DCI – Comércio Indústria & Serviços 27/06/05 Primeira página Agentes prevêem racionamento de energia Wellington Bahnemann Brasil precisa investir, até 2010, US$ 21,7 bilhões para afastar ‘apagão’ Mudança na lei inviabilizou aportes em geração dos autoprodutores Estabilidade é fundamental para garantir acesso a novos financiamentos Enquanto o governo federal insiste em negar, os agentes que compõem a cadeia do setor elétrico concordam em um ponto: a indefinição em torno dos investimentos para a expansão do parque gerador deverá levar a um novo desabastecimento de energia entre 2008 e 2009, tal como ocorreu em 2001. A questão foi ponto de convergência no seminário “Energia Elétrica Conquistas, Cenário, Perspectivas e Desafios”, organizado pelo DCI. Dados da Associação Brasileira das Grandes Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage) demonstram a profundidade da crise anunciada. De acordo com Antonio Bolognesi, vice-presidente da entidade, em um cenário de referência que leva em conta crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) de 4,48% e crescimento da demanda de 5,26%, o consumo de energia em 2010 chegaria a 60,38 mil megawatts (MW), para uma energia assegurada um pouco superior a 54 mil MW. “A expectativa é que em 2009 a demanda se iguale à oferta”, afirma. Nesta conjuntura, seria necessário US$ 21,7 bilhões para afastar o perigo do “apagão”. A solução para resolver o impasse, explica Bolognesi, é a implementação imediata das 45 usinas já concedidas, que somadas totalizam 13,03 mil MW, mais a licitação das 17 hidrelétricas previstas para o leilão de energia nova, que somam 2,8 mil MW, além do aproveitamento da energia proveniente do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), cujo montante é de 3,3 mil MW, e do auxílio das termelétricas, atualmente pouco aproveitadas. “Se tudo ocorrer bem até 2010, será possível suprir a demanda.” O que a situação atual demonstra, no entanto, é um cenário diferente. Das 45 hidrelétricas, apenas quatro (totalizando 571 MW) estão livres de qualquer restrição. Já 21 usinas (10,42 mil MW) apresentam baixo impacto ambiental e 20 projetos (2,04 mil MW) registram graves restrições ambientais. Além disso, não se tem uma definição de quais dos 17 empreendimentos irão participar do leilão de energia nova, por falta da licença prévia (apenas a usina Baguari já possui LP). O Proinfa ainda não conseguiu se consolidar e, em função da crise da Bolívia, existe a expectativa de falta de gás natural no Brasil, insumo com maior viabilidade econômica para abastecer as usina termelétricas. Bolognesi lembra que a questão ambiental é o grande entrave à expansão do setor. “A falta de licenciamento emperra, desde o início, o processo de concessão, porque não permite que o Ministério de Minas e Energia licite o empreendimento e que este não consiga nem a licença de instalação e nem a de operação.” Para Mário Luiz Menel da Cunha, diretor presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica (Abiape), outras questões são entraves para a expansão do parque gerador, além do licenciamento ambiental. A indefinição em torno do ágio sobre o Uso do Bem Público (UBP), antigo parâmetro nas licitações de concessão de projetos, estaria dificultando a viabilização dos empreendimentos. “Nas regras antigas, os empreendedores basearam os seus projetos em um valor normativo [custo de referência para a compra de energia] de R$ 120 por megawatt hora [MWh]. Hoje, com os leilões de energia velha, o que se verifica é um preço muito abaixo.” Segundo a entidade, 13 projetos (6,3 mil MW) estão paralisados em função do impasse no UBP. “Não foi estabelecida uma regra de transição para o autoprodutor com a implementação do novo modelo do setor. Isso aumenta o grau de incerteza do setor”, conclui Cunha. O executivo também destaca que a excessiva — e indevida — cobrança de encargos setoriais tem retirado a competitividade do preço do MWh gerado pelas usinas dos autoprodutores. “Entre os nossos associados estão empresas como CSN e a Companhia Vale do Rio Doce , que competem no mercado internacional. Os investimentos em autogeração objetivam garantir melhores custos em energia. Mas os encargos estão retirando esta margem.” João Carlos Mello, consultor da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace), compartilha desta visão e diz que os encargos saltam de R$ 5,6 bilhões, em 2001, a uma previsão que chega a R$ 13 bilhões, este ano. “Estes recursos poderiam ser empregados para garantir a expansão do parque gerador. Não se discute o seu pagamento, mas sim a ‘eficientização’ de sua aplicação.” Na avaliação de Luiz Fernando Vianna, presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine), o setor elétrico deve afastar qualquer tipo de risco, seja ele político, institucional e financeiro. “O investidor tem aversão a riscos. Assim como o agente financiador. Quanto maior a incerteza, mais elevado será o spread para o financiamento.” Viana ressalta que o país está numa competição em nível mundial para atração de capitais para promover a expansão de seu parque gerador e que, por isso, é primordial que haja a estabilidade. Financiamento De acordo com Ricardo Lima, vice-presidente comercial da AES Eletropaulo , a sistemática do leilão de energia velha inviabilizou a modalidade project finance para o setor elétrico. “O problema está em como realizar a expansão. Os bancos já disseram que não haverá project finance para o setor elétrico. Existe uma dificuldade em mensurar o risco de crédito. Isso porque a venda de energia da geradora para um pool de 64 distribuidoras diluiu a avaliação do risco”, explica. Nesta modalidade, o financiador obtém o seu retorno a partir da receita gerada pela operação do empreendimento. Como aspecto positivo, reflexo do ingresso de capital privado na geração com a reforma do setor elétrico, é a redução do custo marginal de expansão para novas hidrelétricas. “Em 1981, a Eletrobrás projetava um custo de US$ 60 por MWh. Hoje, a estimativa é de US$ 35 por MWh”, aponta Mello. Ele espera que a “competição no leilão de energia nova seja suficiente para manter esta tendência para os consumidores”. Atualmente, o consumo energético do País é de 46,8 mil MW, com um excedente de energia de quase 6 mil MW. Tal situação beneficiou os grandes consumidores, que aproveitaram o cenário de sobreoferta para migrar para o ambiente de contratação livre. Com isso, obtiveram redução do valor pago pela energia e ganhos de eficiência em relação ao suprimento. O leilão de energia existente também refletiu o cenário de sobreoferta, ao passo que os preços ficaram abaixo do esperado pelo mercado.