A LIBERDADE DO (NÃO) SER LIVRE
Odiado por alguns, amado por vários outros, Sartre não teve na
aparência seu maior trunfo, mas a sagacidade e inteligência foram seu “all-in” existencial.
Defensor e representante da Teoria do Existencialismo, Sartre é o autor da famosa frase
“Estou condenado a ser livre”. Na contramão de qualquer conceito contemporâneo sobre
liberdade, Sartre defendeu a ideia de que quem é livre pode escolher, e a escolha sempre é
angustiante, o que justifica a ideia de que somos “condenados” à liberdade. Ser livre é
angustiante. Escolher entre um caminho ou outro gera medo, nos limita, nos transforma.
A ideia não é fazer um estudo aprofundado sobre a filosofia de Sartre,
pelo contrário, o objetivo é provocar nos leitores uma reconstrução dos seus conceitos sobre o
papel da liberdade em nossas vidas. O quanto ser livre é bom e ruim, e o quanto nós
realmente buscamos exercitar essa liberdade na prática. Afinal, discursos sobre “como é bom
ser livre” nós encontramos às pencas por aí, porém, onde mora a liberdade? E aqueles que
defendem um discurso sobre a liberdade, buscam a liberdade ou estão acomodados, sentados
em seu sofá da consciência, tomando um café e assistindo o noticiário mal intencionado das
21hs?
Hesitei em começar a escrever sobre liberdade, pois além de
multifacetado, é um tema que se constrói através de conceitos individuais e mais do que
personalíssimos. Conceitos esses que são incutidos em nossa mente antes que possamos
pensar bem sobre eles, e que dificilmente vão se transformar através de uma simples
provocação. Porém, semear novas ideias também é um ato de liberdade, assim...
A questão é: Não somos livres, e não queremos ser. Essa é a verdade
nua, crua, e servida com um molho apimentado. Todo o discurso que sai de nossas bocas
quando o assunto é liberdade é um discurso pré-concebido, que foi incutido em algum
momento histórico-social-cultural e se tornou uma verdade (in)absoluta que tratamos como se
fosse um indefeso animal correndo perigo.
Então, o porquê não somos livre é uma pergunta fácil de ser
respondida e que não precisa de um grande aparato filosófico. O que não encontra respostas
óbvias é o questionamento sobre o “não querer ser livre”, pergunta que poucos já se fizeram,
poucos se auto avaliaram, analisaram e perceberam o quão contraditórias são nossas opiniões,
conceitos e atitudes quando o assunto é “liberdade”.
A palavra secreta é “Comodismo”, o comodismo impera na nossa vida
e é uma âncora existencial. É tão fácil simples e cômodo continuar em um relacionamento
desgastado, permanecer em um emprego que não lhe faz feliz, manter certas relações sociais,
continuar frequentando os mesmos lugares, morando na mesma cidade, acumulando
bugigangas em casa, sendo feliz com o consumismo vazio dos shooping centers, tentando
satisfazer as veleidades alheias. É tão simples continuar sendo o que já se é. Pois bem, essa é a
resposta, não somos livres pois não queremos, temos medo de enveredar por novos caminhos,
trilhar o desconhecido. Somos fracos.
Não existe liberdade quando passamos a semana esperando pela
chegada da sexta-feira. Não é livre aquele que acorda às 07hs e coloca o despertador no modo
“soneca” para adiar o inicio de mais um dia “puxado e pesaroso” de trabalho. Não é livre quem
vive convenções sociais pois “precisa estar adaptado ao que a maioria pensa”. Não é livre
quem sonha e não realiza. Não é livre quem é diferente mas passa 08hs por dia entre os iguais.
Não é livre quem precisa dos outros para ser feliz.
A lista ocuparia páginas, já que os exemplos são infinitos. Além disso
cada um tem uma lista pessoal e impublicável. E cada um sabe bem quais são os itens da sua
lista.
Agora imaginem uma cena lúdica...Um quadro com um fundo
estampado de interrogações, a imagem principal: uma gaiola dourada e pequena e um pássaro
colorido, que ocupa um bom espaço dessa gaiola. Nós somos esse pássaro, colorido,
majestoso e que canta (canta a liberdade). É só fecharmos os olhos para poder prestar atenção
apenas no som. Se não tivéssemos visto a cena jamais imaginaríamos que ele está dentro
daquela gaiola. A música é tão bonita, não acham?
A gaiola por sua vez, é nossa alma, é também nosso mundo, é onde
vivemos agora, sempre estivemos aí, por isso o som da liberdade nos toca; dentro dos limites
das nossas verdades ele é profundo e verdadeiro. O pássaro sempre cantou dentro da gaiola
dourada, o canto dele é uma mentira e ele nem sabe, canta feliz, pois por nunca ter ouvido
outra música, acredita na sua como sendo a mais profunda e verdadeira da existência.
Um detalhe quase imperceptível aos olhos de quem está preso à
musica e ao canto de liberdade do pássaro aprisionado, é que a porta da gaiola está aberta,
para voar basta interromper a música e olhar ao seu redor. O pássaro pode voar, pode ser
livre, basta sair da gaiola dourada que lhe protege e encarar os perigos e os riscos do lado de
fora do seu mundo quadrado e previsível. O pássaro sabe disso, mas ele está de costas para a
porta da gaiola, “finge não ver” a portinhola aberta, e canta alto, para que ninguém lhe
interrompa e lhe sugira outras alternativas (como parar de cantar e sair voando pelo mundo).
Nós somos os pássaros, acomodados e satisfeitos dentro das nossas
gaiolas, sair delas é difícil, arriscado e exige de nós mais do que discursos. Sair das gaiolas
existenciais exige uma ação, exige arriscar-se, exige bater as asas que já estão atrofiadas pelo
decurso de um tempo de muitos discursos e pouco movimento. É mais fácil para o bicho
homem seguir cantando a liberdade dentro de sua gaiola, seguro em sua rotina, emprego e
relacionamento falidos.
Liberdade é isso, o lado de fora de nossas gaiolas, pense um pouco
sobre onde suas asas podem te levar e sobre o teu medo de voar. Você não é livre, o discurso
não faz os fatos, e os fatos estão aí, é só olhar para a porta da gaiola, ela está aberta e você
continua cantando.
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