Capítulo 5 Vetores no plano 1. Paralelogramos Lembremos que um paralelogramo é um quadrilátero (figura geomé- trica com quatro lados) cujos lados opostos são paralelos. Usando congruência de triângulos, podemos verificar que as afirmativas seguintes são equivalentes: • O quadrilátero ABDC é um paralelogramo; • Os lados opostos de ABDC são congruentes; • Os ângulos opostos de ABDC são congruentes; • Dois lados opostos de ABDC são congruentes e paralelos; • As diagonais de ABDC se intersectam num ponto que é o ponto médio de ambas. Fig. 1: Paralelogramo ABDC. Por exemplo, vamos demonstrar a seguinte equivalência: Geometria Analítica - Capítulo 5 72 Proposição 1 No quadrilátero ABDC, os lados opostos AC e BD são congruentes e paralelos se, e somente se, as diagonais de ABDC se intersectam num ponto que é o ponto médio de ambas. Prova. (a) Suponhamos que os lados opostos AC e BD no quadrilátero ABDC são congruentes e paralelos, e seja M o ponto de intersecção das diagonais AD e BC. Pela hipótese, temos, • |AC| = |BD|, isto é, os comprimentos dos lados AC e BD são iguais; • AC k BD; Logo, [ = DBC, [ por serem • ACB ângulos alternos internos; [ = BDA, [ por serem • CAD ângulos alternos internos. Fig. 2: ABDC de lados opostos congruentes e paralelos. Pelo critério ALA (ângulo-lado-ângulo), concluímos que os triângulos 4AMC e 4DMB são congruentes. Em particular, |AM| = |DM| e |BM| = |CM|. Portanto, M é o ponto médio das diagonais AD e BC. (b) Suponhamos agora que as diagonais AD e BC do quadrilátero ABDC se intersectam no ponto M que é o ponto médio de ambas. Devemos demonstrar que os lados opostos AC e BD no quadrilátero ABDC são paralelos e congruentes. Temos: • |AM| = |DM| • |BM| = |CM| \ = DMB, \ pois são ângu• AMC los opostos pelo vértice. Fig. 3: ABDC com |AM| = |DM| e |BM| = |MC|. Pelo critério LAL (lado-ângulo-lado), os triângulos 4AMC e 4DMB são IM-UFF K. Frensel - J. Delgado Geometria Analítica - Capítulo 5 73 congruentes. [ = CBD, [ ou seja, os lados AC e DB são Em particular, |AC| = |DB| e ACB congruentes e paralelos. Você pode (e deve) demonstrar as outras equivalências da mesma forma. 2. Segmentos orientados e vetores Seja AB um segmento orientado com origem A e extremidade B. Isto é, no segmento AB estabelecemos um sentido de percurso (orientação) de A para B. Fig. 4: Os segmentos AB e BA têm sentidos opostos. Dizemos que o segmento orientado BA tem sentido de percurso (ou orientação) oposto ou contrário ao do segmento AB. Classificamos os segmentos orientados da seguinte maneira: Definição 1 Dizemos que os segmentos AB e CD são equipolentes, e escrevemos AB ≡ CD, quando satisfazem as três propriedades abaixo: • AB e CD têm o mesmo comprimento: |AB| = |CD|. • AB e CD são paralelos ou colineares. • AB e CD têm o mesmo sentido. Esclarecimento da definição de equipolência • Se AB e CD são segmentos colineares, então eles têm o mesmo sentido quando induzem o mesmo sentido de percurso na reta que os contêm. K. Frensel - J. Delgado IM-UFF Geometria Analítica - Capítulo 5 74 Fig. 5: Segmentos colineares AB e CD. • Se AB e CD são segmentos paralelos de igual comprimento, então AB e CD têm o mesmo sentido quando ABDC é um paralelogramo. Fig. 6: ABDC é um paralelogramo, pois AB ≡ CD. Fig. 7: ABDC não é um paralelogramo, pois AB 6≡ CD. Proposição 2 AB ≡ CD ⇐⇒ ponto médio de AD = ponto médio de BC Prova. Com efeito, se AB k CD já sabemos que a equivalência é verdadeira, pois ABDC é um paralelogramo. Vejamos que isto também é verdadeiro quando AB e CD são segmentos colineares. Consideremos a reta r que contém A, B, C e D com uma origem O e uma orientação escolhidas, de modo que B esteja à direita de A (figura 8). Sejam a, b, c e d as respectivas coordenadas dos pontos A, B, C e D na reta r . (a) Como AB e CD têm o mesmo sentido, temos que a < b e c < d, e, como esses segmentos têm o mesmo comprimento, temos b − a = d − c. Logo, b − a = d − c ⇐⇒ a + d = b + c ⇐⇒ ⇐⇒ a+d b+c = 2 2 ponto médio de AD = ponto médio de BC. (b) Reciprocamente, suponhamos que o ponto médio de AD é igual ao IM-UFF K. Frensel - J. Delgado Geometria Analítica - Capítulo 5 ponto médio de BC. Isto é, 75 b+c a+d = . Então, 2 2 a + d = b + c ⇐⇒ b − a = d − c . Como b − a e d − c têm o mesmo sinal e o mesmo módulo, AB e CD têm o mesmo sentido e o mesmo comprimento, além de serem colineares (por hipótese). Assim, AB ≡ CD. Fig. 8: AB ≡ CD com A, B, C e D colineares. Proposição 3 Dados pontos A, B e C quaisquer no plano, existe um único ponto D no plano tal que AB ≡ CD. Prova. Como os pontos A, B e C podem ou não ser colineares, temos dois casos a considerar. (a) A, B e C são colineares. Neste caso, o círculo de centro no ponto C e raio |AB| intersecta a reta que contêm os pontos A, B e C em exatamente dois pontos, mas apenas um deles, que designamos D, é tal que AB e CD têm o mesmo sentido (veja a figura 9). (b) A, B e C não são colineares. Seja r a reta que passa pelo ponto C e é paralela à reta que contém os pontos A e B. O círculo de centro C e raio |AB| intersecta a reta r em exatamente dois pontos, mas só um, que designamos D, é tal que ABDC é um paralelogramo. Ou seja, AB ≡ CD. K. Frensel - J. Delgado IM-UFF Geometria Analítica - Capítulo 5 76 Fig. 9: AB ≡ CD com A, B e C colineares. 3. Fig. 10: AB ≡ CD com A, B e C não-colineares. Vetores Definição 2 Quando os segmentos de reta orientados AB e CD são equipolentes, -------→ -→ -→ dizemos que eles representam o mesmo vetor v e escrevemos v = AB . -------→ -→ Isto é, o vetor v = AB é o conjunto que consiste de todos os segmentos orientados equipolentes ao segmento AB. Tais segmentos são chamados -→ representantes do vetor v . Observação 1 -------→ ---------→ -→ (a) Da definição de vetor, temos: AB ≡ CD ⇐⇒ v = AB = CD . --------→ → (b) Por convenção, o vetor nulo é o vetor 0 = AA , qualquer que seja o ponto A no plano. -→ (c) Dado um vetor v e um ponto qualquer C, existe um único ponto D ---------→ -→ tal que v = CD . Isto é, qualquer ponto do plano é origem de um único -→ segmento orientado representante do vetor v . Na prática, manipulamos com vetores usando a sua expressão em relação a um sistema de eixos ortogonais dado. IM-UFF K. Frensel - J. Delgado Geometria Analítica - Capítulo 5 77 Consideremos um sistema de eixos ortogonais OXY no plano, e sejam A = (a1 , a2 ) C = (c1 , c2 ) B = (b1 , b2 ) D = (d1 , d2 ) pontos do plano. A seguinte proposição caracteriza a equipolência em termos de coordenadas. Proposição 4 AB ≡ CD ⇐⇒ b1 − a1 = d1 − c1 b2 − a2 = d2 − c2 e Prova. Pela Proposição 2, AB ≡ CD ⇐⇒ ponto médio de AD = ponto médio de BC a1 + d1 a2 + d2 b1 + c1 b2 + c2 ⇐⇒ , , = 2 2 2 2 ⇐⇒ (a1 + d1 , a2 + d2 ) = (b1 + c1 , b2 + c2 ) ⇐⇒ a1 + d1 = b1 + c1 e a2 + d2 = b2 + c2 ⇐⇒ b1 − a1 = d1 − c1 e b2 − a2 = d2 − c2 , como queríamos demonstrar. Definição 3 Dados A = (a1 , a2 ) e B = (b1 , b2 ), os números b1 − a1 e b2 − a2 são -------→ -→ -→ chamados as coordenadas do vetor v = AB e escrevemos v = (b1 − a1 , b2 − a2 ). Note que, se AB ≡ CD, então, pela Proposição 4, -------→ ---------→ AB = (b1 − a1 , b2 − a2 ) = (d1 − c1 , d2 − c2 ) = CD . Exemplo 1 Sejam A = (1, 2), B = (3, 1) e C = (4, 0). Determine as coordenadas do -------→ ---------→ -→ -→ vetor v = AB e as coordenadas do ponto D tal que v = CD . Solução. Temos K. Frensel - J. Delgado IM-UFF Geometria Analítica - Capítulo 5 78 -------→ -→ v = AB = (3 − 1, 1 − 2) = (2, −1) . Além disso, se D = (d1 , d2 ), temos, -------→ ---------→ -→ v = AB = CD ⇐⇒ AB ≡ CD ⇐⇒ (2, −1) = (d1 − 4, d2 − 0) ⇐⇒ 2 = d1 − 4 e ⇐⇒ d1 = 2 + 4 = 6 − 1 = d2 − 0 e d2 = −1 + 0 = −1 . Portanto, D = (6, −1). Observação 2 Usando a Proposição 4, é fácil verificar que: • AB ≡ CD ⇐⇒ AC ≡ BD. Fig. 11: AB ≡ CD ⇐⇒ AC ≡ BD • AB ≡ CD e CD ≡ EF =⇒ AB ≡ EF . Fig. 12: AB ≡ CD e CD ≡ EF =⇒ AB ≡ EF IM-UFF K. Frensel - J. Delgado Geometria Analítica - Capítulo 5 79 Em virtude do item (c) da Observação 1, temos: Proposição 5 -------→ -→ Sejam OXY um sistema de eixos ortogonais e v = AB um vetor. --------→ --------→ -→ Então existe um único ponto P tal que OP = AB = v . Além disso, as -→ coordenadas do ponto P coincidem com as coordenadas do vetor v . Prova. De fato, se A = (a1 , a2 ), B = (b1 , b2 ) e P -→ v = (b1 − a1 , b2 − a2 ) e, portanto, AB ≡ OP = (p1 , p2 ), temos ⇐⇒ (b1 − a1 , b2 − a2 ) = (p1 − 0, p2 − 0) ⇐⇒ P = (p1 , p2 ) = (b1 − a1 , b2 − a2 ) como queríamos verificar. Fig. 13: AB ≡ OP Exemplo 2 --------→ --------→ Sejam A = (−1, 2) e B = (4, 1). Determine o ponto P tal que OP = AB . Solução. Pela proposição anterior, temos P = (4 − (−1), 1 − 2) = (4 + 1, −1) = (5, −1). Veja a figura 13. K. Frensel - J. Delgado IM-UFF Geometria Analítica - Capítulo 5 80 4. Operações com vetores Adição de vetores Vamos definir a operação de adição de vetores que a cada par de ve-→ -→ tores u e v faz corresponder um novo vetor de-→ -→ signado u +v e chamado -→ a soma dos vetores u e -→ Fig. 14: Adição de vetores. v . -------→ ---------→ -→ -→ Sejam u = AB e v = CD vetores dados e seja E um ponto no plano. ---------→ -------→ -→ -→ Tomamos pontos P e Q tais que u = EP e v = P Q . -→ -→ Definimos o vetor soma de u com v como sendo o único vetor que tem o segmento EQ como representante (veja a figura 12). Isto é, --------→ -→ -→ u + v = EQ Quando se faz uma definição que depende, aparentemente, da escolha de um representante, devemos mostrar que a classe do novo objeto definido independe do representante escolhido. A adição de vetores é uma operação bem definida. Com efeito, seja E 0 outro ponto do plano, e sejam P 0 e Q0 pontos -------------→ -→ tais que u = E 0 P 0 e ---------------→ -→ v = P 0 Q0 . Segundo a definição anterior, deveríamos ter também --------------→ --→ -→ u + v = E 0 Q0 . Fig. 15: O segmento EQ é equipolente ao segmento E 0 Q0 ? IM-UFF K. Frensel - J. Delgado Geometria Analítica - Capítulo 5 81 Verifiquemos, então, que os segmentos EQ e E 0 Q0 são equipolentes. Pela Observação 2 (acompanhe a argumentação na figura 15), temos: -------------→ -------→ -→ u = EP = E 0 P 0 =⇒ EP ≡ E 0 P 0 =⇒ EE 0 ≡ P P 0 , ---------------→ ---------→ -→ v = P Q = P 0 Q0 =⇒ P Q ≡ P 0 Q0 =⇒ P P 0 ≡ QQ0 . Logo, --------------→ ---------→ EE 0 ≡ QQ0 =⇒ EQ ≡ E 0 Q0 =⇒ EQ = E 0 Q0 , -→ -→ e, portanto, o vetor u + v está bem definido. Observação 3 -------→ ---------→ -→ -→ Sejam u = AB e v = CD vetores no plano. Quando os segmentos AB e CD não são colineares ou paralelos, podemos determinar também o -------→ ---------→ vetor soma AB + CD da seguinte maneira: -------→ -------→ -→ -→ Seja E um ponto do plano e sejam P e R tais que u = EP e v = ER . --------→ -→ -→ Então o vetor soma u + v é o vetor EQ , onde EQ é a diagonal do paralelogramo EP QR. De fato, -------→ -→ u = EP , ---------→ ---------→ --------→ -------→ -------→ -→ -→ -→ v = ER = P Q =⇒ u + v = EP + P Q = EQ . Fig. 16: Adição de vetores como a diagonal de um paralelogramo. Adição de vetores em coordenadas -→ -→ Se u = (α, β) e v = (α0 , β0 ) são dois vetores dados por suas coordenadas em termos de um sistema ortogonal OXY , então K. Frensel - J. Delgado IM-UFF Geometria Analítica - Capítulo 5 82 -→ -→ u + v = (α + α0 , β + β0 ) --------→ -----------→ -→ -→ De fato, pela Proposição 5, u = OP e v = OQ , onde P = (α, β) e Q = (α0 , β0 ). ------------→ -→ Seja Q0 = (a, b) o ponto tal que v = P Q0 . Então, pela Proposição 4, Fig. 17: Adição de vetores em coordenadas. (α0 − 0, β0 − 0) = (a − α, b − β) =⇒ Q0 = (a, b) = (α + α0 , β + β0 ) ------------→ --------→ -----------→ --------→ --→ -→ =⇒ u + v = OP + OQ = OP + P Q0 -------------→ = OQ0 = (α + α0 , β + β0 ). Multiplicação de um número real por um vetor Definição 4 -------→ -→ -→ Sejam v = AB um vetor e λ ∈ R. O produto de λ por v é o vetor -------→ -→ λv = λ AB representado pelo segmento orientado AB 0 , colinear com AB, tal que: • d(A, B 0 ) = |λ|d(A, B); • o sentido de AB 0 é igual ao sentido de AB se λ > 0, e é oposto, se λ < 0. • B 0 = A, se λ = 0. IM-UFF K. Frensel - J. Delgado Geometria Analítica - Capítulo 5 83 Fig. 18: Multiplicação de um vetor por um número real. Observação 4 Note que, --------→ --------→ → → • λ0 = λ AA = AA = 0 ; -------→ --------→ → • 0AB = AA = 0 . → Não confunda: o número 0 (zero) com o vetor nulo 0 . Expressão em coordenadas da multiplicação de um vetor por um número real -→ Sejam λ ∈ R e v = (α, β) um vetor. Então, -→ λ v = λ (α, β) = (λα, λβ) -----------→ ---------→ ---------→ --→ -→ Ou seja, se v = OP , então P = (α, β) e λv = λOP = OP 0 , onde P 0 = (λα, λβ). De fato, temos: • O, P e P 0 são colineares, pois pertencem à reta r : βx − αy = 0. p • d(O, P 0 ) = |λ| α2 + β2 = |λ|d(O, P ). • P e P 0 estão ambos à direita ou à esquerda de O (origem) sobre a reta orientada r se λ > 0, e estão em lados opostos se λ < 0. K. Frensel - J. Delgado IM-UFF Geometria Analítica - Capítulo 5 84 Fig. 19: Coordenadas do produto λ(α, β). Exemplo 3 -→ -→ Dados os vetores u = (1, −1) e v = (3, 1), determine → --→ -→ a = 2u + v , → --→ -→ b = u + 2v , -1→ → → -c = b −a . 2 Solução. Temos → --→ -→ a = 2u + v IM-UFF → --→ -→ b = u + 2v = 2(1, −1) + (3, 1) = (1, −1) + 2(3, 1) = (2(1), 2(−1)) + (3, 1) = (1, −1) + (2(3), 2(1)) = (2, −2) + (3, 1) = (1, −1) + (6, 2) = (2 + 3, −2 + 1) = (1 + 6, −1 + 2) = (5, −1) . = (7, 1) . K. Frensel - J. Delgado Geometria Analítica - Capítulo 5 85 → c = = -1→ → -b −a 2 1 (7, 1) − (5, −1) 2 = − (5, −1) 7 1 − 5, − (−1) 2 2 3 3 − , 2 2 = = 7 1 , 2 2 . Fig. 20: Exemplo 2. K. Frensel - J. Delgado IM-UFF