Os 12 critérios de qualidade propostos por Jan Gehl identificados em elementos de configuração espacial: análise crítica e reproposição Izabela Brettas Baptista (1) (1) Dep. de Projetos, Expressão e Representação da FAU, UnB, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: A busca pela recuperação de espaços públicos de qualidade para o pedestre é cada vez mais discutida. Há um (re)aparecimento de profissionais da urbanidade que propõem que o pedestre seja o personagem principal do cenário urbano, tornando os carros elementos secundários, propiciando, assim, espaços melhores e mais expressivos para a própria cidade. Com essa busca, novos trabalhos e metodologias surgem para facilitar a leitura do espaço público existente, denunciando suas carências ou enfatizando suas qualidades afim de serem replicadas em demais locais. O arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl se destaca - e posteriormente com seu escritório Gehl Architects - por apresentar metodologias que permitem uma compreensão de como alcançar a qualidade para tais espaços. Uma de suas maiores contribuições consiste nos “12 critérios de qualidade para espaços públicos” (2006). Tratando-se de uma lista de aspectos essenciais para o bom desempenho do espaço, buscou-se compreender quais elementos de configuração espacial atribuem valor a cada um dos critérios. Tendo alguns critérios apresentado redundâncias e inconformidades, sugeriu-se, por fim, uma reproposição dos critérios afim de tornálos ainda mais pontuais e concretos, facilitando seu uso e sua aplicabilidade. Palavras-chave: Espaços Públicos; Jan Gehl; 12 Critérios de Qualidade; Análise Crítica; Reproposição. Abstract: The quality of public spaces has been a subject of recurrent debate among urban planners. Appearing increasingly, there is a group of professionals who has been designing focusing pedestrians rather than cars. One out of the group, the Danish architect and urban planner Jan Gehl – along with his team Gehl Architects – stands out for showing methodologies that allow a better comprehension of how to reach quality for public spaces. Gehl is well known for his “12 Key Quality Criteria” list (2006). When it comes to this list, it highlights the most important aspects a public space should present to be considered a good urban environment. Each criterion was evaluated to suggest what might be the main influential elements part of the spatial configuration. After few analyses of the criteria, it was possible to note that some redundancies and non-conformities could be found. From that on, a new proposition was made based in the previous list to facilitate its application, once all the 12 criteria were now more concrete and precise considering the compounding elements of the space. Key-words: Public Spaces; Jan Gehl; 12 Key Quality Criteria; Critical Analysis; Reproposition. 1. INTRODUÇÃO Espaços públicos estão presentes em todas as cidades do mundo, cada qual com sua peculiaridade, configurando-se por meio da singular malha urbana de seu contexto. São os responsáveis por abrigar certas práticas sociais, justamente por consistir nos vazios da malha urbana em meio à movimentada vida na cidade. E são ainda fundamentais por, desde o surgimento das primeiras cidades, mostrarem os reflexos das necessidades da sociedade. Da cidade industrial, onde todo e qualquer espaço era palco para o confuso e movimentado comércio, 1 | 10 à cidade-jardim, que por sua utopia, acaba que pressupor um valor irreal aos espaços públicos, espaços estes que funcionam como elementos estruturadores da cidade, desenhados sem que haja necessariamente um entendimento da dinâmica da sociedade. Das cidades modernas que, seguindo o ideal anterior de espaços preestabelecidos, apresentam espaços separados de acordo com sua funcionalidade, com o distanciamento físico dos espaços, onde os carros passam a ser os elementos primários da dinâmica da cidade – a cidade passa a depender de automóveis –, indo às cidades, por fim, contemporâneas, que aparecem com um ideal de recuperação dos espaços. Com o auxílio de profissionais da urbanidade, tem-se agora a consciência de que “uma cidade melhor é aquela que proporciona mais oportunidades de encontrar e estar entre outras pessoas nos espaços públicos” (Tenorio, 2012, p. 61), ela oferece ao cidadão melhores condições de permanência e ocupação de seus espaços. Entende-se, portanto, a necessidade da redução do automóvel na cidade para a recuperação dos espaços públicos. 1.1. O dinamarquês Jan Gehl Como um dos nomes de destaque do grupo de estudiosos da urbanidade, surge o dinamarquês Jan Gehl. O arquiteto e urbanista começa por questionar a existência de espaços que sejam voltados para a vivência humana, para qualificar o seu habitat, como poucos antes se preocuparam. Busca enfatizar a importância de espaços urbanos a serem ocupados por pessoas, entender e disseminar a ideia de que pessoas deveriam e mereciam ter bons espaços para se sentirem parte da cidade. Espaços estes urbanos, vazios nos cheios das cidades, ou, o que poderia ser o contrário, espaços cheios, públicos, coletivos, nos vazios dos prédios, das rotinas individuais. Ao longo de sua trajetória, Gehl estuda o comportamento humano e suas necessidades em seu habitat. Publica diversos livros que são de grande contribuição para a discussão da necessidade de bons espaços públicos na cidade, estuda do contexto em um nível mais “macro” à compreensão “micro” das sensações individuais das pessoas. No livro New City Life (Nova Vida da Cidade, em livre tradução) publicado em 2006, Jan Gehl apresenta pela primeira vez sua lista com os 12 critérios de qualidade para espaços públicos. Este trabalho, por ser objetivo e facilmente aplicável, tornou-se amplamente utilizado por profissionais da área para avaliar espaços públicos existentes ou, ainda, encontrar melhorias nos mesmos. Gehl retoma com os critérios em duas obras posteriores, em Cities for People (Cidades para Pessoas), 2010, e How to Study Public Life (Como Estudar a Vida Pública, em tradução livre), 2013. 1.2. New City Life e os 12 critérios de qualidade O livro New City Life publicado em 2006 apresenta e descreve a cidade de Copenhague, na Dinamarca, a fim de agrupar espaços públicos para posteriormente fazer uso dos 12 critérios avaliando-os em ruins, medianos ou bons (FIGURA 1). Os autores preocupam-se em primeiramente mostrar como os espaços públicos são utilizados na cidade – espaços de movimento, como ruas, ou de permanência, como praças. Feito isto, agrupam os principais aspectos que conferem qualidade ao espaço, tais quais: PROTEÇÃO (protection), CONFORTO (comfort) e BEM-ESTAR (enjoyment). • proteção: expressa a necessidade dos usuários de estarem livre de acidentes, inseguranças e desconfortos; • conforto: oportunidade de participação em diferentes atividades e experiências do entorno; • bem-estar: espaços bons, de qualidade material e de boas proporções. A partir dos grupos básicos para conferir qualidade ao espaço, são, então, apresentados os 12 critérios: 2 | 10 PROTEÇÃO 1. Proteção contra o tráfego e acidentes 2. Proteção contra crime e violência CONFORTO 4. Oportunidades para caminhar 7. Oportunidades para observar BEM-ESTAR 10. Escala 5. Oportunidades para ficar em pé e permanecer 8. Oportunidades para falar/ouvir 11. Oportunidades para aproveitar aspectos positivos do clima 3. Proteção contra experiências sensoriais desagradáveis 6. Oportunidades para sentar 9. Oportunidades para brincar e se exercitar 12. Experiências sensoriais positiva TABELA 1 – Os 12 critérios de qualidade. Fonte: New City Life. 2006. Gehl, Jan. Cada critério é classificado de acordo com sua qualidade conforme a imagem que se segue: bom mediano ruim FIGURA 1 – Método para classificação da qualidade dos critérios. Fonte: New City Life. 2006. Gehl, Jan. O método de avaliação por meio dos 12 critérios de qualidade proposto por Jan Gehl é de grande importância sobretudo por tratar-se de uma ferramenta por meio da qual fácil e rapidamente se verificam aspectos positivos ou passíveis de melhora no espaço. 2. OBJETIVO Este trabalho tem como objetivo compreender quais são os elementos de configuração espacial que conferem valor a cada um dos 12 critérios de qualidade para espaços públicos propostos por Jan Gehl e sua equipe Gehl Architects. 3. JUSTIFICATIVA Há uma cresce noção de uma necessidade de que os vazios das malhas urbanas da cidade sejam também ocupáveis e convidativos. Com essa maior importância dada ao conceito do espaço público, surgem mais trabalhos sobre metodologias de avaliação e de concepção desses espaços para que confiram maior qualidade. Os 12 critérios de qualidade, trabalho desenvolvido por Jan Gehl e sua equipe, propõem uma forma objetiva de avaliação e aplicação para que espaços públicos sejam bons. Os critérios estruturam-se em descrições de um todo a partir da abstração da configuração espacial, não se sabe, porém, quais elementos ao certo conferem valor a cada um deles. Com essa argumentação, observa-se a necessidade de compreender quais elementos presentes nos espaços públicos são os responsáveis para que sejam bastante usados ou não sejam espaços de passagem que não convidem à permanência. Ainda para que haja uma melhor compreensão do que é um bom espaço público, é necessária a investigação da existência de hierarquia entre os grupos principais previamente subdivididos por Gehl – proteção, conforto e bem-estar. Metodologias que auxiliem e incentivem a produção de mais espaços públicos de qualidade para a cidade são essenciais para a construção do espaço urbano, sobretudo por facilitarem o processo de melhoria dos mesmos conferindo qualidade também à vida coletiva da cidade. 3 | 10 4. MÉTODO EMPREGADO 4.1. Ferramentas de apoio O livro New City Life foi a primeira ferramenta de apoio para a análise dos critérios. Com as descrições que o próprio autor fornece sobre cada espaço público, compreendeu-se melhor o contexto de inserção no qual se encontram. A imagem (FIGURA 3) que se segue apresenta um exemplo de como os espaços são descritos no livro. Os textos não são pontuais quanto aos elementos que atribuem valor aos critérios, e, portanto, permitem à interpretação do leitor, identificar o que possivelmente se encontra ali que é positivo ou negativo ao espaço. FIGURA 3 – Exemplo de espaço público descrito e avaliado pelos 12 critérios de qualidade. Fonte: New City Life. 2006. Gehl, Jan. Para a continuação da realização desse exercício, não só em acordo com a descrição muitas vezes imprecisa que o livro e as poucas imagens apresentavam, o uso da ferramenta Google Earth Pro (FIGURA 4) fez-se fundamental à visualização precisa do local para a então interpretação dos elementos de configuração espacial presentes. FIGURA 4 – Exemplo de uma das praças apresentadas no livro. Fonte: Google Earth Pro. Para maior embasamento, levantou-se informações acerca dos 12 critérios de qualidade. Outros livros da bibliografia de Gehl – Cities for People e How to Study Public Life - auxiliaram na compreensão 4 | 10 de como os critérios foram construídos, mas não fornecem maiores informações acerca do que cada um deles precisamente considera como útil para que o espaço funcione bem. Como maneira de obter respostas diretas, tentou-se entrar em contato com o escritório Gehl Architects, sediado em Copenhague, Dinamarca. Com êxito por fim, Jan Gehl pessoalmente respondeu ao e-mail esclarecendo algumas dúvidas que surgiram no processo (o questionário encontra-se anexo ao final deste trabalho). 4.2. Objeto de estudo Iniciou-se a análise dos 12 critérios em quatro espaços específicos apresentados no livro, são eles: • dois espaços que sugerem movimento: Strøget, uma importante rua localizada no centro da cidade; e Holmbladsgade, uma rua fora do centro da cidade; • dois espaços de permanência: Gammeltorv and Nytorv, praça localizada no centro da cidade proveniente de Strøget; e Kay Fisker, uma praça isolada em um distrito novo da cidade. Todos os espaços contemplados no livro têm suas localizações indicadas, o que confere orientabilidade e, de certa maneira, contextualiza o leitor – a saber que o local é de grande fluxo de pessoas ou não, apesar de que estes fatores não interferem na avaliação dos espaços. 4.3. Método para interpretação Com as ferramentas definidas, foi realizado o fichamento em desenho dos espaços públicos para a interpretação dos elementos de configuração espacial, identificando-se inclusive quais atividades ocorrem no local – fator que pode influenciar morfologicamente outros critérios. Foram feitas 48 fichas esquemáticas, 4 – uma de cada espaço público – para cada critério, a exemplo: FIGURA 5 – Exemplo de fichamento. Fonte: Arquivo pessoal. Percorreu-se os espaços em questão no Google Earth Pro e verificou-se possíveis elementos morfológicos atribuidores de valor ao critério. O processo de fichamento trouxe dúvidas e observações quanto à redundâncias, sobreposições e hierarquia dos critérios, ainda mais evidentes após o processo de agrupamento e interpretação dos elementos distribuídos nas tabelas a seguir 5 | 10 (apenas dois exemplos apresentados do total): Praça Gammeltorv e Nytorv bom 1. Proteção contra o tráfego e acidentes Há separação de espaços, onde o pedestre é predominante; o plano do espaço que se destina ao pedestre é elevado em relação ao do carro; há uma leitura tátil fácil na superfície do plano dos espaços – para carros e pedestres. 2. Proteção contra crime e violência Há uma delimitação que permite a compreensão do espaço; múltiplas atividades acontecendo durante diferentes estações do ano e diferentes horas do dia; mobiliário urbano e iluminação que propiciam maior segurança. bom 4. Oportunidades para caminhar Percursos intuitivos e convidativos; espaço delimitado, configurando começo-meio-fim; percursos simples; fachadas que se abrem ao percurso – interação das funções dos espaços. bom 5. Oportunidades para ficar em pé e permanecer Limites – paredes – do espaço induzem à permanência, pois acolhem quem usa; centralidade; a função dos edifícios do contexto propicia a permanência – fachadas que se abrem; mobiliário urbano; bom 7. Oportunidades para observar Limites que propiciam distâncias razoáveis para o contato visual; centralidade; planos elevados como observatórios. Crítica: pessoas que estão sentadas, caminhando ou mesmo em pé esperando o parceiro que entrou em uma loja estão passíveis de observar, um critério não se faz independente do outro. bom 8. Oportunidades para falar/ouvir Há mobiliário urbano que possibilite conversas; distanciamento com ruídos por ser uma zona restrita a carros. Crítica: pessoas que estão sentadas podem facilmente conversar, o que significa dizer que este critério não é independente dos demais. bom 10. Escala A relação da altura dos edifícios do entorno e a distância entre os planos que configuram-se como paredes promove uma percepção espacial mais adequada à escala do humana. bom 11. Oportunidades para aproveitar aspectos positivos do clima Baixa permeabilidade, menos vento cruzando; planos elevados e rebaixados que permitem interação do indivíduo com o espaço – para exposição ao sol. bom 3. Proteção contra experiências sensoriais desagradáveis Para o contexto, o espaço é circundado por planos que controlam o fluxo de ventos – menos permeável; há um distanciamento com carros, o que auxilia no controle de ruídos. bom 6. Oportunidades para sentar Há mobiliário urbano propício ao repouso; planos elevados que geram espaços passíveis de sentar; escadarias. Crítica: aqueles que usam o espaço sentados acabam por permanecer no espaço – redundância. bom 9. Oportunidades para brincar e se exercitar Há dinamismo no espaço, planos se elevam ou se rebaixam sutilmente; predominância de pedestres no espaço pode facilitar a realização de certas atividades; bem como a delimitação do espaço gera centralidade. bom 12. Experiências sensoriais positiva Bons materiais aplicados às superfícies dos planos – piso; fontes/água e elementos que agregam valor ao espaço; vegetação. TABELA 2 – Praça Gammeltorv e Nytorv - agrupamento do que foi levantado a partir da análise dos materiais. Praça Kay Fisker 6 | 10 onaidem 1. Proteção contra o tráfego e acidentes Há separação dos espaços destinados à carros e pedestres, mas a área é envolta por estacionamentos e vias de tráfego, bem como metrô. miur 4. Oportunidades para caminhar Não há delimitação dos espaços; fachadas que não interagem com o percurso; percursos confusos. miur 7. Oportunidades para observar A falta de delimitação que propicia a perda do campo visual; há difícil compreensão do espaço – elementos distantes; facilmente se perde o foco no espaço. Crítica: pessoas que sentam podem observar seu contexto, bem como pessoas que o percorrem ou pessoas que estão apenas paradas. Não é um critério independente. miur 10. Escala A relação do único edifício no local e seu espaço disperso perde a escala humana, fazendo do indivíduo um ser coadjuvante no contexto. miur 2. Proteção contra crime e violência Espaço disperso; não há limites, espaço mais dificilmente compreensíveis; função da área de prestação de serviço, sem grande fluxo de pessoas. miur 5. Oportunidades para ficar em pé e permanecer Espaço disperso que não indica local para permanecer; não há centralidade/acolhimento; fachadas que não interagem com o espaço. miur 8. Oportunidades para falar/ouvir Há grande proximidade com zonas geradoras de ruídos; não há mobiliário urbano que propicie conversas. Crítica: a ausência de local para repouso pode influenciar diretamente este critério, que não encontra no espaço grandes oportunidades para conversar – não é um critério independente. miur 11. Oportunidades para aproveitar aspectos positivos do clima Espaço aberto que permite maiores fluxos de vento no local – frio; não há mobiliário urbano/apoio. miur 3. Proteção contra experiências sensoriais desagradáveis Espaço amplo, não controla o fluxo de ventos para o local – predominantemente frio; próximo à estação de metrô. miur 6. Oportunidades para sentar Não há mobiliário urbano. Crítica: houvesse lugar para sentar, pessoas poderiam permanecer no espaço, portanto, há dependência com o critério 5. miur 9. Oportunidades para brincar e se exercitar Há monotonia no espaço, planos contínuos; espaço disperso que não propicia aglomeração de pessoas. bom 12. Experiências sensoriais positiva Bons materiais aplicados às superfícies dos planos; espelhos d’água. TABELA 3 – Praça Kay Fisker - agrupamento do que foi levantado a partir da análise dos materiais. 5. RESULTADOS OBTIDOS Discutidos os critérios, observou-se que alguns deles permitiam redundâncias ou sobreposições. Em alguns casos, a avaliação de um critério implicaria obrigatoriamente na boa ou má avaliação de outro, ratificando interdependência. Buscou-se simplificar os critérios estabelecidos por Jan Gehl para maior clareza e objetividade, a começar por estruturar os três grupos majoritário aos quais os critérios se encaixam, são eles: § proteção: representa a necessidade de um espaço público proporcionar segurança ao usuário, 7 | 10 bem como guardar o indivíduo em casos de más experiências sensoriais; portanto, proteção à sua vida – intempéries climáticas podem não conferir ameaça à vida, porém, conferem grandes sensações de incômodo ao corpo humano; § ergonomia: propõe-se a alteração do nome do grupo, pois “conforto” – e também a palavra em inglês comfort – implica em uma sensação de tranquilidade que também se sente quando se tem proteção e bem-estar, portanto, restringindo-o à seus critérios de conforto físico/ergonômico. Consiste na oportunidade que é dada ao usuário de usufruir o local de maneira adequada à sua compreensão como homem no espaço, em estado de movimento ou permanência; § bem-estar: confere ao espaço bons elementos de ênfase a sensações de prazer do indivíduo; Visando enfoques ligeiramente distintos aos grupos de ergonomia e bem-estar, propôs-se uma alteração, adequada aos novos conceitos, no qual ‘Oportunidades para brincar e exercitar-se’ traduz-se em ‘Entretenimento’ e, por isso, encaixa-se melhor no grupo Bem-estar, uma vez que o mesmo intenta enfatizar sensações de prazer. Bem como, o encaixe fez-me melhor quando se agrupa ‘Escala’ à Ergonomia, justamente por tratar-se de um grupo que realça aspectos de adequação do indivíduo e suas proporções a seu contexto. O processo de simplificação dos 12 critérios de qualidade acaba por transformá-los e agrupá-los em 9 conforme o que se sugere na tabela que se segue. Os grandes grupos ganham agora numeração para que se entenda uma hierarquia – fator este confirmado por Gehl em seu livro Cities for People –, onde o espaço deve primeiramente preocupar-se em oferecer proteção aos usuários, seguido de ergonomia adequada ao uso e, por fim, bem-estar. 1. proteção 1. contra o tráfego e acidentes: o indivíduo quer sentir-se seguro enquanto usuário de um espaço público; 2. contra o crime e violência: o indivíduo quer saber que são pequenos os riscos de algum outro indivíduo de má índole chegar até ele e provocar ameaças; 3. contra experiências sensoriais desagradáveis: o indivíduo deseja estar abrigado, resguardado de sensações incômodas que fujam ao seu controle; 2. ergonomia 4. oportunidades de percorrer o espaço: o indivíduo que transita/percorre um espaço, almeja locais agradáveis para seu trânsito; almeja que sejam espaços interessantes, proporcionais e atrativos que o façam querer percorrer aquele espaço; 5. oportunidades para permanecer: o indivíduo que usa um espaço público almeja que o mesmo transmita a vontade de ficar/permanecer/ocupar o espaço, para isto, para que o indivíduo use o espaço e permaneça parado, deve encontrar um local que apresente um entorno interessante/atrativo; Nota: oportunidades de caminhar/ oportunidades de permanecer/ oportunidades de sentar/ oportunidades de falar e ouvir: os critérios inferem uma ideia de estado, portanto, se sobrepõem. Por exemplo: se o indivíduo está sentado, está possivelmente observando o entorno; o indivíduo que deseja ter uma conversa sem interrupções independe de seu estado, esteja ele conversando com um 8 | 10 colega sobre a próxima reunião ao estar apenas percorrendo o espaço público até chegar ao seu destino ou esteja ele parado conversando com sua namorada sobre seu futuro casamento enquanto espera o sorveteiro da feira finalizar a última espiral do sorvete. Esses critérios se mesclaram por transmitirem ideias interdependentes, portanto, pensou-se fazer mais sentido se fossem novamente divididos em novos critérios. 6. escala: sentir que o espaço foi desenvolvido para sua escala, seu tamanho, suas proporções; o indivíduo não é minimizado no espaço, mas, sim, sente-se parte integrante dele; 3. bem-estar 7. entretenimento/interação com o meio: o indivíduo que busca entretenimento no espaço público permanece no mesmo influenciado por boas atividades que o convidam a lá interagir com o espaço; 8. oportunidades para aproveitar os aspectos positivos do clima: fazer do fator bioclimático algo positivo para o espaço público; 9. experiências sensoriais positivas: o espaço bem cuidado, não degradado, com bons materiais, boas visuais, e elementos como água e vegetação configuram-se como positivos ao espaço; 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Espaços públicos são fundamentais para a qualidade de vida de uma sociedade. Convidam cidadãos a ocupa-la, são palcos de manifestações políticas, encontros musicais, cenários de exposição e até mesmo rápidas passagens para o descanso em meio a um dia corrido. Espaços estes que devem ser por si só de qualidade, atribuindo valor ainda maior à cidade que o inclui. É inegável a importância da existência de guias de configuração espacial com critérios básicos que confiram qualidade. Porém, há fatores ainda igualmente importantes para o bom entendimento do local não enfatizados nos 12 critérios de qualidade de Jan Gehl. A busca de uma avaliação pontual acabou por afastar outros aspectos fundamentais que, se bem compreendidos, agregam qualidade ao espaço. Entender o contexto de inserção do espaço inclui pensar características culturais peculiares a cada grupo e sua dinâmica. Além dos acima mencionados, a inserção do espaço também é capaz de apontar fatores fundamentais de bioclimatismo que influenciam diretamente em sua qualidade. Bem como, a disposição na malha urbana como um todo pode denunciar certas características. Espaços inseridos em locais isolados dificilmente serão de qualidade. É preciso que haja pessoas, e é, portanto, fundamental que se pense um espaço e, ainda mais, uma cidade com o humano como personagem principal de seu cenário. É essencial projetar um espaço que se desenvolva e aconteça aos olhos daquele que ocupa o espaço e dá vida à ele. Os 12 critérios de qualidade se ratificam, ainda que com certas redundâncias e sobreposições, como de extrema importância para o debate da busca de qualidade para espaços públicos. Sua simplicidade atrai olhares, convida pessoas a serem capazes de avaliar por si espaços que pertencem a todos, incentiva, inclusive, à atitudes de recuperação dos mesmos. Com o esclarecimento de quais elementos de configuração espacial possivelmente atribuíram valor à cada critério, os novos 09 critérios de qualidade simplificados e extraídos deste rico trabalho 9 | 10 anteriormente estabelecido intentam facilitar a leitura do profissional da área ou mesmo do leigo interessado pelo assunto para que melhor entendam os espaços e, então, apliquem-nos em intervenções na cidade ou mesmo em seus projetos urbanos desde a concepção do desenho urbano ao detalhamento de piso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENEVOLO, Leonardo. História das Cidades. Edição: 5ª. Perspectiva, 2001. GEHL, et al. New City Life. Copenhagen: The Danish Architectural Press, 2006. GEHL, Jan. Cities for people. Washington: Island Press, 2010. GEHL, Jan, SVARRE, Birgitte. How to Study Public Life. Washington: Island Press, 2013. HOLANDA, Frederico de. Urbanidade: arquitetônica e social. Anais do I ENANPARQ (CD-ROM). Rio de Janeiro: PROURB, 2010. TENORIO, Gabriela. Ao desocupado em cima da ponte: Brasília, arquitetura e vida pública. 2012. 391p. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 2012. AGRADECIMENTOS À Jan Gehl e Gehl Architects pela gentileza de responderem dúvidas surgidas ao longo do processo por meio de e-mails; à professora Gabriela Tenorio pela troca de conhecimentos e relatos, sempre disposta a trazer novos materiais que contribuiriam para a pesquisa; ao programa Ciência Sem Fronteiras, que me permitiu vivenciar espaços públicos diversos me aproximando do tema. ANEXO 1 – QUESTIONÁRIO REALIZADO COM JAN GEHL Izabela: Is there any other place where I could find the 12 keys Quality Criteria published? Jan Gehl: The 12 criteria are published in 2 books: New City Life from 2006, and Cities for people from 2010 (also published in Brazil). Also the book how to Study Public Life tells about how the 12 Criteria originally were in a much longer list of criteria for site planning. I: Where do the 12 Quality Criteria come from? How each criterion was defined? J: The criteria are the result of my research in how people use public spaces and which factors influence wether a space is used or not used. The 12 criteria can be seen as a summary of my findings. I: Do you still use this method to evaluate spaces as good or bad in your analysis nowadays? If yes, did they have an evolution or are they used in the same way? J: The 12 criteria list was never made for evaluating existing spaces, but was originally intended as a key word list (things you should think about) when you are to design new projects. Later on it has also found use as a tool for evaluating existing spaces. I: In some criterions I could find redundancy, for example: in "Opportunities to stand and stay" and "Opportunities to sit"; people who sit to rest in a bench in one of those squares is, at the same time, staying. So, I understand that if they are 'checked' as good, they are providing good staying in a way (of course the second criterion depends not only on 'sitting' but it helps, I presume). I could also see they have sort of a hierarchy (some subtopics are more important than others to make the criterion good/ medium or bad). Did Gehl Architects have any critics to this method of evaluating spaces - the 12 Key Quality Criteria? Did you resume or divide those criteria into less or more topics after New City Life? J: These are good observations. Concerning stay/sitting you can find in Cities for People that I discuss “The Psychology of Staying. Where would people like to stay in a space?”, and also the importance of places to sit. 10 | 10