QUALIDADE DA PRODUÇÃO DE SOJA NO BRASIL E AS PERSPECTIVAS PARA GRÃOS COM VALOR AGREGADO Mercedes Concórdia Carrão-Panizzi ([email protected]) – Embrapa Soja, Londrina, Brasil A produção de soja no Brasil aumentou 128% nos últimos 10 anos (1995 – 2005), passando de 23,2 milhões para 51,7 milhões de toneladas. Esse aumento de produção aconteceu devido ao aumento da área cultivada, que passou de 10,6 para 23,1 milhões de ha, e ao aumento da produtividade (2,14% ao ano). O Brasil, que é líder em tecnologias para produção de soja nos trópicos, também é o principal exportador de farelo de soja (32% do mercado mundial), o que significa uma exportação considerável de proteína de ótima qualidade. O mercado interno se concentra no consumo de óleo e ração animal. Entretanto, o consumo direto de soja entre os brasileiros está aumentando, em decorrência da divulgação dos benefícios da soja para a saúde humana e do crescimento na oferta de produtos à base de soja de melhor qualidade no mercado. Na comercialização da matéria prima, o preço real do produto depende da avaliação do mesmo conforme o padrão de qualidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), estabelecido na portaria nº262, de 23/11/1983. Vários fatores genéticos e ambientais interferem na composição e na qualidade dos grãos de soja, mas no Brasil, os limites de tolerância considerados na comercialização, para grãos avariados é de 8,0%, o que inclui grãos ardidos, brotados, danificados, imaturos, chochos e mofados; para grãos quebrados é de 30,0%; para grãos esverdeados é de 10,0%; para impurezas e matérias estranhas é de 1%; e para umidade é de 14% (Lazzari, 1999). Esse é o padrão básico para classificação de soja no Brasil, que é antigo e não incorpora os avanços técnico-científicos para avaliação da qualidade de soja comercial das últimas décadas. Estudos estão sendo desenvolvidos na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e na Universidade Federal do Paraná visando definir, caracterizar e esclarecer o impacto econômico dos fatores de qualidade para o produtor. O MAPA está desenvolvendo um padrão técnico de qualidade para os grãos de soja, que deverá contemplar soja convencional, soja orgânica e soja transgênica. Um padrão de classificação único para a soja no Mercosul poderia ser uma iniciativa de fortalecimento para o mercado internacional da soja. Outras informações sobre os procedimentos para a nova classificação de soja podem ser obtidas com Flávio A. Lazzari ([email protected]). Entre os fatores de qualidade, grãos verdes têm sido um dos mais sido crítico, porque descontos elevados são aplicados pelas empresas compradoras de grãos. A ocorrência de grãos imaturos tem aumentado no Brasil, devido a problemas com stress hídrico, altas temperaturas, pragas, doenças, manejo inadequado da cultura, bem como a dissecação pré-colheita. A coloração verde causada pela clorofila, permanece nos grãos que tiveram morte prematura devido aos fatores de estresse (Mandarino, 2005, França et. al. 2005). Em condições normais, a clorofila é degradada naturalmente durante a maturação dos grãos, e sua permanência de coloração esverdeada depende do período da morte prematura, da planta. Quando esta ocorre no final do enchimento de grãos, a cor verde é confinada ao tegumento e desaparece no armazenamento. Quando a morte prematura ocorre no início ou no meio do enchimento dos grãos, a coloração se esparrama pelos cotilédones e é mais estável (Wielbod, 2002, citado por Mandarino, 2005). O teor de proteína do grão verde é igual ao do grão maduro, uma vez que, a proteína se forma ao inicio do desenvolvimento do grão, enquanto que o teor de óleo diminui 2-3%; o óleo se forma no final do enchimento. Os grãos verdes prejudicam o óleo de soja que se torna mais ácido e mais suscetível à oxidação. O custo da refinação aumenta, porque serão necessários processos específicos para remoção da clorofila. As empresas que processam farinhas e outros produtos de soja utilizados na alimentação humana têm seus padrões específicos para recebimento do grão. A indústria Perdigão S.A., conforme Lazzari, 1999, adota os seguintes valores limites de tolerância máxima e mínima, para os fatores de qualidade: 14% de umidade, tamanho do grão maior - 288 - Workshops que 8 mm de diâmetro, menos de 0,5% de impurezas e matérias estranhas, menos de 0,5% de grãos avariados (ardidos, brotados, danificados, chochos, mofados), e 0,0% de grãos verdes. A caracterização química da matéria-prima e o melhoramento genético de soja para características específicas para qualidade, de acordo com as necessidades do mercado de alimentos, indústria e exportação serão importantes para a manutenção de um agronegócio competitivo. Portanto, a disponibilidade de informações sobre caracteres qualitativos de cultivares de soja é essencial para o agronegócio da soja. Nos Estados Unidos, principal competidor da soja brasileira e argentina, a qualidade está sendo considerada em destaque. A “United Soybean Board” e a American Oil Chemist´s Society (AOCS) estão trabalhando conjuntamente para a inclusão da certificação ISO/IEC 17025 na soja americana. Esse trabalho é fundamentado na padronização das metodologias de análises físico-química e tecnológica. Portanto, uma padronização de metodologias de análises para a qualidade da soja no Mercosul, também é necessária. Fatores genéticos e ambientais influenciam a composição química, o que inclui compostos relacionados com qualidade de soja para usos específicos, tais como proteína, óleo, ácidos graxos, tocoferóis, fitosteróis, isoflavonas, inibidor de tripsina e ácido fítico. Diferentes concentrações desses compostos podem agregar valor à soja, que será destinada a diferentes usos. Em média, as cultivares de soja apresentam 40% de proteína e 20% de óleo, os quais se correlacionam negativamente. Correlação negativa também ocorre entre proteína e rendimento, enquanto que com o óleo a correlação é positiva. As correlações negativas significativas, entre óleo e proteína, causam dificuldades quando o objetivo do melhoramento é o aumento no teor de ambos os componentes. Entretanto, observou-se que cultivares de soja semeadas em Brasília (Distrito Federal-DF), Balsas (Maranhão-MA) e Londrina (Paraná-PR) apresentaram diferentes teores de óleo e proteína. Em Balsas, Maranhão, foram observados teores elevados para os dois compostos (Carrão-Panizzi, 1998). Grieshop & Fahey (2001) observaram a mesma tendência em cultivares de soja provenientes do Mato Grosso do Sul. Temperaturas de 25° a 28° C favorecem o aumento do teor de óleo, mas temperaturas muito elevadas causam diminuição na concentração. A proteína, por sua vez, aumenta linearmente com a temperatura, mesmo quando acima de 28°C (Dornbos & Mullen, 1992; Gibson & Mullen, 1996). Portanto, proteína e óleo parecem ser favorecidos com o calor, embora a proteína pareça ser menos influenciada pelas mudanças de temperatura. O encurtamento do período diurno (fotoperíodo) favorece maior translocação de nitrogênio para a semente e o conseqüente aumento de proteína (Cure et al., 1982). Portanto, disponibilidade de nitrogênio e potencial genético da soja para melhor utilizar o nitrogênio, bem como, temperaturas mais elevadas, são fatores que determinam a concentração de proteína nas sementes (Yaklich & Vinyard, 2004). A concentração de proteína está sob maior controle genético do que o óleo (Piper & Boote, 1999). A redução do teor de ácido linolênico, por meio de modificações químicas e melhoramento genético, confere maior estabilidade ao óleo de soja. Quando refinado, o óleo com reduzido teor de ácido linolênico não apresenta “odor de peixe” e o ponto de fumaça é menor. A universidade do Estado de Iowa, (EUA) lançou, em 2003, uma cultivar de soja com 1% de ácido graxo linolênico (Fehr & Curtiss, 2004). Essa cultivar foi distribuída às indústria, para testes sobre os efeitos do reduzido teor de ácido linolênico, que assegura maior vida de prateleira e hidrogenação parcial ou menos intensa do óleo para redução ou ausência dos ácidos graxos trans. Aumento dos teores de ácidos graxos oléico, palmítico e esteárico, também confere maior estabilidade ao óleo. Cultivares de soja com ácido “mid-oléico”, ou seja, com teores variando de 50% a 60%, têm sido desenvolvidas por métodos convencionais de melhoramento genético. Uma cultivar com 80% de ácido oléico foi desenvolvida pela Dupont. A seleção genética para alto teor de oléico reduz o teor de linoléico, pois há uma significativa correlação negativa entre esses dois ácidos graxos. No Brasil, foi observada variabilidade significativa para a composição de ácidos graxos entre 250 cultivares analisadas. Sob condições de solo fértil, foram observados os seguintes valores extremos: 15,1% a 43,0%, para o ácido oléico (C18:1); 37,0% a 60,4 %, para o ácido linoléico (C18:2) e 5,9% a 12,3% para o ácido linolênico (C18:3) (Carrão- - 289 - Workshops Panizzi et al., 2003). Em soja convencional, os valores médios para o ácido oléico, linoléico e linolênico foram 23%, 53% e 9%, respectivamente. A cultivar ‘MS/BRS169 (Bacuri)’ apresentou o maior teor de oléico e o menor de linoléico. Os óleos vegetais contém antioxidantes naturais e estabilizantes, como os tocoferóis e fitoesteróis, que inibem a degradação dos lipídios. O óleo de soja contém alfa, beta, gama e delta tocoferois. Tocoferol alfa é precursor da vitamina E, funcionando como antioxidante in vivo, enquanto gama e delta tocoferóis são mais efetivos in vitro. A composição de tocoferóis nas cultivares analisadas variou de 11 a 191 ppm (alpha), 6 a 64 ppm (beta), 304 a 1333 ppm (gama), 174 a 578 ppm (delta), e 561 a 1982 ppm (total) (Carrão-Panizzi et. al, 2004). A ação antioxidante dos tocoferóis pode ter influenciado a qualidade de semente da cultivar ´Davis, que apresentou concentração reduzida de tocoferóis totais (706 ppm) e tem qualidade inferior de semente. As cultivares ‘IAS 5’ e ‘BR 4 RC’ (melhor qualidade de semente) apresentaram alto teor de tocoferol total A soja é excelente matéria prima para produção de alimentos, rações animais e produtos industriais não alimentares quando substitui materiais provenientes da petroquímica. A disponibilidade da soja no Brasil pode facilitar sua ampla utilização no País. Entretanto, como alimento, a aceitabilidade foi limitante devido ao seu sabor característico e às dificuldades naturais de mudanças no hábito alimentar dos brasileiros. Atualmente, essa situação está completamente modificada, graças às tecnologias disponíveis que melhoraram o sabor e outras características, de produtos à base de soja. Os resultados testados e divulgados pela mídia sobre os efeitos benéficos da soja para a saúde humana, também constituem importante fator para essas mudanças de comportamento da população, em relação à soja como alimento humano. O melhoramento genético é outra tecnologia que, com menor custo de produção, permite adequar a soja ao consumo direto ou ao processamento industrial. Dependendo do tipo de utilização a que a soja se destina, o programa de melhoramento genético da soja para obtenção de soja especial se concentra na melhora das seguintes características: para uso como hortaliça (“edamame”) ou para tofu, consideram-se grãos de tamanho grande, com sabor suave (altos teores de sacarose e frutose) e hilo de cor amarela; para uso em “natto” (alimento fermentado japonês) ou para brotos de soja, preferem-se grãos pequenos; para uso em rações animais, ausência ou redução de inibidor de tripsina melhora a qualidade da ração; como também o sabor da soja é melhorado com a ausência das isoenzimas lipoxygenases, responsáveis pelo sabor de feijão cru. A obrigatoriedade para que nos rótulos dos alimentos haja especificação sobre o teor de ácidos graxos trans, decorrentes da hidrogenação dos ácidos graxos linolênico e linoléico dos óleos vegetais, implica na necessidade de maior atenção à qualidade do óleo de soja. Modificações genéticas para a composição do óleo devem ser observadas em programas de melhoramento genético, o que inclui redução do teor de ácido linolênico e aumento do ácido oléico, bem como, modificações nas concentrações de tocoferóis e fitosteróis. Aumento do teor protéico e modificações na razão das frações protéicas (11S/7S) da soja são caracteres importantes por melhorarem a qualidade das rações e dos alimentos. As frações protéicas estão relacionadas com diferentes propriedades funcionais da proteína como também com propriedades nutracêuticas. Portanto, o desenvolvimento de germoplasma para obtenção de cultivares com características mais adaptadas ao consumo humano pode viabilizar o aumento de consumo interno e maior valor agregado ao grão de soja. Amplia as alternativas de mercado interno e externo para produtores e processadores, bem como, o mercado de soja orgânica, que necessita de cultivares especiais, para atender à demanda dos produtores orgânicos. Para atender mercados específicos, a Embrapa Soja lançou para cultivo comercial as cultivares especiais BRS 213, BRS 257, BRS 258, BRS 216, e BRS 267 que podem ser produzidas em sistemas de cultivo orgânico ou convencional. As cultivares BRS 213 e BRS 257 não apresentam as enzimas lipoxygenases, podendo, então, prevenir o desenvolvimento do sabor desagradável observado em produtos de soja. Essas cultivares disponibilizam matéria prima de excelente qualidade para o processamento industrial de - 290 - Workshops alimentos à base de soja. A cultivar BRS 216 apresenta grãos pequenos (10g/peso de 100 sementes), característica que a torna adequada para “natto” (alimento fermentado japonês) e para a produção de brotos de soja, a exemplo, dos brotos de feijão (“moyashi”). A cultivar BRS 258 consiste numa BR 36 melhorada, sendo indicada para o cultivo orgânico. Apresenta sabor suave, semente grande e hilo claro. A cultivar BRS 267 apresenta semente grande, sabor superior e é ideal para produção de “tofu”, farinhas e extrato (“leite” de soja). Essa cultivar pode ser consumida como soja verde ou hortaliça, quando colhida no estádio R6 (grãos desenvolvidos, mas ainda imaturos). Como hortaliça, a soja normalmente, é vendida com vagens presas nos galhos, com vagens soltas ou com os grãos debulhados. Para obtenção de teores mais altos de isoflavonas (composto bioativos que atuam na redução dos riscos de doenças crônicas), recomenda-se o cultivo da soja em locais que tenham temperaturas mais baixas durante o enchimento de grãos, o que irá favorecer uma maior concentração das isoflavonas (Carrão-Panizzi, 2002). Essa observação é importante para processadores de alimentos funcionais, que precisam de matéria prima com altos de teores de isoflavonas. No Brasil, o mercado de alimentos à base de soja ainda é recente e o segmento de bebidas elaboradas à base de soja é o que mais tem crescido (cerca de 900% entre 1999 a 2002). Em 2005, o consumo de bebidas de soja cresceu 60%, no Brasil. O segmento de alimentos à base de soja movimentou cerca de U$23 milhões, em 2001, e há estimativas de que possa chegar a R$ 4 bilhões, em 2020. As perspectivas para a produção de sojas especiais com valor agregado e para processamento são as mais promissoras. A oferta de produtos de qualidade superior manterá esse crescimento que será demandado pelos consumidores. Referências CARRÃO-PANIZZI, M.C.Caracterização química, física, tecnológica e sensorial de cultivares de soja provenientes das diferentes regiões produtoras do Brasil. In: EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Soja (Londrina, PR). Resultados de Pesquisa da Embrapa Soja 1997. Londrina, 1998. p. 237-242. (EMBRAPA-CNPSo. Documentos, 118). CARRÃO-PANIZZI, M.C and ERHAN, S. Chemical composition of specialty soybean genotypes. Program and st Abstracts – 31 . U.S. and Japan Natural Resources (UJNR) Protein Resources Panel Meeting, December 16, 2002, Monterey, CA, p.39. CARRÃO-PANIZZI, M.C and ERHAN, S. Effects of cultivars and sowing location on oil, protein, and fatty acid composition of soybeans. Abstracts – 98th AOCS Annual Meeting & Expo, May 4-7, 2003, Kansas City, KA, p. 118. th CARRÃO-PANIZZI, M.C & ERHAN, S. Z. 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