Braz. J. Food Technol., v. 12, n. 4, p. 303-308, out./dez. 2009 DOI: 10.4260/BJFT2009800900025 Potencial do uso da radiação ionizante e CO2 supercrítico para inativação de Bacillus cereus em pimenta-do-reino Potential of ionizing radiation and supercrítical CO2 in the innativation of Bacillus cereus in black pepper Autores | Authors Ângela FROEHLICH Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Alagoas Curso de Tecnologia em Laticínios Campus Satuba Rua 17 de agosto, s/n, centro CEP: 57120-000 Satuba/AL - Brasil e‑mail: [email protected] Anna Lúcia Casanas Haasis VILLAVINCENCIO Instituto de Pesquisa Energéticas e Nucleares (IPEN) e-mail: [email protected] Maria Cristina Dantas VANETTI Universidade Federal de Viçosa (UFV) Centro de Ciências Biológicas e da Saúde e-mail: [email protected] Resumo Pimenta-do-reino é o condimento mais consumido, principalmente como ingrediente, pela indústria alimentícia e representa risco de contaminação por microrganismos deteriorantes e patogênicos, podendo conter números elevados de células vegetativas e, principalmente, de esporos. O principal objetivo deste estudo foi avaliar uma alternativa para eliminar esporos de Bacillus cereus de pimenta-do-reino associando o tratamento com CO2 supercrítico com doses baixas de irradiação ionizante. Amostras de pimenta-do-reino em pó inoculadas com, aproximadamente, 106 UFC.g–1 de esporos de Bacillus cereus foram submetidas ao tratamento com CO2 supercrítico de 35 MPa, a 40 °C, durante 30, 45 e 60 min. A utilização do CO2 supercrítico não alterou o número de esporos viáveis nem sensibilizou os esporos de B. cereus à radiação ionizante. No entanto, o tratamento com CO2 supercrítico a 35 MPa, a 40 °C, durante 30 min, eliminou eficientemente a microbiota contaminante natural da pimenta-do-reino, constituída de, aproximadamente, 106 UFC.g–1 de esporos de outras espécies de Bacillus. Quando utilizadas doses de irradiação de 5 e 10 kGy, as bactérias aeróbias mesófilas e os esporos de B. cereus foram eliminados para números não detectáveis nas amostras pressurizadas e não pressurizadas de pimenta-do-reino. Palavras-chave: Descontaminação; Esporos; Condimentos; Pimenta-do-reino. Autor Correspondente | Corresponding Author Recebido | Received: 14/11/2008 Aprovado | Approved: 16/10/2009 Summary Black Pepper is the most consumed spice, mainly as an ingredient in the food industry, and represents a risk of contamination by deteriorative and pathogenic microorganisms since it may contain high numbers of vegetative cells and mainly of spores. The main objective of this study was to evaluate an alternative way to eliminate spores of Bacillus cereus in black pepper, combining treatment with supercritical CO2 with low doses of ionizing irradiation. Samples of black pepper powder inoculated with approximately 106 CFU.g–1 spores of B. cereus were subjected to a treatment with supercritical CO 2 of 35 MPa at 40 °C for 30, 45 and 60 min. The use of supercritical CO2 did not alter the number of viable spores nor sensitize the spores of B. cereus to the ionizing radiation. However, a treatment with supercritical CO2 of 35 MPa at 40 oC for 30 min efficiently eliminated the natural microbial contaminants of black pepper, which consisted of approximately 106 CFU.g–1 of the spores of other Bacillus species. When irradiation doses of 5 and 10 kGy were used, the aerobic mesophiles and B. cereus spores were reduced to non-detectable numbers in the pressurized and non-pressurized samples of black pepper. Key words: Decontamination; Spores; Spices; Black peper. www.ital.sp.gov.br/bj Potencial do uso da radiação ionizante e CO2 supercrítico para inativação de Bacillus cereus em pimenta-do-reino FROEHLICH, A. et al. 1 Introdução Os condimentos são considerados veículos importantes de vários microrganismos que podem resultar em possíveis problemas de saúde para os consumidores, bem como interferirem na qualidade e na vida útil dos alimentos nos quais esses ingredientes forem adicionados. Essa contaminação se deve às más condições de manuseio durante a colheita, estocagem e processamento do produto. A contagem de bactérias aeróbias mesófilas em condimentos geralmente é elevada e pode alcançar 106 a 108 UFC.g–1, constituída basicamente por bactérias deterioradoras, esporulantes e produtoras de gás (POWERS et al., 1975). Essa microbiota é representada por espécies do gênero Bacillus, acompanhadas em alguns casos, por Salmonella e Clostridium spp (POWERS et al., 1975). A presença de população de até 4,6 x 104 UFC.g–1 de B. cereus foi constatada em 85% das 37 amostras de pimenta-do-reino moída, coletadas no comércio de Viçosa, MG e a população de bactérias aeróbias mesófilas variou de 2,8 x 105 a 1,9 x 108 UFC.g–1 (FROEHLICH e GIOMBELLI, 2002). Estudo realizado na grande Recife, PE, com 96 amostras de condimentos artesanais, detectou em 13 amostras a presença de B. cereus em números acima do permitido pela legislação (SOUZA et al., 2006). Choo et al. (2007) avaliaram 140 amostras de pimenta vermelha desidratada comercializada na Koreia e relatam a presença de B. cereus em 84,3% das amostras numa concentração de até 1,9 x 104 UFC.g–1. No Município de Botucatu, SP, Moreira et al. (2009) analisaram 233 amostras de condimentos, das quais 21% apresentaram contaminação com coliformes fecais acima do permitido e em 5,6% presença de Salmonella. Considerando as proporções de adição de 0,1% a 1% em alimentos, um condimento contaminado com uma população de 10 4 UFC.g –1 poderá resultar em contaminação de 10 a 102 UFC.g–1 (EISS, 1984). Esse valor pode ser considerado baixo, mas se houver condições para multiplicação, esses contaminantes podem representar risco para a saúde, caso sejam patogênicos, ou comprometer a qualidade do alimento, se forem deterioradores. Além disso, a presença de bactérias formadoras de esporos em condimentos representa um risco para alimentos que irão ser submetidos a tratamentos térmicos, pois os esporos podem sobreviver a temperaturas elevadas e se desenvolverem naqueles produtos mantidos em temperaturas ente 20 e 50 ºC, após o preparo. A qualidade microbiológica dos condimentos reflete as condições higiênicas do local de produção e processamento, onde são expostos a uma variedade de ambientes que podem contribuir para a sua contaminação (BANERJEE e SARKAR, 2003). Braz. J. Food Technol., v. 12, n. 4, p. 303-308, out./dez. 2009 Em razão da contaminação elevada dos condimentos e do risco à saúde de consumidores, existe a necessidade de submetê-los a processos de redução ou inativação da microbiota contaminante. Métodos convencionais de descontaminação não são ideais para o tratamento de condimentos (NARVAIZ et al., 1989), pois, em função da termosensibilidade dos óleos essenciais, o calor não pode ser usado. Gases como óxidos de etileno, propileno e brometo de metila são eficientes, mas foram banidos por deixarem resíduos químicos no produto e também por serem potencialmente carcinogênicos e mutagênicos (IFT, 1983). Uma alternativa para a descontaminação de condimentos é a radiação gama, que elimina a necessidade do uso de compostos químicos e reduz a contaminação, principalmente em condimentos utilizados com maior frequência (HAWTHORN, 1989). Segundo Farkas (1987), a irradiação é, sem dúvida, o método mais efetivo e o mais seguro para a descontaminação de condimentos, não produzindo compostos tóxicos. A irradiação de condimentos é aprovada pela FDA que estabeleceu doses máximas de 30 kGy (GIESE, 1994), enquanto no Brasil, a legislação permite irradiar qualquer alimento com qualquer dose desde que a dose mínima absorvida seja suficiente para alcançar o objetivo e que não comprometa as propriedades funcionais e sensoriais do produto (BRASIL, 2001). A aplicação de doses mais baixas de radiação ionizante é desejável, por razões econômicas e pode facilitar a aceitação do produto irradiado pelos consumidores. Para que se possa alcançar uma descontaminação razoável dos condimentos com doses baixas de irradiação, uma alternativa é combiná-la com outros processos tecnológicos como tratamento térmico brando e altas pressões. O uso de pressão hidrostática é reconhecido desde 1890 como um método potencial de preservação de alimentos, com capacidade de inativar microrganismos e certas enzimas (CHEFTEL, 1992), e seu efeito pode ser aumentado com o uso do CO2 supercrítico. Wei et al. (1991) utilizaram o tratamento com CO2 supercrítico para inativar bactérias patogênicas em carne de frango, gema de ovo e suco de laranja. Considerando que a aplicação da alta pressão em alimentos pode ser usada em combinação com a irradiação para desenvolver produtos estáveis e seguros, o presente estudo teve por objetivo avaliar a associação desses dois processos para inativação de esporos de B. cereus inoculados em pimenta-do-reino. 2 Material e métodos As amostras de pimenta-do-reino foram irradiadas no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) em São Paulo – SP e, as análises microbiológicas, realizadas no Laboratório de Microbiologia de Alimentos do 304 www.ital.sp.gov.br/bj Potencial do uso da radiação ionizante e CO2 supercrítico para inativação de Bacillus cereus em pimenta-do-reino FROEHLICH, A. et al. Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Viçosa – MG. 2.1 Análise microbiológica da pimenta-do-reino A pimenta-do-reino a ser inoculada foi previamente avaliada quanto à presença de B. cereus, bactérias aeróbias e anaeróbias mesófilas, bactérias esporuladas, coliformes e bolores e leveduras. Onze gramas de pimenta-do-reino foram homogeneizadas em homogeneizador de pistões (stomacher, Seward 400, London, UK), com 99 mL de tampão fosfato, pH 7,2 (GUARINO e GRAY, 1992) e diluições decimais seriadas até 10–5 foram feitas em água peptonada 0,1%. As contagens de bactérias aeróbias e anaeróbias mesófilas, de bolores e leveduras, B. cereus e número mais provável (NMP) de coliformes a 35 e a 45 ºC foram feitas de acordo com as metodologias descritas no APHA (2001). A presença de bactérias aeróbias esporuladas foi determinada em ágar padrão PCA, inoculando-se alíquotas de 0,1 mL do homogenato tratado a 80 oC durante 20 min. As placas foram incubadas a 37 oC durante 48 h (RODRÍGUEZ et al., 1991). 2.2Inoculação de esporos de B. cereus em pimentado-reino A estirpe de B. cereus NCTC 11145, do tipo diarreico foi cultivada em meio de esporulação, preparado com caldo nutriente suplementado com 0,01% MnSO4, 1% de amido e 2% de ágar, em frascos de Roux. Após incubação a 30 oC por 96 h, a massa celular foi removida com o auxílio de bastão de vidro estéril e 10 mL de solução salina a 0,85%. Os esporos foram separados por centrifugação, a 5.000 g por 20 min, a 4 oC por cinco vezes (AZEREDO, 1998). A suspensão de esporos foi liofilizada em liofilizador Heto Lab modelo VR-1 e a contagem por grama de liofilizado, determinada após análise microbiológica e quantidade suficiente de esporos liofilizados, foi adicionada à pimenta-do-reino na proporção de 106 esporos por grama. Essa adição dos esporos liofilizados foi realizada manualmente pesando-se o liofilizado assepticamente e, com o auxílio de espátula estéril, adicionado à pimenta-do-reino contida em Erlenmeyer e homogeneizado com bastão de vidro. 2.3 Tratamento com CO2 supercrítico Três gramas de pimenta-do-reino inoculadas com 106 UFC.g–1 de B. cereus foram submetidas ao tratamento de 35 MPa a 40 oC , por 30, 45 e 60 min, com fluxo de CO2 de 1 mL.min–1, em Sistema de Extração com CO2 Supercrítico modelo HP 7680A, operado no modo estático. Braz. J. Food Technol., v. 12, n. 4, p. 303-308, out./dez. 2009 As amostras pressurizadas e não pressurizadas foram analisadas para determinar a contagem de bactérias aeróbias esporuladas e de esporos de B. cereus conforme metodologia citada anteriormente. 2.4Irradiação da pimenta-do-reino inoculada com esporos de B. cereus Amostras de 35 g de pimenta-do-reino moída foram misturadas, assepticamente, com alíquotas da pimenta-do-reino inoculadas com esporos de B. cereus, submetidas aos diferentes tratamentos de pressurização (30, 45 e 60 min) com CO2 supercrítico, para se alcançar uma contagem de B. cereus de 104 UFC.g–1. Porções de 5 g de pimenta-do-reino contendo esporos de B. cereus foram acondicionadas em embalagens de polietileno e seladas a vácuo (Tec Maq Ap 450, Brasil). Os tratamentos de irradiação foram feitos em irradiador Gamma Cell-220, 60Co (Atomic Energy of Canada, LTD), com doses de 2, 3, 4, 5, 7 e 10 kGy. A taxa de dose durante a utilização do equipamento foi de 6,7 kGy.h–1. Após a irradiação, as amostras foram submetidas a análises microbiológicas para determinação da população de bactérias aeróbias mesófilas e a presença de esporos sobreviventes de B. cereus. Os valores de dose de redução decimal (D10), do tratamento de irradiação para os esporos de B. cereus foram determinados pela análise de regressão dos dados das curvas de inativação dos esporos obtidas experimentalmente. Os experimentos foram conduzidos em duplicatas e repetidos três vezes. Os resultados foram expressos com as médias dos três experimentos. 3 Resultados e discussão 3.1Avaliação da contaminação da pimenta-do-reino A pimenta-do-reino moída usada apresentou uma contagem de 2,6 x 106 UFC.g–1 de aeróbios mesófilos e a contaminação por B. cereus não foi detectada. A população de bactérias anaeróbias mesófilas, de fungos filamentosos e leveduras foi menor do que 102 UFC.g–1. Após submeter a suspensão de pimenta-do-reino ao tratamento térmico de 80 oC durante 20 min, a contagem de bactérias aeróbias mesófilas foi de 2,7 x 106 UFC.g–1. Dos isolados avaliados, a maioria era constituída de bastonetes Gram-positivos e produtores de catalase e foram reconhecidos como prováveis membros do gênero Bacillus. A presença de esporos termorresistentes de mesófilos na ordem de 3,2 x 105 UFC.g–1 foi relatada por Narvaiz et al. (1989), em pimenta preta, enquanto Rodríguez et al. (1991) detectaram uma contagem de bactérias termorresistentes variando de 1,7 x 103 a 6,1 x 106 UFC.g–1 em pimenta preta em grão tratada a 80 oC durante 20 min. 305 www.ital.sp.gov.br/bj Potencial do uso da radiação ionizante e CO2 supercrítico para inativação de Bacillus cereus em pimenta-do-reino FROEHLICH, A. et al. Espécies de Bacillus também foram os contaminantes predominantes de pimenta-do-reino comercializada no Brasil (FREIRE e OFFORD, 2002). 3.2Efeitos do tratamento com CO2 supercrítico sobre esporos de B. cereus A aplicação do CO2 supercrítico a 35 MPa a 40 °C, por até 60 min, não foi suficiente para promover alteração na população de B. cereus inoculada na pimenta-doreino (Tabela 1). Estes resultados diferem daqueles obtidos por outros pesquisadores em experimentos com esporos bacterianos suspensos em substratos líquidos. Suspensões contendo 106 esporos.mL–1 de B. polymyxa, B. cereus e B. subtilis, em solução salina fisiológica, podem ser completamente inativados a 30 MPa, com CO2 supercrítico, durante 60 min a 45, 50 e 60 °C, respectivamente (ISHIKAWA et al., 1997). A inativação efetiva de esporos bacterianos também foi registrada por Enomoto et al. (1997), que observaram uma redução de sete ciclos logarítmicos de B. megaterium suspensos em água destilada estéril, submetidos a 5,8 MPa com CO2 supercrítico, a 60 °C durante 30 h. É provável que a ausência de efetividade do tratamento com CO2 supercrítico utilizado no presente estudo decorra da atividade de água (aw) de 0,53 da pimentado-reino. Os efeitos da pressão e, principalmente, do CO2 supercrítico são aumentados na presença de água (NAKAMURA et al., 1994). A água é necessária para a dissolução do CO2 para formar o ácido carbônico, que pode contribuir com o abaixamento do pH que, por sua vez, age sobre o microrganismo, eliminando-o. A temperatura de tratamento de 40 oC foi utilizada, considerando a termossensibilidade da pimenta-do-reino, para evitar perda de qualidade do produto. Trabalhos encontrados na literatura destacam a importância da temperatura utilizada durante a aplicação do CO2 supercrítico. Temperaturas maiores estimulam a difusibilidade do CO2 e podem também aumentar a fluidez da membrana, facilitando a penetração do CO2. A taxa de sobrevivência de esporos bacterianos é diminuída drasticamente, com o aumento da temperatura na faixa de 50 a 60 oC, durante a aplicação do CO2 supercrítico (ENOMOTO et al., 1997). Tabela 1. Eficiência do tratamento de 35 MPa de CO2 Supercrítico a 40 oC sobre esporos de B. cereus inoculados em pimenta-do-reino moída. Tempo de Antes da Após pressurização pressurização pressurização (min) 0 30 45 60 UFC.g–1 1,35 x 106 1,3 x 106 1,5 x 106 1,4 x 106 UFC.g–1 1,3 x 106 1,2 x 106 1,5 x 106 1,3 x 106 Braz. J. Food Technol., v. 12, n. 4, p. 303-308, out./dez. 2009 O tratamento com CO2 supercrítico a 35 MPa a 40 ºC por 30 min reduziu a microbiota contaminante natural da pimenta-do-reino constituída de esporos de outras espécies de Bacillus para números não detectáveis. Esse resultado sugere tratar-se de um processo que deve ser avaliado como potencial para a descontaminação de produtos dessa natureza. 3.3Avaliação do efeito combinado do CO2 supercrítico e da irradiação sobre os esporos de B. cereus O tratamento das amostras de pimenta-do-reino inoculadas com esporos de B. cereus com doses de irradiação ionizante de até 4 kGy promoveu uma inativação de até 2,6 ciclos logarítmicos (Tabela 2). Resultados semelhantes estão descritos na literatura. A dose de 6 kGy aplicada à pimenta-do-reino com uma contaminação inicial de 107 a 108 UFC.g–1 foi suficiente para reduzir a população para 103 UFC.g–1 (OULARBI e MANSOURI, 1996). Martin-Neto et al. (1996) inocularam uma população de 103 UFC.g–1 de B. cereus em pimentado-reino e relataram que a dose de 5 kGy foi suficiente para reduzir essa população para números não detectáveis. Entretanto, a aplicação prévia de 35 MPa com CO2 supercrítico a 40 oC nos tempos de 30, 45 e 60 min não potencializou o efeito da irradiação, sobre os esporos de B. cereus, com doses de 2,3 e 4 kGy (Tabela 2). Quando aplicadas doses iguais ou maiores que 5 kGy, as populações de 106 UFC.g–1 de bactérias aeróbias mesófilas e de 104 UFC.g–1 de esporos de B. cereus foram reduzidas para números não detectáveis pelos métodos adotados. Eiss (1984) verificou que doses de 10 kGy reduziram a população de microrganismos aeróbios mesófilos em pimenta preta ao equivalente a seis ciclos logarítmicos. Reduções de cinco ciclos logarítmicos foram registradas na população de aeróbios mesófilos contaminante de pimenta preta, submetida a doses de 10 kGy de radiação (NARVAIZ et al., 1989). Os mesmos autores observaram que doses de 7 kGy promoveram uma redução de, aproximadamente, três ciclos logarítmicos. Em gengibre em pó irradiado com doses de 10 kGy, a população de aeróbios mesófilos foi reduzida em sete ciclos logarítmicos (ANDREWS et al., 1995). A dose de redução decimal (D10), que é a dose em kGy necessária para reduzir um ciclo logarítmico da população de um determinado microrganismo, foi de 1,78 kGy (Tabela 3) para os esporos de B. cereus NCTC 11145 inoculados em pimenta-do-reino na amostra controle, enquanto nas amostras pressurizadas antes da irradiação, o D10 foi de 1,68 a 1,84 (Tabela 3). O valor de D10 encontrado é próximo ao relatado por Katusin-Razem et al. (1988) em chá de flores de camomila, que foi de 1,70 kGy para a população de aeróbios mesófilos e de 2,03 kGy para bactérias esporuladas. 306 www.ital.sp.gov.br/bj Potencial do uso da radiação ionizante e CO2 supercrítico para inativação de Bacillus cereus em pimenta-do-reino FROEHLICH, A. et al. Tabela 2. Efeitos das doses de radiação sobre esporos de Bacillus cereus inoculados em pimenta-do-reino pressurizadas com 35 MPa a 40 ºC. Doses de Esporos de Bacillus cereus (log UFC.g–1) irradiação (kGy) 0 min pressurização 30 min pressurização 45 min pressurização 60 min pressurização 0,0 4,1 4,0 4,1 4,6 2,0 3,4 3,5 3,5 3,9 3,0 2,6 2,7 2,7 2,8 4,0 1,7 1,5 1,4 1,9 5,0 0,0 0,0 0,0 0,0 7,0 0,0 0,0 0,0 0,0 10 0,0 0,0 0,0 0,0 Tabela 3. Dose de redução decimal (D10) para esporos de Bacillus cereus inoculados em pimenta-do-reino pressurizada com 35 MPa de CO2 Supercrítico a 40 oC. Tempo de Dose de redução decimal pressurização (min) (D(10)) (kGy) 0 1,78 30 1,84 45 1,68 60 1,73 4 Conclusões Embora nas condições avaliadas não tenha sido possível observar um efeito sinérgico entre os processos de CO 2 supercrítico e radiação, sugerem-se estudos envolvendo o efeito de outros parâmetros como temperatura de tratamento, pressão e aW para a inativação de B. cereus e de outros contaminantes em alimentos desidratados, sensíveis ao tratamento térmico. Doses de irradiação iguais ou maiores a 5 kGy foram suficientes para reduzir para níveis não detectáveis a população de 104 UFC.g–1 de B. cereus. A dose de redução decimal (D 10), que é a dose em kGy necessária para reduzir um ciclo logarítmico da população de um determinado microrganismo, variou entre 1,68 e 1,84, para esporos de B. cereus inoculados em pimenta-do-reino. Referências ANDREWS, L. S.; CADWALLADER, K. R.; GRODNER, R. M.; CHUNG, H. Y. Chemical and microbial quality of irradiated ground ginger. 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