de gestão no
ambiente organizacional, a abordagem gestão por competências paradoxalmente já não ocupa
um espaço atraente no contexto acadêmico brasileiro. Aparentemente, as causas principais da
dicotomia entre os ambientes organizacional e acadêmico estão colocadas, simultaneamente,
de um lado, na adequação do modelo de competência a grande parte das organizações,
incluindo as públicas e aquelas sem fins lucrativos, de outro, num certo esgotamento do
debate acadêmico acerca das possibilidades deste modelo. De fato, para o caso de algumas
demandas organizacionais o modelo de competências tem apresentado alternativas bastante
satisfatórias e por isso mesmo tem sido uma das abordagens mais discutidas no contexto de
gestão das organizações.
Já para a Academia, o debate acerca do modelo Competência tem sido
predominantemente limitado a estudos de caso acerca da aplicação desse modelo e de seus
impactos positivos ou negativos sobre a organização, conforme pesquisa realizada por Dias et
al. (2008), entre publicações brasileiras no período 2000-2004. Neste mesmo trabalho,
observa-se a presença de outros dois temas, já menos freqüentes do que o anterior, que tratam,
o primeiro, da adequação da noção de competência empregada nas organizações e, o segundo,
da integração entre as noções de competência organizacional (coletivas) e competências
profissionais (individuais).
Entretanto, o debate sobre competências tem outras possibilidades muito mais promissoras
e muito menos “instrumentais”, segundo o que se tem observado no contexto internacional.
As perspectivas multi-dimensionais da noção de competência na forma de gestão de
capacidades organizacionais ou inter-organizacionais, por exemplo, é um tema que também
tem sido tratado no Brasil, embora de maneira tímida. Já mais raros são os debates acerca de
temas como as mudanças de propriedade da noção de competências a partir da sua adaptação
ao ambiente organizacional, ou ainda, acerca da composição de formas mediadoras entre
capacidades organizacionais e individuais, denominadas competências coletivas.
(SANDBERG e TARGAMA, 2007; BOTERF, 2008).
Com base nestas constatações, este artigo pretende analisar as tendências temáticas e
metodológicas da produção científica recente acerca do tema competência no Brasil, tomando
como referência quatro publicações brasileiras reconhecidas no campo da administração, no
período entre 2000 e 2008. Entre outros, pretende-se investigar alguma mudança de foco em
relação às direções de pesquisa apontadas por Dias et al (2008).
No tópico seguinte, recuperamos alguns fundamentos teóricos sobre o tema, os quais
podem auxiliar no exame das publicações analisadas; em seguida, apresentamos os
procedimentos metodológicos adotados neste artigo. Na etapa seguinte, mostramos a
sistematização dos artigos selecionados e analisamos conteúdos e métodos observados e, em
seguida, concluímos com as considerações finais.
2. Fundamentos Teóricos
Neste tópico pretendemos apresentar os principais eixos dos debates que têm sido
realizados no Brasil acerca da compreensão da noção de competência, nas dimensões
individual e organizacional, bem como de uma reflexão acerca de sua aplicação em
2
organizações do país. O intuito é estabelecer elementos de referência para a sistematização e
análise dos artigos que serão analisados posteriormente.
a) A noção de competência na dimensão individual
Apesar da grande quantidade de estudos, pesquisas e publicações sobre o tema,
constatamos que há ainda uma razoável heterogeneidade na assimilação desta noção, tanto na
Academia, quanto nas organizações (RUAS et al., 2005; FISCHER et al., 2008).
De um lado, a influência do pragmatismo anglo-saxão faz da necessidade de atingir
resultados o principal elemento motivador da aplicação do modelo competência.
(McCLELLAND, 1973; BOYATSIS, 1982). Neste contexto, o modelo competência é
entendido como uma estratégia para atingir mais rapidamente a melhoria de desempenho dos
profissionais de uma empresa e o conceito repousa em cima da questão: quais conhecimentos,
habilidades e atitudes (CHA) são necessários para maximizar o desempenho? Apesar do
período relativamente longo no qual esse modelo tem sido aplicado no Brasil, a perspectiva
orientada para foco nos resultados, mas baseada na escolha adequada do CHA que vai
viabilizar a melhoria de performance, ainda continua predominante (FISCHER et al., 2008).
Uma segunda maneira de entender a noção de competências destaca a mobilização das
capacidades (conhecimentos, habilidades e atitudes, o CHA) em contexto. Diferentemente da
perspectiva anterior, o que conta aqui não é a adequação do CHA, mas sim a adequação de
sua mobilização ao contexto (BOTERF, 1994, 2004). Essa perspectiva é muito clara para
aqueles que atuam em contexto mais instáveis - ou seja, na atual conjuntura, para todos. Nesta
mesma perspectiva, a emergência dos conceitos de “entrega” e “complexidade” (DUTRA,
2001) consolidou a noção de competência e ampliou as possibilidades de assimilá-la. Em
tempo, o conceito de complexidade traduz o grau de exigência na entrega esperada de uma
pessoa à medida que se desenvolve profissionalmente e torna-se capaz de lidar com situações
demandantes de maior grau de abstração e desafios (JAQUES, 1988). Esta perspectiva
complementa o conceito de competência à medida que profissionais mais “seniores”, ou que
atuam em níveis de complexidade mais elevados, necessitarão aplicar suas competências num
contexto de maior impacto que profissionais mais juniores.
O mesmo Boterf (1994) e Zarifian (2001), cada um a sua maneira, introduzem uma
perspectiva social à noção de competência afirmando que uma atuação competente precisa de
reconhecimento e legitimidade na instância social onde ocorre essa atuação. Com base no
reconhecimento da competência é construída a identidade profissional e é nesse domínio que
esses autores compreendem a agregação de valor social para o indivíduo, simultaneamente ao
processo de agregação de valor econômico para a organização, através da “entrega”.
Evidentemente, a ideia de agregação de valor social é, na prática, pertinente apenas em
algumas situações específicas, nas quais, o exercício de uma certa atividade acrescenta mais
capacidades ao profissional, ampliando seu repertório de respostas e, portanto, sua
empregabilidade.
Observe-se que até agora estamos tratando da noção de competências profissionais
individuais, que é a perspectiva mais conhecida e difundida, tanto na academia, quanto no
espaço das organizações. Isso não impede que se constate, como vimos, uma certa
heterogeneidade no domínio e aplicação da noção.
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b) A noção de competência na dimensão estratégica - as competências organizacionais
(CO).
Muito menos conhecidas e difundidas no campo organizacional do que na academia, a
noção de competência organizacional passou a ser explorada a partir da difusão do conceito
de Core Competence (PRAHALAD e HAMEL, 2000), embora já estivesse presente na
abordagem Visão Baseada em Recursos (VBR), na aparência de um dos “recursos” da firma
(BARNEY, 2001; PENROSE, 1959; WERNERFELT, 1984; PETERAF, 1997). Grosso
modo, Prahalad e Hamel (1990) recuperam a idéia de que a definição e a implementação de
uma estratégia organizacional que gere competitividade não pode prescindir de competências
essenciais, existentes no interior da empresa, as quais devem perpassar a empresa como um
todo e com isso gerar um diferencial extraordinário. Pois em nosso entendimento, o debate
acerca das COs, na academia, obteve alguns resultados importantes, especialmente em dois
grandes eixos, dos quais destacamos alguns dos trabalhos realizados. O primeiro, gira em
torno da relação entre estratégia e competência organizacional, associando a noção de
competências às abordagens VBR e Capacidades Dinâmicas (VASCONCELOS e CIRINO,
2000; LEITE e PORSSE, 2003); o segundo trata dos resultados de pesquisas e ensaios acerca
da caracterização, mapeamento e composição das competências organizacionais, alguns deles
sustentados em base empírica (FIGUEIREDO, 2003; PROCHNO, 2004; FLEURY e
FLEURY; 2004; RUAS, 2005; FERNANDES, 2006; BECKER et al., 2008). Entretanto,
esses avanços têm esbarrado tanto na complexidade da composição das competências
organizacionais, já que essa construção compreende, sob o “guarda-chuva” dos recursos
internos, uma gama de processos e interações que incluem, pelo menos, as capacidades
individuais e coletivas que as pessoas mobilizam na organização, os princípios e instrumentos
estratégicos e de monitoramento, os sistemas de gestão e de trabalho, a tecnologia e os
equipamentos disponíveis, tudo isso associado aos os artefatos e relações culturais da
organização e das suas relações com o ambiente. Portanto, não é tarefa fácil tratar de conceito
e composição de competências organizacionais. Cazzola, Lipparini e Pistarelli (2000)
justificam essas dificuldades a partir do conceito de firmspecific, ou seja, as COs são
constituídas pela articulação e combinação, no tempo, de processos tangíveis e intangíveis e
são muito específicos ao contexto, características e cultura de cada empresa. Por isso,
dificilmente o conhecimento e a experiência desenvolvidos na construção de uma
competência organizacional podem ser transferidos de uma empresa para outra sem uma
adaptação consistente. Essa dificuldade parece estar presente no esforço dos pesquisadores
que lidam com esse conceito.
Em sintonia com a discussão precedente, Ruas (2008) entende que as Competências
Organizacionais (COs) são competências coletivas da organização que asseguram a realização
da missão, da visão e/ou da estratégia da empresa e resultam da combinação de recursos,
capacidades, tecnologias e sistemas.
Fleury e Fleury (2004; 2006) abordam a competência organizacional classificando-as em
três categorias genéricas, sob inspiração na tipologia de estratégia de Treacy e Wieserma
(1995): excelência operacional, inovação em produtos e orientação a serviços. A excelência
operacional caracteriza empresas que competem com base em custos, com produtos de
qualidade média, o melhor preço e bom atendimento. A inovação em produtos orienta-se ao
desenvolvimento de produtos inovadores, resultado de investimentos em Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D). Por fim, a orientação a serviços volta-se ao atendimento de clientes
específicos, ou seja, buscam desenvolver soluções “sob medida” para clientes especiais. A
4
execução de estratégias dentro de cada um destes grupos demandará competências
organizacionais específicas.
Vale destacar que a proposta de Fleury e Fleury (2004) é classificar, não conceituar as
competências organizacionais. Nesta linha, o que se observa no campo é uma certa
“frouxidão” no uso do termo. De fato, Dias et al. (2008) constatam que, na produção
científica brasileira entre 2000 e 2004 se evidencia uma grande variedade de expressões
associadas à noção de competências organizacionais: core competence, competências
essenciais, competências organizacionais, competências distintivas, competências seletivas,
competências básicas, competências de suporte, competências dinâmicas, etc.
Não se entenda, porém, que essa diversidade de entendimentos acerca do conceito de
competência organizacional é exclusiva ao ambiente acadêmico. Segundo pesquisa de
Fernandes e Comini (2008), em um levantamento conduzido em sessenta e seis organizações
brasileiras instaladas em diversos segmentos da economia que trabalham com modelos de
competência, poucas tiveram preocupação em explicitar o entendimento de suas competências
organizacionais. Neste sentido, é mais comum observar organizações estabelecendo e
descrevendo suas “missões” e “visões” do que suas “competências organizacionais”. Ora, se
competências organizacionais sequer são definidas pelas empresas, o que se dirá quanto a
estabelecer conexões entre elas e as competências individuais, uma suposta intenção da
Gestão por Competência.
c) A aplicação da Noção de Competência nas organizações - A Gestão por Competências
Os processos de aplicação da noção de competência em organizações têm sido geralmente
denominados de Gestão por Competências, isso porque, nessa aplicação, a noção de
Competência passa a assumir um papel de referência na gestão das empresas. A Gestão por
Competências pode ser definida como uma abordagem abrangente que pretende atuar sobre as
capacidades coletivas e individuais de toda a organização a fim de poder atender as
necessidades de desenvolvimento e melhoria de seu desempenho com base em suas diretrizes
estratégicas. Com essa finalidade considera a noção de competências em três dimensões
(RUAS, 2008):



competências organizacionais -se referem às capacidades coletivas da organização,
aquelas que integram as várias áreas e funções da organização a fim de atingir um
resultado esperado em seus produtos e serviços principais (qualidade, preço, inovação,
p.ex) de maneira estreitamente vinculada às diretrizes estratégicas.
competências funcionais - se referem às capacidades necessárias ao desempenho cada
uma das funções principais (ou macro-processos) da organização - produção,
comercial, atendimento, manutenção, etc.);
competências profissionais ou individuais - se refere às competências que os
profissionais devem mobilizar para atender suas atribuições e responsabilidades nas
organizações em geral.
Entretanto, o que se observa no mundo das organizações é que nesse modelo é ainda
predominante o enfoque gestão de pessoas. Neste sentido, é significativa a constatação do
estudo de Fernandes e Comini (2008). A ausência de uma definição de competências
organizacionais nos modelos pesquisados, associada a uma similitude nas competências
constantes nos diversos modelos sugere que não há uma conexão clara de tais modelos com
orientações estratégicas mais amplas por parte das empresas. O artigo revela, portanto, que,
5
no Brasil predomina um modelo que pode ser denominado “Gestão por Competências
orientada para a Gestão de Pessoas”.
Entretanto, apesar de atualmente constituir-se num modelo bastante difundido tanto em
organizações privadas, quanto públicas, pelo menos até recentemente a produção científica
brasileira não conseguia organizar, sistematizar e analisar adequadamente a gestão por
competências, segundo Dias et al. (2008). É verdade que são muitas as dificuldades que
cercam essa tarefa, a começar pela própria noção multidimensional de competências, e
continuando na diversidade metodológica na implementação dessas noções nas empresas. E a
essas dificuldades é agregada um tipo de abordagem metodológica predominante nas
pesquisas: estudos de caso tratando de analisar a implementação da Gestão por Competências
em uma ou duas empresas, sustentados por pesquisas do tipo transversal. Tal abordagem,
sustentam Dias et al. (2008), parece não contribuir decisivamente para a criação de uma
produção científica consistente.
3. Procedimentos Metodológicos
Este trabalho pode ser caracterizado como um estudo exploratório-descritivo voltado
para a sistematização e análise de produção científica acerca do tema competências, levantada
em algumas das principais publicações do campo da administração no Brasil. Esse
levantamento compreendeu 44 artigos científicos publicados entre janeiro de 2000 e
dezembro de 2008, nos seguintes periódicos: Revista de Administração da USP (RAUSP),
Revista de Administração de Empresas (RAE-FGV), Revista de Administração
Contemporânea (RAC) e Organizações e Sociedade (O&S). A escolha destas publicações se
deve ao fato de que todas elas constavam no nível A da Classificação de Periódicos, Anais,
Jornais e Revistas (Qualis) da CAPES, durante o todo o período de abrangência da pesquisa:
2000 a 2008. Além disso, constituem publicações dentre as mais referenciadas no universo da
produção científica brasileira em administração. Optou-se por privilegiar publicações em
revistas por se entender que se trata de contribuição de natureza mais permanente à pesquisa
do que aquela que se dá em anais de congressos – as quais, como decorrência de depuração e
seleção, acaba por desembocar na publicação em periódicos.
O critério para seleção dos artigos foi baseado na presença da expressão
“competência” em pelo menos uma das seguintes seções – “título do artigo”, “palavras-chave
do artigo” ou “resumo do artigo”.
A distribuição dos artigos levantados, segundo as publicações de origem, pode ser
observado na tabela 1:
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Tabela 1 – Distribuição das publicações relacionadas ao conceito de competência - por fonte
de publicação
ANO/
FONTE
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
TOTAL
RAC
O&S
RAUSP
RAE
TOTAIS
1
0
1
3
1
3
1
2
3
15
1
0
1
1
0
3
1
3
0
10
0
1
0
2
0
1
0
0
2
6
2
1
2
1
3
1
2
1
0
13
4
2
4
7
4
8
4
6
5
44
Os 44 artigos passaram por um processo de análise de conteúdos, processo esse
concentrado nos seguintes aspectos: a) conceitos/noções de competências empregados nos
artigos; b) representação ativa do conceito/noção, ou seja, como os autores tratam o
conceito/noção de competência nos momentos em que são aplicados no campo
organizacional; c) ambientes nos quais o conceito/noção de competência é aplicada; d)
tipologia do método adotado no artigo.
A análise de conteúdos é um método de análise de texto com base em estudo
minucioso de seu material bruto, das palavras e frases que o compõem, a fim de buscar o
sentido do conteúdo. Para isso, compara e avalia as palavras e frases que compõem esses
conteúdos com o objetivo de reconhecer o essencial, selecionar suas idéias principais e
descartar o acessório. O resultado é a decomposição das estruturas e dos elementos desse
conteúdo a fim de esclarecer suas diferentes características e extrair sua significação
(LAVILLE e DIONE, 1999). Outra referência importante para o método de análise de
conteúdos é baseada nas indicações de Minayo (1994). Esse autor conceitua a análise de
conteúdos como um conjunto de técnicas de análise que visa obter, por procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição desses conteúdos, indicadores que possibilitem uma
interpretação crítica dos dados obtidos.
A discussão e análise de resultados foram estruturadas a partir de categorias de
sistematização, apresentadas a seguir:
a) Noção de Competências: se refere à maneira através da qual o artigo apresenta e
expressa a noção. Com base na evolução da abrangência desta noção nos últimos anos,
optamos por definir subcategorias para melhor apreendê-la: i) a noção de competências
como capacitação/qualificação; ii) a noção de competência como sinônimo do CHA,
como potencial para alguma iniciativa; iii) a noção de competências como mobilização
de conhecimentos, habilidades e atitudes orientados para uma “entrega”.
b) Tipos de competências estudados: se refere ao tipo de competência focado no estudo.
Consideramos para esta análise as seguintes categorias:


Competência profissional individual e/ou gerencial – considerando as perspectivas
de Boterf (1994), Zarifian (2001) e Dutra (2001, 2004).
Competências Coletivas e/ou grupais – considerando as perspectivas de Boterf
(2000), Dejoux (2001) e Ruas (2005).
7

Competência organizacional – considerando as perspectivas de Hamel e Prahalad
(1990), Fleury e Fleury (2000, 2004), Becker (2004), Ruas (2005), e Fernandes
(2006).
c) Condições do Ambiente: trata do ambiente no qual a noção de competências está sendo
aplicada. Procura identificar e analisar as unidades de análise ou objetos de pesquisa
dos artigos.
d) Abordagens Metodológicas: trata dos métodos de pesquisa que sustentam os artigos. O
critério utilizado para classificação da abordagem metodológica nos artigos analisados
segue tipologia apresentada por Bloom’s (apud CROSSAN e GUATO, 1996), baseada
em quatro grupos: revisão/evolução, aplicação, análise e síntese.




Revisão é a sistematização de revisão bibliográfica ou de conceitos teóricos, na
qual é possível incluir exemplos práticos sem perder sua especificidade;
Aplicação se refere à aplicação de um modelo ou de conceitos de referência num
estudo de caso ou situação;
Análise é em geral sustentada por um estudo teórico-prático, no qual se utiliza uma
teoria original ou a proposição de uma estrutura para estudar o fenômeno;
Síntese consiste em uma reflexão onde analogias e comparações em relação a
outras áreas de conhecimentos representam esse método.
Cabe observar que a diferença principal entre as abordagens aplicação e análise se
localiza na profundidade do referencial teórico e do tratamento analítico. O
procedimento metodológico da categoria análise tende a ser mais consistente.
4- Análise e Discussão dos Dados
A metodologia apresentada serviu de base para analisar e discutir os dados levantados.
Para isso, optamos por trabalhar de acordo com a estruturação proposta nos procedimentos
metodológicos, conduzindo a apresentação e análise dos resultados na seguinte sequência:
noção de competências; tipos de competências estudados; ambientes considerados e
abordagens metodológicas.
a. Noção de Competências
Dos 44 artigos selecionados, dois foram descartados por não abordarem, de fato, a
noção de competências dentro das categorias representadas neste artigo – nestes o termo
competência referia-se a “forças” da organização em sentido amplo. Portanto, a análise final
deu-se sobre 42 artigos.
Sobre a noção de competências, foi possível estabelecer a categorização em diferentes
níveis de análise em virtude da diversidade dessa noção, que inclui capacitação/qualificação
(foco no indivíduo); CHA como soma de conhecimentos, habilidades e atitudes (sem
subentender ação) e mobilização dos conhecimentos, habilidades e atitudes associados à
entrega.
Antes de entrar nas especificidades da noção, é interessante destacar fatores que foram
percebidos e que auxiliaram no posterior levantamento feito. Um dos achados é que
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pouquíssimos artigos abordam o tema competência isoladamente, a menos que se trate de uma
revisão teórica. Em geral, o conceito de competência é atrelado a alguma variável, como
competência e aprendizagem organizacional. Também possível detectar uma espécie de
quebra nos temas coligados à noção. Como exemplo, os primeiros artigos, de 2000 e 2001,
por exemplo, trazem como foco principal Vantagem Competitiva; a partir de 2002, segue
sendo considerado o assunto, mas já como parte de um escopo maior que é Competitividade
Estratégica; a partir de 2003 outros temas, como aprendizagem organizacional, ganham maior
atenção dos pesquisadores da área, e especialistas de outras áreas como marketing começam a
explorar o assunto. Por isso mesmo, fica evidente uma disseminação do termo competência
após 2003: surgem diversas semânticas e em mais de uma pesquisa há um cuidado
metodológico no alinhamento do significado do termo.
Vale dizer que nem sempre, ao se focar um assunto de tamanha amplitude, as ideias
associadas ao tema aparecem explicitamente e em concordância com o que foi levantado na
fundamentação teórica do estudo. Com a noção de competências não sucedeu diferente e,
assim, um dos primeiros sinalizadores que nos foi revelado na análise dos artigos foi que, para
uma identificação adequada da noção de competências teríamos que levar em consideração o
que estava, por assim dizer, oculto ou implícito no conteúdo das publicações. Essa percepção
nos levou a subdividir cada categoria antes mencionada em conteúdos que foram expressos
pelos autores em seus estudos e conteúdos inferidos pelos pesquisadores a partir dos dados
presentes nas pesquisas e do próprio discurso do autor. A tabela 2 nos ajuda a visualizar
melhor tal método:
Tabela 2: Noções de Competências adotadas nos artigos
Sub-Categorias
Explícito
Noção de competência como qualificação.
9
Noção de competência como a presença de conhecimentos,
habilidades e atitudes sem subentender ação ou mobilização.
Noção de competência como mobilização de conhecimentos, 19
habilidades e atitudes derivando em entrega.
Implícito
2
1
11
Um exemplo deste enquadramento entre explícito ou implícito pode ser observado no
trabalho de Mello et al (2006). Ao pesquisarem setores de base tecnológica, não abordam a
noção de competências diretamente como uma forma estratégica de gerir pessoas; entretanto,
nomeiam características como inovação, pró-atividade, assunção de riscos que,
implicitamente, podem ser entendidas como competências importantes e como mobilização de
capacidades associadas a uma entrega.
Como é possível verificar na tabela anterior a maioria dos artigos traz, explicita ou
implicitamente, a noção associada à mobilização de competências, sendo estas compreendidas
pela colocação em prática, em situações determinadas, de conhecimentos, habilidades e
atitudes. A idéia é de ação e não de potencial para como bem destaca Zarifian (1999). Alguns
autores, assim como nós, optaram por fazer uma retrospectiva histórica da noção que vai
desde quando as competências eram consideradas qualificação até um conceito de
mobilização e entrega. Nos artigos em que isso aconteceu a noção foi agrupada na terceira
sub-categoria da Tabela 2, relativa à “mobilização de CHAs”.
Outro fator que está fortemente ligado a essa sub-divisão de “mobilização de CHAs” é
a aplicação estratégica da noção de competência. Os autores que abordam a noção de
competência como mobilização e ação, em sua maioria, lembram de vincular as práticas
9
descritas à(s) estratégia(s) da(s) empresa(s) estudada(s). Isto é condizente com autores de
referência para o tema competências no país, como Zarifian, Le Boterf, Fleury, Ruas e Dutra
(Dias et al,2008), que trabalham competência como mobilização e também chamam a atenção
para a necessidade de associar estratégia à competência.
Um dos artigos estudados ficou, por assim dizer, no meio do caminho da evolução da
noção. Isto significa que saiu de uma idéia de qualificação pura e simplesmente para uma
visão mais ampliada que combina conhecimentos, habilidades e atitudes, mas não chegou a
pensar em termos de uma entrega situacional, ocorrida num contexto específico. Tal artigo
alinha-se aos primeiros estudos de Zarifian e Le Boterf, datados da década de 80, onde a
percepção de movimento ainda não era contemplada; a competência era vista como uma
espécie de competência à priori, permanecendo assim como um conjunto de recursos ou
potencial para. Ruas (2005) nos lembra que capacidades podem ser entendidas como
potenciais que, se aplicados em determinadas situações, caracterizarão competência
justamente por mobilizar conhecimentos e demandar habilidades e atitudes.
É interessante a ocorrência (e recorrência) de estudos que abordam a competência
dentro da primeira categoria, principalmente porque, como dizem Fleury e Fleury (2006), a
idéia de qualificação está um tanto quanto atrelada ao taylorismo/fordismo. No caso desta
sub-divisão, recorrente em artigos provenientes de outras áreas que não as de Recursos
Humanos, o que se encontra é um conceito de qualificação como resultado de um treinamento
ou aprendizagem, uma capacidade a posteriori de uma capacitação, mas que não garante por
si só um desempenho superior para a organização ou instituição. Lembremos da citação de
Perrenoud (1999) sobre o fato de que conhecer não significa uma ação de acordo com o que
foi ensinado e sequer prevê que alguma ação será tomada. O conceito de competência atrelado
exclusivamente à capacitação ou qualificação pode perder de vista a necessidade de alinhar a
entrega à estratégia. Ainda, mesmo o conceito de qualificação não deve ser dissociado da
noção de complexidade, à medida que treinamentos e capacitações devem levar em conta o
nível de desafio ou entrega a que o treinando deve responder em seu trabalho.
b. Tipos de competências estudados
Ao partimos para a análise do tipo de competência aos quais os artigos se referiam, ,
foi possível perceber que nos anos de 2000 a 2004 houve uma predominância dos artigos
referentes às competências organizacionais, seguido pelas competências individuais e
gerenciais. Já no segundo período analisado (2005 a 2008), pôde-se notar que ainda seguiram
as publicações voltadas a competências individuais e gerenciais e organizacionais, porém com
um artigo integrando as duas abordagens, o trabalho de Paiva e Melo (2008) que sugere que
competências individuais dos profissionais devem ser desenvolvidas para atingir as
competências organizacionais. Entretanto, em nenhum momento demonstra o modo como
isso pode acontecer.
Isso corrobora com a ideia de Dutra, Fleury e Ruas (2008) quando falam que há
carência de publicações orientadas para a interação entre competências organizacionais e
individuais. Esse fato ainda persiste uma vez que embora fossem encontrados artigos que
mencionassem ao mesmo tempo as noções de competências, competências individuais,
funcionais e organizacionais, não foi observada, em nenhum dos artigos, a articulação clara
entre um tema e outro.
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Exemplo de artigo que aborda competência num plano organizacional é o trabalho de
Serra e Maia (2008), ao apontar “competências coletivas” como a capacidade de competir
entre as cadeias produtivas gerenciando a cadeia de suprimentos, pensando e articulando as
relações, a estrutura, ganhos e alinhamento. Apesar do uso da expressão “competências
coletivas”, entendeu-se que seu real enquadramento, dentro dos termos desta pesquisa,
alinhava-se ao tipo “competências organizacionais”, uma vez que pressupõe além do
somatório dos indivíduos, processos, sistemas e estruturas para a caracterização de uma
vantagem competitiva do negócio como um todo.
Chama a atenção o fato de que trabalhos oriundos da área de inovação tecnológica,
como Figueiredo (2003), tendem a abordar a competência num plano organizacional (as
chamadas “competências tecnológicas”); chegam a realizar a articulação entre tais
competências e competências de indivíduos, mas ao fazerem este movimento tendem a atrelar
a competência individual à noção de qualificação.
c. Condições do Ambiente
Ao partirmos para a investigação a respeito das Condições do Ambiente no qual a
aplicação da noção de competências se dá, é possível dizer que, a partir das publicações
analisadas que não há como afirmar em que contextos a noção de competências é mais
aplicada em virtude das diferentes unidades em que ocorre essa utilização. São encontrados
elementos voltados a competências em ambientes como organizações do setor produtivo,
havendo destaque para o fato de que na maioria das vezes a noção é apresentada com relação
à estratégia e de maneira implícita, como ilustrado por Mello et al (2006), Boehs e SegattoMendes (2007), Petinelli-Souza e Machado (2007), Paiva e Melo (2008), por exemplo.
Encontramos também uma boa parte de publicações em setores de base tecnológica e
produtiva, onde a noção é voltada basicamente a competências individuais e gerenciais e
como forma de manter a organização mais estabilizada em virtude de ambientes de mudanças,
como aparece em Vieira e Luz (2005) e Watson (2005). Nesta linha, merece destaque um
artigo que discorre sobre utilização de competências em situações de improviso. Esta reflexão
ocorre em Ruas (2005) ao abordar as competências voláteis como aquelas referentes a
apropriação e mobilização de capacidades para lidar com o pouco conhecido, sendo, portanto,
aplicada em processos dinâmicos que requerem adaptação, flexibilização, percepção e pensar
diferentes frente ao enfrentamento de situações instáveis e de mudanças constantes. A
concepção está em sintonia com o conceito de evento em Zarifian (2001), onde a competência
se manifesta precisamente em situações não previstas ou prescritas, aquelas encapsuladas sob
a forma de decisões programadas pelas descrições de cargos.
Existem ainda diversas publicações em ambientes educacionais, com destaque para as
Instituições de Ensino Superior. Em tais circunstâncias propiciam pensar a noção relacionada
à aprendizagem e noções de entrega, embora tais termos não sejam tratados de maneira
explicita em todos os artigos. Por exemplo, o artigo do De Sordi e Azevedo (2008) destaca
uma metodologia a ser empregada na seleção de bolsistas de iniciação cientifica onde o
processo era realizado com base na resolução de tarefas específicas. Assim, é possível dizer
que a aprendizagem estava envolvida na noção de competência uma vez que os alunos
precisavam demonstrar suas capacidades/aprendizagens em função de entregas esperadas,
exatamente como propõem Dutra, Fleury e Ruas (2008).
11
Embora apenas em um artigo dos 44 analisados traga como ambiente a noção de redes
inter organizacionais, torna-se interessante sua análise, pois mesmo não desenvolvendo
diretamente a noção de competência – de fato, o artigo refere-se à idéia de capacidade de
competição –, o artigo revela uma veia promissora para a aplicação do conceito de
competências numa acepção que extrapola a organização e abraça toda a cadeia produtiva.
Ainda existem outros artigos realizados em outras unidades de análise como empresas
de serviços bancários, de saneamento, de telecomunicações, de indústrias, de eletricidade,
hospitais, e outras, mas sempre pensando e estruturando a noção de competências atrelada às
funções da área de Recursos Humanos como seleção, avaliação e remuneração, atribuindo
uma relação entre práticas organizacionais de Gestão de Pessoas com aplicação efetiva das
competências e em geral, das competências individuais. Uma comparação em termos dos
períodos analisados é interessante: enquanto nos anos de 2000 a 2004, a maior parte dos
artigos era voltada a essas áreas de análise e vinculada a organizações empresariais, no
período de 2005 a 2008, a noção começa a ser incorporada de outra maneira e em outros
ambientes, como em instituições de ensino, redes de organizações e organizações de
tecnologia, resgatando o aporte estratégico, de aprendizagem e de entrega, conforme relatado
anteriormente.
d. Abordagens Metodológicas
Nossa última categoria de análise que nos motivou a questionar de que modo os
artigos estavam sendo mais publicados foram justamente às abordagens metodológicas
desenvolvidas nos artigos pesquisados, a fim de se estabelecer uma comparação entre o
primeiro e o segundo períodos realizados. A tabela 3 apresenta os resultados encontrados.
Tabela 3– Categorias de Abordagens Metodológicas adotadas para análise dos artigos
2000 – 2004
2005 - 2008
TOTAL
Revisão
6
4
10
Aplicação
8
11
19
Análise
6
8
14
Síntese
1
0
1
TOTAL
21
23
44
Dos 21 artigos analisados no período de 2000 a 2004, notamos que houve uma
predominância dos estudos voltados à aplicação, embora publicações voltadas à revisão e
análise também tenham sido significativas. Já em relação ao período de 2005 a 2008,
podemos notar que a diferença é mais expressiva, tendo em vista que dos 23 artigos, 48% (11
publicações) foram referentes à metodologia de aplicação, o que implica dizer que em termos
da evolução do tempo, mais artigos relacionados a estudos de caso e situações específicas
foram publicados.
Considerações Finais
A noção de competências tem se difundido de forma expressiva no âmbito dos estudos
da Administração, principalmente quando falamos de práticas efetivas da área de Gestão de
Pessoas. Porém, um fato interessante do levantamento realizado foi que a noção de
competência também começa a ser pensada cada vez mais estrategicamente e aplicada em
12
outros ambientes, e não necessariamente como uma ferramenta voltada à seleção, avaliação e
remuneração das pessoas.
Outra constatação foi a ampliação da noção de competências na categoria vinculada à
entrega, levando em consideração os impactos sobre a identidade profissional que encontram
motivação no auto-reconhecimento frente à sensação de eficiência, podendo derivar em
desempenhos. Este resultado não deve ser visto de forma dissociada das citações crescentes a
autores como Dutra (2001, 2002, 2004) e Fleury e Fleury (2006), recorrentes em estudos
sobre competências, sobretudo àqueles na vertente individual e associados à área de Gestão de
Pessoas. Estes autores podem ser considerados referência na disseminação do conceito de
“entrega” tanto no meio acadêmico quanto empresarial brasileiro.
Através dos resultados obtidos podemos dizer que o ambiente no qual a noção é
aplicada interfere no modo como os artigos são propostos e analisados, pois se pensarmos
sobre as diversas práticas de RH relacionadas aos constructos, notamos que em sua maioria
está atribuída ao fato de terem sido realizados estudos de aplicação, em organizações
especificas. O que sim, é facilmente perceptível e vale a pena resgatar, é o fato de que quanto
mais instável e sujeito à mudança o ambiente for, maior a chance de encontrarmos gestões
baseadas em competências.
Digno de nota é a extrapolação da noção de competências para outros contextos de
análise. Entretanto, este aumento do escopo se faz, muitas vezes, às custas da flexibilização
do conceito, ou de sua adoção de forma implícita por diferentes autores, o que dificulta a
homogeneização no tratamento do tema. Isto nos remete a pensar nas dificuldades para a
generalização dos resultados das pesquisas em competências e ‘talvez’ justifique o fato de não
termos muitos avanços em relação da teoria à prática. Não podemos deixar de destacar a
ampliação da aplicação para ambientes da educação, e, assim, é possível inferir que outro
tema associado a essa noção se faz presente, a aprendizagem. Porém, esta abordagem
crescente também pode traduzir a facilidade de coleta de dados, uma vez que se trata de um
campo de fácil acesso a pesquisadores.
A convergência de nossos achados nos satisfaz e nos preocupa. A academia está
caminhando para um alinhamento do conceito? Visto que grande parte dos artigos veem a
noção como a mobilização de capacidades e os que ainda não o fazem, já incluem em seus
estudos autores que falam em mobilização de CHAs? Ou nossa amostra não era
suficientemente abrangente?
A aproximação da abordagem conjunta dos conceitos de competências organizacionais
e competências individuais também é uma tendência na publicação no campo. Porém, esta
associação ainda é frágil. Boa parte dos estudos limita-se a dizer que ela existe, mas não
especifica os métodos que articulam os dois temas. Parte disso pode-se se dar pela
“generalidade” ou frouxidão com que o conceito de competência organizacional vem sendo
aplicado. Por exemplo, as três categorias genéricas de competências organizacionais de Fleury
e Fleury (2004; 2006) (excelência operacional, inovação em produtos e orientação a serviços)
talvez não captem o firmspecific que marca a competência organizacional. Conforme apontam
Fernandes e Comini (2008), a compreensão das competências de tecnologia em
miniaturização de eletrônicos da Sony, ou a tecnologia em óptica da Canon, dois exemplos
clássicos de Prahalad e Hamel (1990), não se esgota na classificação por um rótulo genérico
de tipo de competência.
13
Derivada do ponto anterior, outra inquietude diz respeito aos sub-temas: o mercado
demanda auxílio acadêmico na busca de uma maior sinergia entre competências
organizacionais e competências individuais. Na prática, poucos artigos relatam um esforço
sistematizado de empresas no sentido de descrever suas competências organizacionais com o
mesmo nível de detalhe com que descrevem e disseminam suas competências individuais.
Tampouco se observa algum esforço no sentido de associar supostas competências a
instrumentos de gestão e tomada de decisão. Por exemplo, é recorrente nos estudos baseados
na VBR (e competências organizacionais) a associação do tema competências organizacionais
ao crescimento da organização (PENROSE, 1959; WENERFELT, 1984), mediante
diversificação (TEECE, 1982; MARKIDES e WILLIAMSON, 1996), internacionalização
(OVIATT e MCDOUGALL, 2005; BORINI et al, 2008), alianças estratégicas (PRAHALAD
e HAMEL, 1990) ou fusões e aquisições (MILLS et al, 2002), e mudança organizacional
(LEONARD-BARTON, 1992). Entretanto, os artigos não relatam casos de empresas que
expressamente tenham estabelecido e formalizado suas competências organizacionais dentro
de um processo deliberado de tomada de decisões estratégicas dentro de quaisquer um destes
campos. Aliás, mesmo para o estabelecimento de competências individuais, dentro da
modelagem de projetos de gestão por competências, poucas vezes os artigo relatam um
esforço sistematizado de proposição de competências organizacionais como uma etapa prévia
a definição de competências individuais – salvo menções genéricas ao tipo de competência.
Com isso, fica evidenciada uma oportunidade de sistematizar a articulação entre competências
organizacionais e individuais na prática empresarial.
E finalmente, não era nosso foco, porém, inspirados por alguns artigos que apontam a
necessidade de contemplar com maior atenção o que Souza e Machado (2007) chamam de
competências emocionais e não só as de ordem técnica e comportamental, nos atrevemos a
sugerir a pesquisadores com uma maior interface com as ciências psicológicas, o
aprofundamento de questões que tenham a ver com a formação da subjetividade profissional.
Como já foi dito, há estudos que levam em consideração a capacitação em relação à
complexidade do trabalho. Competência como entendida na maioria dos artigos é um
potencial posto em uso e basta uma breve observação de campo para saber que possuir
determinados conhecimentos, habilidades e atitudes não nos garante uma ação assertiva, já
mencionado por Perrenoud (1999). Há outros fatores que jogam seu papel como oportunidade
e estruturas de personalidade que devem ser finalmente estudados junto a competências para
que possamos finalmente falar em gestão de capacidades.
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