A PERCEPÇÃO DE DETENTOS SOBRE OS FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A CONTUNUIDADE DOS ATOS INFRACIONAIS André Luis Gomes1 Daniele Ruela de Carvalho1 Andréa Fonseca da Silva1 Adriana de Souza Lima Coutinho2 Maria das Dores Saraiva de Loreto3 Juliana de Aguiar Berger4 Rua Adelino Martins Azevedo, 176 B. São Sebastião Viçosa Minas Gerais CEP 36570000. Telefone: 31 88720495 [email protected] 1. INTRODUÇÃO O aumento da criminalidade, sobretudo nas duas últimas décadas, é um fator percebido em vários países, inclusive no Brasil. Com isto, a situação dos presos e das prisões a cada dia complica-se mais, devido, por exemplo, à superlotação. Evidências demonstram que grande parte dos crimes cometidos ocorre devido à necessidades materiais, como roubos, assaltos e tráfico de drogas, bem como pela ausência ou falta de vínculos sociais (MONTEIRO, 2008). Em todo país tem ocorrido uma combinação de matrizes criminais, destacando-se o tráfico de armas e de drogas. É a dinâmica que mais cresce nas regiões metropolitanas brasileiras, influindo sobre o conjunto da criminalidade. Segundo Versiani (2008) e Soares (2006), o Brasil passou de uma taxa de 11,4 vítimas de homicídios, por cada 100 mil habitantes, em 1980, para 29,1 vítimas, em 2003; sendo que, para jovens negros, moradores de periferia e favelas das grandes cidades, essa taxa subiu para 102,3 vítimas. 1 Graduando em Economia Doméstica pela Universidade Federal de Viçosa Mestranda em Economia Doméstica pela Universidade Federal de Viçosa 3 Pós-Doctor em Família e Meio Ambiente, Profª Associada do Depto de Economia Doméstica, da Universidade Federal de Viçosa, MG. 4 Graduanda em Psicologia pela UNIVIÇOSA 2 Contudo, não é possível explicar o envolvimento com o crime apenas pelo aspecto econômico-social. Para Silva e Rossetti-Ferreira (2002), o envolvimento ou não com atos infracionais depende de diversos fatores, além do econômico e social, tais como as redes de significações, compreendidas como as relações entre os indivíduos, assim como o conjunto de elementos orgânicos, físicos, sociais, econômicos e ideológicos, que se interagem compondo uma rede. Ainda para as autoras, pressupõe-se que a característica humana básica é a imersão da pessoa em um mundo simbólico, em um processo social contínuo de construção de significados e de si próprio enquanto pessoa, considerando experiências passadas, percepções do momento e projeção de perspectivas futuras. A partir dessa concepção, considera-se que na relação indivíduo-meio, ocorre um movimento de co-construção, onde simultânea e reciprocamente pessoa e meio se constituem, através de um processo de significação, mediação e, portanto, negociação, que permeiam o movimento tanto da continuidade como descontinuidade com atos infracionais, ao longo da vida de uma pessoa. Neste contexto, o objetivo deste estudo foi identificar os fatores que dificultam aos indivíduos que cumprem pena privativa de liberdade para a saída do mundo do crime, visando compreender como os componentes individuais e as características das relações com as redes de significações estruturam o envolvimento e a continuidade com os atos infracionais. 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O método escolhido para o desenvolvimento desta pesquisa foi o estudo de caso, por ser considerado como um dos métodos mais relevantes para a pesquisa qualitativa, uma vez que pressupõe uma investigação mais detalhada do fenômeno dentro do seu contexto real, buscando retratar a realidade de forma profunda e completa. De acordo com Becker (1994), o estudo de caso busca chegar tanto a uma compreensão abrangente dos atores sociais quanto ao desenvolvimento de declarações teóricas mais gerais sobre regularidade do processo e estruturas sociais. Logo, este é um estudo de natureza exploratória e descritiva, em que se procurou caracterizar e analisar os fatores que contribuem para a permanência no mundo do crime. Para tanto, tomamos como objeto de estudo recuperandos5, que cumprem pena privativa de liberdade na Associação de Proteção e Assistência ao Condenando – APAC - de Viçosa MG, 5 Maneira como o presidiário é tratado nas APACs, identificando que todo criminoso é passível de recuperação. que é uma entidade civil de Direito Privado, com personalidade jurídica própria, dedicada à recuperação e reintegração social dos condenados. A população da APAC em Viçosa é constituída por 33 recuperandos distribuídos em diferentes regimes: aberto, semi-aberto e fechado. Segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG - (2006), o regime fechado busca a melhoria da auto-imagem do detento, fazendo aflorar os valores intrínsecos do ser humano. Por outro lado, no regime semi-aberto, cuida-se da formação de mão-de-obra especializada; enquanto que no regime aberto, o trabalho tem o enfoque de inserção social, já que o recuperando presta serviços à comunidade, podendo trabalhar fora da instituição. A pesquisa em questão concentrou-se no regime fechado, especificamente com 13 recuperandos (39,39%), embora se tenha trabalhado com sete recuperandos que progrediram para o regime semi-aberto, no decorrer da pesquisa. Para a coleta de dados, foram utilizadas as técnicas de pesquisa documental; observação participante e entrevistas semi-estruturadas coletivas. A análise destes dados se deu por meio da transcrição das entrevistas, juntamente com relatos das observações, feitas pelos pesquisadores na instituição. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES Foi possível, compreender algumas das diversas especificidades implicadas na questão da criminalidade, dentre elas, a existência de diferentes tipos de envolvimento e de continuidade no mundo do crime. E, a partir desta rede de fatores, é possível pensar, como ressaltam Silva e Rossetti-Ferreira (2002), no desenvolvimento multifacetado das redes, em que todos os participantes e situações se interagem de maneira recíproca, onde os vários níveis de ambientes são interligados entre si, apreendendo de forma sistematizada o processo de significação e de produção de sentidos. A partir da análise dos dados, pôde-se perceber que, na visão dos recuperandos, os fatores sociais, como a miséria, o uso de drogas, família desestruturada, más companhias, necessidades insatisfeitas dentre outros, influenciam a criminalidade, como também a falta de espiritualidade e o descontrole emocional. Nesse sentido, de acordo com os relatos dos recuperandos, com relação aos fatores de risco, entre os mais recorrentes, encontram-se aqueles associados à influência da baixa renda familiar e composição numerosa da família, como relatado no depoimento a seguir: “O que influenciou um pouco foi a situação, eu era novo, eu tinha 16 para 17 anos e meus irmãos tudo pequeno né, duas irmãs e um irmão, e meu irmão mais velho que estava no exército na época, a situação era ruim. Aí eu vi eles passando fome, 3 dias sem comer nada, 4 dias sem comer nada, aí um dia fui na casa de uma pessoa e perguntei se ela podia me arrumar uma cesta básica. Ele falou assim: Oh, cesta básica eu não te arrumo porque eu não tenho, mas tenho um revolve aí que está carregado, eu te dou umas dez balas e você vê o que você faz. Aí eu fui fazer, para ajudar a minha família, meus irmãos que estavam tudo passando fome”. (Recuperando 01) Outros fatores de risco apontados pelos recuperandos estão relacionados às redes de significações, tais como aqueles associados às manifestações de poder e ausência de diálogo, em termos de: disciplina familiar severa, violenta e inconsistente; conflitos familiares, ausência de monitoramento e supervisão das atividades dos filhos; além de relacionamento e envolvimento parental precário, dentre outros. “Já, quando eu comecei a usar droga meu pai sempre usava droga, meu pai começou a se envolver com o tráfico de droga, aí eu achei uma maconha, eu experimentei e gostei né, aí eu comecei a traficar também e num deu vontade de parar não né”. (Recuperando 02) Também estão associados às práticas criminais, características, como personalidade ousada associada a um baixo índice intelectual; bem como as influências dos pares por fornecerem motivações, atitudes e oportunidades para o engajamento no crime. Contatou-se também, uma associação dos fatores de risco com as variáveis demográficas, como classe social, educação dos pais, renda familiar e ocupação, uma vez que a maioria dos recuperados entrevistados é de classe social baixa, moradores de áreas periféricas das cidades, estando o nível de escolaridade de seus pais concentrado no ensino fundamental, ocupando serviços mal remunerados. Outro fator agravante para a continuidade no mundo do crime é ressaltado por Assis (2008), que identifica o estigma de ex-presidiário e o desamparo das autoridades em relação a reinserção social, como fatores que contribuem para a permanência no mundo crime, uma vez que fazem com que o egresso do sistema carcerário torne-se excluído no meio social. Esse fato foi identificado nos depoimentos, uma vez que alguns recuperandos, que já haviam cumprido pena privativa de liberdade, alegaram que continuaram no mundo do crime e foram presos novamente por falta de oportunidades, principalmente devido à visão negativa que a sociedade tem acerca do ex-presidiário, que muitas vezes é estigmatizado como bandido e marginal, entre outros. 4. CONCLUSÃO A partir deste estudo constatamos que muitos dos fatores relacionados à continuidade do envolvimento no mundo do crime estão ligados à rede de significação dos infratores, uma vez que os fatores pessoais e sociais influenciaram o comportamento infracional, tais como: miséria; uso de drogas; abandono pela família; más condições de habitação; relacionamento conflitante com outras pessoas, dentre outros. Cabe destacar que identificamos ainda o preconceito vivenciado pelos detentos como fator que contribui para a dificuldade de abandono do mundo do crime, já que os mesmos acreditam que a marca de ex-presidiário estará presente pelo resto de suas vidas, acarretando dificuldades na reintegração social e inserção no mercado de trabalho. Nesse sentido, concluímos que para que o detento tenha possibilidade e oportunidade de abandonar o mundo do crime, novas redes de relacionamentos e significação deverão ser construídas em substituição às redes antigas, com ênfase nas redes familiares e comunitárias. REFERÊNCIAS ASSIS, R. D. A realidade atual do Sistema Penitenciário Brasileiro. 2007. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos> Acesso em 13/01/2008. BECKER, H.S. Métodos de pesquisa em Ciência Sociais. Tradução: Marco Estevão e Renato Aguiar. São Paulo: Hucitec, 1994. 178 p. DINIZ, M. Quando o Lixo sente dor. 2006. Disponível em: <www.vermelho.org.br> Acesso em: 08/01/2008. MONTEIRO, I. M. G. APAC e Cidadania.Disponível em: <http://www.apacitauna.com.br/pages/principal.htm>. SILVA, A. P. S.; ROSSETI-FERREIRA, M. C. Continuidade/Descontinuidade no envolvimento com o crime: Uma discussão crítica da literatura na psicologia do desenvolvimento. Psicologia: Reflexão e crítica. Porto Alegre, V.15, n. 3, 2002. SOARES, L. E. Segurança Pública: Presente e futuro. In: Estudos Avançados. São Paulo, v.20, n.56, 2006. TJMG. Projeto Novos Rumos na Execução Penal. Belo Horizonte: TJMG, 2006. VERSIANI, I. Distribuição de Renda no Brasil é a segunda pior do mundo. Disponível em: <www.skyscrapercity.com/archive/index.php?t-219405.htm> Acesso em 20/01/2008.