BOLETIM CITRÍCOLA
UNESP/FUNEP/EECB
Dezembro nº 11/1999
LARANJA
PÊRA
Luiz Carlos Donadio
LARANJA PÊRA
EECB
Luiz Carlos Donadio
LARANJA PÊRA
Capa:
Frutos de Verna, Pêra de Vidigueira e Ovale,
possíveis parentais da Pêra
Jaboticabal - SP
Funep
1999
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Medicina Veterinária e Zootecnia - Funep
Diagramação: Renato Trizolio
Ilustração e impressão da capa: Gráfica Multipress
Impressão e acabamento: Funep
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da FCAV.
D674l
Donadio, Luiz Carlos
Laranja Pêra / Luiz Carlos Donadio. -- Jaboticabal :
Funep, 1999.
51 p. il. ; 21 cm. - (Boletim citrícola, 11).
1. Laranja - citros. 2. Variedade. I. Título.
CDU - 634.31
1999
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ÍNDICE
1. Introdução ......................................................................... 1
2. As Laranjas Piriformes ....................................................... 2
2.1. Informações Gerais .................................................... 2
3. Origem da Pêra ............................................................... 10
3.1. A Laranja Ovale ....................................................... 10
3.2. A Laranja Verna ....................................................... 16
3.3. A Laranja Lamb Summer ......................................... 23
3.4. A Laranja Pêra de Vidigueira .................................. 24
4. Laranja Pêra .................................................................... 32
5. Considerações Finais ....................................................... 40
6. Literatura Citada .............................................................. 43
LARANJA PÊRA
Luiz Carlos Donadio
1. Introdução
A laranja Pêra é a mais importante variedade cítrica
brasileira, sendo utilizada pela indústria e para os mercados
internos e externos de fruta fresca. Para indústria, seu
rendimento industrial é muito bom, e as qualidades de seu
suco tornaram-na preferida, além de sua época de produção,
entre as precoces e as tardias. O mercado consumidor
brasileiro de fruta fresca, tanto para consumo direto, como
para extração e consumo local do suco, dá preferência à
‘Pêra’ também pelas suas qualidades.
Entre seus principais pontos negativos está sua
suscetibilidade à tristeza e o hábito de florescimento fora da
época usual, com 2 a 3 floradas por ano. O problema em
relação à tristeza foi resolvido satisfatoriamente pelo uso de
clones premunizados. As produções extemporâneas, se por
um lado são um problema, por outro, podem ser vantajosas,
pois permitem a oferta da variedade por um período maior,
o que é interessante, principalmente para o mercado de
fruta fresca.
A origem da ‘Pêra’ é pouco conhecida. Apesar de
considerada como brasileira, há indícios de que possa ter
sido originada de variedades de outros países. Alguns dos
aspectos citados são discutidos neste boletim, baseado
principalmente nas pesquisas realizadas na Estação
Experimental de Citricultura de Bebedouro (EECB).
1
2. As Laranjas Piriformes
2.1. Informações Gerais
RISSO & POITEAU (1818-22) descrevem uma espécie
de laranja doce, com o nome Citrus aurantium pyriforme,
chamada de laranja piriforme. Apresentava muitas sementes,
e sua qualidade era classificada como muito boa. Era
cultivada em Nice, França, e existia uma variedade de folhas
pequenas. Maturação em março, com boa conservação da
planta. Como se pode notar, as características gerais são
parecidas às atuais variedades piriformes, com exceção do
número de sementes.
BONAVIA (1888-90) apoia-se em De Candolle e
Gallesio para confirmar que as laranjas introduzidas pelos
árabes na Palestina, Egito, Sul da Europa e na Costa da
África eram as laranjas azedas. Também concorda com a
tese de Gallesio que não foram os portugueses os primeiros
a introduzir as laranjas doces da Índia, em 1498, ou da China,
em 1518. Cita ainda que a laranja do tipo Malta ou Portugal
foi por várias vezes introduzida na Índia entre 1850 e 1873.
Nesta época as laranjas eram propagadas por sementes. O
tipo citado por Gallesio, com o nome de laranja doce (e
segundo o autor seria a de Portugal), era um fruto
arredondado, sub-ácido a doce, entre outras características
que menciona, não citando tipo piriforme.
NOTER (1926) reconhece várias espécies de laranjas
doces baseado em Risso, inclusive uma Citrus aurantium
pyriforme, a qual era encontrada em Nice, França, onde era
cultivada e atingia até 6 m de altura, apresentando alguma
tolerância ao frio. Os frutos, piriformes e doces, amadureciam
em janeiro-fevereiro até março. Não dá, entretanto, outras
informações sobre a sua origem. Outras formas de frutos de
laranjas doces aí também eram encontradas, além da globosa,
a oblonga, a elíptica e outras.
2
Quanto à origem dos citrinos, POWELL (1930) baseiase em De Candolle, como outros autores, para confirmar a
origem chinesa da maioria das espécies cítricas. Afirma que
possivelmente os romanos e gregos não conheciam os
citrinos há 2 mil anos. Quanto à laranja doce, aceita a tese
de Gallesio (1811) segundo a qual algumas informações de
1471 a 1472 se referiam à laranja doce na Liguria, portanto
antes da introdução dos portugueses a partir de 1498.
Vários documentos citados por TOLKOWSKY (1938)
mencionam que, quanto às variedades de laranjas doces, na
Palestina, no século XVIII eram encontrados três tipos: a)
Shamúti; b) baladi (nativa); c) “fransawi” (francesa). O tipo
“Shamúti” (ou Shamouti), grande, oval com casca grossa,
de qualidade inigualável, com bom sabor e fragrância é,
segundo o autor, a variedade atual chamada Jaffa. Aceita-se
que foi introduzida na Palestina no início do século XVIII,
por um monge armênio, possivelmente da Ásia. Entretanto,
de acordo com um renomado botânico israelita, o tipo
Shamouti foi originado de uma mutação do tipo Baladi, em
Jaffa, em meados do século XVIII. O cientista Oppenheim
não só apoia a tese acima, como também cita o fato de que
era comum a reversão do tipo Shamouti em Baladi. Também
cita que o tipo francês era de qualidade inferior,
possivelmente uma laranja de baixa acidez, conforme
dedução de vários autores.
FAUGERAS (1931) se referiu ao cultivo de citrinos na
Flórida e na Califórnia, desde sua introdução nos Estados
Unidos, mas só mencionou como importantes a W. Navel e
Valência na Califórnia.
COIT (1937) comenta a história e o desenvolvimento
da citricultura na Califórnia, iniciada em 1768, com os jesuítas,
até a introdução e o desenvolvimento comercial da
Washington Navel, a qual em 1879 já era apresentada na
primeira feira de citros em Riverside e originada da introdução
de 1870 da Bahia do Brasil. O autor comenta sobre outras
variedades cítricas, entre as quais uma que chama
3
Mediterranean Sweet, introduzida em 1870, da Inglaterra.
Pelas características dadas, pode ser um tipo de China, que
na Califórnia amadurece em abril-maio.
REBOUR (1950) classifica comercialmente as laranjas
doces em vários tipos: de umbigo, sangüíneas, de baixa
acidez, comuns e tardias sem sementes. Nesta, coloca a
Valência Late e a Verna. No grupo das brancas comuns sem
sementes, cita a Jaffa, como sendo de forma oblonga,
raramente arredondada, enquanto a Verna é citada como
de forma oval. Como Portugaise é citada uma laranja
sangüínea. Cita que esse tipo era importante na Tunísia,
pelas variedades Maltaise demi-sanguine e Lesen Asfour.
LLURENS (1935) afirma que a introdução da laranja
na Espanha foi atribuída aos árabes, mas que a tese da
introdução pelos romanos foi demonstrada, devido ao
estabelecimento das rotas da Índia pelo mar Vermelho.
Aos portugueses credita a aclimatação na Europa de
variedades selecionadas, chamadas de Portugal e China,
distinguindo, portanto, uma da outra. Entre as variedades
mais importantes para impulsionar a cultura comercial, cita
a Vernia. Destaca a importância dos árabes na difusão dos
citrinos na Espanha. A citricultura comercial na Espanha
foi iniciada somente em 1791, sendo a primeira exportação
feita em 1788 para a França. Após passar por períodos
difíceis, pela incidência da gomose, e utilizar muitas
variedades, de preferência as sangüíneas, em meados desse
século foi iniciada a difusão da Washington navel. Depois
foi a vez das tardias, como a Vernia e a Valência Late.
Entre as muitas variedades espanholas e que tiveram alguma
importância no País, destaca uma que chama de Chino, de
China ou Royal, que pelas características que dá não seria
a China de Portugal, ou poderia ser algum tipo desta, uma
vez que não produz sementes, e a casa é lisa. Dá uma
descrição minuciosa de laranja Verna, que também chama
Vernia ou Bedmar. Cita ainda uma laranja oval, de tipo
4
sangüíneo e outra piriforme, de maturação tardia, mas não
dá detalhes da sua origem.
No Marrocos (CHAPOT, 1955) são reconhecidos quatro
grupos de laranjas doces com poucas sementes: de umbigo,
brancas, sangüíneas e brancas tardias. Neste grupo estão a
Valência e a Verna. Um quinto grupo seria o das laranjas
comuns com muitas sementes, no qual não são citadas
variedades.
BOWMAN (1956) cita uma lista de introdução feita do
Brasil, para a Austrália, em 1788, da qual constam vários
tipos relacionados à possível laranja da China, citada com
os nomes “Chinese”, “Small-leaf China”, “Chinese downy” e
“Chinese seedling”. Não menciona a Pêra.
HUME (1929) reconhece para laranjas doces que a forma
do fruto predominante é a globosa ou oblata, entre outras
características que dá para distinguir esta espécie, que foi
chamada de “Portugal” ou “Malta”, mas que já à época era
chamada de laranja doce. Dá interessantes informações quanto
aos nomes específicos pelos quais foi denominada a laranja
doce desde Aurantium vulgare medulla dulci, de Ferrari, em
1646, passando por Aurantium fructu dulci, de Volkamer,
em 1713. Em 1753, Lineus a chamou de Citrus aurantium
var. sinensis, e mais tarde, em 1775, Osbeck deu o seu nome
atual, Citrus sinensis. Cita que desde as primeiras introduções
de citros nos Estados Unidos, muitas outras foram feitas e só
de laranjas doces haviam introduzido mais de 100, mas a
descrição da maioria não foi feita, o que levou à sua perda,
ou troca de nomes. Agrupa as laranjas doces em espanholas,
do Mediterrâneo, sangüíneas e de umbigo. As espanholas
foram possivelmente as primeiras introduzidas. Das do
Mediterrâneo, cita Jaffa e Majorca e dentre outras a Prata e a
Valência, de forma arredondada ou oblata e algumas oblongas,
mas nenhuma piriforme.
GUIJARRO (1957) comenta a obra de Ferrari,
Hesperides, e dá algumas informações sobre a citricultura
5
espanhola no século XVIII. Menciona em poucas ocasiões
as variedades plantadas à época. Refere-se a uma laranja da
China então cultivada. No século XIX, Valência já é a maior
região citrícola, com um total de 8.362 ha.
GONZALEZ-SICILIA (1960) inclui a Berna (ou Verna)
e a Peret no grupo das tardias. Para a primeira, cita que sua
forma pode ser esférica, oval ou piriforme. Para a Peret,
ovalada ou piriforme. Dá uma descrição do fruto, mas não
menciona a origem da Berna. Quanto à Peret, sua origem
foi em um pomar de Vergel, Alicante, possivelmente de
mutação de uma variedade comum, em 1911. Segundo o
autor, a Peret apresenta algumas vantagens em relação à
Berna, tais como ser mais precoce na entrada em produção
e mais doce. É também mais sucosa e colorida, mas é mais
sensível ao frio. O autor comenta também algumas
características da variedade Ovale, a qual informa não ser
cultivada na Espanha.
Quanto à introdução dos cítricos no Brasil, há
documentos citados por WEBBER (1967) indicando as datas
de 1540 e 1549 como já existindo citrinos em Cananéia e na
Bahia, respectivamente, de introduções feitas pelos
portugueses. Nessas citações não são nomeados os tipos
(ou variedades) de citrinos.
HODGSON (1967) classifica as laranjas doces em 4
tipos: comum, baixa acidez, sangüíneas e as de umbigo. O
autor dá uma ficha descritiva para caracterizar variedades
cítricas. Comenta que as características podem variar de
acordo com o clima, o porta-enxerto e o solo, tendo portanto
limitações para a descrição pomológica. As variedades Pêra,
Berna (ou Verna), Ovale (ou Calabrese) e Shamouti são
classificadas como no grupo das comuns. A Pêra de
Vidigueira não é referida. A Pêra é referida como brasileira,
com sua forma típica ovóide ou elipsóide e de boa qualidade.
Afirma ainda que a variedade americana Lamb Summers é
parecida com a Pêra, conforme Moreira e Filho (1963). A L.
Summers surgiu na Flórida, em Volusia, antes de 1897. Cita
6
ainda a Perão, que lembra a Shamouti. O autor foi informado
por Salibe que a Pêra parece com a Verna espanhola. Afirma
que possivelmente a Pêra tenha sido introduzida no Brasil,
onde se tornou a principal variedade cítrica.
FEBRER (1969) afirma que a introdução dos citrinos
na Europa foi realizada em diversas épocas. Cita a laranja
da China como cultivada no norte da Extremadura, e outra
chamada Real, sem semente, que era cultivada na Catalunha
e Valência e seria uma variedade da China.
PRALORAN (1971) mostra, em um mapa de dispersão
das espécies cítricas desde suas regiões de origem, que, quanto
às laranjas doces, foram os genoveses e os portugueses que a
introduziram no Mediterrâneo, onde cita sua presença na Itália
antes de 1523, na Córsega em 1600, na Espanha em 1525. Daí
e de Portugal foram levadas ao Caribe em 1493, ao México
em 1518, à Flórida em 1565, ao Brasil em 1540, ao Peru em
1609, à África do Sul (Cabo) em 1654.
GARCIA (1984) publicou um interessante texto sobre
a história da citricultura valenciana, no período de 1781 até
1939. Informa que foi em 1781, em Rivera Alta, que foi feita
a primeira plantação regular de laranjas. Depois se
estenderam a outras regiões. Em 1873, Valência tinha 985
ha de citrinos e Castellon, outros 784 ha. Já em 1938 a área
total chegou a mais de 37 mil ha. Em 1859 foram importadas
sementes de variedades de laranjas da Cochinchina. Até o
final do século XIX, devido a vários percalços, a citricultura
valenciana pouco se desenvolveu, sendo no século seguinte
que ganhou maior importância, pois a partir de 1862 é que
foi usada a laranja azeda para controle da gomose, então
conhecida como “enfermedad del naranjo”. O autor cita que
foram de mutações da laranja doce do grupo “blanca” que
procederam a maioria das variedades que se tornaram a
base das plantações de laranjas de Valência, quando, em
1938, estas perfaziam 43,27% da produção citrícola
espanhola. Foi no final do século XIX que foram introduzidas
em Ribera Alta variedades “sangüíneas”, antes cultivadas em
7
Provenza e Malta. Eram de meia estação e prolongavam o
período de colheita. Já nesta época havia uma laranja
“comum sin hueso”, isto é, sem sementes, e outros tipos
melhorados chamados Cadenera e Vicieda, mas cujas
colheitas iam até novembro apenas. Só em 1909 foi que se
introduziu a Bahia, pela então Granja Agrícola de Burjasot.
Com o nome comum de “Navel”, substituiu muitas plantações
de “blancas”. Cita ao final de seus comentários a
“clementizacion”, que a partir de 1960 veio competir com a
“navel”. Não cita, como se viu, a Verna ou a Valência,
laranjas tardias que, como se sabe, nessa época já tinham
importância.
SPINA (1985) discute a origem e difusão dos citros
cultivados, citando que as laranjas doces apareceram cerca
de 100 anos a.C. na China e um pouco mais tarde na Índia.
Na Europa foi introduzida de 1400 a 1500, mas
comercialmente ganhou importância no século XVII. Dos
grupos de laranjas doces, cita que as brancas comuns são as
mais antigas e mais importantes. As tardias Valência Late,
Ovale, Vernia e Pêra são de grande importância, das quais
dá as principais características. Para Ovale, cita tamanho
médio de 160 a 200 g, com hábito reflorescente, lentidão
para entrar em produção e época de colheita na Itália de
março a abril.
Em 1987 foi publicado um texto sobre a laranja no
Brasil (de 1500 a 1987), no qual só se refere à laranja Pêra
no final do século XIX (1989), como originária do Rio de
Janeiro, sendo há muito lá cultivada. As citações baseadas
em outras obras, até os séculos anteriores, não se referem à
laranja Pêra. O autor cita um trabalho de Debret (1939), o
qual se refere a alguns tipos de frutas cítricas, mas não à
laranja Pêra (HASSE, 1987).
ROUSE (1988) comenta acerca dos principais cultivares
de citros no mundo, não citando a Verna na Espanha e a
Lamb Summer, na Flórida. Cita a Pêra no Brasil. A Itália e
suas variedades não são mencionadas.
8
A mais completa e mais recente contribuição ao
conhecimento da história dos citros foi publicada em 1990
(CALABRESE) na Itália, na qual o autor baseia-se nos principais
trabalhos, desde os mais antigos, de Ferrari (1646) até
Tolkowsky (1938) e outros. Quanto às laranjas doces, é
comentado o fato de que há pouca citação sobre elas na
literatura chinesa, provavelmente porque lá eram referidas
junto às tangerinas, sendo conhecidas há tempos remotos.
Os documentos escritos e as obras de arte avaliados pelo
autor para diversas regiões e povos do mundo, tais como a
Índia, Japão, Indochina, Malásia, Mesopotânia, Média, Pérsia,
Palestina, Grécia, Roma antiga e árabes, mostram que a laranja
doce ou não foi deles conhecida ou tinha pouca importância
na época. O autor apoia a hipótese de Gallesio de que foram
os genoveses a introduzir as primeiras laranjas doces no
Mediterrâneo, baseado em citações do início do século XV.
DAVIES & ALBRIGO (1994) citam que a possível
introdução das laranjas doces pelos genoveses, em 1425,
não tinha sido a primeira, mas sim possível reintrodução.
Introduções também foram feitas durante os séculos XV e
XVI, inclusive pelos portugueses, ao redor de 1500.
Reconhecem quatro grupos de laranjas doces: as comuns,
(arredondadas), as de umbigo, as pigmentadas e as de baixa
acidez. Estes grupos podem ser de maturação precoce, meia
estação ou tardia. Também podem conter de 0-8 sementes
(comercialmente, “sem sementes”), de 9-15 sementes, ou
mais de 15 sementes por fruto. Entre as comuns, ou “round”,
incluem a Hamlin, a Valência e a Pêra, entre outras. Citam
que a Valência pode ser de origem chinesa, devido à sua
introdução em Portugal. Quanto à Shamouti, citam sua
origem em 1844, da variedade Beladi em Jaffa, Israel.
O Banco Ativo de Germoplasma de Citros do CCSM
contém 72 acessos de ‘Pêra’ e variedades assemelhadas, entre
os quais são colocados vários tipos de Ovale e Lamb’s Summer,
sendo a Verna e Berna não incluídas no grupo das Pêras.
9
3. Origem da Pêra
Apesar de sua importância e de ser considerada uma
variedade brasileira (DONADIO et al., 1995), sua origem não é
bem conhecida. HODGSON (1967) a associa a outras variedades
de outros países. Outros autores especularam sobre possível
origem da Pêra (FIGUEIREDO, 1991; DOMINGUES, 1998).
As variedades a seguir comentadas são mencionadas
como possivelmente a Pêra delas ter sido originada.
3.1. A Laranja Ovale
Atualmente, a variedade Ovale é pouco cultivada na
Itália. Na região de Augusta-Siracusa é possível encontrar
velhos pomares da variedade ainda em produção. Alguns
desses pomares têm mais de 50 anos e foram sobreenxertados
em limoeiros, quando estes foram atacados pela doença mal
seco. A variação chamada fruto “alapatto” pode ser ainda
constatada, bem como os de outros tipos citados na literatura.
É possível que o que se conhece como Ovale (Calabrese)
na Itália não seja um só tipo, pois a da Estação de Acireale
é diferente da de alguns pomares comerciais visitados. Os
frutos são típicos, piriformes, muito semelhantes à Pêra do
Brasil. Como já comentado e com base em trabalhos
anteriores (SCUDERI, 1970-71; DETTORI et al., 1985; RUSSO,
1984-85), a Ovale tem sido substituída por outras variedades.
Em 1915, entre os citros da Sicília (INZENGA, 1915),
eram reconhecidos entre as laranjas doces um tipo elíptico
e outro piriforme, aos quais se dava nomes específicos,
baseado em RISSO. Esses tipos eram associados às laranjas
marroquinas, mas tinham sementes, ao contrário dos citados
no Marrocos (RISSO & POITEAU, 1918-22). Cita ainda uma
Ovale sangüínea. Conforme o autor, uma coleção de citros
foi iniciada em 1868 no Horto Botânico de Palermo. Também
na Stazione Sperimentale di Agrumicoltura havia espécies e
variedades de citros.
10
Em 1928 já era reconhecido um tipo de laranja doce
piriforme na Itália (GALLI, 1928). GUZZINI (1933) comenta
sobre algumas destas variedades. Já em 1929/30 a Sicília
produzia 50% das laranjas da Itália. Entre as citadas há a
laranja Ovale, associada aos tipos “ellypticum” ou
“oblongum” de Risso, ou marroquina, já referida (INZENGA,
1915). Outro tipo “pyriforme” é associado à laranja turca.
Há referência também a um tipo “ellipticum sangüínea”.
Observa ainda o autor que os caracteres que eram utilizados
para caracterizar os diferentes tipos de laranjas não eram
constantes, mas sim com ocorrência de mutação. Em 1931 e
1932 o tipo “ovali”, já conhecido como Ovale Calabrese,
obtinha bons preços no mercado, principalmente por serem
mais tardios que as demais variedades, indo sua colheita até
maio-junho. Nessa época, as laranjas sangüíneas (Tarocco e
Moro) também recebiam melhores preços que as comuns
(“bionde”). Entre estas são citadas a Vaniglia e a Belladona.
Estas já eram melhores clones do que as comuns (Foto 1).
A origem da Ovale de mutação de uma laranja comum
já era conhecida, embora tenha sido aventada a possibilidade
de ser um híbrido (CASELLA, 1935). Entretanto, em 1937 é
publicado texto (RUGGIERI, 1937) demonstrando que se
trata de uma mutação de gema. Interessante que o tipo
“allapato” (achatado) que possivelmente deu origem à Ovale
aparece, às vezes, em plantas de Ovale, dependendo sua
freqüência das condições climáticas (Foto 2). Outros tipos
de mutantes também podem aparecer na Ovale, tais como
o “Naso di pecora” (com umbigo) e as quimeras setoriais.
Em 1935 a citricultura italiana era composta de 53% de
limões, 39,45% de laranjas e o resto de outras espécies. Entre
as laranjas, o autor destaca a Belladona como variedade
importante, tal como a Ovale. Ambas produzem frutos fora
da época de maturação normal (“bastardi”). Para a Ovale é
citado ainda que se trata de uma variedade exigente em
boas condições de solo e clima para frutificar bem, o que é
encontrado em Lentini e outras regiões. A Ovale tem forte
resistência do fruto na planta e é boa para conservação. Por
11
suas características é dada como uma das variedades mais
importantes (CASELLA, 1935). Como defeitos da variedade,
cita a sua pouca produtividade em certas condições e a
ocorrência do reverdecimento.
1
Fotos 1 e 2 - Frutos típicos de Ovale e com “allapatura” (à esquerda).
2
12
Outro autor a citar as boas características da Ovale é
ZANOTTI (1952). Este autor comenta algumas afinidades da
Ovale com a Belladona e sua possível origem da laranja
comum de espinho, citando o fenômeno já comentado da
“allapatura”. Entretanto, sua ocorrência é menor, pois destaca
como uma das boas características da Ovale a sua
uniformidade, tanto da planta como do fruto. Este trabalho
é um dos mais informativos sobre a Ovale, pois dá dados
comparativos dela com os de fruto “allapato” e os frutos
conservados em várias condições de armazenamento, calibres
e pesos de mercado e diversas características botânicas da
planta e do fruto. Fato interessante é a ocorrência de frutos
com 101 a 320 g (calibres 180 a 60) e a ocorrência de floradas
temporãs.
Um estudo de maturação de variedades cítricas na Sicília
(PENISI et al., 1956) comparou a Belladona, a comum e a
Ovale. Esta atinge maturação em meados de março. Até maio
ainda tem boa qualidade, sendo que em junho já tem menos
suco. Entretanto, quanto a sólidos solúveis, apresenta níveis
mais baixos que a comum e a Belladona. Em meados de
março apresenta SST de 8,33 oBrix, acidez de 0,9o e “ratio”
de 9. Antes, a acidez era mais alta. Os “ratios” deram até
12,5 no final de maio, quando ainda tinha 51% de suco. Em
outro trabalho para suco de citros para indústria, o autor
avaliou a Belladona e a Valência, as quais se mostraram
adequadas para a finalidade (PENISI et al. 1956).
Algumas características da planta e do fruto são
comentadas para a Ovale Calabrese por CRESCIMANO
(1957). Este autor reforça o fato da Ovale ser exigente em
condições de solo e clima, mas também reconhece suas
boas qualidades, embora até também alguns defeitos, tais
como a pouca produção e o lento crescimento. Análises de
qualidade entre início de maio e meados de junho indicaram
acidez indo de 1,14% a 1,01%, SST de 8,99 a 9,54 oBrix e
“ratio” de 9,27 a 10,83.
13
Em 1959 é comentado sobre novas variedades
originadas de mutação de gema na Itália, e reconhecido
que a Ovale foi originada por este processo natural. Entre
as novas mutações, quatro são de origem da Tarocco, duas
da Sangüínea e duas da Biondo. Destas, as duas são tardias,
apirenas e piriformes, como a Ovale (SPINA, 1959).
CHAPOT (1955) caracteriza a variedade Maltaise (nome
da Ilha de Malta), que foi usada em países mediterrâneos
sendo distinguidos vários tipos: a sanguínea, a branca, a oval
e a Meski, esta de baixa acidez. A Maltaise Ovale é um tipo
que mais se assemelha às laranjas piriformes, pela forma do
seu fruto e também por ter pouca ou nenhuma semente. Foi
introduzida nos Estados Unidos em 1870 e era cultivada em
diversos países mediterrâneos antes dessa época, proveniente
da Algéria. Uma característica distintiva dela é que tem folhas
lanceadas semelhantes às da Clementina. Quanto à Maltaise
branca, o autor a acha parecida à Jaffa ou Shamouti. Cita
ainda que a variedade Maltaise, da Itália, é um tipo de laranja
de baixa acidez, provavelmente semelhante à Vaniglia.
No Citrus Industry (HODGSON, 1967) faz-se citação
da variedade, com base nos trabalhos italianos já comentados.
TERRANOVA & SCUDERI (1968-69) estudaram a
doença impietratura em variedades cítricas, entre as quais a
Ovale foi uma das que mostrou sintomas típicos da doença
em frutos da florada temporã.
SCUDERI (1970-71) observou a ocorrência em vários
anos da granulação no fruto de Ovale, na região produtora
de Lentini, onde em alguns casos chegou a atingir 30% dos
frutos.
PENISI (1974-75) estudaram o conteúdo de flavonoides
em variedades cítricas italianas e concluíram que a Ovale,
junto com a Belladona e o limão Manachello tinham menor
quantidade de flavonóides, na parte sólida do fruto, do que
outras variedades. Enquanto a Ovale deu de 4,3 a 4,9% no
sólidos solúveis do albedo, outras variedades deram de 5,8
a 9,2, sendo a maior % para Tarocco.
14
Em 1978 são citadas algumas características da Ovale,
para as quais se comenta a ocorrência de florada temporã e
baixa produção, além da planta e suas folhas típicas. Já
nessa época a Valência era indicada como sua substituta,
com vantagens (Casa Mesogiorno).
SPINA & CARUSO (1974-75) associam a Ovale ao tipo
“ellipticum” de Risso. Comentam que alguns freqüentes
insucessos no cultivo da Ovale teriam levado à sua sobreenxertia com outros cultivares. Comparam a Ovale à Valência
e concluem que a primeira é mais exigente em condições
climáticas e é menos tardia. Além disso, a tendência da Ovale
de produzir floradas temporãs não é desejável.
Um estudo de 24 cultivares de laranjas quanto à sua
maturação na Sardenha foi feito em 1985 (DETTORI et al.,
1985). Entre as variedades tardias, os autores estudaram dois
tipos de Ovale, a Corda e a Calatafini. Pelas características
da primeira, parece tratar-se de uma Perão, com frutos
grandes e pouco produtiva. Comparada a Calatafini com a
Verna, os dados são muitos próximos, com peso ao redor
de 165 g, 45% de suco, “ratio” entre 9 e 11. A Ovale deu
maior SST. Todas perderam em produção para a Valência.
Diversos clones de “Bionde” são comparados em um
estudo feito na região da Metapontino, de 1979-84, com
variedades de maturação média a tardia. Entre elas, um clone
de Ovale obtido em 1955. As Valências foram as mais tardias
e produtivas, comparáveis a algumas “Bionde” locais. A Ovale
foi menos produtiva nos primeiros três anos e também se
mostrou alternante, mas foi mais tardia que algumas outras
“Bionde”. A Ovale deu menos sementes que a Valência.
RUSSO (1984-85) discute as principais espécies e
variedades cítricas de importância na citricultura italiana e
comenta alguns aspectos sobre a Ovale ou Calabrese. Cita
como principais características o pouco e lento
desenvolvimento da planta, além do desenvolvimento maior
do tronco em relação à laranjeira azeda, quando esta era
15
usada como porta-enxerto. Frutos de 150 a 200 g, de forma
típica, com muito suco, de boa cor, mas com problema de
reverdecimento, se deixados na planta após maio. Entrada
em produção muito tardia, em geral após o 7º ano, com
produção baixa, só melhor em certas condições
pedoclimáticas adequadas, com solos férteis e úmidos.
Produção de floradas temporãs, que são mais sensíveis às
geadas.
Dados das décadas de 70 e 80 (TERRANOVA &
PUGLISI, 1990) sobre a produção de mudas cítricas na Itália
indicavam um pequeno interesse pela Ovale, quando
comparada às demais plantadas, a W. Navel, a Valência e a
Navelina.
CALABRESE (1990) apresentou no Congresso
Internacional de Citricultura na Itália um trabalho sobre a
história dos citros e sua distribuição no Mediterrâneo. É um
texto no qual o autor faz interessantes comentários sobre a
difusão dos citros pelo mundo, baseado em documentos da
época. O autor apoia a tese de Gallesio quanto a terem sido
os genoveses os primeiros a introduzir as laranjas doces no
Mediterrâneo. Entretanto em todas as citações não são
mencionadas variedades ou tipos de laranjas doces e suas
origens.
DOMINGUES et al. avaliaram a qualidade de três tipos
de Ovale em Limeira, SP, encontrando diferenças entre elas
quanto à época de maturação e à qualidade do fruto. O
“ratio” acima de 12 foi atingido somente em outubro.
3.2. A Laranja Verna
Atualmente a importância da Verna é pequena na
Espanha. Há alguns pomares comerciais antigos na região
de Pego, com plantas sobreenxertadas com mais de 50 anos.
Aí é mais comum ver pomares de vários tipos de Verna,
como a Peret e a Alberola. Há um tipo parecido ao Perão.
16
Também varia a época de produção, com alguns tipos mais
tardios. Em todos os tipos há floradas temporãs. Os frutos
de Peret principalmente são muito parecidos aos da Pêra do
Brasil (Fotos 3 e 4). Como seu interesse comercial atual é
pequeno, os pomares mais novos estão compostos de outras
variedades. No banco de germoplasma do Instituto
Valenciano de Investigaciones Agrarias há vários clones de
Verna, mas não têm sido atualmente distribuídos aos
produtores por falta de interesse nos mesmos. Eles foram
suplantados pela Valência e por outras variedades mais
recentes (ZARAGOZA, 1992).
Dados publicados em 1909 informam que, já em 1866,
Valência exportava cerca de 1.386 mil caixas de laranjas. Do
mesmo trabalho, em 1895 a Espanha exportava 234 mil t, o
que se manteve, com leve crescimento até 1900, a partir de
quando cresceu para acima de 300 mil t, atingindo mais de
400 mil t em 1907. Neste artigo não é informado, entretanto,
de quais variedades eram compostas tais exportações (EMO,
1909).
Dados econômicos informam que já em 1930 a Espanha
atingia a exportação de 1 milhão de t de laranja, isso após
passar a primeira guerra mundial. Não se refere a variedades
cultivadas na época. Dados de exportação mundial de cítricos
mostram com forte queda no período da segunda guerra
mundial. Para a Espanha, com a guerra civil em 1936 houve
uma queda na produção e no comércio de citrinos. Outro
forte efeito foi devido à geada de 1946. Deste ano até 1949,
a Espanha era ainda o segundo exportador de citros,
seguindo os Estados Unidos. O Brasil ocupava a sétima
posição. Quanto à área de cultivo com citros na Espanha,
dados da década de 30 mostravam cerca de 69 mil ha. No
início da década de 40 tinha subido para 81 mil ha, mantendo
esse valor até o final da década.
Quanto às variedades cultivadas já no final da década,
do total de 73 mil ha, 58% era de variedades precoces e 12%
17
de meia estação e tardias. As primeiras eram compostas por
18% de mandarinas, 30% de “navel”, 11% de Cadenera, 40%
de “comuns”. As de “segunda temporada” (tardias) eram
68% de sangüínea, 25% de “comum” e 6,62% de Verna.
Em 1953, AMORÓS, em um artigo sobre as qualidades
alimentícias da laranja, cita entre as principais variedades
espanholas a Vernia ou Berna, avaliada como de boa
qualidade. Cita também algumas variedades sangüíneas,
dentre as quais vários tipos de “oval”.
Antigo trabalho sobre o cultivo da laranja na Espanha
(Anônimo, s/d) admite que a laranja começou a aclimatar-se
na Andaluzia em princípios do séc. VIII, durante a invasão
árabe. Daí tenha passado a Murcia e Valência. Entretanto,
confirma que somente em 1825 a 1830 foram iniciados em
Villareal alguns pomares comerciais. Durante a guerra civil
espanhola, de 1934 a 40, diminuiu o plantio, sendo continuado
só após 1945, principalmente em Villareal, Almazara e
Burriana, que eram então os principais locais produtores. Daí
a cultura se estendeu à Catalunha, a Valência e a outros locais.
GONZALEZ-SICILIA (1960) dá uma boa caracterização
das variedades Verna e Peret. Destaque-se que para ambas
afirma que a forma pode ser piriforme, embora ocorram
outros tipos, principalmente para a Verna. O seu tamanho é
pequeno, com média de 130 g, e apresenta ou não auréola.
Reconhece que há várias linhas da variedade Verna. O
número médio de sementes por fruto é de 3,36. Amadurece
na região do Levante de abril a junho, mas o fruto pode ser
mantido na planta por mais tempo, quando pode ocorrer o
reverdecimento. Uma característica diferencial entre a Verna
e a Peret é que a primeira demora muito para iniciar a
produção, apesar de ser mais tolerante ao frio. Também são
alternantes. Apresentam uma forte aderência do pedúnculo.
Outra característica interessante é que têm tendência a
reflorescer, isto é, produzir floradas temporãs, como a Pêra
do Brasil e a Ovale da Itália. Cita um tipo de Berna de folhas
mais estreitas, chamada Alberola.
18
3
Fotos 3 e 4 - Plantas e frutos típicos de Verna.
4
19
A Peret também é chamada Verna Peret, e ao contrário
do que se pensa não é originada da Verna e sim de uma
laranja comum, conforme informa GONZALEZ-SICILIA
(1960). Isso ocorreu em 1911. Como o fruto se parecia pela
forma com a Verna recebeu a citada denominação. Seu fruto
pesa em média 130 g. As árvores são grandes, de rápido
desenvolvimento, muito produtivas e precoces na entrada
em produção, mas alternantes. Os frutos têm auréolas em
sua maioria, ou seja, o que se chama coroa no Brasil. Tem
menos sementes (média 1,11) do que a Verna. É colhida de
março a julho na Espanha.
Quanto às variedades ou tipos de laranjas doces
existentes na época, é informado que são vários, recebendo
nomes conforme sua suposta origem, tais como de Bedmar,
Gênova, Niza, de Malta, da China, ou conforme seu tipo,
tais como: doce, piriforme, de fruto cornudo. Interessante
ressaltar que para laranja da China, além de serem dadas
algumas características da planta e dos seus frutos,
considerados de sabor açucarado, é informado que uma
sua variedade, com o nome de “naranjo real”, é plantada na
Cataluña e em Valência, e não tem sementes. Quanto à laranja
de fruto piriforme, as características dadas assemelham-se
àquelas descritas para a Verna. Os autores aconselham a
ampliação de seu cultivo, pelas suas qualidades. Um outro
tipo muito variável, mas de forma oval, é a chamada laranja
de “fruto cornudo”, que apresenta sulcos. Cita ainda a Jaffa,
sua origem palestina e um seu tipo semelhante à Shamouti,
de frutos grandes, ovais e precoce, podendo ser colhida em
princípios de outubro.
Um artigo sobre economia citrícola espanhola
(LINIGER-GOUMAZ, s/d), publicado em Genebra, comenta
dados das décadas de 30 e 50. Nessa época, a Espanha
ocupava o 3º lugar em produção, atrás dos Estados Unidos
e do Brasil. Em 1934-38, a Espanha tinha atingido mais de 1
milhão de t para a produção de laranjas e tangerinas, mas
20
em alguns períodos sua produção teve fortes quedas, como
em 1948-52 e 1956-57. Já em 1959-60 a sua produção tinha
subido para 1,5 milhão de t. Nesse trabalho não são dadas
informações sobre as variedades então cultivadas.
A origem da Navelate por mutação da Washington
Navel é comentada, bem como sua importância posterior
na citricultura espanhola. Nesse artigo é informado que a
Espanha teve um incremento grande em suas exportações
no começo do século e já em 1930 atingia mais de 1 milhão
de t, após sucessivas crises do setor, que ainda viriam a ter
lugar também após esse período, embora no período de
1927-36, em termos médios, a Espanha tenha sido o 2º
exportador, seguindo os Estados Unidos (ANÔNIMO, s/d).
A variedade Berna é dada como sinônimo de Bernia,
Verna, Vernia ou Bedmar. Sua forma é dada como oval ou
elipsóide e na base é comum sulcos radiais. Sem ou com
poucas sementes. Além de tardia, é ressaltada sua característica
de se manter bem na planta, mas ser mais precoce que a
Calabrese da Itália e a Valência. Floresce fora de época e tem
folhas largas. Tem vários clones, um dos melhores chamado
Alberola. Peret é dada como sua similar, mas de acordo com
GONZALEZ-SICILIA (1960) colore antes, é mais colorida e é
mais doce, com árvores mais vigorosas e mais regulares quanto
à produção que a Berna. Sua origem é posterior à da Verna,
em 1911, em Alicante (HODGSON, 1967).
Avaliações das qualidades das principais laranjas
espanholas ou produzidas no país são dadas por LLOPIS
(1968). Esse autor ressalta a qualidade da Verna, comparável
por alguns à “navel”. Entre as tardias, além da Verna cita a
Alberola como de maior valor. Entretanto são para a Peret
seus maiores elogios quanto à qualidade, pela sua doçura.
No inventário agronômico de citrinos, publicado em
1981, são dadas informações quanto à área plantada de Verna
em 78, com um total de 5.805 ha, dos quais 5.347 ha como
plantação única e 458 ha intercalada com outras variedades.
Em 1971 havia 8.533 ha da variedade, portanto em 1978 ela
21
tinha caído em importância, representada pela perda de 2.727
ha, e boa parte dos pomares (86,1%) eram de mais de 15
anos, ou seja, pomares já velhos, indicando a perda de
importância da variedade na citricultura espanhola.
A redução de cultivo de Berna (SÍSTER et al., 1984) é
informada em um estudo de tendências de produção de
citros na Comunidade Valenciana. Em 1978 eram produzidas
80.000 t e em 1985 apenas 15.000 t da variedade. Era também
prevista queda para 9 mil t em 1.990. Enquanto isso, a
Valência aumentava sua produção.
AMORÓS (1953) cita que em Roma já havia laranjeiras
plantadas em 1.200, no convento de Santa Sabina e outras
no Monastério de Tondi, em 1278, plantadas por S. Tomas
de Aquino. Quanto às variedades espanholas, segue as
citadas por Gonzalez-Sicília.
ZAGAROZA (1992) fez interessante estudo histórico
da citricultura espanhola, desde sua introdução no país, até
os dias atuais. As laranjas doces, possivelmente, já eram
cultivadas na Espanha desde meados do século XV,
introduzidas pelos genoveses. Apesar disso, reconhece que
foram os portugueses que contribuíram para a sua expansão,
devido às introduções da China. No século XVI as laranjas
doces foram retratadas por vários artistas espanhóis. Nesse
século e nos seguintes foi que se iniciou e expandiu o
comércio de citros do país, mas só no século XVIII é que a
citricultura comercial se estabeleceu em Valência e Castellón.
Até o meio do século XIX, a laranja doce mais comum era a
chamada “Blanca Comuna”, propagada por sementes.
De 1850 a 1900 também vários tipos de “Blanca
Comuna” eram cultivados, com diferentes nomes,
dependendo de seu local de origem. Já havia tipos que
lembravam as atuais variedades, tais como Valência Late e
Verna. Em 1878 a Espanha tinha 8.362 ha e produzia 120
mil t e já exportava mais de 70% da sua produção. O maior
problema desse período foi a gomose, dando origem ao
cultivo de plantas enxertadas em laranjeira azeda.
22
Após 1900, a Espanha introduziu outras variedades,
como a Bahia, a Clementina, pomelos e Satsuma, que eram
cada vez mais plantadas junto às variedades locais como
Verna, Cadenera e outras. Em 1931 havia 75 mil ha, com
produção de 1.250 mil t, com 68% sendo exportado. Em
1956 foi afetada por forte geada, após a qual apareceu e se
difundiu a doença tristeza, que causou sérios prejuízos até
1980. Dados de 1984 a 1990 para Verna indicam que sua
produção caiu de 51.800 t para 40 mil, representando em
1990 apenas 0,8% da produção de citros da Espanha.
ZARAGOZA et al. (1995) comentam sobre a coleção
de variedades do banco de germoplasma de cítricos do IVIA,
iniciado em 1975, sendo reconhecido em 1982 pelo IBPGR
como banco de referência para a região mediterrânea.
Conforme o texto, existem 366 espécies e variedades no
banco, das quais 229 no campo, portanto 137 protegidas
em telado. As laranjas são representadas por 95 variedades,
sendo 43 de “blancas”, 40 de umbigo, 10 pigmentadas e 2
de baixa acidez. O referido banco está associado aos
“Viveiros Autorizados de Agrios”, que no total já distribuíram
aos produtores mais de 44 milhões de plantas de material
sadio. A Verna faz parte desse banco.
3.3. A Laranja Lamb Summer
A Lamb’s Summer, conforme HODGSON (1967), é de
maturação tardia na Flórida. O fruto é pequeno ou médio,
ovóide e elíptico, contendo poucas sementes. Mantém-se
bem na planta, com pouca perda de qualidade. A variedade
surgiu em viveiro, na Flórida, como ‘seedling’ de outra
variedade com características diferentes. Ela nunca teve muita
importância, não sendo plantada comercialmente. O autor
comenta que autores brasileiros avaliaram que ela se parece
com a ‘Pêra’. DOMINGUES (1998) comparou a L. Summer
com outras variedades consideradas assemelhadas à Pêra e
obteve os seguintes dados médios: peso - 113,52 g, altura
23
do fruto - 6,41 cm, diâmetro do fruto - 5,85 cm, 49,53% de
suco, 2,60 SST/cx, 12,89 ºBrix de SST, acidez - 1,61 e “ratio”
- 9, peso médio de 0,16 g/semente, 3,4 embriões/semente,
66,7% de poliembrionia e 16,7% de germinação, 30,2% de
pólen viável. Quanto à planta, o citado autor obteve: 3,27 m
de altura, 3,97 m de largura da copa, produção ao redor de
1,5 cx. As folhas de L. Summer deram em média 7,82 cm de
comprimento, 4,02 cm de largura, pecíolo de 1,64 cm de
comprimento e 0,31 cm de largura. Comparando os seus
caracteres aos da Pêra, não encontrou muita semelhança.
3.4. A Laranja Pêra de Vidigueira
As plantas avaliadas em Portugal foram da região de
Vidigueira e também da coleção da Estação de Citricultura
de Setúbal, a qual introduziu há mais de 40 anos a variedade
de Vidigueira. Praticamente portanto são o mesmo tipo. Um
segundo tipo piriforme foi encontrado na Vidigueira, ao qual
os citricultores chamam de ‘Brasileira’. Para nós, é um tipo
“Perão”, mas de maturação mais precoce. Outros tipos,
chamados Pêra ou Oval em outras regiões, na verdade são
Jaffa ou Shamouti.
Os dados médios de comprimento das folhas para Pêra
de Vidigueira indicam dados superiores no geral aos de outras
variedades similares, avaliadas no Brasil. Entretanto há uma
certa similaridade e proporção entre eles. Conforme
HODGSON (1967), esses dados podem variar conforme o
clima, o solo, a idade de planta, o porta-enxerto e outros
fatores. A presença da doença tristeza no Brasil pode ser
um fator importante nas diferenças observadas.
Para Pêra de Vidigueira, diversas amostras de folhas
adultas de plantas de Setubal e Vidigueira foram medidas,
tendo os seguintes dados médios: comprimento - 10,44 cm,
diâmetro - 3,95 cm e comprimento do pecíolo - 1,03 cm. A
ponta das folhas é afilada e o pecíolo usualmente não é alado.
Essas medidas estão próximas às diversas medidas feitas no
24
Brasil para a Pêra e outras variedades similares, bem como
para medidas de Ovale da Itália e Verna da Espanha. Folhas
de Pêra de Vidigueira de dois pomares de Vidigueira indicaram
alguns dados médios diferentes (Quadro1).
Quadro 1. Dados médios de avaliações de tamanho de folhas
de algumas variedades cítricas de laranjas piriformes.
1996-97.
Limbo
Variedade
Pecíolo
Índice
Comp.
Larg.
Comp.
Larg
(cm)
p/ limbo
(cm)
(cm)
(cm)
C/L
1 Berna (Br)
8,80
4,62
1,82
0,53
1,92
2 Pêra Prem.
8,81
4,43
1,50
0,35
1,99
3 Pêra Ibiguá
8,51
4,00
1,29
0,32
2,13
4 L. Summer
8,40
4,83
1,87
0,47
1,73
5 Pêra Cl. velho
7,81
4,53
1,48
0,30
1,80
6 Verna
9,86
5,18
1,98
0,72
1,90
7 Verna Peret
8,26
4,30
1,96
0,30
1,92
9,92
4,62
1,00
-
2,14
a - 9,82
4,06
1,05
-
2,41
8 Ovale
9 Pêra Vidigueira
b - 11,98
4,24
1,00
-
2,82
c - 9,53
3,56
1,05
-
2,67
a e b = de Vidigueira, c = de Setúbal; var 1-5 = análises no Brasil;
6 a 9 - em Portugal.
Quanto às medidas do pecíolo, no Brasil para todas as
variedades eles são mais compridos do que em Portugal,
para Pêra de Vidigueira. Para Verna da Espanha, os pecíolos
são maiores. Ovale da Itália tem características mais próximas
às da Pêra de Vidigueira.
As características das flores foram avaliadas conforme
avaliações anteriores de outros tipos de Pêra no Brasil. Para
Pêra de Vidigueira, os dados são de amostras de flores, colhidas
em março/97 de plantas da coleção de Setúbal. São em média
maiores para largura do cálice, comprimento da corola, da
25
pétala e do ovário. Os demais dados médios são próximos
aos de outras variedades piriformes (Quadro 2) (Fotos 5 e 6).
Quanto à fertilidade do pólen, os cultivares de Pêra
avaliados no Brasil deram de 40 a 46%. Entre outras, a
Valência teve a menor %, com 32,42%, e a Natal, 38,72%.
Berna deu a maior %, com 46,28%. Pêra de Vidigueira não
foi avaliada. Sabe-se entretanto que todas as variedades são
praticamente apirenas, possivelmente por ocorrer óvulos
defectivos para que não se formem sementes. Raramente
foram encontradas sementes nos frutos de Pêra de Vidigueira,
apesar de suas plantas estarem em pomares mistos ou
coleções, com diversas outras variedades, muitas das quais
com elevado número de sementes em seus frutos.
Quanto ao aspecto e às características das plantas, frutos
e flores, a Pêra de Vidigueira é muito parecida com a Pêra
brasileira, o que faz supor uma origem comum (Fotos 7 e
8). Apesar da falta de documentação quanto à importação
de variedades portuguesas para o Brasil e vice-versa, podese aceitar que, além da introdução inicial no início do século
XVI, logo após o descobrimento, outras introduções de
plantas (FERRÃO, 1992) foram feitas de Portugal ao Brasil e
vice-versa, principalmente na época colonial (até início do
século XIX). Fato curioso é a constatação de um tipo da
laranja chamada Brasileira, em antigos pomares da região
de Vidigueira. Trata-se na verdade de uma laranja tipo Perão.
Esse fato indica que houve importação de variedades
brasileiras para Portugal e deste para o Brasil. A ocorrência
de muitas variedades consideradas portuguesas no Brasil,
tais como Seleta, Coroa-do-rei, Carvalhais, Prata e outras,
indica que houve várias introduções de Portugal para o Brasil.
26
5
Fotos 5 e 6 - Folhas de Peret, Verna e Pêra e flores típicas de Pêra
de Vidigueira.
6
27
28
1/
NOTA: Análise feita em Portugal. Outras no Brasil.
Quadro 2. Dados médios de medidas (mm) de partes das flores de algumas variedades piriformes.
7
Fotos 7 e 8 - Frutos típicos e plantas de Pêra de Vidigueira com
floradas temporãs.
8
29
Os dados de análises de frutos de Pêra de Vidigueira
mostram que o peso médio do fruto varia de 150 a 200 g,
com o dado próximo a 170 g sendo o que mais ocorreu nas
amostras analisadas, tanto de Setúbal, como da Vidigueira.
Nesta região, os produtores citam que um dos defeitos da
Vidigueira é a ocorrência de frutos de tamanho pequeno,
talvez comparados à Bahia e à Valência. Os dados médios
obtidos para a L. Summer e Ovale no Brasil são inferiores.
Notar que as plantas de Portugal estão isentas da tristeza,
doença que como se sabe afeta a variedade (Quadro 3).
Quadro 3. Análises de frutos de laranjas piriformes.
Data da Amostra
Peso
Suco
Local
(g)
(%)
SST
o
Brix
Acidez “Ratio”
Altura
(%)
Diâmetro
(cm)
15/1/97 P.V.-a
169,60
55,66
12,60
1,48
8,51
-
-
15/1/97 P.V-b
146,40
54,91
9,20
1,17
7,86
-
-
24/3/97 P.V.-c
188,66
50,53
11,2
1,12
10,0
7,2
6,9
Lamb Summer**
110,00
59,10
11,4
1,42
8,03
6,14
5,67
Ovale**
143,00
56,64
11,0
1,27
9,40
7,20
6,00
Pera Prem.**
162,00
51,87
13,34
0,73
18,27
6,93
6,50
* P.V. a, b - Pêra Vidigueira de Vidigueira e c - P.V. de Setúbal
** Análises feitas de amostras no Brasil, de Limeira e Bebedouro
(Pera Prem.).
Quanto à % de suco, apenas no início das análises
(novembro) foi baixa. Nas demais, as % foram de 50 a 55%.
Quanto aos sólidos solúveis totais, já atingiram acima de 12
ºBrix em início de dezembro, na amostra de Setúbal, mas
era ainda baixo (9,2 oBrix) em uma amostra de Vidigueira,
em meados de janeiro. Entretanto, outra amostra do mesmo
local, mas de outra propriedade, chegou a 12,6 oBrix, na
mesma época. Isso pode estar ligado ao efeito do clima, ou
indicar que se pode tratar de tipos diferentes de Pêra de
Vidigueira. A acidez permaneceu alta, acima de 1,5%, até
final de janeiro, indicando que se trata de uma variedade de
30
meia-estação a tardia. Apenas em março o índice de acidez
caiu para ao redor de 1%, permitindo o consumo dos frutos
da Pêra de Vidigueira. Esse comportamento está de acordo
com dados de análises de Pêra no Brasil, Verna na Espanha
e Ovale na Itália (FIGUEIREDO, 1991; ZARAGOZA, 1992;
CRESCIMANO, 1957).
Para Pêra de Vidigueira, o “ratio” acima de 10 foi
atingido somente nas análises de março. A média de tamanho
do fruto para algumas análises feitas dão a altura de 7,27
cm, o diâmetro de 6,96 cm, indicando o índice de 1,04, com
a forma piriforme típica. Tamanhos menores ocorreram, com
mínimo de 6,88 cm de altura e 6,79 cm de diâmetro, bem
como alguns maiores, com 7,79 cm de altura e 7,42 cm de
diâmetro, mas sempre com a mesma forma.
A época de maturação é nitidamente de meia-estação,
entre as precoces locais que existiam nos mesmos pomares
e a Valência. Análises feitas com amostras dessas variedades,
principalmente com frutos da coleção de Setúbal, indicam
claramente essa característica. Notar que entre as variedades
locais existia também plantas de Jaffa (também chamada
oval) que alguns produtores confundem às vezes com a
Pêra, mas que tem frutos e plantas com características bem
definidas e diferentes. Em Santiago do Cacem os produtores
locais chamam a Jaffa de Pêra, talvez por aí ocorrer uma
Jaffa (ou semelhante) de forma oblonga que lembra em parte
a Pêra de Vidigueira.
A Pêra de Vidigueira é uma planta mais desenvolvida
e vigorosa que a Pêra do Brasil, mas suas folhas são muito
parecidas, bem como os frutos e as flores. Plantas de 40
anos de idade enxertadas em laranjeira azeda mediam mais
de 5 m de altura, e o diâmetro do tronco era bem
desenvolvido, na ausência de tristeza. A época de produção
está entre meados de fevereiro e o final de março (que
corresponde aos meses de julho-agosto no Brasil), ou seja,
tipicamente uma variedade de meia estação a início de tardia.
31
O florescimento pleno ocorre em março em Portugal (agosto
no Brasil). Quanto às floradas fora de época (temporãs), em
Portugal elas também ocorrem na Pêra de Vidigueira,
principalmente na região de Vidigueira, mas menos
freqüentemente que no Brasil e na Itália.
As características gerais da Pêra de Vidigueira foram
avaliadas, segundo parâmetros dados por HODGSON (1967):
quanto ao fruto, as suas características externas são as
seguintes: fortemente pontuado, forma ovóide a elipsóide
ou piriforme, de tamanho médio, com base moderadamente
depressa, com alguns frutos com pescoço pequeno, o cálice
pouco depresso, pequeno, não persistente; pedúnculo
médio, sem umbigo, com auréola quase sempre ausente,
ou fraca, com pequeno círculo leve e irregular; mancha estilar
pequena, pouca acentuada; pouca ou nenhuma ocorrência
de frutos temporãos; as principais características internas:
casca de espessura média, firme e aderente, com muitas
glândulas de óleo, abundantes, camada de glândula com 1/
3 de espessura da casca ou albedo, de cor amarelada,
mesocarpo médio, branco a creme claro, com 0,5 cm de
espessura; ápice arredondado; usualmente com 10
segmentos, com boa aderência e finos; polpa de cor
uniforme, laranja, de textura fina, com vesículas médias;
sucosa e de boa qualidade (ver dados); aroma atrativo,
“flavor” rico, praticamente sem sementes; maturação meia
estação a tardia, com boa conservação e boas a excelentes
qualidades gerais, para fruto de mercado ou processamento.
4. Laranja Pêra
Várias descrições da variedade foram feitas por
ANDRADE (1933), MOREIRA & RODRIGUES FILHO (1965)
e FONSECA (1931), que a consideram uma variedade
32
brasileira. A origem das variedades cítricas é controversa,
como mostram PASSOS et al. (1977) e DORSETT et al., 1917
sobre estudo da origem da Bahia no Brasil, apoiados em
vários trabalhos.
A Pêra é a mais importante variedade cítrica no Brasil,
onde é utilizada na indústria e para mercado de fruta fresca
(FIGUEIREDO, 1991).
Vários clones de Pêra foram selecionados no Brasil,
sendo utilizados comercialmente principalmente um
premunizado com raça fraca de tristeza produzido no
Instituto Agronômico de Campinas (MULLER, 1980) e outros
obtidos por premunização natural.
Apesar de ter passado por períodos de menor interesse
devido à sua suscetibilidade à tristeza, a Pêra sempre ocupou
lugar de destaque em nossa citricultura, antes mesmo do
período de industrialização. No entanto, sua importância
cresceu certamente depois que foram obtidos clones
premunizados e graças à grande demanda da indústria.
Em 1938 o Dr. Silvio Moreira iniciou o seu
melhoramento, continuado posteriormente por outros
pesquisadores. Nesses trabalhos foi sempre dada atenção
ao melhoramento em relação à tolerância à tristeza. Apesar
da obtenção em 1967 de alguns clones mais tolerantes ao
vírus e dos estudos comparativos realizados em 1971 entre
vários clones velhos e novos, só a partir da obtenção dos
clones premunizados e dos clones infectados naturalmente
com estirpes fracas da tristeza foi que a Pêra voltou a ter
grande uso comercial, a partir da década de 70.
Mesmo reconhecida como a variedade brasileira por
excelência, a origem da Pêra permanece obscura. São
aventadas diversas hipóteses, mas sem comprovação clara.
Entretanto, sua semelhança com outras variedades é tão
evidente que se acredita que possa ter origem numa delas.
As características gerais da variedade Pêra foram citadas
em vários trabalhos, como aquele de MOREIRA &
33
RODRIGUES FILHO (1965): “Frutos pequenos, cor laranja,
ovalados; casca quase abundante e suco ligeiramente ácido
(São Paulo) ou doce (Rio); (3-4) sementes por fruto; árvores
de porte médio, galhos mais ou menos eretos, folhas
acuminadas; bem produtiva, maturação tardia; os frutos
conservam-se no pé, alguns meses depois de maduros”.
O desenvolvimento de plantas dos principais clones
de Pêra foi comparado no Estado de São Paulo, aos 16 anos
de idade. São todos clones premunizados, embora com
diferentes estirpes de tristeza e apenas um artificialmente, o
chamado premunizado. Pelos dados notaram-se semelhanças
entre os três principais clones, e o menos vigoroso foi o
Ipiguá-2, que apresenta maior produtividade por volume da
copa (TEOFILO FILHO et al., 1986).
Quanto às características foliares da laranjeira Pêra,
dados obtidos em Bebedouro são os seguintes: comprimento
- 9,93 cm; largura - 5,43 cm; área foliar - 39,25 cm². O pecíolo
foliar é largo, com 0,56 cm de largura, diferindo de outras
variedades de laranjas doces. A forma do limbo foliar da
Pêra encaixou-se no tipo oblongo, subclasse oblongo-larga,
com as margens paralelas ou próximas disso e a relação
comprimento/largura em torno de 1,98. O pecíolo da folha
da Pêra apresentou-se com largura média de 0,49 cm, e
comprimento de 1,83 cm, sendo mais largo e maior do que
na Barão e Natal (ROMANO, 1980).
As flores da Pêra têm cálice persistente, com sépalas
de coloração verde-clara. A corola apresenta pétalas de
coloração branca e textura fina. Maiores que as sépalas, as
pétalas têm ápice agudo e base truncada (ROMANO, 1980).
Em vários trabalhos foram determinadas as
características médias dos frutos de Pêra, em diversos locais.
As diferenças obtidas entre os dados para a mesma
variedade podem ser devidas às condições ecológicas de
cada local, aos clones, à idade das plantas e inclusive aos
métodos de análises. No geral, entretanto, mostram a
tendência de produção de frutos de maior tamanho e com
menor acidez no Estado da Bahia. Os dados de altura e
34
diâmetro do fruto mostram a tendência de produção de
frutos oblongos, com maior altura que diâmetro,
característica da variedade, com freqüente ocorrência de
pescoço na região basal, outro caráter marcante. Com
exceção de Brasília, em todos os locais destacou-se a alta
porcentagem de suco. Os números de sementes em Brasília
e na Bahia estão acima do número médio indicado Pêra.
(COELHO et al., 1984).
Diversos trabalhos estudaram o efeito dos portaenxertos no vigor da laranjeira Pêra. Como se trata de
estudos em diferentes clones, locais e condições ecológicas,
é difícil a comparação. Na Bahia, a Pêra teve
desenvolvimento muito lento quando enxertada em clones
de trifoliata, desaconselhado para aquele Estado. No mesmo
Estado foi constatado que, aos 7 anos de idade, os portaenxertos Cravo e Cleópatra deram maior crescimento à
laranjeira Pêra.
No Estado de São Paulo foi publicado um amplo estudo
de porta-enxertos para laranjeira Pêra, cujos dados mostraram
que, aos 10 anos de idade, alguns, como os limoeiros
Rugosos, deram maior vigor à laranjeira Pêra; ficaram em
posição intermediária, outros, como o limoeiro Cravo; os
trifoliatas e o citrumelo 4475 foram aqueles que deram o
menor vigor. Os trifoliatas mostraram incompatibilidade,
como o Volkamericano, Troyer e Rugoso. Outro trabalho
de porta-enxerto para laranjeira Pêra mostrou que as
tangerinas Cleópatra e Sunki deram maior desenvolvimento
à Pêra premunizada, enquanto em uma faixa intermediária
ficaram o limoeiro Cravo, o Volkamericano e o citrange
Morton. O Troyer e o trifoliata Limeira foram os menos
vigorosos (POMPEU JÚNIOR, 1990).
Quanto à produção e produtividade da laranja Pêra
em diferentes porta-enxertos, para clones novos, obtiveramse as melhores produções com a tangerina Cleópatra, seguida
pelo limoeiro Cravo, em terceiro lugar o Rugoso da Flórida
e citrange Carrizo. Citrange Troyer e citrumelo Sacaton deram
as piores produções. A laranjeira ‘Pêra’ apresenta
35
incompatibilidade com o citrumelo ‘Swingle’ ou 4475 e
com o trifoliata (POMPEU JÚNIOR, 1991).
Em experimento conduzido em Casa Branca, plantado
no ano de 1974, as maiores produções de ‘Pêra’ foram
proporcionadas pelos porta-enxertos tangerina ‘Sunki’,
citrange ‘Morton’ e tangerina ‘Cleópatra’ em ordem
decrescente (TEÓFILO SOBRINHO et al., 1986). Em
Cordeirópolis, as maiores produções de ‘Pêra Bianchi’ foram
proporcionadas pelos porta-enxertos: ‘Rugoso da Flórida’,
tangeleiro ‘Orlando’, ‘Sunki’ e ‘Rugoso da África’, que não
diferiram quanto à qualidade dos frutos.
Em Cruz das Almas, num experimento plantado em
1968, as produções de ‘Pêra’, em ordem decrescente, foram
conseguidas com os porta-enxertos: ‘Cleópatra’, limão ‘Cravo’,
limão ‘Rugoso da Flórida’, citranges ‘Carrizo’, ‘Troyer’ e
citrumelo ‘Sacaton’ (PASSOS et al., 1975).
A qualidade da laranja Pêra é reputada como uma das
melhores. Pôde-se observar que, independentemente do portaenxerto, a porcentagem de suco obedece à seguinte ordem
decrescente, conforme o local: Bahia, Sergipe, Rio de Janeiro
e São Paulo, mas em todos os locais as percentagens de suco
são boas. Quanto aos sólidos solúveis, os locais que tiveram
maior índice foram, por ordem, Rio de Janeiro, São Paulo,
Sergipe e Bahia. Para acidez, a ordem decrescente foi São
Paulo, Rio de Janeiro, Sergipe e Bahia. Para o “ratio”, que
indica a qualidade final do fruto, a ordem decrescente foi
Bahia, Sergipe, São Paulo e Rio de Janeiro, que seria a ordem
de colheita para a safra normal. (COELHO et al., 1984).
Os trabalhos mais importantes com a Pêra relacionados
com a tristeza foram feitos no Instituto Agronômico de
Campinas, resultando nos clones premunizados (MULLER,
1980).
Estudos sobre o declínio têm sido feitos com a Pêra
enxertada em limoeiro Cravo, pela importância dessa
combinação e pela suscetibilidade à doença. (CARLOS et
al., 1997).
36
Dados médios da indústria de citros, para a região Norte
do Estado de São Paulo, indicam que a Pêra atinge qualidade
industrial para suco entre os meses de julho a dezembro,
mas com faixa ideal de colheita de julho a setembro
(NONINO, 1995), pois o “ratio” após outubro está acima de
19. O tamanho médio do fruto está entre a Hamlin (o menor)
e a Natal e Valência (os maiores).
Estudos de adensamento de plantio de Pêra em tangerina
Cleópatra, da EECB (ROBERTO, 1994; DONADIO et. al., 1999)
mostram que nas dez primeiras safras a produtividade foi
maior nos espaçamentos menores, de 7 x 2 e 7 x 3 m, e para
os espaçamentos duplos, o melhor foi 7 x 4 x 2 m.
Avaliação de clones de Pêra premunizadas (D-9, D-6 e
M-1) produzidos no CNPMF, na EECB, deram médias de 20
t/ha nas safras de 92-96 (Relatório da EECB, 1996).
Clones velhos de Pêra testados na EECB (MATTA JR.,
1997) e coletados na região de Bebedouro indicaram que
há diferenças entre eles quanto a produtividade, qualidade
do fruto, vigor e outras características, indicando serem
materiais possíveis de melhoramento por limpeza e
premunização (DONADIO et al., 1999).
DOMINGUES (1998) avaliou e caracterizou clones de
Pêra e variedades assemelhadas, obtendo que todas
apresentavam frutos de boa qualidade, tendo a Lamb Summer
frutos menores. As melhores foram os clones ‘Pêra EEL’,
‘Pêra GS-2000’ e ‘Ovale Siracusa’. A taxa de germinação de
suas sementes foi inferior a 50%, com exceção da ‘Pêra
Vimusa’. A germinação do pólen variou entre os clones,
mas a maioria apresentou boa taxa de germinação, à exceção
da ‘Ovale Siracusa’. Alguns clones de Pêra puderam ser
agrupados pelas suas características morfológicas, sendo
alguns clones brasileiros muito semelhantes à ‘Ovale Siracusa’
e ‘Coroa Tardia’.
DONADIO et al. (1999) avaliaram industrialmente cerca
de meia centena de clones, entre os quais clones velhos e
clones novos de Pêra, no período de 96 a 98. Os dados
médios de clones novos acham-se nos Quadros 4 e 5.
37
38
Quadro 4. Características do fruto de clones de ‘Pêra’, em Bebedouro, SP. EECB, 1999.
39
Quadro 5. Características industriais da Pêra em três safras. Bebedouro, 1999.
Trabalhos com Pêra irrigada são poucos no Estado de
São Paulo. Um dos mais recentes, feito na EECB, mostrou que,
utilizando porta-enxerto de Cleópatra (SILVA, 1999b), a irrigação
pode ser benéfica à produção e à qualidade do fruto, conforme
dados nos Quadros 6 e 7. Por outros dados do mesmo autor
(SILVA, 1999a) a produção não melhorou com irigação.
Quadro 6. Média da produção de frutos de laranja ‘Pêra’ (kg/pl)
em 4 anos agrícolas, sob irrigação.
Em cada ano, médias seguidas de mesma letra maiúscula na vertical e
para cada tratamento (minúscula na horizontal), não diferem pelo teste
de Tukey (P>0,05)
Quadro 7. Análise tecnológica dos frutos e produção de ‘Pêra’
irrigada, ano agrícola 1998/99.
Médias seguidas de mesma letra, não diferem entre si pelo teste de Tukey
a 5% de probabilidade. I.T.: índice tecnológico - SST/caixa de 40,8 kg.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As características morfológicas de folhas, flores e frutos
das variedades piriformes avaliadas - Pêra, Pêra de Vidigueira,
40
Lamb Summer, Verna e Ovale - são muito parecidas. Ao
contrário do Brasil, onde um número grande de tipos de
Pêra tem ocorrido, em Portugal, Espanha e Itália há poucos
tipos. Somente na Espanha há a Verna Peret e que tem
características próximas à Verna, com um fruto um pouco
menor. Na Itália a Ovale é também chamada de Calabrese.
Apesar dos vários tipos de frutos que podem ocorrer em
uma mesma planta, a típica Ovale pode ser considerada
como um só tipo. O mesmo ocorre com a Pêra de Vidigueira
em Portugal. Só se encontra ainda essa variedade em
pequenos pomares na região de Vidigueira, Alentejo.
Todas as variedades estudadas tem em comum as
seguintes características: a) época de maturação de meiaestação a tardia; b) baixo número ou ausência de sementes;
c) forma típica oblonga, piriforme (Foto 9); d) surgiram
aproximadamente na mesma época em todos os países, isto
é, no final do século XIX. Aqui pode ser incluída a Lamb
Summer também, apesar de não se ter data exata; e) todas
têm floradas temporãs (Foto 10).
Os dados comentados tornam possível formular várias
hipóteses: a) as variedades terem surgido por mutação nos
diferentes países, aceitos hoje como de sua origem; b) ter
havido introdução de um país para outro, após a ocorrência
e fixação da variedade no país de origem, devido às suas
boas qualidades; c) há fortes indícios em alguns casos, e
evidências em outros, de que as laranjas piriformes surgiram
por mutações da laranja comum do tipo “blanca”. A própria
Shamouti, um tipo piriforme, mas diferente da Pêra, também
surgiu desta maneira (TOLKOWSKY, 1938). As informações
da literatura e as avaliações feitas até o momento não
permitem definir a origem da laranja Pêra. Os dados de
estudo do DNA, ainda em avaliação, poderão dar definição
à questão.
41
9
Fotos 9 e 10 - Frutos típicos de Ovale e frutos de floradas temporãs
em Verna.
10
42
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