Radiografias urbanas: uma metodologia para leitura de espaços públicos Laura Lacastagneratte de Figueiredo (1) Gisela Cunha Vianna Leonelli (2) (1) Graduanda em Arquitetura e Urbanismo da FEC, Unicamp, Brasil. E-mail: [email protected] (2) Docente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: O tema do espaço público vem ganhando cada vez mais espaço e relevância no debate de diversos campos disciplinares, e é recorrente no campo de Arquitetura e Urbanismo devido à sua relação com a expansão urbana das grandes cidades nas últimas décadas e as consequências resultantes deste processo. Este artigo trata do desenvolvimento de uma metodologia para leitura de espaços públicos a partir do cruzamento das contribuições de três autores estudados: Jan Gehl (2013), Kevin Lynch (1997) e Carlos Nelson F. dos Santos (1980). O propósito da metodologia consiste em articular três escalas de análise, partindo sempre da percepção da escala humana do espaço, de forma a possibilitar uma compreensão holística do espaço público, buscando a compilação de um ferramental de projeto que possibilite o planejamento de espaços mais acolhedores na cidade e que atendam efetivamente as necessidades dos cidadãos. O objetivo deste artigo é apresentar a metodologia desenvolvida, bem como sua aplicação em um estudo de caso e as considerações finais decorrentes da análise. Palavras-chave: Compreensão do espaço; Escala humana; Cidade para pessoas. Abstract: The theme of public space has been gaining more space and relevance in the debate of various disciplinary fields, and recurs in the field of architecture and urban design due to its relationship with the urban expansion of large cities in recent decades and the consequences of this process. This article presents the development of a methodology for reading public spaces crossing the contributions of three studied authors: Jan Gehl (2013), Kevin Lynch (1997) and Carlos Nelson F. dos Santos (1980). The purpose of the methodology consists on articulating three analytical scales, from the perspective of the human scale of space, in order to enable a holistic understanding of public space, seeking to build a “toolbox” for urban planning, that enable more welcoming and pleasant spaces in the city, that effectively meets the needs of citizens. This article aims to present the developed methodology, as well as its application in a case study and the final considerations arising from the analysis. Key-words: Comprehension of urban space; Human scale; Cities for people. 1. INTRODUÇÃO Parte-se do entendimento da cidade como um espaço de diversidades e possibilidades geradas pelos usos, fluxos e diferentes apropriações. Lugar de oportunidades, que possibilite o encontro e as trocas entre as pessoas e entre os próprios espaços da cidade, onde possa ser exercida a legítima cidadania. No entanto, este ideário encontra-se um pouco distorcido e até mesmo utópico no cenário atual das cidades em que vivemos, onde a relação com a cidade passa a ser paradoxalmente a negação da mesma. Percebe-se um alargamento do espaço privado e um encolhimento do espaço público, gerando uma urbanidade fragmentada; uma cidade onde exercer a cidadania torna-se impossível, pois se é bloqueado o direito à informação (CHAUÍ, 2012), onde identidade e memória dissolvem-se aos 1 | 14 poucos em meio a modelos e padronizações generalizadas e onde os espaços individuais sobressaemse aos espaços de encontro. O tema do espaço público vem sendo tratado desde as últimas décadas em diversos campos disciplinares e é recorrente no debate sócio-urbanístico e arquitetônico contemporâneo, devido à sua importância e abrangência em inúmeros aspectos. Em seu conceito mais intrínseco, o espaço público é chave para a configuração e estrutura das cidades (MARCONDES, 2012). É o espaço do urbanismo, da cultura urbana e da cidadania, onde a sociedade se faz visível e onde é representada – como palco de manifestações, momentos históricos, expressão e festas populares, entre outros (BORJA & MUXI, 2000). A privatização do espaço público (e a lógica do capital), a negação da cidade (e a lógica da segregação) e a difusão do uso do automóvel individual como meio de transporte principal são alguns dos temas que suscitam um intenso debate a respeito dos espaços públicos e o desenvolvimento das cidades contemporâneas. É nesse contexto que o presente artigo se desenvolve, apresentando uma metodologia de leitura e análise de espaços públicos que procura observar, em diferentes escalas, as necessidades humanas e suas relações com o ambiente urbano. 2. OBJETIVO Partindo da leitura e análise do espaço urbano enquanto projeto, desenvolve-se neste trabalho a sistematização de elementos projetuais e métodos de análise, definidos a partir de leituras teóricas de autores e conceituações sobre o tema. Pretende-se realizar uma compreensão de experiências urbanas em alguns estudos de caso, com os quais se possa criar um instrumento de avaliação e crítica dos espaços da cidade. Busca-se a “radiografia” do espaço público, a configuração que o conforma na cidade – para assim criar um repertório de elementos, projetuais ou não, que serão direcionados à hipótese que se lança: o espaço público aliado ao (re)desenho urbano como articuladores e possíveis transformadores do território. Dessa forma, o objetivo deste artigo é apresentar a metodologia desenvolvida para leitura dos espaços públicos a partir da concepção de três autores estudados: Jan Gehl (2013), Kevin Lynch (1997) e Carlos Nelson F. dos Santos (1980). Através do método, busca-se compreender as dinâmicas das relações humanas e a construção, conformação e ocupação do território urbano para que se possa avaliar e contextualizar os parâmetros estudados a fim de compilar subsídios para o projeto de espaços públicos no contexto das cidades brasileiras. 3. JUSTIFICATIVA A busca por uma cidade para todos, integrada, acolhedora e que priorize, acima de tudo, as pessoas, é urgente. O direito à cidade é urgente. Transformações pelas quais passaram as cidades nas últimas décadas abarcam diversas mudanças em relação aos espaços das mesmas, tanto no que concerne às suas dinâmicas quanto a seus aspectos físicos e morfológicos. Com o advento da globalização e os novos meios informacionais, um novo espaço é instituído: o virtual. Assim, se produzem novas relações com o espaço físico e outras formas de interação com o mesmo, bem como o surgimento desta outra esfera de relacionamento e interação entre as pessoas ampliando, deste modo, o leque de possibilidades quanto às ações e maneiras de organização e apropriação do espaço público. O significado do “espaço” assume múltiplas compreensões. As cidades contemporâneas carecem atualmente de espaços públicos de qualidade, convidativos e integradores, que atendam às necessidades de seus cidadãos. No entanto, as demandas e reivindicações das pessoas pelo uso dos espaços da cidade vêm se tornando cada vez mais fortes e 2 | 14 crescentes. Desde um banco improvisado na praça do bairro, passando pelas atividades físicas ao ar livre, até movimentos e organizações (em pequena ou grande escala) que lutam pela vida da cidade, percebe-se o desejo pela recuperação, reativação, apropriação ou o simples uso de tais espaços. Dentro deste campo de reflexão, a hipótese lançada é que a urbanidade possa ser articulada por meio do desenho urbano aliado à conformação dos espaços públicos e que estes potencializem novas relações e transformações no âmbito do território urbano. Dessa forma, busca-se com esse trabalho apresentar a sobreposição dos métodos para a leitura de espaços públicos com foco na articulação do território, sustentada pelas relações humanas, pela apropriação das pessoas pelos espaços da cidade, dinâmicas e processos espontâneos que podem ou não ocorrer. 4. MÉTODO EMPREGADO A metodologia proposta parte, portanto, da interpretação à tradução dos conceitos dos três autores citados anteriormente, aplicando-a como instrumento para leitura de espaços públicos. Compreende-se o espaço público não apenas como o espaço físico, mas também pela vivência e funções que este possibilita. Assim, opta-se por uma abordagem que sistematiza tanto os parâmetros físicos (objetivos) como também “humanos” (subjetivos) dos espaços estudados, buscando uma visão holística que possibilite diferentes eixos de análise e discussão. Assim, para a construção desta metodologia adota-se a sobreposição dos métodos e conceitos dos autores: a) Jan Gehl, em seu livro Cidades Para Pessoas (2013), fornecendo a base metodológica para a escala micro da investigação, ou seja, a escala humana e uma compreensão “de baixo para cima” do espaço urbano, como princípios de desenho urbano; b) Kevin Lynch em A Imagem da Cidade (1997), que abarca imagem e identidade da cidade, além do comportamento humano, relacionados à representação da mesma a partir de sua percepção sob um panorama em maior escala, fornecendo à investigação a base de parâmetros para uma compreensão “macro” do espaço urbano; c) Carlos Nelson F. dos Santos, também dentro de uma concepção micro voltada à dimensão humana, utilizando os conceitos reunidos no livro Quando a Rua Vira Casa (1980) e a aplicação do método etnográfico como forma de entendimento do espaço e de seus habitantes, suas dinâmicas e relações. A sobreposição dos três autores leva, desta forma, à uma concepção metodológica e conceitual que abarca fatores que são aqui entendidos como fundamentais para compreensão das dinâmicas dos espaços públicos da cidade contemporânea. Tal sobreposição busca possibilitar bases para um entendimento da micro à macro escala, tendo como objeto principal contemplado as relações, os diversos usos, apropriações e necessidades humanas dentro do território, fornecendo um ferramental para uma análise mais humana e real acerca do espaço em que vivemos. 4.1. Gehl: Ferramentas Em seu prólogo para o livro “Cidades para Pessoas” de Jan Gehl (2013), Richard Rogers diz que as cidades possuem uma linguagem, na qual seus elementos - a rua, os caminhos, as praças e parques -, fornecem as bases para uma gramática que pode ser lida e estudada. O livro traz uma série de compreensões acerca do desenho urbano, suas dinâmicas e conexões nas cidades contemporâneas e oferece ferramentas para melhorar o desenho dos espaços públicos e a qualidade de vida nas cidades, a qual está diretamente ligada aos conceitos de identidade e coexistência. Identidade gera o sentimento de pertencimento e permite a criação de vínculos com os 3 | 14 espaços da cidade, enquanto coexistência advém da diversidade, questão fundamental que gera urbanidade (JACOBS, 2011). Gehl (op.cit) busca a lógica das cidades vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis. O autor fornece uma ampla análise de aspectos que envolvem a percepção e a dimensão humana dos espaços, subsidiando seu entendimento acerca das ferramentas e princípios de desenho e planejamento urbano que propõe. Considera que uma cidade convidativa e viva favorece o encontro entre as pessoas, fornecendo as oportunidades de contato social através do ver e do ouvir - e por isso a conformação de seus espaços é essencial. Quando a cidade não está pensada à escala humana, nos é vetada a capacidade de nos relacionarmos uns com os outros e com os espaços urbanos. Não nos é possível apreender a dinâmica da cidade planejada para altas velocidades, grandes edifícios, ou pautada pela relação tempo versus dinheiro, simplesmente porque é uma dimensão que não está a nosso alcance, são proporções e ritmos distantes da escala humana de percepção. A partir da leitura e análise dos parâmetros de Gehl para qualificar o espaço público urbano, sistematizou-se os conceitos por ele definidos, além de buscar trazê-los para o contexto e realidade brasileiros, de modo que a compilação de tais critérios compõe um dos três métodos aqui utilizados para a leitura dos estudos de caso (vide figura 1). Figura 1. Sistematização e adaptação dos critérios e parâmetros de Gehl (2013). Fonte: Laura Figueiredo (2015). 4 | 14 4.2. Lynch: Percepção Kevin Lynch publica, em 1960, uma de suas obras mais influentes: “A Imagem da Cidade”, a qual se torna referência pois apresenta pesquisa e método inovadores em relação à leitura da paisagem urbana. Baseada na percepção dos cidadãos – afinal, os “usuários” das cidades –, Lynch propõe uma nova maneira de observar e ler a cidade e representá-la espacialmente. Através de um estudo sobre três cidades norte-americanas, no qual Lynch envolve a população através de entrevistas e desenvolvimento de mapas mentais, o autor identifica elementos que organizam a imagem da cidade a partir das percepções das pessoas e suas próprias formas de localizar-se e relacionar-se com e na cidade. Lynch parte de alguns conceitos que irão permear sua discussão sobre a construção da imagem. Identidade, estrutura e significado são componentes da percepção ambiental, onde unicidade, relação espacial e significado prático ou emocional interatuam no espaço. Outro conceito usado pelo autor é o de “imaginabilidade: característica do objeto que lhe confere uma alta probabilidade de evocar uma imagem forte em qualquer observador” (LYNCH, 1997: 11). Tal conceito relaciona-se fortemente à ideia de legibilidade, pois é a partir de imagens definidas e legíveis que se consegue construir uma visão clara e estruturada da cidade. No campo da percepção, a imagem é fundamental para a construção da identidade, organização e significado do complexo e mutável espaço urbano. Os elementos que compõem esse conteúdo da imagem das cidades são traduzidos pelo autor em cinco tipos: vias, barreiras (ou limites), pontos nodais, marcos e bairros (vide figura 2); a partir deles podese configurar um mapa da cidade seguindo uma leitura individual sobre a mesma, e com isso obter inúmeros mapas de um mesmo local, porém com diferentes apreensões, concepções e significados. Em sua pesquisa Lynch observa que tal análise se dá de maneira intrínseca e inter-relacionada – a experiência conecta-se com seu entorno e cada elemento se complementa para compor a leitura completa. Figura 2. Adaptação dos 5 elementos de Lynch (1997). Fonte: Laura Figueiredo (2015). 4.3. Etnografia: Comportamento A etnografia é um método de investigação proveniente do campo da Antropologia e consiste na compreensão do objeto de estudo a partir da inserção e vivência direta na realidade onde este está inserido. Trazendo para o âmbito urbano, consiste em analisar as dinâmicas e relações que demonstram a lógica social do espaço - e seus personagens, as possibilidades de redes sociais, os diferentes tipos de apropriação e atribuição de significados aos espaços urbanos. Compreende-se portanto o espaço como intrínseco, ou seja, como o continente que também é atuante, e não apenas como reflexo de uma ocupação. O relato etnográfico busca registrar costumes, comportamentos e reações nas interações cotidianas. No livro “Quando a Rua Vira Casa” (1980), Carlos Nelson F. dos Santos (coord.) e sua equipe utilizam desse método de pesquisa para análise de dois bairros no Rio de Janeiro. São compostos 5 | 14 mapas etnográficos (vide figura 3), levantamento fotográfico, entrevistas e gravações que objetivam estudar o caráter próprio e diferencial do uso de espaços coletivos voltados para o lazer, quando comparados os dois bairros, e dessa forma testar algumas das teorias urbanísticas em voga (SANTOS; VOGEL, 1980). Figura 3. Mapa das Referências: percepções do bairro do Catumbi. Fonte: Santos; Vogel (1980). Nota-se a importância de questionar a fundo conceitos e representações “eruditas e do senso comum, a partir da análise do que aparece, à primeira vista, como simples e óbvio” (SANTOS; VOGEL, 1980). Pois é justamente por não se levar em conta e não compreender de fato as dinâmicas e relações das pessoas com os lugares que a linha entre o erro e o acerto ao projetar se mostra frágil e tênue. A pesquisa etnográfica produz uma riqueza muito grande de material, posto que é fruto da observação e compreensão da complexidade que é a vida cotidiana, suas tramas, significados e acontecimentos. Dentro do escopo deste trabalho, a análise etnográfica será aqui apresentada por meio de material composto por fotografias e croquis feitos a partir das observações e percepções dos locais levantados. 5. RESULTADOS OBTIDOS Apresenta-se a seguir um dos estudos de caso onde aplicou-se a metodologia proposta. 5.1. Estudo de caso 1: Praça do Coco, Campinas, SP A Praça Irmã Carmela Stecchi, onde localiza-se a Praça do Coco, fica no distrito de Barão Geraldo, distrito da cidade de Campinas – SP. É uma praça de conformação linear e corta uma área de aproximadamente 700 metros de extensão. No entanto, a praça é ocupada em apenas alguns pontos, próximos às suas extremidades. A Praça do Coco ocupa um trecho de sua extensão. O local foi fundado em 1999, quando tratava-se ainda de um pequeno comércio de água de coco e caldo de cana. Além do uso como ponto comercial, o intuito também era realizar transformações e melhorias à praça independente de recursos e “vontade” política. Ainda hoje, a equipe e os fundadores 6 | 14 da Praça do Coco realizam a manutenção e melhorias no espaço. O lugar conta com o quiosque/lanchonete, uma área de lazer infantil, um palco para apresentações ao ar livre e algum mobiliário urbano, além de ter uma agenda fixa de programação ao longo da semana, que contempla atividades físicas em conjunto, encontro de ciclistas, uma feira de artesanato, entre outros. 5.1.1. Análise Lynch A escala de análise dos parâmetros definidos por Lynch para esse caso abrange grande parte da área de Barão Geraldo, onde a Praça do Coco se localiza. Dessa forma se pode compreender as possíveis relações da praça com o todo onde está inserida - e portanto é possível analisar suas conexões e a forma como se organiza o território. A distribuição dos elementos no mapa configuram a maneira de perceber tal dinâmica de organização do espaço e tudo o que ali pode estar relacionado ou não. Assim, criou-se o mapa mental (vide figura 4 e Anexo A) no qual podemos perceber: Figura 4. Mapa de percepção – Praça do Coco. Fonte: Laura Figueiredo (2015). 1. as vias como principais caminhos que estruturam o distrito segundo minha percepção e locomoção pelo espaço; 2. a configuração de bairros segundo suas características similares e peculiaridades, não necessariamente definidos pelos limites jurídicos; 3. os pontos nodais como lugares marcantes de cruzamentos, intenso movimento, e também pontoschave como locais de encontro (como as praças do Ipê, Praça da Paz, Ciclo Básico da Unicamp e praça da Vila São João); 4. os limites que se impõem no território, caracterizados pelas rodovias, pelas áreas de mata e córrego, pelo cercamento da Unicamp e principalmente pelo acesso à Barão Geraldo, que prioriza indiscutivelmente o automóvel, sendo difícil e perigoso o acesso e a circulação de ciclistas e pedestres; 5. os marcos como forma de apreensão, legibilidade e localização no território. 7 | 14 5.1.2. Análise Gehl Para espacializar a leitura, optou-se por manter a legenda lateral com todos os parâmetros sistematizados a partir dos critérios de Gehl (2013) independente se estes foram encontrados no local de estudo. Dessa forma, se pode comparar os critérios presentes no lugar analisado (conforme sua presença no mapa) com os critérios que não estão presentes no local (e portanto não foram usados no mapa - são representados na legenda com uma tonalidade mais clara das cores). Outra medida adotada foi fazer dois tipos de aplicações dos ícones: uma tabela dos critérios que se apresentam de forma geral no espaço estudado, ao passo que os ícones foram aplicados no mapa em lugares nos quais os critérios acontecem de forma pontual. Pretende-se com isso deixar a espacialização da maneira mais clara possível, e ao mesmo tempo possibilitar uma leitura relacionada ao entorno do lugar. No mesmo mapa, além da legenda dos parâmetros, utiliza-se uma legenda complementar para identificação dos usos no entorno imediato (comércio e serviços, residencial, educacional, etc) para relacionar-se com as ferramentas de análise (vide figura 5 e Anexo B). Figura 5. Mapa de ferramentas projetuais – Praça do Coco. Fonte: Laura Figueiredo (2015). 5.1.3. Análise Etnográfica A metodologia aplica-se em forma de croquis aliados a um breve relato etnográfico, que por sua vez é complementado com as fotografias. Entende-se a fotografia como instrumento de análise, fundamental como método de pesquisa para a compreensão do espaço segundo a etnografia. Adaptase aqui o método utilizado pelos autores do livro “Quando a Rua Vira Casa” (SANTOS; VOGEL, 1980), utilizando como base o “mapa das referências” do bairro do Catumbi (vide figura 3). A seguir apresenta-se alguma das fotografias obtidas. O relato e croquis encontram-se no Anexo C. 8 | 14 Figura 6. Conversa nos degraus do palco da praça. Laura Figueiredo (2015). Figura 7. Pais e filhos no parquinho infantil. Laura Figueiredo (2015). Figura 8. Feira livre de alimentos orgânicos que ocorre em um trecho da praça. Laura Figueiredo (2015). 9 | 14 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A metodologia desenvolvida busca traduzir os conceitos teóricos para as diferentes escalas de aplicação, sobrepondo os métodos de forma a possibilitar uma compreensão do espaço público a partir de uma perspectiva ainda pouco explorada no desenvolvimento das cidades brasileiras: a da escala humana. A inter-relação entre as três esferas de análise aqui apresentadas contribui para ampliar as perspectivas e diretrizes para o projeto de espaços públicos mais acolhedores, que efetivamente atendam às necessidades dos cidadãos e que possibilitem uma articulação do território urbano. Por meio deste estudo, é possível a compilação de um ferramental de projeto que considere os aspectos objetivos do espaço, como a morfologia e desenho urbanos, elementos e relações físicas do espaço com a cidade, bem como os aspectos subjetivos, ligados à dimensão social e às maneiras de se relacionar com e na cidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BORJA, Jordi; MUXÍ, Zaida. El espacio publico, ciudad y ciudadanía. Barcelona, 2000. CHAUÍ, Marilena. Democracia e Autoritarismo Social. São Paulo: 2012. Trecho de palestra no evento em defesa da liberdade de expressão, realizado no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Disponível em: <http://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/09/marilena-chaui-debate-ascensao-conservadora-saopaulo.html>. Acesso em: 03/05/2015. GEHL, Jan. Cidades para pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2013. JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2011. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1997. MARCONDES, Maria José de Azevedo. Espaços públicos ibero-americanos: possíveis diálogos na contemporaneidade. EURAU, 2012. ROLNIK, Raquel. Apresentação: As vozes das ruas: as revoltas de junho e suas interpretações. in: Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Editora Boitempo, 2013. pp.9-20. SANTOS, Carlos Nelson F. dos; VOGEL, Arno (coord). Quando a Rua Vira Casa: a Apropriação de Espaços de Uso Coletivo em um Centro de Bairro. São Paulo: Projeto, 1985. 10 | 14 ANEXO A – MAPA DE PERCEPÇÃO | PRAÇA DO COCO 11 | 14 ANEXO B – MAPA DE FERRAMENTAS PROJETUAIS | PRAÇA DO COCO 12 | 14 ANEXO C – RELATO ETNOGRÁFICO | PRAÇA DO COCO Sobre as percepções levantadas, pode-se observar (a numeração segue a legenda indicada no croqui abaixo): Figura 9. Mapa etnográfico da praça do coco. Fonte: Laura Figueiredo (2015). 1. Feira livre de orgânicos que ocorre às terças-feiras nesse trecho da praça. A feira gera um movimento interessante: além dos produtores vendendo os alimentos, outras pessoas montam suas “barraquinhas” (que geralmente são mesinhas de ferro desmontáveis ou cangas e toalhas estendidas no chão) para vender outros produtos, como alimentos caseiros, roupas, etc. (vide foto 1); 2. a academia ao ar livre instalada recentemente no local (abril de 2015) já transformou a vida nesse trecho da praça. Ainda que o espaço permaneça de baixa qualidade, as pessoas vêem ali uma mínima oportunidade de vivenciar o espaço público. O espaço da academia é utilizado para a realização de atividades físicas, por grupos de diferentes faixas etárias, mas seus equipamentos também são utilizados como bancos e espaços de encontro em diferentes períodos do dia; 3. o acesso à Praça do Coco é dificultado pelo intenso tráfego de veículos na Rua Agostinho Pátaro (foto 2). Não existe sinalização e semáforos: pedestres e ciclistas disputam a travessia com os automóveis; 4. restaurante e café que, apesar de estar localizado na esquina e bem próximo à Praça, não interage com a mesma; 5. mesinhas situadas ao ar livre, porém não são vistas diretamente devido à vegetação; 6. as mesas do quiosque ficam acima do nível da rua, sobre um deck (foto 3); 7. conversa no banco contínuo do parquinho infantil (foto 4); 8. pais brincando com os filhos; 13 | 14 9. crianças e adultos brincam no parquinho infantil (foto 5); 10. conversa nos degraus do palco (foto 9); 11. pequeno edifício de consultórios; 12. loja de roupas; 13. carros estacionados em cima da ciclofaixa; 14. único trecho da praça que possui bancos (com exceção do mobiliário do próprio quiosque); tem diferentes apropriações nos distintos períodos do dia, e é mais utilizado por jovens. Muitos estudantes da região frequentam esse espaço nos horários próximos ao término e período entre-aulas. Outras pessoas utilizam essa parte da praça para estudar instrumentos musicais e ler livros (foto 7); 15. leitura de livro ao pé da árvore (foto 6); 16. vizinho passeia com seu cachorro; 17. cursinho público Cescon; 18. quadra do Cescon, cercada; 19. lanchonete que possui carrinho de sorvete na calçada, muito frequentado pelos estudantes; 20. homens conversam em banco de madeira improvisado. 14 | 14