A INQUISIÇÃO E A SUPRESSÃO DA HERESIA PELA FORÇA 1 Pe. Leonardo Lucian Dall Osto 1.1 Os antecedentes possibilitadores da Inquisição medieval Depois de serem averiguados vários fatos que envolvem a Idade Média, não permitindo, portanto, chamá-la de “idade das trevas”, analisaremos um aspecto muito sombrio surgido neste período: a Inquisição. O juízo sobre a Inquisição, (ou as inquisições se contemplarmos sua atuação extremamente diversificada nas diversas regiões em que esteve instalada), não pode prescindir de um acurado exame do contexto epocal, como já fora referido precedentemente. O período de atuação dos tribunais inquisitoriais é permeado por uma cultura “cristianizada” em sua totalidade. O Ocidente é invariavelmente cristão. O cristianismo que reerguera toda a civilização pós-império, impôs-se nas mentes e nos corações dos homens do medievo. A vida girava em torno da religiosidade. As ordens religiosas cresciam e prosperavam em número e em riquezas. Os governantes discutiam, muitas vezes, a atuação dos clérigos e até dos papas, mas nunca se pensou, durante toda a Idade Média, na constituição de uma igreja paralela. Em outras palavras, a sociedade respirava uma homogeneidade religiosa, que lhe concedia uma identidade comum. O diferente, o heterogêneo sempre pareceu agressivo e até diabólico. Aquilo que hoje para nós é comum, o respeito pelo direito que os demais possuem de serem diferentes e pensarem diferentemente da grande maioria, só passou a existir a partir da segunda metade século XIX. Até então, a crença oficial de uma determinada região ou país era obrigatória. Na França absolutista se dizia comumente “uma fé, uma lei, um rei”. O antigo adágio non licet essere vos (não é licito que vocês existam), aplicado outrora aos cristãos dentro do Império Romano, agora se punha a favor destes contra os demais grupos. Tudo o que se opunha a constituição comum dos povos era considerado como um “organismo estranho a ser expurgado”. O cristianismo se tornou eixo central de uma civilização antes mitigada em diversas culturas. Desde Teodósio I (380-395), que reverteu o cristianismo em religião oficial do Império Romano, Igreja e Estado interligaram-se de forma a confundiram-se. A Igreja sustentou o kosmus dentro do kaos social no Império Romano, reestruturou a civilização após a queda de Roma, e constituiu um novo e sacro império. Esta mentalidade em que Estado e Igreja estavam estreitamente unidos, e o Estado sempre era cristão, chamou-se Cristandade. Cristandade era o grande império cristão, em que a Igreja se considerava a “alma” do corpo social. Diante disto é fácil notar como uma ofensa à Igreja era tida como uma ofensa ao Estado, e vice-versa. Pois se a Igreja sustentava ser instituída por Cristo com vistas à salvação dos homens, os reis e governantes também eram tidos como escolhidos por Deus em suas funções régias. A alegoria das “duas espadas”, muito usada por teólogos e juristas medievais afirmava que dois gládios existiam por ordem divina. O primeiro, o gládio espiritual da excomunhão, estava nas mãos da Igreja e por ela devia ser 1 Sacerdote pertencente ao clero diocesano da Diocese de Caxias do Sul. Graduado em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul e em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e pela Pontificia Università Lateranense de Roma. É mestrando em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente é vigário paroquial nas Paróquias São Francisco de Paula e N. Sra. das Graças, no município de São Francisco de Paula. desembainhado. O segundo, o gládio temporal da força bélica, estava nas mãos dos governantes que dele deviam tomar em defesa da Igreja e de seus interesses. Esta alegoria foi desenvolvida por São Bernardo, sendo, subsequentemente, retomada por vários teólogos e juristas papais. Destarte, em um Estado que assumiu o cristianismo como religião oficial o direito de liberdade religiosa é uma utopia. A Europa tendo sua parte oriental nas mãos dos ortodoxos, e com suas fronteiras assediadas pelos povos mulçumanos, não podia se dar ao luxo de permitir divisões internas. João Bernardino Gonzaga afirma: Para os homens deste tempo, a existência no seio do corpo social de uma minoria dissidente, da heresia, provoca uma reação profunda, quase visceral, de intolerância. Não se pode senão recusar-lhe o direito à existência, procurar eliminá-la pela persuasão, se possível, pela violência, se preciso, como o organismo procura eliminar um germe nocivo. Outro ponto importante de ser esclarecido é sobre o comportamento e os padecimentos do povo em épocas difíceis. Muitos pensam que o povo se insurgiu contra a atuação inquisitorial por seus rigores. Isso, em muitos momentos aconteceu, mas nunca foi uma regra. Em geral a população acreditava que as justiças secular e eclesiástica agiam corretamente. A sensibilidade da população medieval era muito diferente da nossa sensibilidade. As pestes assolavam a Europa radicalmente. A Peste Negra (1348-1351), por exemplo, devastou um terço da comunidade européia. Não se conseguiu sequer enterrar todos os mortos, que ficavam apodrecendo ao relento. Em certos lugares houve uma redução de 40% da população por infecções de origem desconhecida. A fome dizimava regiões inteiras, sendo que na França um cronista medieval afirmou haver fome, praticamente todos os anos em diversos locais. Assaltos e pilhagens eram comuns, principalmente a viajantes. Os métodos medicinais e cirúrgicos independiam de anestesias para todos os tipos de operações. A sensibilidade em relação à dor era totalmente diferente da nossa. O povo estava acostumado a sofrer e a não ter grandes expectativas de vida. Durante muito tempo a expectativa máxima de vida era de 40 a 45 anos. Pessoas de 30 anos eram já velhuscas. A morte não era, ao contrário de hoje, mascarada e afastada. Em um ambiente tão rude e hostil o rigor foi aceito sem contestações. Inclusive as execuções e torturas públicas constituíam-se em um grande divertimento para o povo. Diante deste quadro, deve-se recordar como a justiça foi aplicada nestes tempos. O regime feudal, com a descentralização do poder civil, deixava as populações nas mãos dos senhores feudais. Estes últimos se converteram e árbitros em todas as questões jurídicas. Vigorava o sistema conhecido como “acusatório”. Neste um queixoso se apresentava diante do senhor feudal acusando alguém. Ocorria então o julgamento. As duas partes se apresentavam diante do juiz, e faziam sua queixa e sua defesa, respectivamente. Tudo era feito através de fórmulas formais que não podiam ser erradas ou mudadas. O juiz, no caso era um mero árbitro da regularidade do procedimento. Caso não fosse descoberta a verdade, apelava-se, então para os já relatados “ordálios” ou “juízo de Deus”. Tudo muito precário, e se não houvesse crime flagrante, dificilmente se encontravam culpados de vários crimes. A Igreja, então permitiu o sistema de denunciatio. Neste qualquer pessoa, se qualquer classe social, podia denunciar outrem ser ter sua identidade revelada. Esta foi a única forma que os plebeus tiveram de queixarem das arbitrariedades de seus senhores. Em 1216, o papa Inocêncio III no IV Concílio de Latrão, permitiu o procedimento per inquisitionem. Neste o juiz começou a possuir a autoridade de abrir um processo sem acusador. Este último contava com três características básicas: o juiz tinha autoridade decisória; o procedimento transcorria de maneira secreta; procurava-se sempre extrair a confissão do réu. Atrelado a isso está o fato de no século XII a Universidade de Bolonha ter retomando o antigo direito romano. O chamado Corpus Iuris Civilis, reaparece com um sistema legislativo ordenado e prático. Um novo modelo de justiça começara a se implantar no Ocidente. O direito romano, porém, trazia um fruto podre consigo: a tortura. É o período chamado de “vingança pública”. A lógica é simples de ser compreendida. A confissão passou a ser considerada como a probatio probatissima. Desse modo aquilo que for necessário para obtê-la é validado pelo Estado. Então começa o largo uso da tortura. Um adágio em latim bem comunicava tal idéia: quaestio est veritatis indagatio per tormentum. 1.2 As origens da Inquisição Claro está, portanto, que o contexto epocal do medievo tardio era de rudeza e brusquidão. Como já foi referido o crime contra a Igreja desenrolava-se como crime contra o Estado. Foi então uma medida da época o procedimento que refreava tais crimes. Durante séculos a Igreja não usou da força para conter a ameaça provinda de hereges. Suas únicas armas foram a oração, o exemplo e a pregação. Em seguida surgiram tribunais diocesanos que deram inicio a processos contra hereges, apóstatas e cismáticos. E em 1022 os primeiros hereges são enviados para a morte. Tal medida, porém, fazia-se de maneira muito assistemática e intermitente. Em fins do século XII a Igreja recebe um desafio descomunal. Espalha-se primeiramente pela França, chegando depois a Alemanha e a Itália uma nova heresia conhecida como catarismo. Os cátaros (perfeitos) ou albigenses (deve-se este nome por sua grande influência na cidade de Albi, sul da França) pregavam uma doutrina completamente avessa à doutrina católica. Retomando o maniqueísmo dos primeiros séculos, os cátaros afirmavam a existência de dois princípios divinos: um deus bom, criador dos espíritos e um mau criador da matéria. A humanidade começa quando o deus mal cerra uma parte dos espíritos dentro da matéria, o que seria o pecado original. Estes, cativos da matéria recorrem ao deus bom que, então, lhes envia um anjo de aparência humana. É Jesus Cristo que vem ensinar uma maneira de libertação através do jejum, da abstinência sexual, da pobreza, porque somente mortificando o corpo poderiam alcançar a salvação. O próprio casamento era visto como um continuador da obra maléfica através da procriação. Cometiam também a “endura” que eram assassínios e suicídios visando a libertação da matéria. Em todo o continente a heresia se alastrava. Os tribunais diocesanos eram completamente deficientes, e como se não bastasse a heresia, os clérigos católicos viviam num “relaxamento” moral muito grande que afastava o povo da Igreja. Inocêncio III chegou a descrever os padres como “piores que animais refocilando-se em seu próprio excremento” São Bernardo é enviado a Colônia e a França meridional, mas seus esforços são em vão. O III Concílio de Latrão 1179 emite medidas rigorosas contra os cátaros. Inocêncio III convoca em 1209 uma cruzada para o sul da França que acaba por efetuar a chacina terrível. As tropas matam tanto cátaros como católicos, pois não sabiam reconhecer quem era quem. As medidas não são afrouxadas. Em 1215 o IV Concílio de Latrão procura disciplinar o combate para evitar horrores, e procura instalar tribunais episcopais nas dioceses para garantir o resultado da cruzada. O clero secular, porém, é insuficiente nesta tarefa. Neste tempo surge um espanhol, mais tarde canonizado como São Domingos de Gusmão. Muito austero, de vida disciplinar e pobre. Domingos e seus seguidores são enviados para a França e, em 1216, o papa Inocêncio III lhes entrega um tribunal. Em 1229 um Concílio em Tolosa dispõe que todos os fiéis devem seguir normas de ortodoxia e que os infiéis devem ter tratamentos severos. Finalmente no ano de 1231 um edito de Gregório IX cria o Santo Ofício formalmente. Assim a Inquisição nasceu primeiramente atuando na França. Um ano após, na Alemanha, um decreto imperial a estende para todo o império. Salvo a Inglaterra, que agiu de maneira a não precisar deste tribunal. O tribunal deixa, então de ser exclusivamente episcopal e passa a alçada do clero regular, tendo a frente a Ordem do Pregadores, fundada por Domingos. Mais tarde a Ordem dos Frades Menores de São Francisco de Assis também assumiu tribunais inquisitoriais. Em 1263, percebendo a necessidade de centralizar os trabalhos, Urbano VI nomeou um Inquisidor Geral, chamado João Caetano Ursino. Este cargo só foi dissolvido em 1542 por Paulo III quando suas atribuições foram entregues à Inquisição Romana. A inquisição medieval passou a atuar no século XIII, findando seus trabalhos com o advento da modernidade no século XV. Com o surgimento das monarquias absolutistas, a inquisição toma novo alento e volta a trabalhar até ser extinta, definitivamente, na primeira metade do século XIX. 1.3 Os procedimentos dos tribunais da Inquisição Normalmente o tribunal possuía instalações fixas nas grandes cidades e circulava entre as pequenas cidades. Quando chegava às cidades o primeiro ato era o de mostrar sua presença, reunir os fiéis e exigir juramento, por parte de todos, de auxiliar nas investigações. Passava-se depois ao “tempo de graça”, geralmente de 15 a 30 dias em que os culpados podiam se confessar e se purificar, recebendo penitencias que deviam ser cumpridas rigorosamente, doando uma parte dos bens ao tribunal e ajudando a identificar os demais hereges. Escoando este período sem o comparecimento espontâneo do suspeito, o mesmo era citado para se apresentar ao tribunal. Exigia-se que este jurasse fidelidade à Igreja e colaborasse com os trabalhos, caso contrário seria considerado culpado. Submetiam-no, em seguida o um acurado interrogatório, sendo tudo tomado por termo pelo escrivão. Durante este período duas pessoas consideradas “idôneas” deveriam assistir o processo para evitar exageros e mostrar seriedade. Esta era uma norma repetidamente lembrada pelos papas sendo incorporada no Código Canônico. Se o acusado protestava inocência havendo, porém, fortes indícios de culpabilidade, o réu podia ser submetido a tortura ficando em prisão processual. Neste ínterim de tempo, o acusado era visitado com freqüência pelo inquisidor, pelos seus assistentes e até por pessoas comuns ou familiares na tentativa de persuadi-lo a confessar e se arrepender de seu crime. O procedimento, então, se encerrava com a sentença absolutória ou condenatória. O inquisidor, porém, não podia decretar penas graves sem a presença do bispo. O processo culminava em cerimônias públicas conhecidas como “autos-de-fé”, que tinham por objetivo restaurar no povo a pureza da fé, fortalecer os cristãos vacilantes e intimidar os demais hereges ocultos. Ali se averiguavam os hereges que aceitavam o retorno à ortodoxia católica, bem como, aos que se opunham a ela de maneira veemente. Havia, portanto, três tipos de hereges: os penitentes, que após confessarem se arrependiam e voltavam para o seio da Igreja, aos quais eram impostas inúmeras penas; os impenitentes, que ao término do processo recusavam-se a retratar-se e, portanto eram “relaxados” ao braço secular para serem executados; e os relapsos, aqueles que uma vez julgados e arrependidos voltavam a condição de hereges. Para estes não havia segundo julgamento, eram imediatamente entregues ao braço secular. É perceptível que o processo foi rigoroso, mas não foi pior do que a justiça secular da época. A tortura, por exemplo, começou a ser usada a partir do ano 1252, por ordem do papa Inocêncio IV na bula Ad extirpanda. Devia, porém, ser aplicada apenas uma vez durante o interrogatório. Ela não devia pôr em risco a vida do acusado (mesmo sabendo que muitos morreram durante a aplicação de torturas), era vedada a efusão de sangue e a mutilação de membros e partes do corpo do réu. A confissão por ele obtida só valeria se depois livremente confirmada. Os tribunais civis, ao contrário, permitiam quatro sessões de tortura, e usavam instrumentos que causavam, além de dor, mutilações nas pessoas. Ninguém se opunha a tais práticas. Ao contrário, grandes e renomados juristas aplaudiam os métodos de tortura, principalmente quando inovados. As penas impostas pela Inquisição se dividiam em espirituais e temporais. Entre as primeiras encontramos a excomunhão, penitências públicas, interdição de sepultura cristã, a perda de direitos eclesiásticos. Na base das penas temporais existiam as multas (muitas vezes criticadas pelos papas), confiscação de bens, exílio, penas infamantes, a prisão e a entrega ao braço secular. O imperador Frederico II impôs uma uniformização da pena capital para os hereges, através da fogueira. A Inquisição não pode ser considerada branda, mas pode ser compreendida como um abrandamento das penas e inquéritos seculares. No processo civil havia apenas duas sanções: a soltura ou a condenação. A prisão como pena não existia na vara civil, onde só existia a prisão processual. Foi a Igreja primeira a impor a pena de prisão que podia ser perpétua ou por determinado tempo. Logo a Inquisição também começou a adotar a prisão domiciliar ou em mosteiros. Outro dado importante é que a Igreja proibiu o chamado “suplício” em seus condenados. Para a justiça secular a pena de morte deveria ser precedida de torturas públicas, estendendo a dor o quanto fosse possível. Na Itália uma requintada pena de morte foi elaborada para que o condenado só expirasse no quadragésimo dia. Na França mais de 100 infrações eram punidas com a pena de morte. Amputar membros, arrancar olhos e orelhas, cegar com ferro incandescente, marcar com ferro em brasa as vítimas, entre outros, tornou-se prática comum no modelo de justiça civil. Na França usava-se, comumente, o esquartejamento, fogo, roda, forca e decapitação. Na Espanha teve largo uso o garrote. Em vários lugares da Europa atiravam-se os condenados para serem devorados por cachorros e feras selvagens. A invenção da guilhotina em 1792, por incrível que pareça, foi um avanço humanitário. Todas as penas civis se preocupavam em punir e castigar de maneira pública e forte. Diante disto tudo somente a Igreja possuía o intuito de regenerar e salvar. Em 1246 uma norma é entregue aos inquisidores com recomendações de procurarem a verdade como homens de Deus: “Esforçai-vos por levar os hereges a se converterem, mostrai-vos cheios de mansidão diante daqueles que manifestam a intenção de fazê-lo. Não procedei a nenhuma condenação sem provas claramente estabelecidas. Melhor é deixar um crime impune do que condenar um inocente”. O inquisidor espanhol Nicolau Eymerich, escreveu em 1376 um manual para inquisidores, chamado Directorium Inquisitorum, no qual lembra que a tortura não pode ser aplicada como se fosse um divertimento: “... tudo isso deve ser feito sem crueldade! Não somos carrascos”. É sabido que muitos criminosos comuns se faziam “tonsurar” para passar da alçada secular à eclesiástica, por estes tribunais serem mais amenos. 1.4 As diversas inquisições Como já foi referido a Inquisição teve várias formas de atuar. No período medieval esteve sujeita a Roma, mas durante a Idade Moderna, com a formação dos Estados nacionais, ela foi, em grande parte, subjugada aos interesses da coroa. Na Inglaterra não houve Inquisição. Quando um grupo de cátaros lá tentou se instalar foram rapidamente marcados com ferro em brasa e expulsos. A França, “primeira filha da Igreja”, foi a mãe da Inquisição, como já foi relatado. Os dominicanos enviados para lá, começaram com um rigor extremado. Não demorou muito e as fogueiras começaram a ser acesas. Iniciando o trabalho o inquisidor Roberto Le Bougre, antigo cátaro, que convertido tornou-se dominicano em 1233 queima inúmeros hereges. Em 1234 é afastado, por excessos, todavia Gregório IX preocupado volta atrás e o torna Inquisidor Geral da França em 1239. No início deste ano 50 vão para a estaca e em maio mais 147 vão para a fogueira. De modo que ele é, então, definitivamente deposto e condenado a prisão perpétua. Com isso a Inquisição morre no norte da França. No sul da França, a partir de 1234 três tribunais se instalam, em Tolosa, em Carcassonne e em Provença. O rigor também é extremo. Hereges e cadáveres de hereges são queimados. Com auxílio do povo o conde Raimundo II expulsa os dominicanos, alguns são assassinados e seus prisioneiros libertos. Contudo, não muito tempo depois, retornam e continuam seu trabalho rigoroso e fanático. No ano de 1244, em um só dia, 310 cátaros são reunidos e queimados em uma grande fogueira. Por volta do ano de 1300 não havia mais cátaros em toda a França, estabilizando o trabalho dos inquisidores. Na Itália, a Inquisição exterminou um número incontável de hereges. Cátaros, fraticelii e muitas outras seitas se encontravam disseminadas por toda a Itália. Só em Milão havia dezessete diferentes seitas heterodoxas. Diante disto a Inquisição não poupou. Inocêncio IV aumentou o poder dos inquisidores, disseminando tribunais por toda a Itália. Convocou os franciscanos para cuidarem da Itália central e meridional, e os dominicanos para investigarem a região norte. Na Itália um dos mais intrigantes personagens foi Pietro de Verona. Oriundo do catarismo, Pietro se converteu e tornouse dominicano de zelo extremo. Convocado a ser inquisidor, Pietro extirpa os hereges a ferro e fogo, sendo por isso perseguido e assassinado em 7 de abril de 1252. Em 1253 foi canonizado com o nome de São Pedro Mártir. Na Alemanha os cátaros tiveram pouca força. Porém havia os valdenses, os Irmãos do Livre Espírito e os luciferianos. Antes de formalizara Inquisição, em 1227, Gregório IX já havia entregue poder para um religioso chamado Conrado de Marboug e em 1231 já há todo um sistema repressivo eficaz. Mas devido a oposição dos bispos e arcebispos que viam seu poder diminuído, a Inquisição na Alemanha foi sendo subtraída das mãos dos franciscanos e dominicanos e entregue ao clero secular. Na Espanha a Inquisição medieval teve pouco trabalho. Grande parte da Espanha ainda estava sobre o domínio dos muçulmanos que entraram ali no ano de 711 pelo estreito de Gibraltar. Apenas Aragão, região norte do solo espanhol se manteve católica e recebeu a Inquisição, a partir de 1242 sob São Raimundo de Penãforte. No século XI a reconquista começou e só pode ser completa no século XV. Em 1469 ocorreu o casamento de Fernando de Aragão e Isabel de Castela. Possuíam 22 e23 anos respectivamente. Mas sua união foi forte e decidida, e em 1492 completaram a reconquista com a cidade de Granada, e reunificaram o país sob a égide cristã. Havia, porém, uma sólida cultura muçulmana (por quase 800 a Espanha esteve dominada), bem como, um número imenso de judeus. Logo no ano de 1478, os chamados “reis católicos” pediram ao papa a instalação da Inquisição. O papa Sisto IV, não havendo por que negar cria o tribunal no solo espanhol, através da bula Exigit sicerae devotionis affectus, de 01 de novembro de 1478. Os reis, porém, exigiram poder nomear os inquisidores. O papa ameaçado de perder a Espanha por um cisma, cede e permite aos reis escolherem os inquisidores. Não demorou a chegar a Roma as reclamações. E em 1482 o papa intervém anulando dezenas de sentenças e libertando acusados, nomeou também outros 8 inquisidores, exigiu a participação dos bispos locais nos processos, exigiu também que os nomes das testemunhas e suas declarações fossem reveladas aos acusados e proíbe que se coloquem obstáculos aos que quisessem recorrer a Santa Sé. Os reis se queixaram, mas voltaram a dominar a Inquisição exigindo mais autoridade e afirmando criar uma Igreja nacional se o papa não cedesse. Diante disto o papa teve de se calar, intervindo algumas vezes posteriormente. É na Inquisição da Espanha que se encontra uma das mais conturbadas e odiadas figuras da história: Torquemada. Frei Tomás, nascido na pequena cidade de Torquemada, foi Inquisidor Geral da Espanha entre 1483 e1496, vindo a falecer dois anos após o término de suas funções. De vida muito modesta e austera, foi confessor dos reis católicos e por designação de ambos, inquisidor. Era apaixonado pelo triunfo da Igreja e da Espanha, fazendo da Inquisição um instrumento do absolutismo religioso e real. Teólogo e canonista, muito inteligente e culto, interessado pelas artes e pela literatura, parece, contudo desprovido de todo o calor humano. Recomendou sempre, todavia, misericórdia e mesmo a piedade. Mas entre a inclinação da Santa Sé à indulgência, e dos reis católicos à severidade, ele não hesitava em ser severo. A preocupação da Inquisição na Espanha se dá em limpar o solo espanhol de judeus, mouros e falsos místicos. Os bispos, por indeterminadas vezes, procuraram converter judeus e muçulmanos ao cristianismo por vias pacíficas. Os reis, contudo, eram impacientes e ameaçaram de expulsão primeiramente os judeus que não se convertessem, e mais tarde os muçulmanos. Os convertidos, porém, caíam em uma armadilha ardilosa: agora sendo cristão estavam sob a jurisdição da Inquisição. Mais de 250.000 judeus se converteram ao catolicismo. Centenas foram perseguidos e mortos. Até mesmo místicos cristãos como São João da Cruz, São Pedro de Alcântara, Santo Inácio de Loyola e Santa Tereza D’Ávila estiveram na mira da Inquisição espanhola e sofreram os procedimentos inquisitoriais. Em 1834 a inquisição foi formalmente abolida. Em Portugal, a Inquisição praticamente inexistiu durante a Idade Média. Protegida sob a Espanha, as heresias não chegaram até o território português. Somente no período moderno é que o Santo Ofício foi requisitado. Roma se opôs a instalação do tribunal por medo dos excessos que estavam acontecendo na Espanha. O primeiro pedido ao papa foi feito em 1515, por Dom Manuel, mas não foi atendido. Seu filho Dom João III em 1531 voltou a pedir o tribunal. O alvo central eram os judeus. Dom João para pressionar Roma inventou que seu território estava recebendo influência protestante, diante disto, em dezembro de 1531 Clemente VII cedeu, nomeando um Inquisidor-mor. Melhor informado, o papa em 1533 dissolve o tribunal sabendo dos abusos que estavam sendo cometidos. Anulou as sentenças de condenação e sabendo que judeus haviam sido batizados à força, a todos concedeu o perdão. Furioso o rei passou a declarar que o papa estava com medo e ameaçou proclamar um tribunal nacional. O papa seguinte, Paulo III acabou cedendo novamente e em 1536 nomeou três inquisidores e deixou um a escolha do rei. O núncio papal, porém, alertou o papa de que excessos estavam ocorrendo e rebelou-se contra o rei que nomeou seu Irmão Dom Henrique como Inquisidor Mor. O papa apoiou o núncio e repeliu a nomeação. O núncio foi expulso. Cedendo novamente, Paulo III aceitou Dom Henrique como Inquisidor Mor, mas emitiu uma bula que negava até segunda ordem as execuções das penas inquisitórias. O papa pressionado pelo Imperador espanhol Carlos V, cedeu definitivamente e em 1547 a Inquisição portuguesa foi finalmente instituída. Foi abolida em 1821. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AQUINO, Felipe. Uma história que não é contada. 3 ed. São Paulo: Cléofas, 2008. EYMERICH, Nicolau. Directorium Inquisitorum. 2 ed. Tradução de Maria José Lopes da Silva. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993. GONZAGA, João Bernardino. A Inquisição em seu mundo. São Paulo: Saraiva, 1993. HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Tradução de Waltensir Dutra. 20 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. O martelo das feiticeiras: Malleus Maleficarum. 8 ed. Tradução de Paulo Fróes. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 1991. LEIGH, Richad; BAIGENT, Michael. A Inquisição. Tradução de Marcus Santarrita. Rio de Janeiro: Imago, 2001. 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