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MÍDIA, VIOLÊNCIA E SISTEMA PENAL: O CASO DO JORNAL
DIÁRIO GAÚCHO1
Gustavo Ronchetti
Promotor de Justiça
Mestre em ciências criminais
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS GERAIS
A superexploração de fatos violentos e negativos
pela imprensa, inclusive na forma de jornalismo-espetáculo, encontra
explicação na necessidade de satisfazer os imperativos mercadológicos.
Afinal, a informação é produto de consumo e os fatos violentos e negativos
seduzem. Conforme J. Galtung e M.H. Ruge, citados por Teresa Cristina da
Costa Neves (2001, p. 4), a exploração de fatos violentos e negativos pela
imprensa, inclusive através do denominado jornalismo-espetáculo, encontra
quatro explicações: (1) há uma assimetria básica ente o positivo, que é difícil
e demorado, e o negativo, mais fácil e rápido; (2) as más notícias são menos
ambíguas, sendo mais simples de obter consenso sobre seu caráter negativo;
(3) a construção jornalística de fatos negativos encontra maior consonância
com algumas das pré-imagens contemporâneas; e (4) as notícias negativas
são mais inesperadas, raras e imprevisíveis do que as positivas.
Muniz Sodré (2001, p. 3) afirma que, do ponto de
vista dramático, a violência é um recurso de economia discursiva: o soco ou
o tiro do herói no vilão poupa o espectador de longas pregações morais
contra o mal. É uma elipse semiótica com grande poder de sedução.
Mas, afinal de contas, de onde se origina o prazer
pelo fato violento? Por que a violência seduz? Muniz Sodré responde: “do
desejo comum aos homens de fazer mal uns aos autores- é a resposta clássica
dada por Hobbes -, na medida em que todos disputam um mesmo objeto, que
é o poder. Como gladiadores, os indivíduos correm para a morte, matando-se
mutuamente. Daí derivaria o prazer, muito forte, de assistir ao perigo ou à
morte dos outros, de tornar-se sofrimento alheio”.
1 Artigo originariamente publicado no livro Diário Gaúcho – Que discurso, que
responsabilidade social?, Pedrinho Guareschi e Osvaldo Biz – orgs., Ed. Evangraf, Porto
Alegre, 2003.
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Especificamente em relação ao jornalismo popular,
Otávio Frias Filho (2001/2002, p. 7) sustenta que a atração pela violência
talvez tenha explicação com o fato de que no ambiente popular qualquer
pessoa está mais exposta a seus abismos. Ou seja, “a constatação de que a
tragédia aconteceu com outro, que foi `estraçalhado´numa rixa ou matança
qualquer, e não com o leitor, possivelmente responde por algum efeito de
catarse e alívio psicológico”.
Nas palavras de Rosa Nívea Pedroso (2001, p. 51),
“na leitura da notícia excepcional, grotesca, erótica, violenta, o leitor libera a
fisionomia própria dos seus sonhos, desejos, temores e horrores”.
Além da relevância mercadológica, a notícia
jornalística sobre a violência tem especial significado para a criminologia.
Sustenta Raul Cervini (2003, p. 30) que, conforme o
Comitê Europeu sobre Problemas da Criminalidade, uma das presunções
básicas de muitos estudiosos do Direito, sociólogos, filósofos e legisladores
é que em uma sociedade que funciona adequadamente é de esperar que haja
um alto grau de congruência entre a lei e a consciência legal da população.
Por isso se menciona, invariavelmente, a enorme importância que tem a
opinião pública nos processos de criminalização e/ou descriminalização.
Lamentavelmente também o mesmo órgão comunitário registra que os
estudos sobre o conhecimento e atitudes da população demonstram que essa
opinião pública não se constrói livremente. A partir dos estudos
criminológicos do interacionismo simbólico e em numerosos trabalhos na
área da criminologia se tem ressaltado o peso substancial dos meios
conformadores da opinião pública no processo de criminalização.
Conclui o autor que os meios de comunicação de
massa, com sua imagem deformante da criminalidade real, são os principais
responsáveis pela produção ou reprodução do temor ao delito, estilos
agressivos de comportamento e agravação das leis existentes.
Zaffaroni (1987) ensina que os meios de
comunicação são hoje elementos indispensáveis para o exercício de todo o
sistema penal, pois permitem criar a ilusão desse mesmo sistema, gerar
demandas ao direito, difundir os discursos justificadores, induzir os meios no
sentido que se deseja e o que é mais grave reproduzir os fatos conflitivos que
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servem a cada conjuntura. A criação da ilusão dos sistemas penais se produz
– assinala o professor argentino – tanto a nível transnacional como nacional.
A nível transnacional, a introjeção do modelo penal
como pretendido modelo de solução dos conflitos, se obtém desde idade
infantil através da chamada “comunicação de entretenimentos” plasmada
classicamente nas numerosas séries policiais importadas. Esse material logra
efeitos diversos e complementares, entre outros: cria demandas de rol
dirigidas aos membros das agências penais nacionais que nada tem a ver
com sua realidade, gera certa sensação ambiental de insegurança cidadã
(potencialmente utilizável internamente em campanhas de lei e ordem),
promove a deterioração de determinados valores vinculados aos Direitos
Humanos e suas garantias, e um enfoque maniqueísta da realidade.
Em nível de conjunturas nacionais, os meios de
comunicação de massa são os encarregados de gerar a ilusão de eficácia do
sistema penal ou a sensação de desamparo da população, conforme o caso.
Entre os instrumentos empregados, temos: campanhas de distração, por meio
dos quais alguns meios procuram focalizar a atenção da opinião pública em
fatos desviados isoladamente, para desenvolver o centro de interesse da crise
estrutural política e econômica; campanhas conformadoras do estereótipo do
criminoso, sobre a base do homem jovem marginalizado e as muitas
conhecidas campanhas da lei e ordem .
Conclui Zaffaroni (1989, p. 133) que por intermédio
das referidas campanhas de lei e ordem se canaliza o sentimento de
insegurança pública quando o poder das agências está ameaçado, ou quando
está próximo uma quebra institucional e se procura gerar a necessidade de
“ordem e segurança”, qualidade que se auto atribuem os regimes com
vocação totalitária, pelo sensível expediente do desaparecimento das
notícias”. Indica também que estas campanhas costumam recorrer a
determinados estímulos comunicacionais complementares e convergentes ao
mesmo fim, entre outros: a invenção da realidade (distorção por aumento de
espaço destinado a página vermelha, reiteração de notícias, estatísticas
cumulativas de estado de risco público, focalização de supostas áreas
ecológicas de risco, etc); profecias que se auto realizam, através da
instigação pública a cometer delitos mediante meta mensagens: a
impunidade é absoluta; os menores podem fazer qualquer coisa; os presos
entram por uma porta e saem por outra; os juizes são débeis, etc.; indignação
moral, instigação a auto defesa, glorificação dos justiceiros, vigilantes,
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vingadores e os tristemente célebre esquadrões da morte. Enfim, a
dramatização da violência acaba gerando reações irracionais, onde cadeia
passa ser a solução milagrosa para os problemas da sociedade. Na falta de
prisão, justiça pelas próprias mãos, um linchamento ....
Nilo Batista (1993, p. 99) identifica princípios
caracterizadores do mercado da informação sobre a violência: 1) princípio da
verdade originária. Assinala este autor que a primeira notícia de um
periódico sobre um fato criminoso que ele mesmo investigou ou que divulga
com exclusividade, se constitui um dogma, matriz e fio condutor de toda a
informação seguinte; 2) princípio da progressividade. Significa que a
violência progressiva (continuada, organizada) vende mais que a violência
episódica (individualizada ou circunscrita). Sempre que seja possível os
casos isolados devem ser articulados em um contexto de progressividade;. 3)
princípio da plus valia da violência impune. O caso criminal imediatamente
resolvido merece menos espaço que aquele pendente de resolução; 4)
princípio da manipulação estatística. As estatísticas deverão sempre e
necessariamente confirmar as hipóteses de insegurança generalizada e
inoperância do aparto de controle formal.; 5) princípio da ineficácia do
Estado. A violência social deverá ser atribuída sempre à ineficácia do Estado
e jamais se deve converter em objeto de discussão à própria organização
social; 6) princípio da credibilidade imediata do terror. Na cobertura
jornalística de um caso policial, o espaço outorgado a uma testemunha será
diretamente proporcional à mensagem atemorizante que ela contenha; 7)
princípio do estereótipo criminal. A criminalidade se concentra em
determinada classe social e racial.
REFERÊNCIAS METODOLÓGICAS
Violência e mídia apontam necessariamente para o
jornalismo popular, ou seja, comunicação dirigida especialmente para as
camadas de baixa renda e baixo nível cultural, sendo rotulada por uma
tendência de publicação de matérias sensacionalistas, explorando
predominantemente e violência e o sexo.
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O Diário Gaúcho foi lançado pelo Grupo RBS no
ano 2000. Trata-se de tablóide direcionado ao público popular da Grande
Porto Alegre (classes B2, C e D), atingindo 76% do mercado ao qual é
destinado. Possui quase um milhão de leitores e é atualmente o jornal mais
lido na Grande Porto Alegre.2
Intitulada Ronda Policial, a seção policial do Diário
é composta, normalmente, pelas três ultimas páginas internas do tablóide. A
utilização de recursos como fotografias, mapas, esquemas e gráficos é
comum. Conforme pesquisa publicada pela RBS1, a seção policial do Diário
está entre as três mais lidas do jornal.
Diante deste quadro, o estudo que segue é uma
tentativa de analisar a reportagem policial do Diário Gaúcho a partir da
influência da mídia na criminologia. Serão analisadas notícias veiculadas
pelo jornal no mês de maio de 2003 e que, na visão do autor, são
representativas do perfil da seção policial do tablóide.
A partir do estudo das informações foi possível
estabelecer e nomear categorias que caracterizam as reportagens. As
categorias são: 1) caos da informação; 2) sensacionalismo; 3) demonização
das drogas; 4) maniqueísmo e 5) disseminação do medo.
ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES
A capa do Diário, intencionalmente, mistura
manchetes e fotografias num verdadeiro nonsense.
A edição do dia 6 de maio de 2003 é emblemática: a
manchete “OUTRO INCÊNDIO: E MEDO CRESCE EM SAPUCAIA” está
localizada na parte central da capa, ao lado de fotografia sugerindo madeiras
queimadas. Imediatamente acima da manchete, o subtítulo “CARROS,
CAMINHOES E ORELHÕES JÁ FORAM QUEIMADOS”. Na parte
superior está estampada a fotografia de um cidadão negro; ao lado a
2 Informações contidas no site www.rbs.com.br
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manchete “O MENINO DE RUA QUE VIROU DESEMBARGADOR” e o
subtítulo “LIÇÕES DE VIDA”. Na parte superior esquerda da página, a
chamada para os prêmios oferecidos pelo jornal (o leitor deve recortar e
juntar selos para ganhar prêmios). Logo abaixo, a manchete “TITE FAZ
MISTÉRIO, MAS ESTÁ A UM PASSO DO SÃO PAULO” e fotografia do
então treinador do Grêmio. Ao lado, fotografia de uma pessoa e a manchete
“RODOVIÁRIO MORTO DURANTE ROUBO DE VALESTRANSPORTE”. Na parte inferior, fotografia de mulher semi-nua e a
manchete “A SABRINA QUE O ´BIG BROTHER NÃO MOSTROU´”
Sem dúvida, o verdadeiro nonsense da capa, que
mistura violência, mulher em pose erótica, futebol, distribuição de prêmios e
chamada para a reportagem do menino que “venceu na vida” (quadro “lição
de vida”) longe está de ser mera coincidência. Faz, sim, parte da linha
editorial do jornal. É o verdadeiro “caos da informação”. Conforme o
Projeto Editorial 97 da Folha de São Paulo3, “em meio à balbúrdia
informativa, a utilidade dos jornais crescerá se eles conseguiram não apenas
organizar a informação inespecífica, aquela que potencialmente interessa a
toda pessoa alfabetizada, como também torná-la mais compressível em seus
nexos e articulações, exatamente para garantir seu trânsito em meio à
heterogeneidade de um público fragmentário e dispersivo”.
Em realidade, o Diário, longe de organizar a
balbúrdia informativa, recria o caos.
Tal critério editorial, repita-se, não é aleatório. Há
planejamento e método. Conforme Ciro Marcondes Filho, citado por Sylvia
Moretzsohn (2000, p. 319), “a lógica da imprensa no capitalismo é
exatamente desorganizar qualquer estruturação racional da realidade, e jogar
ao leitor o mundo como um amontoado de fatos desconexos e sem nenhuma
lógica interna. Ao lado das manchetes, que advertem sobre o pânico (da
classe dominante) diante dos saques a estabelecimentos comerciais, do
aumento insistente dos assaltos, das greves, da indisciplina civil, do
terrorismo, convivem pacificamente manchetes sobre vedetes, novos
casamentos de artistas de TV, sobre como ganhar na loto, ou sobre a vitória
arrebatadora do time de futebol. Sem essa miscelânea, a imprensa,
3
Texto disponível no endereço eletrônico www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc170809.htm e
publicado no jornal Folha de São Paulo de 17 de agosto de 1997.
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organizada como empresa lucrativa, não teria sobrevivência comercial. A
mesma lógica, acompanha o jornalismo radiofônico e televisionado”.
Os assuntos trazidos na capa da edição do dia 6 de
maio de 2003 – mulher erotizada, violência, futebol, lição de vida através do
caso do menino de rua que virou juiz, distribuição de prêmios – dizem
respeito diretamente aos sonhos, temores, desejos e horrores do público
leitor do jornal. Afinal de contas, “a projeção no sósia, personagem do fato,
permite a expulsão fora de si dos sentimentos de medo, mal, fatalidade,
violação de tabus e leis, que estão obscuros em si. A leitura, participação
nesse universo de faz-de-conta, permite: uma fuga, mesmo que passageira,
da monotonia do cotidiano, sem emoções trágicas ou fortes; uma trégua nas
preocupações; um relaxamento das tensões e expressões do dia-a-dia; uma
experimentação de emoções sádicas ou eróticas” (Pedroso, 2001, p. 51).
Quanto à manchete do menino de rua que virou
desembargador, trata-se da lógica da ascensão dentro do sistema. Não há
lugar para todos, porém alguns conseguem vencer. Ora, se o menino
consegue vencer, porque eu não conseguiria? Ou seja, o sistema não é tão
ruim.
A principal reportagem da edição do dia 16 de maio
de 2003 é exemplo de sensacionalismo, aqui entendido como “modo de
produção discursiva da informação de atualidade, processado por critérios de
intensificação e exagero gráfico, temático, lingüístico e semântico, contendo
em si valores e elementos desproporcionais, destacados, acrescentados ou
subtraídos no contexto de representação e construção do real social”
(Pedroso, 2001, p. 52).
Refere, textualmente, a principal manchete da capa:
“EXAME ACUSA COCA NA URINA DE MOTORISTA”. O subtítulo
informa: “CINCO MORTES POR ATROPELAMENTO NA BR-290”.
Diante da manchete, seria esperado que a
reportagem informasse o significado do resultado do exame para o
esclarecimento do caso. Afinal de contas, a manchete facilmente induz o
leitor a interpretar que o motorista consumiu cocaína e que o acidente
ocorreu em razão de tal conduta. Contudo, a matéria (p. 30) não trouxe
nenhuma linha esclarecendo a questão. Portanto, o leitor não foi esclarecido
acerca da origem da coca encontrada na urina do motorista; também não foi
esclarecido a respeito do aspecto temporal, ou seja, quando houve a ingestão
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da droga; também não foi esclarecido acerca da relevância do resultado do
exame para o deslinde do caso. Conforme a reportagem, o exame foi
divulgado no dia anterior. Assim, considerando a necessária “velocidade da
informação”, a manchete foi veiculada de forma descontextualizada,
induzindo o leitor a acreditar que o motorista tenha consumido cocaína e que
tal conduta tenha tido relevância para o evento final (morte de cinco
pessoas). Com efeito, não haveria como se aferir em tão exíguo tempo a
relevância da informação para o esclarecimento do fato. Porém,
considerando que a notícia é mercadoria; considerando que a notícia sobre
violência vende; e considerando que o que impera é a velocidade (“furo de
reportagem”), a “informação” foi publicada sob manchete claramente
sensacionalista.
Pode-se afirmar que a notícia jornalística encontra
proteção constitucional – liberdade de expressão e informação – quando
provida dos atributos de veracidade e relevância pública ou interesse geral.
No caso discutido, a informação é veraz (existência
do laudo). Contudo, o atributo relevância pública ou interesse geral não foi
esclarecido pela matéria. Ora, só haveria interesse público na notícia a partir
da demonstração da vinculação do resultado do exame com o acidente. Ou
seja, o interesse público no caso reside no esclarecimento das causas do
acidente. E, repita-se, tal vinculação não foi demonstrada pela matéria.
Em relação ao caso, o jornal Zero Hora,
posteriormente, noticiou que o acidente teria sido ocasionado por um defeito
de fabricação de uma barra que dava estabilidade ao caminhão (edição de
07.07.2003, p. 34).
Outro dado que pode ser extraído da reportagem é a
questão da demonização das drogas.
Matérias sobre drogas são corriqueiras na crônica
policial do Diário. Tais matérias, não raro, demonizam as drogas, sugerindo
o estigma: eles, os usuários e/ou traficantes; nós, os bons.
Com efeito, na matéria sobre as mortes por
atropelamento, o Diário, ao induzir no leitor a existência de relação entre a
droga e as mortes, contribui para estigmatizar o consumidor de droga. Afinal
de contas, “mais uma vez a droga é a responsável pela tragédia”. Assim, a
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idéia a ser transmitida é a da exclusão, da segregação, ou seja, se a droga é
responsável pela tragédia, o consumidor e/ou traficante deve ser punido e
excluído da sociedade, independentemente das causas do consumo ou
tráfico.
Na edição conjunta dos dias 10 e 11 de maio de
2003, a manchete principal de capa é a seguinte: “MÃE DENUNCIA
TRAFICANTES E SALVA FILHO”. Conforme o subtítulo, “CORAGEM E
REVOLTA LEVAM A DECISÃO DRAMÁTICA”.
A reportagem induz à idéia de que a droga é a
responsável pela situação do filho. Novamente a estigmatização e a
demonização da droga e do usuário.
A dualidade maniqueísta entre “cidadãos de bem” e
“bandidos” é visível no Diário.
Veja-se que na edição do dia 26 de maio de 2003, a
principal manchete de capa do Diário referia: “POLICIAL REAGE E
MATA DUPLA DE ASSALTANTES”. A linguagem do subtítulo é
intrigante: “AGENTE AGUARDOU MOMENTO CERTO E CONTRAATACOU”. Na reportagem (p. 21), o jornal traz esquema gráfico com base
no relato da vítima. A imagem da vítima é mostrada através de uma
caricatura estilizada. O que chama atenção é a forma estilizada dos sons
referentes à agressão sofrida pela vítima e aos tiros por ela disparados: no
item 2 do esquema, há referência textual acerca do tapa sofrido pela vítima
encontra-se ao lado de uma pessoa estilizada com a expressão TAP! Mais
abaixo, o texto acerca dos tiros disparados pela vítima está acompanhado de
uma caricatura de pessoa revólver empunhando um revólver e as expressões
BLAM, BLAM.
O esquema gráfico e principalmente as expressões
alusivas aos sons são itens retirados dos desenhos animados. Ou seja, do
irreal, da ficção. A idéia é de que aquelas mortes não foram reais. Assim, a
mensagem do subtítulo da capa pode ser melhor compreendida: o momento
certo é o momento de “matar os bandidos”, porque estas mortes não são
reais, são de ficção. Afinal, não se pode confundir bandido com “cidadão de
bem”.
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Conforme José Augusto Rodrigues (1996, p. 27), “a
relação entre os mass-media e o medo do crime não se resume pura e
simplesmente ao seu aspecto informativo, ou seja, à redução ou ao aumento
da criminalidade socialmente visível. Os meios de comunicação `también
ejercen una gran influencia sobre las representaciones que el publico se hace
de la criminalidad y del delincuente´(Rico, 1991:48), pois as estruturas
narrativas que comandam esses discursos alocam o medo do crime em redes
de significado que atravessam inúmeros campos temáticos da sociedade. E, a
partir do estudo sobre a imagem do delinqüente na imprensa, mostra que os
esquemas explicativos, as imagens relativamente estereotipadas do crime e
do criminoso, retoricamente construídas pelas narrativas jornalísticas para os
seus respectivos auditórios, servem de modelo para os discursos privados
sobre o crime”.
Sobre a questão da mídia e o discurso da lei e da
ordem, pode-se dizer que o Diário possui papel importante na
“disseminação do medo”. Sílvia Moretzsonh (2003, p. 13), ao abordar a
questão da imprensa na formação das “ondas de crime” refere que estudo de
Mark Fishman sobre uma onda de crime contra idosos em Nova Iorque
“constatou de saída os procedimentos de `auto-alimentação´ entre veículos
diversos: os telejornais da manhã fornecem idéias para suítes de edições
vespertinas e noturnas e influenciam a pauta dos jornais impressos, que, por
sua vez, têm na ronda do noticiário radiofônico uma recorrente fonte de
informação”.
Ainda conforme a autora, “rejeitando as perspectivas
de pesquisadores que tomavam o processo de produção do noticiário apenas
como um processo de seleção de notícias – que, portanto, ou refletiram ou
distorceriam a realidade -, Fishman indaga-se até que ponto o processo de
produção de notícias não estaria ajudando a criar essas ondas que os próprios
jornais reportavam. Mas a principal preocupação do autor é com o poder de
multiplicação das noticiais, que geram mais notícias em cascata e efeitos
práticos convenientes para a exploração política: de acordo com a rotina das
redações, as notícias são agrupadas em temas, `conceitos organizadores´, de
modo que, no caso estudado, as matérias sobre idosos talvez não tivessem
merecido atenção se editadas isoladamente, mas ganharam expressão quando
noticiadas em conjunto. Logo, se seguiria um efeito importante: o prefeito
convoca uma coletiva para `declarar guerra´ aos crimes contra idosos. Outra
conseqüência: a criação de novos procedimentos de registro pela polícia, `o
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que tornou visível, para a imprensa, um grande número de ocorrência
bastante comuns´”.
Manchetes das edições dos dias 3/4, 5, 6, 21 e 24 de
maio aludem a verdadeiro quadro de terror em municípios da grande Porto
Alegre. “Violência em Sapucaia do Sul/Esperança por mais segurança”;
“Incendiários voltam a atacar em Sapucaia/Um desafio aberto à policia”;
“Outros incêndio: e medo cresce em Sapucaia”; “Outro incêndio em
Sapucaia/Medo e mistério”; “Rotina de assaltos em Alvorada/Violência na
região metropolitana”; “Escola visitada por larápios pela 12º vez/A praga
dos arrombamentos” são manchetes que criam a sensação de medo, o que
acaba justificando medidas como pôr mais policiais nas ruas, criar novas
leis, enfim, aumentar o poder criminalizante do Estado. Nenhuma das
reportagens discute as verdadeiras causas da violência. Aliás, o resumo da
notícia da p. 25 da edição do dia 5 de maio é significativo: “Comerciantes e
fornecedores da Vila Esperança sofrem com os constantes assaltos e
aguardam uma solução por parte da Brigada e Polícia Civil”.
A reportagem sobre a violência em Sapucaia do Sul
(edição do dia 5 de maio de 2003, p. 25) demonstra o evidente excesso do
jornal ao explorar o pânico. A matéria assim inicia: “Esperança. Este não é
apenas o nome de uma vila de Sapucaia do Sul, mas também o sentimento
dos moradores e comerciantes de lá. Todos aguardam ansiosos por mais
segurança. As conversas de esquina se resumem em contar como foi o
último ataque e quem foi o prejudicado”. A idéia de que “todos aguardam
por mais segurança”, evidentemente, é um exagero do jornal. Ou foi
realizado um levantamento estatístico para justificar a afirmação?
A “estatística” realizada pelo jornal para sustentar a
informação consiste na entrevista com quatro moradores e no depoimento do
comandante da Brigada Militar. Convenhamos, é pouco, muito pouco. Afinal
de contas, todos aguardam ansiosos por mais segurança.
Não é sem razão que Muniz Sodré afirma que um
dos princípios da informação sobre violência é a manipulação estatística. No
caso, a “estatística” utilizada pelo jornal tem como base singelos dados
empíricos (quatro entrevistas).
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CONCLUSÃO
Conforme Luís Augusto Generali, gerente geral do
Diário Gaúcho, o jornal “não é sensacionalista, apenas conta o que acontece
– a realidade -, bem como as providências das autoridades”.
A afirmação do gerente do Diário traz à baila o velho
debate sobre a possibilidade da objetividade absoluta do conhecimento. Ora,
se o Diário apenas conta o que acontece, então está acima do bem e do mal.
Afinal de contas, como criticar um jornal que apenas “conta a realidade”?
Olvidou o gerente
do Diário que a subjetividade presente no processo
de apreensão
dos fatos evidencia que o jornalismo não é o discurso da realidade, mas um
discurso sobre a realidade.
O discurso sobre a realidade contado pelo Diário é
caracterizado pela lógica do mercado (notícia = mercadoria) e pela
disseminação do medo e do pânico, o que acaba servindo para a elaboração
de políticas cada vez mais repressivas de segurança pública. É o discurso da
lei e da ordem.
A “realidade” trazida pelo Diário é, sem dúvida, por
demais simplista. Nenhuma reportagem discute a fundo a problemática da
violência. Explorar o medo e o pânico; estigmatizar o drogado e demonizar a
droga; chamar a atenção da notícia através de manchete descontextualizada.
O discurso serve para legitimar ação mais repressiva dos órgãos de
segurança. E só. Afinal de contas, conforme sustenta Alberto Silva Franco
(2000, p. 62) “a área de significado do conceito de violência é bem mais
abrangente do que a criminalidade. Violência é a terrível faixa de excluídos,
na sociedade brasileira; é a concentração de riquezas em poder de um
número tão reduzido de pessoas; é a fome; é a miséria; é o salário aquém das
necessidades básicas mínimas; é a prostituição infantil; é o elevado
percentual de acidentes de trabalho; é o privilégio das corporações; é, enfim,
a ausência de adequadas políticas públicas”.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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14
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Deslegitimación y Dogmática jurídico penal. Buenos Aires, Ediar, 1989.
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