Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho, Ano 19, nº 31, 2014, 131-158 O emprego doméstico no Brasil em números, tensões e contradições: alguns achados de pesquisas Jurema Brites, Felícia Picanço Introdução O trabalho doméstico remunerado no Brasil reproduz um traço perverso e ambíguo comum a outras experiências nacionais: ao mesmo tempo que absorve e retém as mulheres, em especial, as mais pobres, negras e menos escolarizadas, é, também, fundamental para a liberação de outras mulheres para o ingresso no mercado de trabalho. Enquanto experiência “quase universal”, o quadro é explicado pela desvalorização das tarefas reprodutivas do âmbito doméstico e do trabalho manual; elevada adesão aos papéis tradicionais de gênero, que responsabilizam as mulheres pela execução dos trabalhos de cuidado e reprodução social da família; escassos aparelhos e políticas públicas de apoio à conciliação entre família e trabalho remunerado (Hirata e Kergoat, 2008; Sorj, Fontes e Machado, 2007; dentre outras). E, no que há de específico da experiência brasileira, ressalta-se a persistência das consequências de uma sociedade colonial escravagista e hierarquizada, e da desigualdade social, econômica e educacional, resultado, e resultante, da discriminação racial, de gênero e classe (Mori, Bernardino-Costa & Fleischer, 2011). A primeira regulamentação do trabalho doméstico no Brasil se deu em 1972 com a lei nº 5.859. Nela, ficou definida a especificidade do trabalho doméstico frente ao trabalho em geral – exercido nas uni- 132 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho dades domiciliares e sem geração de lucro para o empregador, portanto @s trabalhador@s doméstic@s1 ficaram sujeit@s a regimes de direitos distintos. No âmbito legal, perdurou por muito tempo uma visão que mesmo na academia era difícil de superar: a noção de que o trabalho doméstico era improdutivo. No âmbito da produção acadêmica feminista, o debate trouxe uma enorme contribuição ao definir que não se trata de atividades produtivas, nem improdutivas, mas sim reprodutivas – localizando-se no centro da existência, sem as quais os seres humanos não podem viver (Dalla-Costa, 1975). Estudos de feministas marxistas questionaram até mesmo a teoria do valor e hoje demonstram que o trabalho doméstico não pago mascara uma importante parte da mais-valia produzida (Gutiérrez-Rodriguez, 2010; Vega, 2009). A atenção dos movimentos sociais prestada à profissão, o engajamento de atores políticos e as análises acadêmicas feministas (Safioti, 1976; Kofes, 1991; Castro, 1993; Ávila, 2009) vêm produzindo mudanças fundamentais desde 1972. O resultado é que, mesmo que tardiamente, em 2013, a legislação foi alterada de forma mais incisiva. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) sobre o trabalho doméstico, implementada em março de 2013, aproximou os direitos d@s trabalhador@s doméstic@s aos direitos dos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis Trabalhista (CLT). @s empregad@s doméstic@s passaram a ter jornada de trabalho fixada em 44 horas semanais em regime de trabalho diurno, com direito ao pagamento de adicional noturno e de hora-extra, horário determinado para as refeições e direito a contrato de trabalho. Ainda tramitam outras mudanças, como o pagamento de FGTS. No entanto, a mudança na constituição ainda não foi plenamente regulamentada. Muitas dúvidas e disputas políticas ainda estão em andamento, entre elas, a mais marcante é a indefinição dos direitos das diaristas, trabalho que no Brasil não é reconhecido por horas, e sim por “vínculos contínuos de contrato”. Como não se define o que seja contínuo, elas ainda permanecem fragilizadas neste processo. Ainda que muitas questões ainda não estejam contempladas, novas realidades vêm despontando, como o recente acordo entre empregad@s e patro@s em São Paulo, que estipula piso para diferentes ocupações do serviço doméstico. O emprego doméstico no Brasil... 133 O trabalho doméstico remunerado (e não remunerado também) é, pois, uma zona de interseção entre classe, gênero, raça e trabalho, e as pesquisas acadêmicas e dos movimentos de mulheres têm lançado esforços para compreender as diversas dimensões do fenômeno. Enquanto a introdução de novas formas de mensuração das pesquisas quantitativas foi determinante para captar a diversificação da configuração do fenômeno, as pesquisas qualitativas têm procurado desvelar as lógicas das interações que envolvem o trabalho doméstico no Brasil. O objetivo deste artigo é explorar o trabalho doméstico remunerado em números, tensões e contradições a partir de três fontes de dados: a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); o survey Família e Papéis de Gênero, fruto da filiação do Brasil ao International Social Survey Programme (ISSP), realizado em 2002; e uma etnografia realizada com patroas e empregadas em 2007. Os dados das PNADs buscam caracterizar @s trabalhador@s doméstic@s, em especial as mulheres, identificar mudanças e apontar permanências, o que permite dizer que, embora ainda responda por uma grande parcela da ocupação feminina, ao longo da última década, o trabalho doméstico remunerado reduziu sua participação percentual entre a população feminina ocupada, assim como se observa um envelhecimento do grupo e melhores níveis educacionais. Mas ainda é majoritariamente um destino das mulheres negras e com baixa escolaridade e resistente a regulamentação, seja pelo baixo percentual de trabalhadores com carteira, seja pelo baixo pagamento de previdência social. Os dados da pesquisa sobre Família e papéis de gênero, por sua vez, oferecem a nós percepções e opiniões acerca dos papéis de gênero das mulheres e homens cujas casas têm empregadas domésticas, em comparação com aqueles cujas casas não têm. Além disso, identificam quais são as tarefas realizadas por mulheres, homens e pelas trabalhadoras domésticas, uma forma de quantificar a distribuição do trabalho doméstico entre os membros da casa. Através dessa pesquisa, estima-se que 7,4% dos domicílios tenham empregadas; e, em geral, são lares de classe média e alta, cujas tarefas de cuidados com a casa e filhos são distribuídas de acordo com o lugar social do seu executor. 134 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho Shelle Colen (1995) nomeou de “reprodução estratificada” um sistema semelhante que identificou em suas pesquisas sobre babás em Nova York. Nesse sistema, as tarefas reprodutivas são distribuídas em termos de hierarquias de classe, raça, grupos étnicos e gênero. A pesquisa etnográfica busca mostrar, então, que esta reprodução estratificada é mantida também por um sistema de “ambiguidade afetiva” entre patro@s e trabalhadoras, sobretudo entre as crianças e suas empregadas (Goldstein, 2000; Brites, 2007). O que permite falar que se trata de um amplo processo de produção e reprodução de desigualdades baseado em trocas afetivas, simbólicas e materiais, aqui chamado de complementaridade estratificada. As empregadas domésticas em números As pesquisas sobre emprego e desemprego produzidas em âmbito nacional pelo IBGE, tais como Censo Demográfico, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e Pesquisa Mensal de Emprego (PME), embora voltadas para mensurar melhor as diferenças entre experiências ocupacionais, não permitem captar as formas mais específicas das ocupações no serviço doméstico. Desse modo, os quadros montados serão sempre discutíveis à luz das críticas que circulam sobre impossibilidade de dar conta de uma realidade que se torna cada vez mais complexa. A PNAD, base escolhida para análise, tem como vantagem a possibilidade de mensurar tendências nacionais e construir comparações por ano. Mas é necessário fazer um breve histórico sobre a mensuração e, ao fazê-lo, acertamos outro alvo: ela nos diz muito sobre como o Estado pensou e pensa @s trabalhador@s doméstic@s. A PNAD foi criada em 1967 e coleta informações sobre migração, educação, trabalho e características domiciliares. O quesito sobre trabalho sofreu algumas mudanças ao longo do tempo, e, para a nossa discussão, vale ressaltar algumas delas. Desde a sua criação, a ocupação era medida por uma classificação própria, que ia sendo reformulada para se adequar às mudanças no mercado de trabalho. Até 1992, @s trabalhador@s doméstic@s eram identificados com código 805 (empregados domésticos). A partir de 1992, houve uma reformulação em duas direções. A primeira foi na ampliação O emprego doméstico no Brasil... 135 dos códigos ocupacionais para empregados domésticos, o que permitiu captar melhor as ocupações específicas, como babás, cozinheiras etc. A segunda foi na variável sobre a posição na ocupação, a qual, além das existentes anteriormente (empregados, conta própria, empregador etc.), passou a distinguir aqueles que se encontravam no trabalho doméstico2. Nos anos 2000, o IBGE adotou uma versão modificada da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), a Classificação Brasileira de Ocupação Domiciliar (CBO-Domiciliar). A CBO é gerida pelo Ministério do Trabalho e é baseada nas classificações internacionais – classifica as ocupações exercidas pelos indivíduos em grupos de acordo com as tarefas realizadas, e cada grupo ocupacional é composto por subgrupos, criando assim níveis de agregação. A CBO-domiciliar é uma versão modificada da CBO voltada para a captação da informação em pesquisas domiciliares, embora adote as ocupações da CBO no nível mais agregado de alguns subgrupos. Ela passou a ser utilizada na PNAD de 2002. Nela, os novos códigos ocupacionais já não distinguem com clareza onde a ocupação é exercida, por exemplo, para a cozinheira seja de um estabelecimento comercial, seja de um domicílio (empregada doméstica), o código (5132) é o mesmo. Além disso, tornou-se mais difícil compreender as tarefas desempenhadas, uma vez que todo trabalhador doméstico que desempenha as tarefas de cuidados ficou reduzido fundamentalmente aos códigos 5121 (empregadas domésticas, faxineiras, diaristas, arrumadeiras, passadeiras, caseiros, jardineiros, dentre outros) e 5162 (acompanhantes de crianças, cuidador de idoso, babá, dentre outros). A saída é a identificação do emprego doméstico através da variável posição na ocupação. O ganho, no entanto, foi o fato de que as PNADs passaram a incluir algumas perguntas específicas sobre @s trabalhador@s doméstic@s, tais como “se trabalhava em mais de um domicílio” e “quantos dias da semana”, oferecendo uma possibilidade indireta para apreender a modalidade de emprego doméstico de diarista. Contrariando algumas informações divulgadas por diversos veículos, @s trabalhador@s doméstic@s remuneradas não estão em queda de forma contínua. Em relação à população ocupada3, em 1993, tínhamos cerca de 4,5 milhões de empregad@s doméstic@s, e chegamos a cerca de 6,5 milhões em 2011 (ver gráfico 1 abaixo). 136 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho Gráfico 1 Número de empregad@s doméstic@s no Brasil 2011 6516996 2008 6507647 6075591 2003 1998 1993 5000448 4574963 Fonte: (Pnads/IBGE, tabulação própria) Em termos percentuais, esse número oscilou muito pouco. Ao longo dos anos 90, observamos a tendência à ampliação da participação do emprego doméstico entre os ocupados, saindo de 7,2% em 1993 e chegando a 7,9% em 2003. A melhora do mercado de trabalho, experimentada no segundo quinquênio dos anos 2000, foi acompanhada de uma pequena, mas simbólica, redução da participação de grupo no total da população ocupada, passando para 7,3%. Essa “quase” estabilidade presente nos percentuais dos anos analisados torna o ano de 2003 atípico, e não necessariamente um sinal da redução da participação do trabalho doméstico no país. Ela indica que, embora um mercado mais aquecido reduza o poder de atração do emprego doméstico, esse tipo de trabalho ainda se coloca como grande absorvedor de mão de obra. Como já é sabido, trata-se de uma categoria majoritariamente feminina e negra (ver Gráfico 2 abaixo). Em 1993, os homens somavam 6,4%, oscilaram entre 7% e 6,5% depois, mas, em 2011, somavam 7,5%, e as mulheres, 92,5% d@s trabalhor@s. Os negros somavam 56,5% em 1993 e passaram, em 2011, para 61%, um aumento que não pode ser explicado facilmente, mas pode ser observado a partir de uma associação entre as desigualdades e discriminações persistentes na sociedade e um fator importante, a entrada de homens negros nessa categoria. O emprego doméstico no Brasil... 137 Gráfico 2 4 Trabalhador@s doméstic@s por grupos de sexo e cor 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 53,1 52,4 53,7 57,1 56,6 MO mn mB ho 40,3 40,4 39,4 35,7 35,4 3,4 3,0 3,7 3,2 3,8 4,0 2,4 4,4 3,0 1993 1998 2003 2008 2011 2,7 hn hB Fonte: (Pnads/IBGE, tabulação própria) Analisando o trabalho doméstico como uma categoria feminina A elevada presença feminina demanda um olhar específico sobre a estrutura ocupacional das mulheres na sociedade brasileira. Inicialmente, cabe apontar que as mulheres, ao longo do tempo, se tornam mais ativas, mas os anos de 1990 e 2000 não fazem parte dessa virada, pois já atingem um certo teto. Em 1993, 47% das mulheres eram economicamente ativas, em 2008, esse número chega 52,2%, e, em 2011, cai para 50,1%, uma taxa que varia segundo algumas características como faixa etária, renda e escolaridade. O teto é explicado pela discriminação no mercado de trabalho, que torna o salário das mulheres pouco atraente, em especial para as mulheres mais pobres, o maior investimento em educação das mulheres mais jovens em idade ativa e a ausência de aparelhos públicos de suporte para a conciliação entre trabalho e família. Não se tem evidências suficientes para atrelar essa redução do percentual das mulheres economicamente ativas à ampliação dos Programas sociais, em especial o Bolsa Família. Entre as mulheres economicamente ativas, a ocupação varia ao longo desse período analisado. Em 1993, 92,2% estavam ocupadas (contando com as ocupadas, mas que estavam afastadas do trabalho), entre 138 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho final da década e começo dos 2000, observa-se uma queda de cerca de 3 pontos percentuais, recuperados em 2008 e 2011, chegando aos 90%. Entre as mulheres ocupadas e que estavam trabalhando na semana de referência em 1993, 18,2% eram trabalhadoras domésticas, um percentual que se mantém estável até 2008, quando observamos pequena redução para 16,6%, chegando a 16,2% em 2011. Ou seja, a redução do emprego doméstico ainda é pequena e se concentra entre as mulheres, certamente em função da conjuntura de ampliação das oportunidades ocupacionais de baixa renda da primeira década dos anos 2000. A última década do Brasil foi caracterizada pela expansão educacional, ampliação do emprego, redução da desigualdade econômica, expansão do consumo por meio do crédito e ampliação do poder aquisitivo das famílias das camadas populares, em um contexto de maior aproximação simbólica entre as classes sociais, em especial as classes médias e populares. Televisão LCD, cabelo liso, fogão elétrico, geladeira frost free etc. são parte de um estilo de vida e consumo que não distingue o pertencimento de classe. Uma combinação que incidiu diretamente no trabalho doméstico em pelo menos duas formas. Na primeira, identificamos que o aumento da expectativa em relação ao consumo e estilo de vida reforça ainda mais a desvalorização do trabalho doméstico como atividade remunerada. Não se trata mais de “pegar qualquer trabalho”, dado o horizonte que se amplia, em especial nas ocupações no comércio e com as atividades ligadas ao ramo de beleza e higiene pessoal. Na segunda forma, que parece contraditória, há uma valorização real da remuneração do trabalho doméstico nos grandes centros urbanos e bairros de classe média e alta dessas áreas. Então, se por um lado, o trabalho doméstico é dotado de baixo prestígio, por outro, é através dele que mulheres jovens e adultas com baixa escolarização, pouca qualificação profissional, pouco domínio de ferramentas e habilidades sociais valorizadas, tais como “comportamento social adequado”, falar corretamente e se vestir adequadamente para disputar melhores posições no mercado de trabalho, conseguem participar da sociedade de consumo. O emprego doméstico passa a ser menos atraente para as jovens que possuem essas habilidades sociais e um capital escolar, e podem disputar posições mais valorizadas, ou menos desvalorizadas, em um mercado de trabalho que se diversificou nas últimas décadas. Tal como Brites (2000) argumenta, o trabalho doméstico raramente significou O emprego doméstico no Brasil... 139 uma escolha profissional desejada, mas, em geral, admitida frente às condições concretas de baixa escolarização e maternidade precoce. O emprego doméstico de alguma das mulheres da casa, em geral a mãe da jovem, se torna elemento fundamental para a reprodução do núcleo. Como chama atenção Sansone (2003), as meninas de baixa renda nas áreas por ele estudadas se defrontam com três possibilidades de trabalho: as casas de família, a atividades de produção no domicílio ou a venda de produtos; no entanto a maior escolarização das jovens e as expectativas em relação ao estilo de vida desejado são incompatíveis com os trabalhos disponíveis, tornando natural que as filhas fiquem em casa à espera de algo que não se sabe bem o que é. O emprego doméstico é, pois, considerado um biscate, algo temporário para levantar algum dinheiro. Nesse sentido, segundo o autor, parece ter havido uma “revolução copernicana” no que diz respeito ao trabalho ideal para as jovens pobres, e o emprego doméstico se torna algo indesejável. E o resultado é que as empregadas domésticas como grupo ocupacional vão envelhecendo. O gráfico abaixo representa a composição etária das mulheres empregadas domésticas e identifica a redução significativa das mais jovens. Do ponto de vista do mercado de trabalho, essa redução implica na abertura de um nicho ocupacional para as trabalhadoras mais velhas, reduzindo a forma de recrutamento comum durante muitas décadas, que procurava adolescentes meninas para trabalhar como domésticas a título de oferecer melhores oportunidades de vida e, em alguns casos, escolarização. Essa realidade vem mudando. Gráfico 3 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Trabalhadoras domésticas segundo faixa etária 9,3 14,1 22,0 11,8 23,2 11,8 1993 11,2 19,1 25,0 12,5 20,8 11,3 1998 13,3 22,7 26,6 12,8 17,6 6,9 2003 18,4 26,4 21,7 50 ou mais 28,5 40 à 49 30 à 39 27,1 11,1 27,6 12,1 8,9 9,3 2008 2011 5,0 Fonte: (Pnads/IBGE, tabulação própria) 4,0 25 à 29 18 à 24 até 17 140 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho Um sinal significativo das mudanças é a migração entre as empregadas, que acompanha a redução dos fluxos migratórios para as cidades grandes. Ao longo do tempo, nas faixas etárias mais jovens, passam a predominar trabalhadoras não migrantes. Ainda que, entre as mais velhas, a origem no próprio município aumente de forma significativa, parte delas alimentou os fluxos migratórios e, provavelmente, foram recrutadas ainda jovens para trabalhar nas “casas de família”, prática ainda presente na sociedade brasileira (FNPETI, 2013). A maior presença de trabalhadoras com origem no mesmo município é um elemento que, somado às mudanças ocorridas nas famílias e nos padrões de comportamento d@s patro@s e empregad@s, resulta na redução do percentual de trabalhadoras que residem no domicílio onde trabalham. Em 1993, 14% das trabalhadoras estavam no domicílio na condição de empregadas domésticas, em 2011, esse percentual caiu para 2,8%, assim como o envelhecimento desse grupo reduz a condição de filha dentro do domicílio – cai de 29,9% para 12,1%. O crescimento mais significativo é, seguindo a tendência demográfica da sociedade brasileira, a ampliação das empregadas que são chefes de família (pessoa de referência), que passam de 14,6% para 35,2% no período analisado. Em seguida, cresce o maior percentual, o de cônjuges, que passa de 33,2% para 42,6%. Tal como ilustra o gráfico abaixo, o perfil da condição domiciliar das trabalhadoras domésticas muda de forma contundente, sinalizando que essas mães preferem ver suas filhas em outras ocupações, ou as próprias filhas preferem de fato outros trabalhos. Gráfico 4 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Trabalhadoras domésticas segundo condição no domicílio 14,7 7,4 29,9 2,8 7,1 12,1 outros 42,6 empregada doméstica parente/agregado filho 33,2 cônjuge 35,2 pessoa de referência 14,6 1993 2011 Fonte: (Pnads/IBGE, tabulação própria) O emprego doméstico no Brasil... 141 A redução da condição de empregada doméstica das filhas e o aumento de cônjuges e chefes do domicílio são sinais de que essas são mulheres com suas próprias famílias constituídas, o que, consequentemente, reduz drasticamente o percentual de trabalhadoras sem filhos – passando de 45,1%, em 1993, para 22,3% em 2011. São mulheres que se articulam em redes de vizinhança e parentela para prover os cuidados aos filhos e realizar suas jornadas de trabalho. A expansão escolar experimentada no país é visível entre as mulheres empregadas domésticas; entre 1993 e 2011, aquelas com segundo grau completo passam de 1,5% para 17,6%. No entanto, a redução das mulheres com menores níveis de escolaridade não é a mesma observada em outras atividades. Ainda por se tratar de um lócus ocupacional desvalorizado, ele tende a reter e atrair as mulheres portadoras de menor capital escolar e social, isto é, aquelas que avaliam ter menores chances de alcançar melhores posições ocupacionais ou que experimentaram as tentativas de conseguir ocupações em outras atividades. Tabela 1 - Trabalhadoras Domésticas segundo Nível de Escolaridade 1993 Menos de 1 ano Primário incompleto Primário completo Primeiro grau incompleto Primeiro grau completo Segundo grau incompleto Segundo grau completo Superior incompl/compl S/informação TOTAL 16,9 26,3 22,7 23,7 5,8 2,4 1,5 0,1 0,5 100,0 1998 2003 2008 2011 10,4 16,7 17,5 25,7 12,4 6,6 8,9 0,4 1,3 100,0 9,5 13,3 16,1 22,9 13,8 8,2 14,0 1,4 0,7 100,0 12,4 9,7 13,5 20,5 15,8 7,6 17,6 2,3 0,6 100,0 13,3 21,4 20,9 26,4 9,2 4,4 3,5 0,2 0,6 100,0 Fonte: (Pnads/IBGE, tabulação própria) A naturalização do trabalho doméstico, ou seja, o fato de que quem o faz é uma menina ou mulher mais pobre, torna o trabalho precoce uma realidade atordoante, só perdendo para o trabalho precoce nas ocupações agrícolas. Em 1993, 70% das empregadas começaram a trabalhar com 14 anos ou menos, em 2011 esse percentual caiu para 51,2%. O compromisso com o trabalho, em geral em jornadas que eram ainda mais exaustivas que nos últimos anos, é um desestímulo para o investimento 142 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho educacional, por isso, quanto menor o nível de escolaridade, mais cedo foi o ingresso no mercado de trabalho. A mudança no perfil etário, educacional e do ingresso no mercado de trabalho parece gerar um efeito na aposta em maiores níveis educacionais. As empregadas mais velhas já deixaram há muito tempo “os estudos”, as mais novas desistiram ou já alcançaram o seu teto de investimento: o segundo grau. Por isso, enquanto, em 1993, 17% trabalhavam e estudavam, em 2011, apenas 9% faziam essa conjugação. A campanha pela regulamentação do emprego doméstico convive com a tendência de crescimento das diaristas. A quantidade de empregadas que declara trabalhar em mais de um domicílio aumenta – passando de 18,7% em 1993 para 30% em 2011 – tanto quanto a daquelas que estão legalizadas – nunca foram tantas –, pois o percentual de empregadas com carteira de trabalho assinada quase duplicou. No começo dos anos 1990, 15,7% das empregadas tinham registro em carteira e, em 2011, o percentual passa para 29,1%, mas esse ainda é um valor sofrível se comparado com outras ocupações femininas. A maior formalidade está ligada ao aumento de 16,8% para 34,6% de trabalhadoras domésticas que contribuíam para a previdência nesse mesmo período. Ser portadora de direitos e ser diarista são fatores que certamente incidem na queda do número de dias trabalhados. Em 1993, 45,4% trabalhavam 6 dias e 16,3%, 7 dias na semana; em 2011, esses percentuais caíram para 29% e 6,8%, respectivamente. Uma mudança que é sentida pela drástica redução da jornada de trabalho exaustiva, pois, em 1993, quase 50% das empregadas domésticas trabalhavam acima de 44 horas semanais, percentual que caiu para a metade (25%) em 2011. O emprego doméstico é descrito em muitas entrevistas e conversas como algo transitório, uma estratégia de reprodução social à espera ou no percurso de busca por algo “melhor”. Essa percepção pode ser uma narrativa para lidar com uma baixa expectativa em relação à longevidade da relação de trabalho e constatação que assim o é, pois em, 1993, 36,5% das mulheres empregadas domésticas estavam na ocupação há menos de um ano, indicando uma elevada rotatividade. É interessante observar, no entanto, que na medida em que o perfil das empregadas envelhece, a rotatividade característica desse ramo diminui. Assim, em 2011, 24,3% estavam há menos de um ano em atividade. Em contrapartida, a proporção daquelas que estavam há mais de 7 anos quase dobra, passando de 14,7% para 26%. O emprego doméstico no Brasil... 143 Em termos das condições de vida, há um rápido processo de mudança em relação à infraestrutura do domicílio e no acesso aos bens de consumo. Alguns indicadores sinalizam a mudança na infraestrutura dos domicílios: em 1993, 79,1% das empregadas moravam em domicílios com água encanada e, em 2011, o valor passa para 96%. Nesse mesmo período de comparação, o acesso à coleta de lixo passa de 66,3% para 87,2%. O acesso a bens de consumo é ampliado de tal forma que, em 2011, 92% das empregadas tinham telefone celular, 97,7% televisão em cores, 96,6% geladeira e 45,5% máquina de lavar – em 1993, os percentuais eram respectivamente 13%, 38,3%, 78% e 15,4%. Enquanto as empregadas ampliam sua conexão com o mundo, afinal o telefone é também uma ferramenta de trabalho, um dos bens que mais libera tempo e esforço físico de trabalho, a máquina de lavar, não cresce na mesma proporção que os demais bens. @s patro @s A pesquisa sobre “Família e papéis de gênero”5 identificou que 7,4% dos entrevistados declararam ter empregadas domésticas, o que representa 147 indivíduos. Com cerca da metade deles, as empregadas trabalhavam até 3 vezes na semana, com a outra metade, mais do que isso, reforçando o dado que já sabemos: a diarista é uma forma de trabalho doméstico remunerado cada vez mais recorrente. Nosso interesse aqui é construir um panorama d@s patro@s, isto é, dos indivíduos que têm empregadas domésticas, e compará-lo àqueles que não têm em relação aos seguintes aspectos: perfil socioeconômico, percepções em relação aos papéis de gênero, divisão do trabalho e responsabilidades com cuidados com a família e a casa. Vale ponderar que, com isso, não estamos querendo generalizar ou produzir um tipo de patrão universal, @s patro@s são múltipl@s em termos de suas práticas, universos simbólicos e sistema de valores. Sem dúvida, parte desse achado tem como ponto de partida o fato de que os indivíduos que têm empregadas têm melhores rendas familiares e individuais, maiores níveis de escolaridade e declararam mais estar trabalhando, quando comparados aos sem empregadas, o que torna evidente o que já sabemos: contratar empregada doméstica é para poucos das camadas médias e altas brasileiras, e não uma instituição generalizada para toda a sociedade. Trata-se muito mais de um modelo cultural de arranjo familiar composto por homem provedor principal, 144 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho mulher coprovedora, dois filhos e empregada doméstica, fundamentado na desvalorização do trabalho doméstico, em papéis de gênero tradicionais e nas desigualdades de gênero, raça e classe. Soma-se a isso o fato de que a nomeação de “empregada doméstica” é menos recorrente entre as mulheres das camadas populares que têm alguém que “ajuda”, olham as crianças, lavam uma roupa, fazem uma comida ou pegam as crianças na escola. Nessas situações, as “ajudas” são oriundas da rede de vizinhança ou da parentela, cujas trocas não são necessariamente monetárias ou, se o são, não são contabilizadas numa relação de trabalho, mas de ajuda mútua. Araujo, Picanço e Scalon (2007), a partir dos dados da pesquisa aqui utilizada, desenvolveram um índice para medir as percepções dos papéis de gênero6. Embora os dados apontem que os brasileiros são bastante tradicionais quando comparados a outras sociedades, os indivíduos com empregadas domésticas tendem a ser um pouco menos tradicionais que aqueles sem empregadas, uma expressão de associações já anteriormente observadas de que, quanto maiores a escolaridade e a renda, menor adesão a valores tradicionais. Mesmo não pretendendo supor que as práticas em relação ao tratamento dado às empregadas domésticas e os valores d@s patro@s sejam uniformes, a diferença encontrada permite dizer que o fato de ter ou não empregada está relacionado com a adesão aos valores mais ou menos tradicionais em relação aos papéis de gênero. Tabela 2 - Quem a administra a renda da família? Tem empregada Sim Não Eu administro Meu esposo administra Nós juntamos todo dinheiro Nós juntamos parte dinheiro Cada um mantém separado NS/NR TOTAL 12,9 10,9 34,7 5,0 19,8 16,8 100,0 20,6 17,9 30,3 4,3 9,0 17,9 100,0 TOTAL 20,0 17,3 30,6 4,4 9,8 17,9 100,0 Fonte: Pesquisa Família e Papéis de Gênero, ISSP-Brasil, 2002 Entre os casais, a adesão aos valores mais individualistas e menos tradicionais pode ser vista também em duas questões: na administração da renda e na divisão das tarefas, em especial entre aqueles que têm filhos. Em relação à administração da renda (ver tabela 2 acima), O emprego doméstico no Brasil... 145 embora a maior parte dos casais junte a renda, as pessoas com empregadas domésticas são aquelas que mais declararam manter a renda separada do cônjuge, e deixar a administração da renda para apenas um dos membros do casal é mais frequente entre aqueles que não têm empregadas domésticas. Em relação à divisão das tarefas nas famílias com filhos (ver tabela 3 abaixo), vale inicialmente chamar à atenção que não é necessariamente nas casas com empregadas que vamos encontrar maior percentual de famílias com filhos morando em casa. A idade dos filhos parece ter um peso a mais, pois, entre as casas com empregadas, 75% tinham crianças com até 5 anos, e nas casas sem empregada o percentual cai para 67,7%. A diferença não é tão grande porque a presença das mães com as crianças pequenas ainda é dominante. As crianças menores de 10 anos em geral ficam com as mães, tanto entre os indivíduos com empregadas, quanto entre os sem empregadas. Nas casas com empregadas, ainda que cerca de 65% digam que são as mães e pais aqueles que ficam com as crianças, a empregada é o segundo maior percentual de cuidadora, diferente das soluções dadas pelas casas sem empregadas, nas quais, quando não são os pais que ficam com as crianças, é a parentela (os avós, em especial) que mais apoia nessa tarefa. A decisão de ter ou não empregada não passa apenas pela presença de filhos pequenos, mas por condições socioeconômicas, em especial a renda. Tabela 3 - Com quem ficam as crianças menores de 10 anos? Com quem ficam as crianças menores de 10 anos Pai e mãe Mãe Pai Outros familiares Empregada/babá Sozinho Creche Outros não familiares TOTAL Tem empregada Sim 6,7 55,6 4,4 8,9 22,2 2,2 0,0 0,0 100,0 Não 8,0 57,7 6,6 22,1 0,8 2,4 0,8 1,5 100,0 Fonte: Pesquisa Família e Papéis de Gênero, ISSP-Brasil, 2002 TOTAL 7,9 57,6 6,5 21,1 2,4 2,4 0,8 1,4 100,0 146 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho A maior presença e a concentração dos cuidados entre mães são vistas na divisão de tarefas no domicílio. Em todas as atividades, a mulher é aquela que aparece como a responsável principal. No entanto, vestir/dar banho, dar comida, botar para dormir e pegar/levar na escola são tarefas em que há maior diferença entre as famílias com empregadas e as sem empregadas – isto é, nas primeiras famílias, há maior corresponsabilização entre os membros do casal. A ausência da empregada não só significa que as mulheres não contem com outras mulheres empregadas, mas elas contam menos com seus cônjuges, assim como se acentua enormemente a ajuda de outros membros da família, ou a realização fica a cargo das próprias crianças. Há um ponto que merece destaque: mesmo entre as famílias com empregadas, somente nas tarefas de vestir/dar banho e dar comida as empregadas aparecem de forma mais significativa como responsáveis. Tarefas que, ao tempo que podem ser consideradas mais objetivas, produzem relações de afeto intensas entre as cuidadoras e as pessoas cuidadas, uma dimensão que será discutida através do estudo etnográfico. Na medida em que o cuidado entra em outras esferas (lúdico, saúde) as mães e os pais vão assumindo ainda mais as responsabilidades. As tarefas de brincar e levar ao médico são as mais compartilhadas entre o casal, tanto entre as famílias com empregadas, quanto entre as sem. A corresponsabilização ainda fortemente centrada nos pais entre os indivíduos que têm empregadas em casa e os que não têm, guarda relação estreita com a falta de políticas sociais de apoio às famílias e o alto custo da solução via mercado e Estado. Não obstante as percepções mais tradicionais acerca dos papéis de gênero, é muito provável que a falta de apoio extrafamiliar nos cuidados faça com que, nos dois grupos, encontremos uma elevada concordância – acima de 75% – com a afirmação de que as famílias deveriam receber auxílio creche, licença maternidade e paternidade. Estudos sobre modelos de provimento e externalização das tarefas reprodutivas indicam que, mesmo nos países europeus, ainda há uma visão “familista” em termos do suprimento dessas necessidades. Assim, quando a família, pela ocupação da mulher no mercado de trabalho, não pode mais oferecer esse serviço, busca na contratação legal ou ilegal de mulheres imigrantes a solução para esse provimento (Gil Araujo e Pedonne, 2008; Marcondes, 2012; Devetter, 2013) A maior parte dos indivíduos declarou que a divisão das tarefas domésticas é justa, uma percepção que é ampliada quando se tem empre- O emprego doméstico no Brasil... 147 gada. O fato de não ter empregada favorece a percepção de que um dos membros é mais sobrecarregado. As famílias com empregada estão liberadas dos cuidados com a casa, 40% dos indivíduos que têm empregadas declaram que quem lava e passa, bem como quem limpa a casa, em suas casas, são elas, bem diferente do que acontece nas famílias sem empregadas, nas quais é a mulher que assume essas tarefas. O que permite que os finais de semana das pessoas que têm empregada sejam menos comprometidos com os cuidados com a casa e mais voltados para a vida social. A relação : tensões , contradições e conciliações A pesquisa etnográfica na casa de patroas de classe média e alta e na de empregadas domésticas permite ver como cotidianos, interações, práticas e valores coordenam-se entre si, formando uma complementaridade estratificada (Brites, 2000, 2007 e 2009). Esta pesquisa foi realizada no Estado do Espírito Santo, investigando tanto casas de famílias empregadoras de classes média e alta quanto de famílias de empregadas domésticas que moravam na periferia de Vitória, a capital. Foram utilizadas várias abordagens metodológicas, como entrevistas semiestruturadas, grupo focal e entrevista com uso de fotografia, mas o método privilegiado foi o da observação participante. Entre as famílias de classe média que compuseram nossa amostra, as mães trabalhavam fora, como bancárias, médicas, professoras universitárias. Duas patroas da amostra eram mulheres de elite, pertencentes a famílias muito ricas. Uma delas era profissional liberal, outra, dona de casa. Todas elas eram encarregadas dos cuidados com saúde, higiene e decoração do lar. Eram, também, as maiores responsáveis (se não as experts) pela manutenção e o gerenciamento dos afetos e da rede de sociabilidade mais ampla. Nessa amostra, duas eram mulheres chefes de família, uma era viúva. Nas famílias com presença de marido, cabia a ele a maior parte de manutenção econômica da família, o que garantiria o investimento nas carreiras estudantis e sociais dos filhos. Tal como visto nos dados da pesquisa Famílias e Papéis de Gênero, acima apresentada, poucas tarefas domésticas lhes eram destinadas, tais como fazer algumas compras no supermercado, levar algum filho à escola ou fazer pequenos reparos de algo na casa ou no carro. Não havia trabalhos domésticos para crianças 148 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho e jovens, sobretudo para os do sexo masculino. Tal como já apontado em outros estudos (Velho, 1989; Salem, 1980 e 1986; Heilborn, 1983), as crianças da classe média não tinham muito tempo livre. Seus dias eram quase totalmente ocupados pela escola e, sobretudo, por cursos complementares de inglês, matemática, música, dança e esportes. As adolescentes de classe média, além de estudar, envolviam-se muito com a vida estética – olhar vitrines, adaptar modelos de roupas, aprender modas de maquilagem, cabelos etc. O envolvimento dos membros adultos, em especial as mulheres, em atividades remuneradas fora do lar era viabilizado através da delegação às empregadas domésticas da maior parte das tarefas de limpeza, cuidado da casa, das crianças, dos velhos e dos animais de forma discreta e afetiva. A organização doméstica desse grupo enquadra-se no modelo de família nuclear moderna, ancorada no casamento, homem e mulher provedores, tendo a criação e promoção dos filhos como a função mais importante do empreendimento familiar. Nessas famílias, o “lar” é valorizado como lócus ideal da expressão e desenvolvimento da intimidade e estrutura emocional madura e saudável de seus membros (Ariès, 1981; Fonseca, 1985; Duarte, 1987; Brites, op.cit. 2000). As famílias das empregadas domésticas obedeciam a outros parâmetros de organização daquelas d@s patro@s. Nelas, o vínculo primordial se estabelece entre consanguíneos, e não necessariamente no casal. Muitas famílias são chefiadas pelas mulheres, não necessariamente as próprias empregadas egos da pesquisa, mas também suas avós, mães ou irmãs, baseadas na união consensual e com grande proporção de circulação de crianças. Nesses grupos, o convívio familiar das crianças não se restringe aos pais biológicos. A responsabilidade de socialização dos filhos pode ser compartilhada com vários lares, como a literatura sobre circulação de crianças tem evidenciado (Sarti, 1996; Fonseca, 1995). Os homens, quando presentes, embora sejam intitulados provedores, raramente cumprem essa função enquanto maridos, na medida que os casamentos são facilmente desfeitos e recompostos (Paim, 1988). A afirmação masculina se dá pelo papel que possam desempenhar na condição de filhos e irmãos. Os laços de paternidade são mantidos pela presença de parentes femininas paternas (sobretudo avó e tia) na vida das crianças. Essa divisão de responsabilidades entre homens e mulheres é percebida nessas famílias não como ausência paterna, mas como parte O emprego doméstico no Brasil... 149 da natureza masculina de pertencer e constituir-se no domínio da rua. Também representa a natureza feminina e seu atributo de gerenciar os assuntos referentes ao território doméstico e familiar (Duarte, op.cit.). São as mulheres, em organizações matrifocais, que representam as linhagens e transmitem os bens culturais do grupo, em especial o “ofício” do emprego doméstico. Nas casas das empregadas é raro encontrar alguém pago para fazer o trabalho doméstico, embora as tarefas reprodutivas recaiam em geral sobre os membros mais fragilizados do arranjo familiar, como a cunhada que vive longe de seus próprios consanguíneos ou uma prima que veio do interior para buscar trabalho, ou são as meninas da casa que assumem em geral tais tarefas. Durante a pesquisa etnográfica aqui relatada, a presença das crianças era comum nos grupos familiares, mas nem todas pertenciam biologicamente ao grupo doméstico com o qual moravam. Liane passava uns tempos com sua avó (trabalhadora doméstica há 25 anos), pois sua mãe encontravase em novas núpcias e o padrasto não era muito gentil. Lucinha era filha da vizinha da frente, que trabalhava como prostituta. Maria Rita (trabalhadora doméstica há 28 anos) tomava conta da menina, pois a mãe não tinha condições. Jeferson e Geison (5 e 7 anos) ficavam sozinhos em casa, enquanto a mãe trabalhava numa casa de família em um bairro de classe média, no entanto, eram alimentados e cuidados pela tia e madrinha que morava ao lado para não saírem para a rua. Nesse bairro da grande Vitória havia apenas uma creche, que não era pública. As mães, para cuidarem de seus filhos durante as longas jornadas de trabalho como empregadas domésticas, contavam com sua rede feminina de solidariedade e com as assistências de 3 grupos religiosos que desenvolviam trabalhos com as crianças 2 vezes por semana em turno alternado. Tais padrões de organização familiar são reconhecidos por historiadores desde o século XIX no Brasil e na Europa Medieval e Moderna (Ariès, op.cit.; Therborn, 2006). Há evidências de organizações semelhantes em muitas sociedades não ocidentais. Dessa forma, não cabe simplesmente tratá-las como desregulação da norma, de arranjos circunstanciais, ou como precariedade societária, muito menos pensar em uma cultura específica da pobreza. Mas é possível, sim, no caso brasileiro, pensá-las como tradições de reprodução de grupos subalternos, uma vez que é um tipo de família que está inserido em um sistema social com baixa provisão do Esta- 150 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho do, em um contexto de elevada desigualdade socioeconômica, precariedade material e no qual o trabalho infantil e juvenil substitui a escola como mecanismo de socialização e provisão de renda para reprodução familiar. Os dois modelos familiares se conjugam dentro do sistema socioeconômico muito desigual para a reprodução material e simbólica das mulheres e famílias dos grupos abastados e das camadas populares. É essa conjugação estratificada que permite lançar mão do conceito de complementaridade estratificada, simbolizada no relato de Edilene. Edilene, com evidente orgulho, reproduziu o que a filha de sua patroa, uma menina de cinco anos, disse a ela: “Lene, tu podia acertar na Sena [loteria], né? Aí tu só vinha aqui prá brincar comigo. Tu podias almoçar e deitar na cama da mamãe, para descansar, como ela faz. [Edilene fecha seu relato acrescentando] A ideia da menina! Deitar na sua cama?!” A relação com as crianças: afeto e desigualdade Tal como visto nos dados do survey descritos acima, nas casas pesquisadas as crianças, quando não estavam na escola, permaneciam grande parte de tempo com as empregadas, sem a presença dos pais. Os pais, trabalhando fora, deixavam essas crianças sob responsabilidade das domésticas durante 2/3 do dia. A intensidade de contato entre crianças e suas empregadas cria, em muitas situações, um vínculo que extrapola a situação profissional. O apego das crianças pelas “suas” empregadas é muito intenso e fartamente relatado ao longo da pesquisa. Uma patroa, por exemplo, contou que o filho adoeceu quando o marido de sua empregada adoeceu e ela teve que deixar o emprego. Entre as empregadas, encontrei fotografias de filhos d@s patro@ em seus álbuns pessoais, muitas vezes, inclusive ao lado das fotos da própria família (a mãe no caixão, seu próprio casamento, algumas 3x4 de irmãos e sobrinhos). Em casa, foi muito comum observar que elas passam parte do tempo narrando as façanhas de seus tutelados do momento, de forma que seus vizinhos e familiares conhecem detalhadamente essas crianças (seus aniversários, sua roupa preferida). Observamos situações em que, mesmo quando o contrato de trabalho foi suspenso, as empregadas continuaram a acompanhar a vida das O emprego doméstico no Brasil... 151 crianças de quem tomaram conta. Telefonavam eventualmente para falar com elas, consultavam uma colega que estivesse trabalhando na rede de sociabilidade da ex-patroa ou simplesmente calculavam suas idades, de longe, lembrando da data de seus aniversários ou mantendo fotos das crianças nos seus álbuns de recordações. Nesse contexto, uma mudança de emprego pode significar uma enorme perda afetiva não só para as crianças, como no exemplo dado acima, mas também para as empregadas. Algumas relataram que aguentavam o serviço mal pago pela dificuldade em se separar das crianças das quais tomavam conta. Desse modo, é uma relação que se estabelece e se propaga dentro das duas famílias e casas, d@s patro@s e das empregadas. Distância sutil Se existe tanta intimidade e afeto entre as crianças e suas empregadas, como se reproduzem patroas adultas com um sentido tão forte de hierarquia? Como se separam esses mundos? O tratamento ríspido com suas empregadas não é a regra. As crianças aprendem a distância social entre elas e as empregadas domésticas através de outras vias, por exemplo, nos dizeres dos seus pais e na disposição de espaço. Em relação ao espaço, a localização, o tamanho, as formas de utilização e nomeação demarcam a distância social entre patro@s e empregad@s. “Quarto de empregada”, “banheiro de empregada”, “dependência de empregada” são espaços de segregação, onde o respeito ensinado às crianças de classe média com as posses alheias desaparece. Isto é, os espaços destinados às empregadas na casa das patroas não respeitam a individualidade das trabalhadoras, podem estar cheios de entulhos, vassouras, baldes, coisas que “não prestam mais” ou que devem permanecer escondidas para não perturbar a ordem do lar. O controle do acesso das crianças a esses espaços se estabelece, não através do respeito ao espaço do outro igual, mas sim através do medo do “contágio” pelo sujo e impuro corpo dos subalternos. A mulher empregada pode dar colinho para o bebê, preparar alimentos da família, limpar a casa e lavar a roupa, mas seus espaços não são recomendados para o uso dos membros da família ou visitantes, apenas para aqueles em condições de subalternidade (outros empregados eventuais ou 152 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho prestadores de serviços gerais). Nesse caso, o corpo da empregada se torna poluidor e sujo. Os espaços d@s patro@s também não são compartilháveis; atitudes como as de sentar nos sofás da sala, deitar na cama d@s patro@s, fazer as refeições com el@s à mesa ou usar seus banheiros são vistas como falta grave ou afronta. Nestes usos do espaço, o corpo da empregada torna-se “indócil”, porque não está desempenhando atividades de servilidade e pode macular a ordem hierárquica da casa. Durante a pesquisa etnográfica, não foi incomum ouvir conversas entre os/as filhas das patroas sobre as empregadas. Certa vez, uma menina repreendia a amiguinha do prédio ao encontrar a empregada sentada no sofá da sala, trançando os cabelos da pequena vizinha: “Minha mãe não deixa que Rose sente no sofá. E diz que eu não use a mesma privada que ela, porque bunda de empregada é suja”. Outro dito conhecido dos brasileiros que demonstra o lugar social de subalternidade designado aos domésticos é quando, numa discussão familiar, algum membro se sente em desvantagem no cumprimento das tarefas e desfere: “Pensa que eu sou tua empregada?!” Dessa forma, entre empregadas e patro@s, é muito comum se estabelecer uma “ambiguidade afetiva”. Alguém que se tem carinho, que pode ser melhor ou pior tratada pela família empregadora. Mas são nestes dizeres e no uso desses espaços que as mulheres, cuidadoras da infância, vão, no transcurso até a vida adulta daquela criança, tomando o lugar de subalternidade, assumindo tarefas menos dignas, assim como são naturalizadas as distâncias sociais entre aqueles que podem comprar e aqueles que vendem o trabalho doméstico. Examinando esses dois estilos de organização familiar, é possível perceber que as tarefas reprodutivas nessas famílias se desenvolvem conjugando formas de vida diferentes dentro da tradicionalidade de mulheres como executaras das tarefas do lar e com ausência de políticas de provimento do Estado e do mercado de creches, escolas, restaurantes, lavanderias e regulamento do contrato de trabalho doméstico remunerado. Considerações finais A articulação entre as três fontes de dados permitiu mostrar que, no Brasil, há um entrelaçamento de classe, gênero e raça para o cumprimento das tarefas reprodutivas, em que algumas mulheres podem construir, investir e manter suas carreiras educacional e profissional próprias O emprego doméstico no Brasil... 153 do seu grupo social, porque contam com outra mulher mais pobre, em geral advinda de população estigmatizada e com baixa escolaridade, para manter o cotidiano doméstico de seus lares. Estas últimas, em geral, para trabalhar como domésticas, deixam seus próprios filhos aos cuidados de outras mulheres de sua rede de vizinhança e parentela – lógica esta que tem efeitos até mesmo internacionais, como nos mostra Orosco (2010). Os filhos da empregada algumas vezes estão submetidos ao trabalho infantil, porque ficam responsáveis pelos cuidados de si e de outros membros dependentes. Há uma mudança significativa em curso, pois as empregadas domésticas estão mudando seu perfil, o que não implica em dizer que se caminha para o fim do emprego doméstico no país ou para uma ruptura com as características mais fundamentais do emprego doméstico, pois ele produz e reproduz as desigualdades estruturantes da sociedade. Por enquanto, é possível falar na sua transformação: trata-se mulheres mais escolarizadas, com maior acesso aos direitos e que fazem escolhas pelo tipo de regime de trabalho, negociam salários e folgas dentro de um regime de direito. Um regime de direito que, embora sustente as demandas das empregadas e crie constrangimentos aos patro@s, ainda não é capaz de reduzir a distância social e simbólica entre empregadas, patro@s e seus filhos. (Recebido para publicação em outubro de 2013) (Aprovado em março de 2014) (Versão final em junho de 2014) 154 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho Bibliografia Araújo, Clara; Scalon, Celi; Picanço, Felícia. 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O emprego doméstico no Brasil... 157 Notas 1 Neste texto quando nos referirmos a ambos os sexos desta categoria, utilizaremos a linguagem generada do @. 2 Até os anos 90 o IBGE utilizava um código de ocupações próprio. 3 A PNAD colhe informações sobre a ocupação principal na Semana de referência e a ocupação no ano. Para identificar a ocupação na semana de referência, a primeira pergunta é se a pessoa estava trabalhando na semana de referência (v9001). Depois pergunta-se se tinha trabalho e se estava afastada temporariamente (v9004). Pela própria natureza do serviço doméstico, em especial para as diaristas, os dados aqui expostos tratam apenas das pessoas ocupadas na semana de referência e que declararam que estavam trabalhando (Variável 9001), não foram levadas em consideração as pessoas que estavam afastadas. E @s tralhador@s doméstic@s foram identificad@s a partir da variável Posição na ocupação na Semana de referência (V4706). Algumas estimativas disponíveis em jornais e estudos foram geradas considerando os indivíduos que estavam afastados e, em outros casos, a partir da Posição na Ocupação no ano, por isso, encontramos algumas diferenças. 4 As abreviações utilizadas no gráfico são Mulher outra cor/raça (MO), Mulher negra (parda e preta) (MN), Mulher branca (MB), Homem outra cor/ raça (HO), Homem negro (HN), Homem branco (HB). 5 Em 2002, o Brasil era parte do International Social Survey Programme (ISSP), um conglomerado de instituições acadêmicas e de pesquisa que realiza surveys temáticos. Nesse período, o módulo foi “Família e papéis de gênero”, e foi realizado um survey com 2000 indivíduos coordenado por Celi Scalon (UFRJ) e Clara a Araújo (UERJ). 6 O índice sintetiza em um único indicador uma série de perguntas sobre as opiniões em relação ao trabalho das mulheres. Para maior descrição, ver o artigo citado. 158 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho Resumo Das desigualdades na alocação das mulheres aos afetos e trocas envolvidos na relação entre patrões e empregados, o interesse acadêmico sobre o emprego doméstico cresceu de forma significativa nas diversas áreas. O grande impulso que os estudos em torno desta atividade receberam na última década, decorreu, principalmente, da preocupação em compreender as diversas dimensões do fenômeno. O artigo tem como objetivo explorar o emprego doméstico em números, tensões e contradições a partir de três fontes de dados: uma pesquisa etnográfica realizada com patroas e empregadas, dados da pesquisa sobre Gênero e Trabalho no Brasil e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Palavras chave: empregadas domésticas, gênero, desigualdade Abstract From the inequalities in the allocation of women to the affects and changes involved in the employer/employee relations, the academic interest in domestic employment grew significantly in different areas. The tremendous boost that studies in this area received over the last decade resulted mainly from the concern with the various dimensions of the phenomenon. The article aims to explore domestic employment statistics, tensions and contradictions using three different data sources: an ethnographic research of employers and domestic workers, a survey about Gender and Work in Brazil and the National Households’ Sample Survey. Key words: domestic workers, gender, inequality