Oftalmologia - Vol. 35 Editorial AVASTIN ou LUCENTIS ? Foi publicado recentemente no New England Journal of Medicine o primeiro relatório do CATT - Comparison of Age-Related Macular Degeneration Treatments Trials. A expectativa era enorme em Portugal e em todo o mundo. Porquê? O Avastin (bevacizumab, Genentech) é usado no tratamento da DMI desde que num achado ocasional se verificou que os doentes com neoplasia do cólon tratados com bevacizumab melhoravam a visão. O bevacizumab não era um anti-neoplásico como os outros. Actuava de um modo completamente novo secando os vasos sanguíneos que alimentam o tumor. A compreensão do mecanismo que explicava a melhoria da visão foi imediatamente aproveitada pelos Oftalmologistas e levou à aplicação em larga escala do Avastin no tratamento de doenças oculares em que a neovascularização é a causa da perda de visão. A falta de dados sobre a eficácia e a segurança e a ausência de estudos randomizados para apoiar o uso do Avastin não impediu a aplicação de milhões de injecções intra-oculares em doentes com patologia vascular e, especialmente, em doentes com DMI. Apesar dos efeitos secundários serem bem conhecidos - a partir da experiência do medicamento no tratamento do cancro do cólon - e do tratamento ocular ser off-label a aplicação do avastin foi aprovada por Comissões de Ética em Portugal e em todo o mundo. Até que a Genentech decidiu desenvolver um novo produto, semelhante ao bevacizumab a que chamou ranibizumab (Lucentis). O ranibizumab, por ser uma molécula mais pequena, seria mais eficaz por penetrar melhor no olho e teria menos efeitos secundários devido aparentemente aos menores níveis séricos que atinge e ao menor tempo de circulação no sangue. A Genentech promoveu os necessários ensaios clínicos e fez aprovar o ranibizumab como produto especifico para o tratamento da DMI em 2008. O medicamento Lucentis foi comercializado por um preço aproximado de 1000 euros. A diferença para o bevacizumab é abissal: cerca de 50 vezes mais caro. Claro está que o laboratório tem o direito de obter um justo retorno dos investimentos que faz. Todos sabemos que, por um lado, o desenvolvimento de uma nova molécula representa um custo elevado e que, por outro, é graças ao esforço da industria farmacêutica que devemos uma boa parte da nossa capacidade de intervenção como médicos. Ainda assim um coro de protestos se levantou, um pouco por todo o mundo, contra a Genentech (Novartis fora dos EUA) por apresentar um preço tão elevado por um produto quando já o tinha praticamente desenvolvido e comercializado por um preço 50 vezes inferior. Naturalmente que a Genentech nunca mostrou disponibilidade para promover estudos comparativos entre as duas moléculas e não pode ser condenada por isso. Foi neste contexto que uma instituição pública, o National Eye Institute, decidiu promover o estudo comparativo, agora publicado, com os resultados que todos conhecemos. E que levanta novos problemas quer aos médicos individualmente quer às autoridades de saúde como lembra o editorial assinado por Philip Rosenfeld, uma autoridade mundial na matéria, e publicado na mesma edição do NEJM: Health care providers and players worlwide will now have to justify the cost of using ranibizumab. Sabemos que a Medicina actual pode oferecer garantia de processos e ser responsabilizada pela sua aplicação. Mas não pode oferecer garantia de resultados. Resultados adversos ou não correspondentes aos esperados só responsabilizam instituições e profissionais quando se prove que não foram seguidos os procedimentos ou os recursos que estão ou deveriam estar disponíveis. Daí a enorme importância que assume o chamado consentimento informado. Seria, evidentemente, errado considerar que o consentimento existe pelo simples facto de haver uma assinatura num papel autorizando determinado procedimento. Precisamente porque deve ser um verdadeiro consentimento não deve ser apenas Vol. 35 - Nº 2 - Abril-Junho 2011 | V formal mas sim informado, isto é, prestado a partir do conhecimento, da compreensão e da aceitação dos riscos inerentes ao procedimento em causa. Naturalmente que este consentimento informado não é fácil de atingir e faz apelo a múltiplos aspectos. Desde reconhecer que a posição central do doente nos serviços de saúde deve condicionar o relacionamento, as decisões e toda a actividade dos profissionais de saúde, até à compreensão, pelo doente, de que ele próprio é agente activo e não meramente passivo dos cuidados de saúde. Pelo que deixo à consideração de todos: o consentimento informado legitima, nas circunstâncias actuais, a utilização do bevacizumab ? Falcão Reis VI | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia