Aula 15
Introdução à Filosofia: Ética
FIL028
http://www.introetica.ecaths.com
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
(1) Teoria hedonista
(2) Teoria da preferência
(3) Teoria objetivista (ou perfeccionista)
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
(1) Teoria hedonista: bem-estar (ou
felicidade) é identificado com o maior
grau de prazer e menor grau de dor.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
Dois tipos de teoria hedonista:
(1.1) hedonismo puramente quantitativo: bem-estar (ou felicidade) é
identificado apenas com o maior grau possível de prazer e o
menor grau possível de dor. (Bentham, An Introduction to the
Principles of Morals and Legislation, 1789)
(1.2) hedonismo qualitativo: bem-estar (ou felicidade) é identificado
não apenas com o maior grau possível de prazer e o menor grau
possível de dor, mas também com o tipo de prazer envolvido. Há
prazeres mais elevados que outros. (J. S. Mill, Utilitarianism,
1863)
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Hedonismo Puramente Quantitativo:
“A utilidade de todas estas artes e ciências (...) é exatamente
proporcional ao prazer que elas geram. Toda espécie de
preeminência que se possa tentar estabelecer entre elas é
completamente ilusória. Preconceitos à parte, o jogo de
“push-pin” tem igual valor ao das artes e ciências da música e
da poesia. Se o jogo de “push-pin” gerar mais prazer, ele é
mais valoroso do que qualquer uma daquelas. Todos podem
jogar “push-pin”; poesia e música são apreciados apenas por
alguns. O jogo de “push-pin” é sempre inocente: seria bom se
o mesmo pudesse ser sempre dito da poesia. Na verdade, há
entre a poesia e a verdade uma oposição natural: moralidade
falsa e natureza fictícia (...)” (J. Bentham, The Rationale of
Reward, III.i)
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Os prazeres de um Sócrates:
• Reflexão filosófica: 1000 unidades de prazer
• Infelicidade ordinária humana: - 200 unidades
de prazer
• Total: 800 unidades de prazer
Os prazeres de um porco:
• Rolar na lama: 1000 unidades de prazer
• Total: 1000 unidades de prazer
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
A tese dos prazeres mais elevados:
J. S. Mill argumenta, em O Utilitarismo (1863),
que há uma distinção qualitativa (e não
meramente quantitativa) entre instâncias ou
exemplares de prazer. Haveria, portanto,
segundo Mill, uma diferença de tipo ou natureza
(e não apenas de grau) entre experiências de
prazer. Certos prazeres seriam mais elevados
do que outros.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
A tese dos prazeres mais elevados:
Exemplos que apontam para a aparente plausibilidade da tese de Mill:
• Pense nos prazeres que deixariam um porco feliz e nos prazeres
que deixariam um Sócrates feliz.
• Compare o prazer de ouvir a nona sinfonia de Beethoven ou “A
Love Supreme” de John Coltrane com o “batidão” de um MC.
• Compare o prazer de gozar de boa saúde em liberdade com o
prazer de gozar de boa saúde dentro de uma prisão.
• Pense nos prazeres relacionados ao conhecimento, à descoberta, à
criatividade, ao entendimento, à amizade, etc.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
A tese dos prazeres mais elevados:
• Qualquer soma de um prazer mais
elevado, não importa quão pequeno
ele seja, é melhor do que qualquer
soma de um prazer inferior, não
importa quão grande ele seja.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
A tese dos prazeres mais elevados:
Critério para a distinção dos prazeres mais elevados:
• Mill argumenta que um indivíduo que tivesse experimentado todos
os tipos de prazer seria capaz de dizer qual é o mais elevado e qual
é o mais inferior.
• A ideia, então, seria perguntar àqueles que tiveram experiências
(provavelmente com as mesmas quantidades) de um prazer X e de
um prazer Y qual experiência de prazer eles preferem.
• Na ausência daquela experiência, deveríamos individualmente
seguir a opinião daqueles que a tiveram.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
A tese dos prazeres mais elevados:
Objeções:
• Mill faz a distinção entre os prazeres usando
diferentes dicotomias:
– ‘mental’ versus ‘corporal’
– ‘nobre’ versus ‘reles’
– ‘humano’ versus ‘animal’
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
A tese dos prazeres mais elevados:
Objeções:
•
Ao afirmar que um indivíduo que experimentasse os dois tipos de prazer
seria capaz de distinguir entre os prazeres mais elevados e os prazeres
mais baixos, Mill parece pressupor que existem dois tipos de prazer.
•
Diante dessa objeção, Mill poderia argumentar que aquele que experimenta
instâncias distintas de prazer (um prazer é relacionado ao objeto X, o outro
prazer é relacionado ao objeto Y) e prefere uma a outra estaria fazendo
uma distinção qualitativa entre tais prazeres.
•
O problema com esta última sugestão é que aparentemente não temos
qualquer critério para saber quem são as pessoas idôneas ou corretamente
situadas para chegar àquela distinção entre tipos de prazer. Afinal, parece
que qualquer um de nós poderia experimentar prazeres distintos.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
A tese dos prazeres mais elevados:
Objeções:
• Ademais, parece que a tese deve ter um critério para
distinguir como alguns poderiam fazer a distinção (qualitativa)
corretamente e outros não.
• Ao supor que há um grupo de pessoas competentemente
situadas para fazer a distinção, nós parecemos já pressupor
uma noção valorativa—a saber, a de competência. Neste
sentido, não podemos aparentemente dizer o que ou como é
fazer competentemente a distinção entre tipos de prazer sem
já pressupor tal distinção e seu critério de competência—em
cujo caso o argumento seria circular.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
A tese dos prazeres mais elevados:
Objeções:
1.
Incomensurabilidade:
–
2.
Prazeres heterogêneos não pode ser medidos em uma única
escala.
Pluralismo de valor:
–
Se alguns prazeres são mais valorosos (por sua própria
natureza) do que outros, então parece que prazer não é o único
valor (intrínseco).
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
A tese dos prazeres mais elevados:
Objeções:
Pluralismo de valores:
• Problema: Por que os prazeres mais elevados têm mais valor ou,
em outras palavras, por que eles são mais elevados?
• Duas possíveis respostas:
1. Porque eles envolvem mais prazer.
2. Porque, além de prazer, eles envolvem outros elementos de
valor.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
A tese dos prazeres mais elevados:
Objeções:
Ambas as respostas parecem ser problemáticas:
•
A opção 1 leva à tese de Bentham.
•
Opção 2:
Uma possível formulação:
Filosofia é algo mais valioso do que rolar na lama porque é mais valorosa em outras
maneiras, distintas de prazer: por exemplo, envolve criatividade, o desenvolvimento
de capacidades críticas, o uso de distintas faculdades humanas, etc.—que teriam
elas mesmas valor intrínseco.
Mas, se assim o é, então prazer não é a única coisa com valor intrínseco.
Precisamos de uma lista de valores e o prazer talvez fosse apenas um dentre eles.
Portanto, a opção 2 parece implicar o abandono do hedonismo.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
A tese dos prazeres mais elevados:
Objeções:
• O hedonismo qualitativo é efetivamente uma forma de
hedonismo?
• Afinal, em última instância não valorizaríamos prazeres
apenas por serem prazeres, mas por serem prazeres
relacionados a uma determinada atividade ou serem
direcionados a um objeto específico.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
A tese dos prazeres mais elevados:
Objeções (o hedonismo puramente quantitativo contraataca):
• Que seres humanos amantes de ópera, por exemplo,
realmente sabem como é estar totalmente absorvido
pelo “batidão” de um MC?
• Qual de nós genuinamente sabe como é ser um porco
chafurdando na lama?
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Resposta do hedonismo puramente quantitativo:
• Como resposta, o hedonismo puramente quantitativo pode
simplesmente dizer que prazeres relacionados ao conhecimento, à
descoberta, à criatividade, ao entendimento, à amizade, etc., assim
como o prazer de ouvir a nona sinfonia de Beethoven devem, de
fato, ser considerados superiores. Mas o que os torna superiores
não é o fato de haver uma distinção qualitativa entre eles. O que os
torna superiores é o fato de que prazeres relacionados àqueles
objetos são mais intensos e duradouros. Neste sentido, devem ser
preferidos aos prazeres relacionados a objetos que serão pouco
intensos e fugazes. Ao preferir os primeiros, a experiência de prazer
de um indivíduo seria mais rica—em um sentido puramente
quantitativo. Ainda assim, uma unidade de prazer relacionada a um
objeto (por exemplo, ouvir o “batidão” de um MC) conta tanto
quanto uma unidade de prazer relacionada a outro objeto (por
exemplo, ouvir a nona sinfonia de Beethoven).
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar
ou felicidade:
• Objeção de Robert
Nozick (em Anarchy,
State and Utopia,
1974) ao (utilitarismo)
hedonista.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
•
Robert Nozick propõe uma experiência de pensamento com o seguinte
cenário: suponha que exista uma máquina na qual você entre e ela
possa simular perfeitamente o mundo real ao estimular o seu cérebro.
Nesta máquina, você é capaz de experimentar todos os tipos de
prazeres da vida real que você quiser. A pergunta de Nozick é: se nos
fosse dada a oportunidade de escolher, preferiríamos trocar a nossa
vida real pela vida virtual perfeita (com todos os prazeres mais
elevados, em mais alto grau) simulada pela máquina?
•
A resposta de Nozick é que não trocaríamos a nossa vida real pela
vida virtual. Mas, se isto é o caso, então parece haver algo de valor
intrínseco que vai além da presença de prazer e ausência de dor.
Porém, o hedonista aparentemente não tem um argumento para poder
dar esta mesma resposta, já que para o hedonista o que importa é
simplesmente a experiência da presença do prazer e da ausência da
dor.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
Razões para não entrar na máquina de Nozick:
(1) Queremos efetivamente realizar certos fins e não
apenas ter a experiência de os realizar.
(2) Queremos ser um determinado tipo de pessoa e não
apenas um “cérebro em um tanque”.
(3) Queremos efetivamente ter contato com a realidade e
não apenas algo artificialmente produzido.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
Possíveis respostas a Nozick:
• Simplesmente aceitar que é inteiramente racional entrar
na máquina e que a “intuição” de Nozick, apresentada
por aquelas razões, é equivocada.
• Fazer uma distinção entre um estado prazeroso e a
ideia prazerosa de um estado. Ainda que o estado
estimulado pela máquina seja prazeroso, a ideia de tal
estado não é prazerosa. Assim, isto pode funcionar
como uma justificativa para não escolhermos a máquina.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
(2) Teoria da preferência: bem-estar (ou
felicidade) é identificado com a
satisfação de nossas preferências ou
realização de nossos desejos.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
Aspectos positivos da teoria do bem-estar como
preferência:
•
Possui uma resposta clara ao argumento de Nozick.
•
A teoria pode também fazer referência a um desejo (de
ordem superior) de saber que meus desejos foram
realizados. Assim, ela evitaria a objeção de que posso ter
desejos satisfeitos sem saber disto. Neste caso, a teoria
evitaria o resultado de ter que dizer que alguém poderia ser
feliz sem saber.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
Aspectos negativos da teoria do bem-estar como
preferência:
Seres humanos podem ter preferências (ou desejos)
bizarros e compulsivos. Por exemplo: pode-se desejar
contar folhas de grama, lavar as mãos
compulsivamente, desejar não sofrer dor na terçafeira, etc.
Além disso, muitos de nossos desejos são baseados
em informação errada, em pensamentos ou reflexões
superficiais, em inexperiênca, em preconceito, etc.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
Possíveis respostas da teoria do bem-estar
como preferência:
• Traçar uma diferença entre desejos atuais e
desejos ideais, isto é, entre desejos que eu
tenho agora e desejos que eu teria se estivesse
bem informado, refletisse adequadamente,
estivesse livre de preconceitos, de compulsões,
etc.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
Possíveis respostas da teoria do bem-estar como
preferência:
Processo deliberativo de informação completa: a teoria
não identificaria bem-estar diretamente com um desejo,
mas apenas com aqueles desejos que “sobreviveriam” à
informação completa sobre a situação do agente.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou
felicidade:
Possíveis respostas da teoria
do bem-estar como
preferência:
Processo deliberativo de
informação completa: Richard
Brandt argumenta que os
desejos que devem ser
satisfeitos são aqueles que
permanecem como resultado
de um processo reflexivo
cognitivo, em que nós
consideramos vivamente todas
as possibilidades de agir.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
Aspectos negativos da teoria do bem-estar como preferência:
• Alguém poderia, então, sugerir que ter as coisas que
desejaríamos se fôssemos inteiramente racionais, livres de
preconceitos, totalmente informados, etc., é algo que
desejaríamos justamente porque aquelas são coisas de valor
intrínseco. Ou seja, se fôssemos bem informados, etc., nós
reconheceríamos e desejaríamos as coisas que realmente
devem ser desejadas—independentemente de as desejarmos
(atualmente).
• Mas, neste caso, não é mais claro que ainda temos uma
teoria da preferência.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
(3) Teoria objetivista: bem-estar (ou felicidade) é
identificado com a obtenção de certos valores
positivos objetivos (isto é, que existem
objetivamente)—tais como prazeres mais elevados,
auto-realização, criatividade, saúde, conhecimento,
respeito, liberdade, amizade, moderação nos
prazeres sensuais, etc., e na ausência de certos
valores negativos objetivos, tais como dor,
imoderação, solidão, etc.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
Aspectos positivos da teoria do bem-estar como valores objetivos:
Evita as objeções comuns às outras duas teorias vistas
anteriormente. Uma vez que o bem-estar é atingido por critérios
objetivos, é importante que estes sejam genuinamente obtidos e
não apenas tenhamos a sua experiência. Além disso, casos de
desejos bizarros e compulsivos estão excluídos.
A teoria hedonista estaria, assim, equivocada pelo fato de supor
que o valor de tais coisas é apenas instrumental—uma forma de
promover prazer. E a teoria da preferência é equivocada por supor
que tais coisas são de valor apenas porque nós as desejamos. Tais
valores independem de termos desejos por eles.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
• Dessa forma, a teoria deixaria de ser utilitarista clássica ou
utilitarista da preferência e se configuraria como uma teoria
consequencialista, em que ações são julgadas corretas ou
não em função de sua capacidade de promoção de uma
pluralidade de fins ou estados de coisas ideais. É neste
sentido que a teoria é normalmente chamada de idealista.
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
Aspectos problemáticos da teoria do bem-estar como valores objetivos:
Problema epistemológico:
•
•
•
Como descobrir os valores objetivos?
Como chegar a uma lista de tais valores?
O que une tais valores?
Problema ontológico (relativo àquilo que é ou existe):
•
•
•
Onde estão tais valores?
Como eles são constituídos, uma vez que são (ao menos parcialmente)
independentes da subjetividade humana?
Qual é a natureza de tais valores?
J. S. Mill, Utilitarismo e
Consequencialismo
Teorias do bem-estar ou felicidade:
Aspectos problemáticos da teoria do bem-estar como
valores objetivos:
Uma vez que a posse dos valores objetivos independe
dos nossos desejos (e mesmo da nossa opinião),
poderia ser o caso que, de acordo com a teoria, nós
tivéssemos uma boa ou má vida (com alto ou baixo grau
de bem-estar ou felicidade) ainda que não a
reconhecêssemos com tal. Poderíamos até mesmo ter
uma vida boa ou má (naquele sentido objetivo) que
consideraríamos desagradável ou agradável,
respectivamente.
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