AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE AUTONOMIA PARA
PROFESSORES DE ESCOLA PÚBLICA
BONA, Viviane de1 - UFPE
MAIA, Lícia de Souza Leão2 - UFPE
Grupo de Trabalho - Formação de Professores e Profissionalização Docente
Agência Financiadora: Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - CAPES
Resumo
O estudo aqui apresentado parte do nosso desejo de entender como os pensamentos e as ações
da vida cotidiana dos homens, em sua constante comunicação com outros seres humanos e
com tudo o que os cercam, favorecem a construção da vida social e individual, e, por sua vez
interferem na sua prática, em particular, em sua atividade profissional. As discussões em
torno do conceito de autonomia (CONTRERAS, 2002; FREIRE, 2002; PIAGET, 1994) se
difundiram e são defendidas como princípios educacionais tanto do professor quanto do
aluno, em prol da consolidação de uma sociedade democrática onde o ser humano assuma o
papel de protagonista da construção social. Buscando discutir o conceito de autonomia
trazemos à pauta os aspectos voltados ao pensamento dos professores em relação a este tema.
Assim, tivemos como objetivo compreender as representações sociais de autonomia
compartilhadas por 391 professores de escolas públicas do estado de Pernambuco. Tomando
por referência a teoria das representações sociais e seus desdobramentos, propusemos aos
professores um teste de associação livre tendo autonomia, autonomia docente e autonomia do
professor por expressões indutoras. Os participantes deveriam indicar as duas palavras que
consideravam mais importantes dentre aquelas associadas. A utilização do software Trideux
permitiu a identificação do campo semântico das representações sociais e a identificação das
diferenças entre as representações e suas relações com as características dos sujeitos. De
forma geral, os professores atribuem como elementos centrais da autonomia a liberdade, a
responsabilidade e a independência. A autonomia é apreendida pelos professores em graus
diversos: do aspecto mais individualista de liberdade do sujeito a uma concepção mais social
e política no sentido de construção na interação com o outro e participação na sociedade.
Palavras-chave: Autonomia. Representações Sociais. Prática docente.
1
Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco. Tem experiência na área de Educação,
com ênfase em processos de ensino-aprendizagem e em representações sociais. E-mail: [email protected].
2
Doutora em Sciences de L’education - Université de Paris V (Sorbonne). Professora Titular da Universidade
Federal de Pernambuco. Docente nos Programas de Pós-graduação em Educação e no de Educação Matemática
e Tecnológica da UFPE. E-mail: [email protected].
8744
Introdução
O presente artigo refere-se a uma pesquisa que tem a finalidade de discutir o conceito
de autonomia trazendo à pauta os aspectos voltados ao pensamento dos professores em
relação a este tema. Nossa intenção é apreender qual o entendimento do professor sobre
autonomia, que defendemos ser relevante para a compreensão da prática docente.
Essa pesquisa faz parte de um projeto mais amplo, numa colaboração Brasil - França,
que tem por objeto de estudo o professor e sua prática: concepções de recursos em e para sua
atuação profissional.
Iniciamos com algumas considerações sobre a temática autonomia para que possamos
ancorar nosso pensamento e orientar as discussões posteriores. Visitada por diversas
disciplinas e domínios, a palavra autonomia de origem grega (autónomos) significa,
literalmente, se governar com suas próprias regras. No sentido filosófico a palavra é definida
como autonomia da vontade, nesta acepção, concerne “a liberdade do homem que, por esforço
de sua própria reflexão, se dá a ele mesmo seus princípios de ação. O indivíduo autônomo não
vive sem regras; mas ele só obedece às regras que ele escolheu após exame” (LALANDE,
1962, p.101 apud COMBAZ, 2007, p.21, tradução nossa).
Na literatura educacional o tema autonomia ocupa um lugar relevante, entretanto, ele
pode aparecer com significados distintos. Um desses significados relacionados aos aspectos
educacionais, diz respeito à autonomia da unidade escolar no planejamento e execução de
suas tarefas, configurando a instituição autonomia para o enfrentamento de seus problemas
(CARVALHO, 1999).
Outro sentido bastante atribuído a esse termo refere-se à autonomia como uma
finalidade educativa, um ideal pedagógico de desenvolvimento de capacidades ou
competências dos alunos. Isto preconiza que o educando deve ter capacidade de buscar
respostas às suas próprias perguntas. No sentido atribuído por Paulo Freire (2002), autonomia
significa respeito do professor pelos saberes do educando, portanto autonomia é algo que se
constitui no coletivo e não individualmente. Ressalta ainda que a autonomia do educando e
educador se dá no processo de construção do conhecimento.
Resgatando também, o enfoque Piagetiano (1994) na denominação da autonomia,
temos que é uma construção do indivíduo como sujeito no coletivo. Para este autor, existem
dois tipos de práticas sociais: a cooperativa e a coercitiva, a primeira supõe relações
igualitárias entre os sujeitos e o respeito mútuo e a segunda é movida por relações
8745
hierarquizadas e regulada por um respeito unilateral. Disso resultam dois modelos sociais:
democrático e autoritário, respectivamente. No desenvolvimento infantil a criança parte de
uma relação hierárquica própria da relação inicial adulto-criança e diante de suas
possibilidades cognitivas da criança, não é capaz de se descentrar. Se ela for introduzida em
uma prática cooperativa ela poderá desenvolver a autonomia que supõe respeito mútuo, ou
seja, é preciso levar em conta os pontos de vista dos outros. Isto só será possível quando ela
adquirir a capacidade de descentração, a própria prática cooperativa ajuda nesse
desenvolvimento e supõe a capacidade da mesma. Portanto, a construção do pensamento
autônomo é paralela ao surgimento da capacidade de estabelecer relações cooperativas, que
derivam do respeito mútuo, condição necessária à autonomia, sobre seu duplo aspecto:
intelectual e moral.
Em um sentido mais amplo que se relaciona ao aspecto da categoria profissional de ser
professor, Contreras (2002) desenvolve o conceito de autonomia docente, aprofundando o
significado de autonomia, quanto ao seu papel em relação à educação e em relação à
sociedade, anunciando que acredita na parceria professores/sociedade unindo esforços em
busca da conquista de sua autonomia conjunta. Dessa forma, discute a autonomia dos
professores, conforme os múltiplos sentidos que o termo assume em diversos contextos, as
concepções educativas aí defendidas e o papel desempenhado pelos professores em cada
circunstância. Nesse contexto, a autonomia no sentido coletivo é definida como a capacidade
de um grupo de se organizar e se administrar ele mesmo sobre certas condições (COMBAZ,
2007).
Percebemos que o conceito de autonomia faz parte das discussões entre ensino e
aprendizagem, mas não encontramos, no entanto, muitos trabalhos que se voltam às
representações sociais dos professores sobre esse objeto.
Sendo as representações sociais uma das formas de expressão do conhecimento de
senso comum, a identificação dessas representações pode ajudar a compreender aspectos da
sala de aula que venham a contribuir com o movimento de melhoria da qualidade do ensino,
pois no momento em que o professor discorre sobre sua prática ele também reflete sobre a
mesma.
8746
O suporte teórico da pesquisa
Indagando de que maneira o conceito de autonomia está presente nos discursos dos
professores, este estudo toma por referência a Teoria das Representações Sociais
(MOSCOVICI, 2007) que orienta teórica e metodologicamente a estrutura do trabalho.
A teoria das Representações Sociais nos auxilia na compreensão dos modos de
pensamento sobre os objetos sociais, neste caso a autonomia, evidenciando como o sujeito se
define com relação a esse objeto. Na perspectiva Moscoviciana, o estudo das representações
sociais pressupõe investigar o que pensam, por que pensam e como pensam os indivíduos
acerca de um determinado objeto social (ALMEIDA, 2005).
Para esta teoria os sujeitos representam o mundo a partir de processos dinâmicos que
não rompem com os processos interiores e exteriores aos mesmos. A noção de representação
social leva em consideração, ao mesmo tempo, a atividade do sujeito sobre o mundo e,
reciprocamente, da ação do meio sobre o indivíduo. As representações sociais possuem poder
de influência nos comportamentos, nas ações sociais, enfim, nos conceitos que circulam na
sociedade. O termo representação social é, portanto, reservado para aquela modalidade de
conhecimento particular que tem por função exclusiva a elaboração de comportamento e a
comunicação entre os indivíduos no quadro da vida cotidiana (SÁ, 1996).
Dentre os diversos desdobramentos da teoria inaugurada por Moscovici, encontra-se a
abordagem estrutural das representações, proposta por Jean Claude Abric quando da
elaboração da Teoria do Núcleo Central. Para este autor uma Representação Social é um
conjunto organizado de informações, de opiniões, de atitudes e de crenças a propósito de um
objeto dado, que possui quatro funções essenciais: 1) Funções de Saber: permitem
compreender e explicar a realidade; 2) Funções Identitárias: definem a identidade e permitem
a salvaguarda da especificidade do grupo; 3) Funções de Orientação: guiam os
comportamentos e as práticas; 4) Funções Justificatórias: permitem justificar a posteriori as
tomadas de posição e os comportamentos (ABRIC, 1994).
Socialmente produzida, a representação social é fortemente marcada por valores
correspondentes ao sistema sócio ideológico e a história do grupo que a veicula pelo qual ela
constitui um elemento essencial de sua visão do mundo. É um conjunto organizado, porque
toda representação tem dois componentes: um conteúdo e uma estrutura (ABRIC, 2005).
Portanto, a estrutura das representações sociais é organizada hierarquicamente pelos
elementos que a constituem e as relações que esses elementos mantêm entre eles. Esse
8747
sistema sócio cognitivo apresenta uma organização específica: ela é organizada em torno de
um núcleo central e em elementos periféricos. Os elementos do núcleo central dão significado
à representação. Os elementos periféricos se organizam em torno do núcleo central, seus
componentes são mais acessíveis, vivos e concretos, dependentes do contexto. Concretizam a
ancoragem da representação à realidade e permitem a formulação da representação em termos
concretos, imediatamente compreensíveis e transmissíveis. Os elementos periféricos são,
portanto, mais flexíveis e permitem a integração de experiências e histórias individuais,
admitindo a heterogeneidade do grupo e as contradições. O núcleo central garante a
homogeneidade da representação e possibilita a comunicação (SÁ, 1996). A seguir, faremos
referência às estratégias metodológicas para coleta de dados e sua análise realizada para a
apreensão das representações sociais de autonomia.
Estratégias metodológicas da pesquisa
Como já anunciamos, o questionamento de nossa investigação é sobre as
representações sociais de autonomia compartilhadas por professores de escolas públicas. Tal
análise situa esse tipo de conhecimento de senso comum, as representações sociais, em
relação ao conhecimento científico sobre o conceito de autonomia.
Conforme o modelo teórico apresentado por Abric (1994, 2005) para identificação do
conteúdo explícito e da organização de uma representação, o método de evocação
hierarquizada permite recolher tanto o conteúdo como o ranking de importância das palavras
apresentadas pelo próprio sujeito.
A primeira fase da associação livre consiste em, a partir de um termo indutor, solicitar
ao sujeito à produção de palavras ou expressões que lhe venham à mente. A característica
espontânea, menos controlada, desse procedimento permite a identificação geral do
significado das representações, ou seja, o seu campo semântico. Na segunda fase, a de
hierarquização, o sujeito é incitado a classificar sua própria produção em função da
importância que ele atribui a cada termo para definir o objeto em questão. A frequência de
aparição e a ordem de importância atribuída, são, portanto, indicadores de centralidade. Pois,
a palavra que geralmente é mais associada não é necessariamente a mais importante para um
sujeito, podendo ser simplesmente aquela que é mais partilhada socialmente. Assim, o
cruzamento de duas informações recolhidas permite uma primeira observação do status dos
elementos da representação (ABRIC, 2005).
8748
A partir destas orientações nós utilizamos como instrumento de coleta de dados um
questionário composto de duas partes: uma de caracterização dos participantes (dados de
identificação), e a outra com as expressões indutoras para o teste de associação livre e a
indicação pelo sujeito da importância das palavras associadas. Apresentamos na figura 1 o
teste de associação livre de palavras que compunha o questionário:
Figura 1: Teste de associação livre de palavras
Fonte: produção do autor.
Havia uma variação no segundo termo indutor do teste, onde ora era a palavra
Autonomia Docente, e ora Autonomia do Professor3.
O questionário foi proposto a 391 professores do Ensino Fundamental e Médio que
lecionavam em escolas públicas estaduais e municipais do estado de Pernambuco. Os dados
de identificação referentes à primeira parte do questionário foram compostos por itens cujo
objetivo era identificar o perfil dos participantes tais como: gênero, faixa de idade, nível de
atuação, área de formação, tempo de serviço enquanto professor. A seguir apresentaremos os
resultados mais globais das associações (campo semântico) seguido das palavras mais
importantes (elementos constitutivos fundamentais), e por fim os cruzamentos das palavras
evocadas com o perfil dos sujeitos apresentados em planos fatoriais, resultantes da análise
fatorial de correspondência.
3
Essa decisão foi tomada a partir da realização de um estudo piloto para a validação dos termos indutores, onde
percebemos que quando o participante associava à Autonomia do Professor, se referia ao sujeito e enquanto à
Autonomia Docente se voltava à categoria profissional.
8749
Resultados
Dos 391 professores que participaram da pesquisa, 343 são mulheres e 48 homens,
203 lecionam no Ensino Fundamental 1, 99 no Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio, 58
estão em cargos administrativos e coordenação, 4 na Educação Infantil, 27 não informaram.
Dentre as áreas em que os professores são formados, 194 tem formação em Pedagogia, 100
em Matemática e Ciências da Natureza, 41 em Linguagem, 37 em Ciências Humanas e
Sociais, 19 não informaram a área de formação.
Os dados foram analisados com a ajuda do software Trideux4 versão 5.0. O campo
semântico das representações sociais de autonomia foi identificado a partir da frequência de
ocorrência das palavras emitidas pelos docentes, seguido pela indicação das palavras mais
importantes. Os professores associaram ao termo autonomia 1904 palavras sendo 373
palavras diferentes. Na tabela 1 trazemos as palavras associadas que tiveram frequência igual
ou superior a 4.
Tabela 1: Palavras associadas por 391 professores ao termo indutor autonomia e que apresentam uma
frequência igual ou superior à 4.
PALAVRAS
ASSOCIADAS
Liberdade
Responsabilidade
Independência
Segurança
Conhecimento
Compromisso
Decisão
Respeito
Liderança
Escolha
Poder
Confiança
Criatividade
Capacidade
Competência
Determinação
Direito
Atitude
Ação
Consciência
4
FQ.
226
121
78
70
65
61
52
51
43
41
34
33
31
26
24
23
21
19
17
17
Expressão indutora: AUTONOMIA
PALAVRAS
PALAVRAS
FQ.
ASSOCIADAS
ASSOCIADAS
Maturidade
10
Coerência
Interação
10
Direcionamento
Planejamento
10
Estudo
Saber
10
Controle
Poder de decisão
10
Individual
Trabalho
9
Liberdade de agir
Comprometimento
9
Formação
Criticidade
9
Livre escolha
Autoconfiança
9
Pensar
Conquista
9
Tomada de decisão
Cidadania
9
Vontade própria
Livre
9
Apropriação
Reflexão
9
Coletividade
Expressão
8
Construção
Aprender
7
Desempenho
Coragem
7
Experiência
Autoestima
7
Disponibilidade
Deveres
7
Humildade
Disciplina
7
Mudança
Habilidade
7
Objetivo
FQ.
5
5
5
5
5
5
5
5
5
5
5
4
4
4
4
4
4
4
4
4
O Trideux é um software livre, utilizado para o tratamento estatístico de dados empíricos (questões abertas ou
palavras associadas) criado por Phillipe Cibois que permite gerar automaticamente um quadro lexical, no qual
para cada sujeito, o vocabulário analisado segue um registro de sua posição sobre cada variável (no nosso caso
relacionadas ao perfil dos sujeitos).
8750
Autoridade
Participação
Realização
Democracia
Iniciativa
Domínio
Organização
Flexibilidade
Dedicação
17
17
14
13
13
13
13
12
11
Liberdade de expressão
7
Compreensão
6
Atuação
6
Criação
6
Dinamismo
6
Firmeza
6
Fazer
6
Discernimento
6
Apoio
5
Total de palavras: 1.525
Total de palavras diferentes: 86
Força
Perseverança
Prazer
Sabedoria
Pesquisa
Satisfação
Qualidade
Vontade
4
4
4
4
4
4
4
4
Fonte: Produção do autor.
Uma leitura inicial das associações apresentadas na tabela 1 revela que a liberdade
parece ser um elemento primeiro das representações sociais de autonomia. Segundo as
definições apresentadas, tanto por Piaget (1994) como por Freire (2002), é uma condição
fundamental ao exercício da autonomia: é ela que de certa forma vai permitir a criatividade,
quer seja dos alunos ou dos professores. Dois outros elementos aparecem com maior
frequência: a responsabilidade e a independência. Portanto, a ideia da autonomia como um
exercício de liberdade, com independência e responsabilidade, está presente como um
elemento constitutivo fundamental das representações sociais dos professores.
O pensamento compartilhado sobre a autonomia aparece tanto como uma forma de
emancipação e de realização de si quanto um fator de integração no mundo social. Se
analisarmos os dados em termos de dimensões de seus significados podemos apontar uma
dimensão cognitiva/intelectual, uma dimensão institucional, além das dimensões social e
política.
Os elementos que parecem se reportar a uma dimensão cognitiva e/ou intelectual são:
conhecimento, saber, estudo, sabedoria, competência, habilidade, consciência, planejamento,
pesquisa, aprender, pensar, formação. Os aspectos que se voltam à dimensão institucional, o
sujeito ocupa uma hierarquia social, que é evidenciada nas palavras autoridade, domínio,
controle, poder, disciplina, liderança. A dimensão social traz aspectos referentes ao
compromisso, dedicação, comprometimento, organização, livre, segurança. A dimensão
política concerne mais a ação como participação, atuação, atitude, fazer, democracia,
cidadania, decisão, escolha, tomada e poder de decisão, determinação.
É interessante ainda, a atribuição à autonomia como um direito, dever, conquista,
capacidade, iniciativa, individual que parece transmitir ao sujeito a responsabilidade pela
8751
busca e desenvolvimento da mesma. Essa tendência parece se voltar ao pensamento de Kant
que insinua a identificação de qualidades individuais, a serem conquistadas pelos indivíduos.
Outros elementos presentes nas associações marcam uma aproximação com o
conhecimento científico definido por Freire e Piaget. As palavras confiança, compreensão,
humildade, reflexão, respeito, interação, coletividade, construção nos lembram da dimensão
ética da pedagogia Freiriana, condição do desenvolvimento da autonomia do aluno
respeitando sua cultura, sua individualidade e seu repertório de conhecimentos empíricos. As
palavras respeito, construção, interação e coletividade são um ponto comum entre os dois
teóricos. Ao analisar os tipos de relações humanas e a construção das regras morais Piaget
(1994), conclui que relações autônomas só podem emergir das relações cooperativas, nas
quais está presente o respeito mútuo.
Em relação às palavras apontadas pelos professores como as mais importantes
(importância 1 e 2) apresentadas na tabela 2 é ratificada a centralidade das três palavras mais
evocadas: Liberdade, independência, responsabilidade. Podemos considerá-las como
elementos que constituem o núcleo central das representações sociais compartilhadas pelos
professores. Esses elementos se aproximam das associações feitas por professores franceses
quando da aplicação do mesmo questionário em pesquisa realizada na França.
Tabela 2: Palavras mais importantes associadas à expressão autonomia e que apresentam uma
frequência igual ou superior à 4.
Expressão indutora: AUTONOMIA
Palavras mais importantes
Importância 1
Liberdade
Independência
Responsabilidade
Conhecimento
Segurança
Decisão
Compromisso
Liderança
Respeito
Determinação
Democracia
Escolha
Liberdade de expressão
Competência
Confiança
Fonte: Produção do autor.
FQ
92
32
27
22
13
11
8
7
7
6
5
5
5
4
4
Palavras mais importantes
Importância 2
Responsabilidade
Liberdade
Segurança
Decisão
Independência
Escolha
Compromisso
Capacidade
Atitude
Respeito
Criatividade
Liderança
Conhecimento
Competência
Direito
Autoridade
Ação
Realização
FQ
39
27
16
12
12
10
10
9
9
8
8
7
7
6
6
4
4
4
8752
Os elementos referentes às associações aos termos: Autonomia Docente e Autonomia
do Professor trazem muita similaridade às evocações ao termo autonomia, acrescentando-se
alguns elementos que se voltam aos aspectos relacionados à prática docente e a carreira
profissional, como por exemplo: avaliação, prática, executar, conduzir, orientador, amor,
valorização, compartilhar, cooperação, equilíbrio, palavras destacadas em amarelo nas
tabelas 3 e 4.
Tabela 3: Palavras associadas por 198 professores à expressão Autonomia Docente e que apresentam
uma frequência igual ou superior à 4.
PALAVRAS
ASSOCIADAS
Responsabilidade
Liberdade
Compromisso
Conhecimento
Segurança
Respeito
Planejamento
Decisão
Liderança
Independência
Competência
Criatividade
Escolha
Flexibilidade
Formação
Poder
Participação
Dedicação
Expressão indutora: AUTONOMIA DOCENTE
PALAVRAS
PALAVRAS
FQ.
FQ.
ASSOCIADAS
ASSOCIADAS
53
Organização
9
Realização
51
Confiança
8
Trabalho
46
Ação
7
Autoconfiança
37
Criticidade
7
Avaliação
26
Autoridade
7
Compartilhar
26
Capacidade
7
Comprometimento
19
Construção
7
Consciência
17
Compreensão
6
Cooperação
17
Aprender
6
Determinação
16
Disciplina
6
Direcionamento
15
Atitude
6
Dinamismo
12
Experiência
6
Direito
12
Profissional
6
Interação
10
Democracia
5
Mudança
10
Amor
5
Liberdade de escolha
10
Estudo
5
Pesquisa
9
Fazer
5
Reflexão
9
Prática
5
Equilíbrio
Total de palavras: 581
Total de palavras diferentes: 54
FQ.
5
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
Fonte: Produção do autor.
Tabela 4: Palavras associadas por 190 professores à expressão Autonomia do Professor e que
apresentam uma frequência igual ou superior à 4.
Expressão indutora: AUTONOMIA DO PROFESSOR
PALAVRAS
PALAVRAS
PALAVRAS
FQ.
FQ.
ASSOCIADAS
ASSOCIADAS
ASSOCIADAS
Liberdade
70
Flexibilidade
8
Objetivo
Responsabilidade
46
Direito
8
Qualidade
Compromisso
36
Poder
7
Realização
Conhecimento
32
Reflexão
7
Saber
Segurança
28
Consciência
7
Apoio
Respeito
27
Organização
7
Atuação
Competência
20
Atitude
7
Autoridade
Liderança
17
Poder de decisão
6
Conduzir
Escolha
16
Democracia
6
Coragem
FQ.
5
5
5
4
4
4
4
4
4
8753
Decisão
Planejamento
Criatividade
Independência
Confiança
Ação
Determinação
Domínio
Capacidade
15
14
13
13
12
11
9
9
9
Aprender
6
Comprometimento
6
Disciplina
6
Estudo
6
Trabalho
6
Valorização
5
Construção
5
Dedicação
5
Avaliação
5
Total de palavras: 585
Total de palavras diferentes: 54
Executar
Firmeza
Formação
Habilidade
Iniciativa
Orientador
Participação
Prazer
Prática
4
4
4
4
4
4
4
4
4
Fonte: Produção do autor.
Essa semelhança de termos nos leva a refletir o aspecto dialético entre as associações
dos professores, mesmo quando ele associa como sujeito ou como profissional, que de certa
forma, esclarece a sua maneira de trabalhar perante os alunos na superação dos obstáculos
enfrentados, possibilitando a construção do conhecimento.
Trabalhar a estrutura das representações sociais implica também, em trabalhar
simultaneamente com o conteúdo de representações sociais produzidos pelos sujeitos e as
condições de produções destes conteúdos (DESCHAMPS, 2005). As técnicas de análises
fatoriais, em especial de análise fatorial de correspondência, são métodos estatísticos
descritivos que podem ser utilizados se quisermos resumir um conjunto de dados. Pode ser
considerada como um método de análise exploratória de dados que permite descrever as
relações existentes entre diferentes variáveis qualitativas.
Apresentaremos o plano fatorial construído com o auxílio do software Trideux, onde
se pode identificar as aproximações e os distanciamentos no campo semântico das palavras
associadas pelos professores em relação ao perfil dos participantes. Esse tipo de análise partiu
do pressuposto de que a formação (nível e área) ou nível de atuação dos professores, pode os
conduzir a formular lógicas representacionais específicas em relação ao objeto de
representação estudado.
Os distanciamentos e oposições encontrados demonstram a particularidade de cada
grupo e revelam diferentes sentidos atribuídos à autonomia. Na figura 2, os círculos em
vermelhos destacam as oposições entre as representações e o verde as aproximações entre as
palavras evocadas.
8754
Figura 2: Plano fatorial das palavras associadas à expressão autonomia e as variáveis projetadas: nível de
atuação e área de formação profissional dos professores participantes. CPF ≥ 20 Inércia acumulada: 41,3%.
Fonte: Produção do autor, gerado pelo software Trideux.
No plano fatorial apresentado na figura 2, percebemos uma oposição entre os
professores com formação em Pedagogia e que trabalham no Ensino Fundamental 1 e os
professores formados em Matemática e Ciências da Natureza e que trabalham no Ensino
fundamental 2 e Ensino Médio.
Para o primeiro grupo a autonomia está ligada à liberdade, escolha, ação,
participação, capacidade, liberdade de expressão e consciência, voltando-se mais para a
dimensão política das representações. Essa tendência parece ser uma forte marca da teoria
freiriana, onde a autonomia é vista como tomada de consciência da influência sócio cultural
dominante, entendida como se libertar. Também aparece como a lucidez de fazer, de agir face
ao real através da participação. Lembramos que os professores participantes da pesquisa são
professores de escolas públicas, que talvez busquem uma transformação da sociedade e vejam
neste nível de ensino a possiblidade de formar alunos que saibam se expressar e escolher os
recursos colocados à disposição para seu desenvolvimento, visando a preparação do futuro
adulto.
Para o segundo grupo, a autonomia está mais ligada às dimensões cognitiva e
institucional, evidenciadas nas palavras: competência, conhecimento, habilidade, atitude,
liderança, determinação, segurança, flexibilidade.
Essas palavras podem indicar uma
8755
tendência dos professores que trabalham com alunos já maiores de dar ênfase aos aspectos do
desenvolvimento intelectual em que são priorizados os conhecimentos adquiridos, as
competências e as habilidades para a execução das atividades. Esses aspectos podem se referir
tanto ao trabalho do professor quanto ao do aluno. Trabalhar com segurança proporciona uma
atitude autônoma, que talvez o leve a uma maior flexibilidade às diferenças frequentemente
encontradas na relação com o outro.
Podemos observar destacado em verde na figura 2, uma aproximação entre as
palavras: vontade própria, individual, coletividade e construção, levando-nos a inferir que os
professores compreendem que a autonomia é construída tanto individual como coletivamente.
Podemos inferir que o individual e a vontade própria podem ter sido destacados em função de
que a autonomia não deve ser considerada como algo que se transmite, mas que se vivencia e
se busca em sociedade, parece demonstrar a complexidade e a importância do social na
construção e constituição do “eu”.
Considerações Finais
Tivemos por objetivo, neste artigo, compreender como o professor representa a
autonomia. De forma geral os professores atribuem como elementos centrais da autonomia a
liberdade, a responsabilidade e a independência. Nossos resultados mostram que a autonomia
é apreendida pelos professores em graus diversos: do aspecto mais individualista de liberdade
do sujeito a uma concepção mais social no sentido de construção na interação com o outro e
participação na sociedade.
Entendemos que tomar consciência da autonomia disponível em sua atuação, constitui
um preâmbulo ao exercício desta autonomia. O exercício da autonomia não pode se efetuar
sem uma reflexão sobre as responsabilidades confiadas ao professor e o que ele exerce
especificamente em seu trabalho. É, portanto, indispensável que cada um considere sua
autonomia através de algumas marcas: no seu campo disciplinar, na sua implicação na
integração de uma equipe pedagógica, da sua atuação junto aos estudantes, em referência ao
projeto político da instituição, na utilização dos recursos no ensino. Acreditamos que um
possível complemento da pesquisa para alguns esclarecidos poderia se centrar em observar as
práticas do professor no cotidiano escolar.
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REFERÊNCIAS
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as representações sociais de autonomia para professores de escola