EDUCAÇÃO E CUIDADO EM CRECHES: PÓS - LDB 9394/96: O
PROJETO FUNDO DO MILÊNIO PARA A PRIMEIRA INFÂNCIA E
A MESA EDUCADORA COMO PROPOSTA PEDAGÓGICA
Débora Teixeira de Mello
RESUMO
Este visa pretende acompanhar e analisar a implantação de um projeto de formação de
educadores de creche a partir do Programa Fundo do Milênio para a Primeira Infância de
responsabilidade da Fundação Mauricio Sirotsky Sobrinho, UNESCO, Banco Mundial
atendendo a comunidade do município de Eldorado do Sul – RS. O programa pretende
contribuir para uma educação infantil de qualidade que garanta à criança oportunidades de
brincar e aprender, de ampliar seu universo cultural e de se socializar através da
qualificação do atendimento prestado por creches e escolas de educação infantil:
comunitárias, públicas e filantrópicas para crianças de 0 a 6 anos.
palavras-chave: educação infantil- creche – formação de professores
2
Introdução
O Programa Fundo do Milênio para a Primeira Infância visa melhorar a qualidde
da educação infantil, a partir da capacitação de professores e dirigentes das escolas de
educação infantil viabilizando material pedagógico e equipamentos e com a constituição de
uma Mesa Educadora - espaço de trabalho e de aprendizagem permanente para as
educadoras de creche, que atendam crianças de 0 a 6 anos, nesse caso, atendendo as
educadoras de creche do município de Eldorado do Sul.
A partir da inclusão da creche na lei que regulamenta a estrutura e o funcionamento
do sistema de ensino LDB9394/96, o que significa que a creche enquanto instituição
responsável pelo atendimento à criança pequena se configura como um dos componentes
do sistema de ensino, e ainda que tendo caráter escolar a instituição deve ser objeto de
fiscalização dos órgãos superiores (MEC, Conselhos Estaduais/Municipais, Conselhos de
Educação). Historicamente a creche tem sido a instituição de educação da infância apesar
do papel marginal delegado a esta instituição pelas políticas sociais implementadas no
Brasil. O Brasil nas últimas décadas apresenta uma demanda pela expansão da educação
infantil compatível com seu perfil sócio-demográfico. Uma urbanização crescente, a
participação das mulheres no mercado de trabalho, a queda dos índices de mortalidade
infantil, já anunciava na década de setenta, que estavam constituídos os indicadores para
expansão da educação infantil. (Rosemberg, 1999). Mas, desde o seu surgimento até os
dias de hoje, o modelo de educação pré-escolar, denominado nos anos 60 e 70 de educação
pré-primária sempre divergiu do modelo de creche destinada às classes subalternas.
A história da creche liga-se às modificações do papel da mulher na sociedade, e suas
repercussões no âmbito da família, em especial no que diz respeito à educação dos filhos. A
expansão do atendimento em creche está vinculada ao processo de industrialização e do
setor de serviços, atrelada ao processo de urbanização das grandes cidades. Até o início do
século XX o atendimento de crianças em creches não se distinguia, do atendimento em
asilos e internatos. Na década de 20, com a chegada dos imigrantes europeus, que foram
3
absorvidos como mão-de-obra nas fábricas é que se modifica a situação do atendimento dos
filhos de operários a partir da construção de creches e escolas maternais junto às fábricas,
como um benefício social para amenizar os protestos sobre as más condições de trabalho na
fábrica.
As creches existentes fora das indústrias nas décadas 30, 40 e 50 são um número
mínimo e a sua manutenção está sob a responsabilidade das entidades filantrópicas, que
sobrevivem com donativos e caridade (Oliveira, 1992). A creche aqui é identificada como
um mal necessário. A partir dos anos 50 o avanço da industrialização no Brasil, e
especialmente na década de 60 e 70, com o aumento do número de mulheres de classe
média no mercado de trabalho surge a creche como agente de promoção social.
Nos
governos militares pós-64, as políticas sociais adotadas pelo governo federal, através de
órgãos como LBA E FUNABEM, continuam a acentuar a idéia de creche como
equipamento de assistência á criança carente, como um favor prestado às crianças e às suas
famílias. A orientação técnica para creche está associada nesse período, a uma concepção
de educação compensatória, baseada na teoria da privação cultural, busca-se explicar a
marginalidade das camadas sociais mais pobres. Em razão disso, é iniciada a elaboração de
propostas de trabalho para creche e pré-escolas públicas responsáveis pelo atendimento das
famílias de baixa renda. Mas, enquanto as crianças oriundas da classe trabalhadora eram
atendidas em creches com uma proposta advinda da idéia de carência e deficiência, as
crianças de classes mais favorecidas são colocadas em ambientes mais estimuladores.
Na década de 70, nos grandes centros urbanos intensificou-se a reivindicação
popular por creches através das lutas promovidas pelos novos movimentos sociais
1
resultaram no aumento do número de creches organizadas e mantidas pelo poder público.
Mas, ao mesmo tempo, o número insuficiente de crianças atendidas acabou incentivando a
criação de medidas paliativas caracterizadas por sua precariedade, tais como os “lares
vicinais’ ou as “creches domiciliares”. A expansão da creche na década de 70, se deu a
partir de negociações trabalhistas entre o empresariado, sindicatos e o Estado. Creches
mantidas pelas classes médias também aumentaram, mas com um enfoque educacional.
Além disso, verifica-se o crescimento o em todo o país do número de creches comunitárias
gerida pelos próprios usuários em geral com condições precárias de atendimento.
1
Ver GOHN, M.G.M. A força da Periferia: a luta das mulheres por creches em São Paulo. Vozes, 1985
4
Assim, o impacto das idéias sobre educação da infância e a luta pelo direito de
atendimento à criança pequena surgidas nas décadas de 70 e 80 se efetivarão na
Constituição 1988, quando a creche é reconhecida como instituição educativa da criança de
0 a 3 anos, “um direito da criança, uma opção da família e um dever do Estado” e na LDB
9393/96 como 1ª etapa da Educação Básica.
De modo geral, o trabalho desenvolvido na instituição creche ao longo do tempo
tem sido reconhecido como de cunho assistencial-custodial, neste aspecto Kulhmann
(1999), avalia que a distinção entre a instituição creche e a pré-escola não se limita apenas
ao seu recorte institucional, mas deve remeter-se também a sua destinação social. Ou seja,
algumas instituições de educação infantil tais como as creches foram criadas na sua origem
para a classe trabalhadora enquanto os jardins de infância não, mas isso não determinou que
o processo educativo não ocorresse. Somente se deu de forma diferenciada, para a
população desfavorecida uma educação mais assistencialista1.
Tendo isso em conta, chamamos a atenção para a necessidade de um conhecimento
mais aprofundado dos processos, conflitos e embates sociais que concorreram para a
determinação das políticas públicas de atendimento criança pequena no Brasil no âmbito da
creche, bem como indicamos a avaliação do Programa Fundo do Milênio para a Primeira
Infância como campo de pesquisa e sua interface com as políticas públicas
Objetivos
- Quanto à função delegada à instituição creche no atendimento à infância e sua identidade
de instituição de cuidados, pretende-se investigar a atuação dos órgãos internacionais na
implantação de um projeto social.
- Acompanhar a implantação do Programa no município de Eldorado do Sul e da
mobilização da comunidade para a formação de um Conselho Gestor.
- Participar da construção do projeto pedagógico para a formação dos educadores de creche
do município beneficiado.
5
Para uma discussão de política nacional para criança pequena no Brasil, na
atualidade, torna-se necessário uma recuperação do contexto histórico e político
responsável pela criação e caracterização da creche enquanto instituição. A base das
políticas para a infância, tem sido em grande parte determinada pelos conceitos e funções
atribuídos à educação infantil, nessa sociedade.
No Brasil, as primeiras creches instaladas no início da República confundem-se com
asilos infantis em razão do seu atendimento quase que exclusivo às crianças órfãs, em
regime de internato, ao invés de proteger os filhos de operários durante o período de
trabalho. Apesar de existir algumas diferenças entre os asilos infantis e as primeiras creches
instaladas no Brasil, os dois tipos de instituições se confundem por atender crianças órfãs
em regime de internato, crianças carentes e por restringir suas atividades à assistência
médica, sanitária, de guarda e cuidados. (Kishimoto, 1988; Vieira, 1988; Mello, 1997).
Enquanto na Europa as creches já existiam desde o século XVIII, os jardins de infância
desde o século XIX, no Brasil ambos surgiram enquanto instituições somente no século XX
(Kramer, 1982).
Entre os anos 1930 a 1980 teremos uma fase determinada por um acentuado
intervencionismo por parte de um Estado balizado por valores ancorados nas noções de
pátria e civismo que se manifestará na administração e nos programas de atenção à
infância. Segundo Kramer (1982), os discursos oficiais dos anos 30 anos 80 relacionaram a
assistência médico-pedagógica à criança ao desenvolvimento da nação. O intervencionismo
proposto vai se manifestar nos anos 30 através da criação de estabelecimentos assistenciais,
oficiais (DNCr 1941, SAM, FEBEM, LBA) e de práticas variadas.
Nos anos 60 e 70, temos à regulamentação dos direitos da mulher e iniciativas de
programas de assistência à criança menor de sete anos e a criação de agências
internacionais, tais como a OMEP, o UNICEF e a UNESCO. Com seu caráter assistencial
elas influenciaram as políticas de atendimento à infância e de combate à pobreza que
passam a ser reconhecidos por esses órgãos como ameaças ao desenvolvimento do país, a
educação da infância será um meio de superação do subdesenvolvimento e aceleração do
progresso.
6
Com a LDB 9394/96 consagrada à educação infantil1. Pela primeira vez a creche
enquanto instituição será pensada como parte integrante do sistema de ensino,
configurando-se num campo de análise e atuação dos órgãos públicos de educação. Não
obstante, a inclusão da creche na legislação como instituição de educação infantil não será
traduzida na garantia plena da criança pequena como um sujeito de direitos.
As determinações para a expansão e democratização desse nível de ensino, ainda
não estão explicitadas na legislação vigente. Organismos internacionais como o BANCO
MUNDIAL, têm ocupado um espaço de intervenção na determinação das políticas
educacionais, papel antes conferido à UNESCO, e não só como agente financeiro, mas
como agência de assistência técnica, fonte de assessoria em política educacional. A
educação pré-escolar é reconhecida pelo Banco como estratégia preventiva ao fracasso
escolar, uma antecipação da escolarização e nessa medida se efetiva em termos de custo
(economia com a repetência, evasão e fracasso escolar). Ou seja, a educação pré-escolar
tem como objetivo preparar a criança para ir à escola (especialmente as provenientes de
ambientes pobres). Mede-se a qualidade da educação pré-escolar pelo desempenho
alcançado posteriormente na escola, negando-se o avanço das teorias do desenvolvimento
infantil, a primeira infância volta a ser vista como pré-etapa. E se considerarmos às crianças
de 0-3 anos que não são pré-escolares, estas não serão merecedoras de atendimento.
(Torres, 1996).
De posse dessas considerações, com os novos tempos e avanços da educação
infantil, nos anos 80 e 90, em especial o caso da creche, nos surgem algumas questões:
como estão se constituindo as políticas públicas para criança pequena pós-LDB 9394/96? É
possível a superação da dicotomia entre cuidado e educação imposta na política de creche
no Brasil? Qual o reordenamento legal dos Conselhos Estaduais e Municipais para o
4
Esta será definida como a primeira etapa da educação básica: art. 21 que tem como finalidade o desenvolvimento integral
da criança de 0 a 6 anos, em seus aspectos, físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e
da comunidade. A lei 9394/96 e a Constituição de 1988, advogam em síntese que a educação infantil é direito da criança
de 0 a 6 anos e um dever do Estado que se efetiva mediante atendimento em creches e pré-escolas. Mas, a lei 9394/96 se
limita a indicar a finalidade da educação infantil (art.29), a sua organização em creches, para crianças de até 3 anos de
idade e em pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos(art.30), que a avaliação nessa etapa será feita por
acompanhamento e registro do desenvolvimento infantil, sem objetivo de promoção (art.31) e no Título IV da
Organização Nacional define que os sistemas municipais compreendem instituições de educação infantil criadas e
mantidas pela iniciativa privada (art.18, inciso II) em consonância com o art.89 das Disposições Transitórias que
estabelece às creches e pré-escolas a obrigação de integrar-se ao sistema de ensino.
7
atendimento à criança pequena? Qual o papel reservado a creche e as escolas de educação
infantil enquanto instituições para o atendimento à criança pequena?
Estas são algumas das questões que orientam o presente projeto de extensão que
busca esclarecer as condições de possibilidade de implantação de um programa que busca
qualificar o atendimento de crianças em creches filantrópicas, comunitárias ou públicas e
suas possibilidades de viabilidade com parcerias internacionais.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB Lei nº 9394/96.
GOHN, Maria da Glória. História dos Movimentos Sociais e Lutas Sociais. São Paulo:
Loyola, 1995.
_________. A força da periferia: a luta das mulheres por creches em São Paulo.
Petropólis: Vozes, 1985.
KRAMER, Sonia. A política do pré-escolar no Brasil: arte do disfarce. Rio de Janeiro:
Achimé, 1982.
_________. Privação cultural educação compensatória: análise crítica. Cadernos de
Pesquisa. São Paulo: nº 42, pp.54-62 ,Ago,1982.
_________. & LEITE, Maria Isabel (Org). Infância: fios e desafios da Pesquisa. Rio de
Janeiro: Papirus, 1996.
_________. Infância e Educação: o necessário caminho de trabalhar contra a barbárie. In
KRAMER, Sônia (Org). Infância e Educação Infantil. São Paulo: Papirus, 1999.
_________. & Bazílio, C. Luiz. Infância, Educação e Direitos Humanos. São Paulo:
Cortez, 2003.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida. A Pré-Escola Em São Paulo (1877-1940). São Paulo:
Edições Loyola, 1988.
____________. Educação Infantil Integrando Pré-escola e Creches na busca de socialização
da criança. In: Vidal, Diana G. HILSDORF, Maria L. Spedo. Brasil 500 Anos:
tópicos em História da Educação. São Paulo: Ed. da USP, 2001.
KUHLMANN Jr. Moysés. Infância e Educação Infantil: uma abordagem histórica.
Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.
_________. Educando a Infância Brasileira. In: Lopes, Eliane Marta Teixeira (Org). 500
anos de educação no Brasil. Ed. Autêntica. Belo Horizonte: 2003.
_________. Do adulto em miniatura à criança como sujeito de direitos: a construção de
políticas de educação para a criança de tenra idade na França. Tese de Doutorado.
Universidade Estadual de Campinas - Faculdade de Educação Unicamp: 2001.
8
MELLLO, Débora T. As Ações Assistenciais na Criação da Creche em Porto Alegre.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Faculdade Educação - UFRGS.
Dissertação de Mestrado: 1997.
ROSEMBERG, Fúlvia. A educação da criança pequena e a produção de conhecimento e a
universidade. Cadernos da Anped, nº1.
_________. Creches Domiciliares: Argumentos ou Falácias. Temas em Debate. Cadernos
de Pesquisa. Fundação Carlos Chagas, São Paulo, nº (56): 78-81, fev, 1986.
_________. Movimento Social e Atendimento ao Menor: O Caso das Creches. In
RIBEIRO, Ivete (Org.). Menor e Sociedade Brasileira. São Paulo: Loyola, 59-69.
_________. Expansão da Educação Infantil e Processos de Exclusão. Cadernos de
Pesquisa. Fundação Carlos Chagas, São Paulo nº(107), 7-40,1999.
_________. O movimento de mulheres e a abertura política no Brasil. O Caso da Creche.
Cadernos de Pesquisa. São Paulo (51): 73-79, nov. 1984.
_________. Organizações Multilaterais, Estado e Políticas de Educação Infantil. Cadernos
de Pesquisa. São Paulo (115): 25-63, março, 2002.
TORRES, Rosa Maria. Melhorar a Qualidade da Educação Básica? As estratégias do
Banco Mundial. In: TOMMASI, Livia de. WARDE, Miriam Jorge & HADDAD,
Sérgio (Org). O Banco Mundial e as Políticas Educacionais. São Paulo: Cortez,
1998.
TOMMASI, Livia de. WARDE, Miriam Jorge & HADDAD, Sérgio (Org). O Banco
Mundial e as Políticas Educacionais. São Paulo: Cortez, 1998.
VIEIRA, Lívia M. Creches no Brasil: de mal necessário a lugar de compensar carências rumo à construção de
um projeto educativo. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação. UFMG. Belo Horizonte,
1986.
_________. Mal Necessário: Creches no Departamento Nacional da Criança (1940-1970). Cadernos de
Pesquisa. São Paulo (67): 3-16, novembro, 1988.
Download

educação e cuidado em creches: pós - ldb 9394/96: o projeto