A ESCUTA DE UM IMPASSE: O DILEMA DE HÉRCULES* - SER OU NÃO
SER?
Msc. Niamey Granhen Brandão da Costa - Centro de Ciências Biológicas e da
Saúde/UNAMA e Faculdade de Psicologia/UFPA
INTRODUÇÃO
O termo adolescência, etimologicamente, é composto pelos prefixos latinos “ad”, que
significa para a frente, mais dolescere, que significa crescer, com dores, o que denota
tratar-se de um período de transformações, de crises, sendo as principais transformações
não apenas de natureza anatômica e fisiológica, mas também de natureza psicológica,
especialmente voltadas para a busca de uma identidade individual, grupal e social
(ZIMERMAN, 1999). Assim, a adolescência pode ser compreendida como um período
em que o individuo se redefine como pessoa, sendo esta marcada pela “busca de si
mesmo, numa transição da identidade infantil para a identidade adulta” (LEVISKY,
1998, p.35). Ressalta-se que essa transição será vivida com maior ou menor dificuldade,
e que “a resultante dessa busca exerce papel fundamental na formação e consolidação
da estrutura básica da personalidade” (ibid, p.35).
Para Aberastury e Knobel (1992) é nesta fase que o jovem é convocado a elaborar o luto
pelo corpo de criança, pela identidade infantil e pela relação com os pais da infância, e
que este processo tende a ocorrer de forma lenta e dolorosa, desencadeando sofrimento
psíquico, pois é neste ciclo do desenvolvimento que se fazem presentes novas demandas
e impasses vivenciados de modo singular através das manifestações de comportamentos
e sentimentos saudáveis ou com sofrimento psíquico representados através de angústia,
ansiedade, medo, tristeza, raiva dentre outros, em função da própria subjetividade ao se
depararem com essas situações e mais especificamente com a obrigatoriedade da
escolha profissional. Essa escolha na sociedade contemporânea vem se apresentando
como uma tarefa muitas vezes difícil e de intenso sofrimento psíquico, não só para o
adolescente, mas para seu universo relacional, que pode se apresentar como um mundo
acolhedor, continente desse sofrimento, auxiliando o jovem a elaborar e resignificar as
crises da adolescência, ou como um lugar hostil que contribui para o sofrimento
psíquico. “Um mundo interno bom e boas imagos paternas ajudam a elaborar a crise da
adolescência tanto como as condições externas conflitivas e necessárias durante este
período” (ABERASTURY; KNOBEL, 1992, p.63). Deste modo, podemos considerar
que a adolescência seja uma fase de correlação das múltiplas dimensões do
desenvolvimento que se complementam e se integram ou desintegram de forma a
alcançar a maturidade do adolescente, quer seja nos aspectos biossociais, cognitivos ou
psicossociais, interferindo na autoimagem, nos sentimentos e nos comportamentos do
SER ADOLESCENTE diante do impasse da escolha: ser ou não ser? O que é
corroborado por Santrock (2003, p.8), ao afirmar que a adolescência “é uma época de
avaliação, ou de tomada de decisões, de comprometimento, e de procurar um lugar no
mundo”.
O presente trabalho tem por objetivo relatar o impasse diante da escolha profissional,
manifestado por Hércules, um adolescente de ensino médio de uma escola pública de
Belém do Pará.
METODOLOGIA
Participou deste estudo um adolescente, nomeado ficticiamente como Hércules, 17
anos, aluno do 2º ano do ensino médio de uma escola pertencente à rede pública de
ensino localizada na cidade de Belém, no estado do Pará. O adolescente integrou um
grupo terapêutico de escuta, realizado no segundo semestre de 2011, desenvolvido no
Projeto de Extensão da UFPA, intitulado “Facilitação da Escolha em Orientação
Vocacional”, que busca a implementação de espaços de escuta destinados a acolher
ansiedades, dúvidas, inseguranças, medos, fantasias, evidenciados durante cinco
encontros realizados, com diálogos reflexivos que possibilitaram ao jovem expor seus
impasses diante da escolha profissional.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados revelam que processos inconscientes são determinantes na escolha de uma
profissão e que essa escolha pode causar sofrimento psíquico, o qual se evidencia
significativamente durante a fase da adolescência através da conduta e dos sentimentos
expressos pelo jovem, observados durante o processo de escuta terapêutica,
principalmente quando existem conflitos inconscientes não resolvidos. Verificou-se
também que a família, através de suas idealizações pode maximizar o sofrimento
psíquico do jovem diante do impasse da escolha. O que pode ser ilustrado pela fala de
Hércules:
“Gosto de desenhar roupas, mas as pessoas dizem que isso é coisa de mulherzinha,
coisa de gay. Minha mãe diz que tenho de mostrar pra minha família, pra meu pai
mesmo, pros os vizinhos que sei escolher uma profissão de verdade, sabe, uma de
homem, então não vou desenhar mais nada, nem vestido pra ela, nem pras minhas
irmãs. To com muita raiva, mas vou mostrar pra eles. [...] Não sei o que quero, mas sei
que tem de ser uma profissão de homem, pois assim as pessoas não vão mais zoar de
mim, me chamando de fraquinho, de bichinha, de gayzinho. [...] Mamãe disse que
sempre sonhou ter um filho homem e que disseram pra ela que Geologia é profissão de
macho, que dorme no chão e que é duro mermo trabalhar viajando, fazer acampamento,
mas que ganha muito dinheiro, acho que é isso mesmo que vou fazer. Agora eles vão
ver!”.
Para Uvaldo e Silva (2010) a escolha de uma profissão se configura como um conjunto
de representações do que o jovem considera como mais desejável, não se reduzindo
apenas a um desejo ou a intenções profissionais, mas a um projeto profissional que
deveria comportar “uma tripla reflexão: sobre a situação presente, sobre o futuro
desejado e sobre os meios de alcançá-lo, levando à criação de estratégias de ação” (p.
33). Reflexão esta que pode ser oportunizada em grupos de apoio vocacional, mediante
a expressão de dúvidas e sentimentos manifestados pelos adolescentes.
Nessa etapa da evolução psicossexual, o jovem revive, consciente ou
inconscientemente, situações do passado. Essa transição será vivida com
maior ou menor dificuldade, sendo que as características da passagem pela
adolescência dependerão de suas experiências infantis, das relações afetivas
primárias, das características de sua iniciação na vida social, do modo de
resolução das relações triangulares por ocasião do conflito edipiano, de suas
angústias e temores, os quais nessa ocasião poderão ser, de alguma forma,
revividos por ele (LEVISKY, 1998, p. 35).
Segundo Bohoslavsky (1993), se faz relevante que no processo de escuta do impasse da
escolha profissional se considere os aspectos inconscientes determinantes da posição
subjetiva do adolescente frente à problemática da escolha. Para Levisky (1998)
manifestações psicopatológicas ansiosas e depressivas podem ser evidenciadas no
comportamento de adolescentes associadas à escolha profissional e que se revelam de
forma mais acentuada no cotidiano escolar visto que é nesse espaço de aprendizagem e
relacionamento interpessoal que os jovens são mais diretamente levados a refletir e
expressar suas escolhas profissionais. Mesmo assim, os sintomas de ansiedade e
depressão muitas vezes não são reconhecidos como manifestações psicopatológicas
passando a ser compreendidos como pertinentes às crises da adolescência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considera-se que fazer uma escolha profissional no ciclo da adolescência, o qual como
afirma Levenfus (1997, p. 213) “é uma etapa do desenvolvimento, como todas as outras,
que não se modifica de forma instantânea e abrupta, tampouco, da mesma forma em
todos os indivíduos, sendo um produto do desenvolvimento humano desde a infância e
refletindo a natureza da integração da personalidade”, momento este de tomada de
decisão, de buscar um lugar no mundo; pode ser uma situação desencadeadora de
intenso sofrimento psíquico para o adolescente, para sua família e para a sociedade,
causando-lhes prejuízos psicológicos, principalmente quando existem conflitos
inconscientes não resolvidos. Deste modo, ressalta-se que há uma necessidade premente
de se constituir equipes multiprofissionais, que utilizem a escuta como instrumento para
compreender o universo singular de cada adolescente em seu processo de escolha, de
desenvolvimento e de construção da sua identidade e do seu projeto de vida;
desenvolvendo uma intervenção terapêutica, buscando a promoção da saúde numa
concepção mais integradora. Destaca-se que no projeto de “Facilitação da Escolha em
Orientação Vocacional”, a escuta clínica psicanalítica revela-se um valioso recurso
técnico no trabalho com a resistência, entre outros mecanismos psíquicos, frente às
angústias e o sofrimento psíquico suscitados pelo e no movimento de tornar-se “gente
grande adulta”.
*Nome fictício
REFERÊNCIAS
ABERASTURY, A; KNOBEL, M. Adolescência normal. Porto Alegre: Artes Médicas,
1992.
BOHOSLAVSKY, R. Orientação vocacional: a estratégia clínica. 9. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1993.
LEVENFUS, R. S. Psicodinâmica da escolha profissional. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997.
LEVISKY, D. L. Adolescência: reflexões psicanalíticas. 2. ed. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 1998.
SANTROCK, J.W. Adolescência. 8. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2003.
UVALDO, M. da C. C.; SILVA, F. F. da. Escola e escolha profissional: um olhar sobre a
construção de projetos profissionais. In: LEVENFUS, R.S.; SOARES, D. H. P.
Orientação vocacional ocupacional. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
ZIMERMAN, D.E. Vocabulário contemporâneo de Psicanálise. Porto Alegre:
Artmed, 1999.
Contato: e-mail: [email protected]
Download

A ESCUTA DE UM IMPASSE: O DILEMA DE HÉRCULES*