A ANÁLISE SEDIMENTAR E O CONHECIMENTOS DOS SISTEMAS MARINHOS
IV.
MORFOMETRIA
J. Alveirinho Dias (2004)
(versão preliminar)
Outra aproximação análoga é a de Wadell (1932), que
utiliza a relação volumétrica
IV.1. Introdução
A forma das partículas sedimentares é um atributo
importante dos sedimentos, principalmente dos não
coesivos. Efectivamente, o comportamento hidrodinâmico
varia com a forma das partículas, sendo as partículas
esféricas tendencialmente mais fáceis de remobilizar do que
as angulosas.
Principalmente ao longo da primeira metade do século XX
foram publicados numerosos artigos com propostas de
métodos para determinação da forma das partículas,
incidindo principalmente sobre a esfericidade e sobre o
rolamento.
No que se refere ao cascalho, em que é relativamente fácil
determinar várias medidas em cada um dos elementos
individuais, cedo se desenvolveram métodos credíveis que
tiveram larga aceitação pela comunidade científica. Devido
às dificuldades em efectuar medidas análogas nos grãos da
areia, demorou a encontrarem-se métodos largamente
aceites pela comunidade e, no que se refere, por exemplo, à
esfericidade, ainda actualmente não existe consenso sobre o
método a aplicar.
Fundamentalmente, a forma das partículas sedimentares
depende de vários factores, dos quais os principais são:
a) a forma inicial das partículas, isto é, a forma original
dos elementos quando se constituíram como partículas
sedimentares, pois que esta condiciona, em muito, as
formas que essa partícula vai assumir durante as
diferentes fases do ciclo sedimentar;
em que Vp é o volume da partícula e Vcs é o volume da
esfera que circunscreve aquela. Normalmente considera-se
que o diâmetro dessa esfera corresponde ao eixo maior do
elemento analisado. A esfericidade ψ da esfera é,
obviamente, 1,00. valores da esfericidade ψ de muitos
seixos, cascalho e grãos de areia são da ordem de 0,5 a 0,8.
Na mesma linha, Krumbein (1941) propôs outro método
semelhante, expresso pela formula
em que L, I e S representam os comprimentos
respectivamente dos eixo maior, intermédio e menor.
Para obviar a esta dificuldade, foram propostas várias
alternativas baseadas, por exemplo, nas razões entre o
volume da partícula e o maior diâmetro do mesmo, e entre o
diâmetro do círculo com a mesma área da secção observada
(projecção da partícula) e o maior diâmetro aí medido.
Uma das abordagens com mais divulgação foi a que ficou
conhecida pela designação de "Classificação de Zingg"
(1935), concebida especialmente para elementos muito
grosseiros (como os seixos).
b) a dureza, a fragilidade e a resistência à abrasão;
c) as zonas de fraqueza, tais como como fracturas,
diacláses, estratificação, xistosidade ou clivagem;
d) os agentes de transporte a que a partícula foi sujeita, e
as características desse transporte, incluindo a
distância e a energia do transporte.
IV.2. Esfericidade
A esfericidade é definida como o grau em que a forma de
uma partícula se aproxima da forma esférica. A comparação
de partículas de formas variadas com uma esfera pode ser
efectuada considerando a área da superfície, o volume, as
razões entre os eixos ortogonais, etc.
Na sua definição teórica, preconizada por Wenthworth, a
esfericidade (ψ) é a razão entre a área da superfície de dada
partícula (Ap) e a área da superfície de uma esfera com igual
volume (As), ou seja,
Fig. 66 Classificação
da esfericidade das partículas de
acordo com o método de Zingg. Adapatado de Zingg (1935)
Nesta classificação consideram-se os 3 diâmetros principais
do elemento (a - eixo maior, b - eixo intermédio, e c - eixo
menor) e determinam-se as razões
p = c/b
q = b/a
com base na quais que distinguem quatro grupos:
Tabela 10 -
Grupo
Como é evidente, não é fácil, nem prático, determinar a
esfericidade dos elementos baseado nesta definição, até
porque se As pode ser calculado com relativa facilidade, já
Ap tem determinação quase impossível se a partícula for
irregular, como acontece na generalidade.
I
II
III
IV
Razão
c/b
< 2/3
> 2/3
< 2/3
> 2/3
- Grupos de Zingg
Razão
b/a
> 2/3
> 2/3
< 2/3
< 2/3
Designação
discoidal
esferoidal
lamelar
acicular
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A ANÁLISE SEDIMENTAR E O CONHECIMENTOS DOS SISTEMAS MARINHOS
A utilização dos três eixos principais das partículas faz
sentido do ponto de vista hidrodinâmico, pois que estas
tendem a orientar-se com os eixos maiores (a) e intermédios
(b) normais à direcção do movimento do fluido ou, quando
em fase de sedimentação em meio calmo, com aqueles
eixos paralelos ao fundo (se este for planar e horizontal),
tendo o mesmo comportamento quando estão no fundo.
Foi precisamente com base em considerações de índole
hidrodinâmica que Sneed & Folk (1958) propuseram a
esfericidade da projecção máxima (maximum projection
sphericity), traduzida pela fórmula
em que L, I e S são os comprimentos dos eixos maior,
intermédio e menor. A fórmula compara a área da projecção
da partícula com a da esfera com o mesmo volume. Assim,
se um elemento (elipsoidal triaxial) tiver esfericidade 0,75
tal significa que uma esfera com o mesmo volume teria uma
projecção de apenas 0,75 desse elemento (ou partícula).
Assumindo a mesma densidade para a esfera e para o
elemento elipsoidal considerado (e abstraindo de outras
interferências), a velocidade de sedimentação desta seria 0,6
daquela.
Outra abordagem bastante divulgada é a do "Índice de
Dissimetria", proposto por Cailleux, definido pela relação:
em que L é o eixo maior e AC é o maior comprimento desse
eixo medido a partir da intercepção com o eixo menor.
Como é evidente, o valor deste índice varia entre 0,5
(máximo de simetria) e 1,0 (mínimo teórico de simetria).
Estes e outros índices do mesmo género foram bastante
utilizados, principalmente pela escola francesa, na
caracterização da morfometria das classes texturais muito
grosseiras (seixos, burgaus, etc.). Devido às dificuldades de
aplicação em partículas de pequenas dimensões, muito
(versão preliminar)
J. Alveirinho Dias (2004)
IV.3. Rolamento
IV.3.1. Índices de Rolamento
A avaliação do rolamento dos elementos detríticos é de
grande importância pois que fornece indicações sobre o
tempo que essas partículas se encontram activas no ciclo
sedimentar, sobre a intensidade do transporte, sobre a
distância a que se localiza a origem dos sedimentos, etc.
Devido a esta importância, vários autores, desde finais do
século XIX, teceram considerações várias sobre o assunto e
apresentaram propostas de índices que permitem quantificar
o rolamento.
Convém ter presente que o rolamento é geometricamente
diferente da esfericidade. Os índices de rolamento tentam
expressar o grau de curvatura (ou angulosidade) das arestas
e dos vértices da partícula.
Uma das primeiras propostas com alguma aceitação foi a do
"Índice de Rolamento de Wentworth", apresentada por este
autor em 1919 e 1922, o qual se expressa pela relação:
em que r1 é o raio de curvatura da aresta mais aguda e R é o
valor médio dos raios de curvatura de todas as arestas.
Como o cálculo do valor de R é difícil e moroso, surgiu a
proposta de determinar esse valor através média geométrica
dos três semidiâmetros principais do elemento detrítico,
representada pela expressão:
em que A é o eixo maior, B o eixo menor perpendicular a
A, e C o eixo intermédio maior perpendicular ao plano AB.
Estes eixos, normalmente, não se cruzam num mesmo
ponto.
Wadell (1932) e, mais tarde, Krumbein (1940), propuseram
métodos de determinação do rolamento baseados na média
das curvaturas (r) de todas (N) as arestas, dividida pelo raio
(R) do maior círculo circunscrito.
Fig. 67 - O índice de dissimetria de Cailleux determina-se
através da relação entre AC e o comprimento do eixo menor.
raramente foram aplicados à fracção arenosa. Para a areia,
até ao momento, não houve ainda nenhuma proposta que
suscitasse a adesão generalizada da comunidade científica,
de modo que, actualmente, é raro que se publiquem
trabalhos em que a esfericidade dos grãos de areia seja
referida. Em contrapartida, um outro índice muito
significativo, o de rolamento, foi e continua a ser
largamente utilizado.
Fig. 68 - Esquema de uma secção de partículas sedimentares
em que se indicam os raios de curvatura das arestas (ri) e o
círculo máximo inscrito com o respectivo raio R. Adaptado de
Krumbein (1940).
Apesar deste e de outros índices do mesmo género terem
obtido certa aceitação na morfometria dos elementos de
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A ANÁLISE SEDIMENTAR E O CONHECIMENTOS DOS SISTEMAS MARINHOS
maiores dimensões, nunca foram, obviamente, aplicados à
fracção arenosa.
Para esta classe textural as propostas que encontraram
maior receptividade foram as que se recorreram de
comparações visuais das partículas a classificar com tipos
pré-definidos. A proposta que acabou por se impor
internacionalmente foi a efectuada por Powers, em 1953.
IV.3.2. A Escala de Powers
Devido à dificuldade em desenvolver métodos práticos para
determinar o rolamento das partículas na sua
tridimensionalidade, foram propostas, ao longo da primeira
metade do século XX, vários métodos para avaliar
bidimensionalmente esse rolamento..
(versão preliminar)
J. Alveirinho Dias (2004)
Para aplicar este método, para o qual é preciso utilizar uma
lupa binocular, deve-se seleccionar, logo à partida, o tipo
mineralógico a considerar pois que o grau de rolamento
depende da mineralogia, ficando os grãos de minerais
menos duros rolados mais rapidamente do que os de
minerais mais duros. Por essa razão, a análise deve incidir
sempre sobre a mesma espécie mineralógica. Normalmente
utiliza-se como mineral tipo o quartzo, devido à sua
abundância e dureza, embora por vezes a avaliação do
rolamento de outras espécies minerais (como a granada ou o
zircão) conduza a resultados muito interessantes.
Através da observação à lupa binocular, classifica-se quanto
ao rolamento, por comparação com a escala fotográfica ou
com um dos esquemas derivados, uma quantidade
significativa de grãos.
Todavia, foi a escala proposta por Powers, em 1953, que se
impôs internacionalmente, sendo, a partir daí, o método
quase consensualmente aceite para avaliar o rolamento dos
grãos de quartzo da areia.
Fig. 70 - Projecções das 6 classes de rolamento definidas por
Powers. Adaptado de Powers (1953)
Normalmente considera-se que a classificação de 100 grãos
é suficiente, embora se saiba que a precisão dos resultados
aumenta com a dimensão da população. Não se devem
misturar, numa mesma avaliação, grãos de fracções
granulométricas diferentes, pois que o grau de rolamento
diminui à medida que os grãos se vão tornando menores;
quando não se efectua a avaliação em todas as fracções
granulométricas da areia (de f em f), é frequente
considerarem-se as fracções 1f a 2f e/ou 2f a 3f.
No final, deve-se efectuar o tratamento estatístico dos
resultados, isto é, das frequências por classe de rolamento.
Embora não haja tipo de tratamento consensualmente
aceite, utilizam-se muitas vezes os factores propostos por
Powers, expressos na tabela. O rolamento médio obtém-se
multiplicando a frequência de cada classe pelo factor
respectivo e adicionando estes valores.
Tabela 11 -
Factores estatísticos propostos por Powers.
Classe de rolamento
Factor
muito angular
0,14
angular
0,21
Fig. 69 - Exemplos das 6 classes de rolamento definidas por
Powers .a- muito angular; b – angular; c - sub- angular; d sub-rolado; e – rolado; f - bem rolado. Adaptado de Powers
(1953) e Shepard (1973).
sub-angular
0,30
sub-rolado
0,41
rolado
0,59
Este sucesso deve-se, por um lado, ao facto desta escala de
avaliação bidimensional ser suportada por fotografias que,
de algum modo, dão indicações sobre a tridimensionalidade
das partículas e, por outro, á simplicidade da sua utilização
(simples comparação entre os grãos a classificar e os
representados nas fotografias). Powers definiu as seguintes
6 classes de rolamento: muito angular; angular; sub-angular;
sub-rolado; rolado; e bem rolado.
bem rolado
0,84
Mais tarde, Folk (1955) propôs a aplicação de uma escala
logarítmica (designada por r) à escala de imagens publicada
por Powers. A escala proposta por Folk varia entre 0 e 6,
tendo como limites das classes muito angular, angular subangular, sub-rolado, rolado e muito rolado os valores 1, 2, 3,
4, e 5. nesta escala a esfera perfeita tem rolamento 6.
51
A ANÁLISE SEDIMENTAR E O CONHECIMENTOS DOS SISTEMAS MARINHOS
(versão preliminar)
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Com base nesta escala, o autor introduz o conceito de
uniformidade ou calibração do rolamento (roundness
sorting), identificado pela sigla sr, e interpretado como
uniformidade do rolamento. Esta uniformidade do
rolamento sr
pode ser determinada graficamente
construindo um gráfico, em escala de probabilidades, em
que os dados provenientes da estimação do rolamento,
transformados percentualmente, são colocados
acumulativamente (à semelhança do que se faz com a
construção das curvas cumulativas granulométricas), sendo
o valor da calibração (uniformidade) calculado também
graficamente..
Fig. 71 - Limites de Folk (1955) para as classes de Powers.
Os valores propostos para as diferentes designações da
calibração do rolamento são os que estão expressos na
tabela seguinte.
Tabela 12 - Valores e designações da uniformidade do
rolamento (sr)
Designação
muito boa
uniformidade do rolamento
boa
uniformidade do rolamento
moderada
uniformidade do rolamento
pequena
uniformidade do rolamento
muito pequena
uniformidade do rolamento
Valor de sr
< 0,60
entre 0,60 e 0,80
entre 0,80 e 1,00
entre 1,00 e 1,20
> 1,20
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