Asma na infância e adolescência •Epidemiologia •Definição/Diagnóstico •Diagnóstico diferencial •Abordagem na intercrise e da crise Cristina G. Alvim Professora Adjunta - Dpto de Pediatria/UFMG [email protected] Epidemiologia Variação da Prevalência dos Sintomas de Asma International Study of Asthma and Allergies in Children (ISAAC) Lancet 1998;351:1225 Definição • A asma é uma doença inflamatória crônica associada a hiper-responsividade das vias aéreas inferiores que se traduz em episódios recorrentes de tosse, sibilância, dispnéia e dor torácica, principalmente à noite e pela manhã. A obstrução ao fluxo aéreo é difusa, variável e reversível espontaneamente ou com tratamento. • É uma condição multifatorial determinada pela interação de fatores genéticos e ambientais Características dos sintomas que sugerem asma • Episódios freqüentes de sibilos • Sibilo/tosse induzida por exercício e outros desencadeantes que não apenas vírus • Tosse noturna sem resfriado • Sintomas que persistem após 3 anos • Duração de sintomas maior do que 10 dias • Melhora com medicamentos de asma CONFIRMAÇÃO: • Exames (FP ou HRB) > 6 anos de idade • PROVA TERAPÊUTICA Diagnóstico • Lactente <6 meses na primeira crise de sibilância • Criança 6 anos com crises recorrentes de sibilância, com boa resposta a salbutamol. História Natural • Metade dos lactentes sibilam nos primeiros 3 anos de vida – principal causa são os vírus • 60-70% desses lactentes não chiam mais após os 3 anos Abaixo de 3 anos: Sibilantes transitórios – não é asma • Via aérea pequena: prematuridade, tabagismo Sibilantes persistentes – pode ser asma História Natural • Metade dos casos de Asma Persistente se iniciam antes dos 3 anos. • 80% antes dos 6 anos. • A perda de função pulmonar parece ocorrer entre 1 e 6 anos • A gravidade da asma no adulto tem correlação com a gravidade da asma na infância História Natural • Após os 6 anos: • 60% atópicos (Asma atópica) – Intermitente: remissão ou continua intermitente – Persistente inflamação crônica remodelamento • 40% não-atópicos (Asma não-atópica) – maioria assintomática aos 11-13 anos História Natural • Coorte na Austrália: • Crianças de 7 anos que tinham episódios recorrentes de sibilância até os 35 anos – – – – 50% eram assintomáticas aos 35 anos 15% tinham sintomas infrequentes 20% sintomas persistentes Mas se “rótulo” de asma aos 7 anos: 32% sintomas persistentes • Fatores de risco para persistência dos sintomas: – – – – Múltiplos episódios antes de 2 anos Eczema, atopia (teste cutâneo, IgE, eosinófilos) FP (menor VEF1e maior HRB) História familiar de atopia e asma (pais, pp mãe) • Asma na infância é mais comum em meninos, mas persistência é mais comum em meninas. Asma e fenótipos • Intervenção deve ser precoce. • Mas em quem? Não-atópico Sibilante transitório 3 anos Sibilante tardio Sibilante persistente 6 anos Atópico 13 anos Fenótipos de sibilância/asma Prevalência da Sibilância Sibilante Sibilante Sibilante/ transitório não atópico IGE/Asma 0 3 6 Idade (anos) 11 Adaptado de Stein et al A clinical index to define risk of asthma in young children with recurrent wheezing Castro-Rodriguez et al. Am J Respir Crit Care Med, 2000 Critérios maiores: 1. História parental de asma 2. Dermatite atópica Critérios menores 1. Rinorréia sem resfriado – rinite alérgica 2. Sibilância sem resfriado 3. Eosinofilia > 4% Sibilância < 3 anos + 1 Critério maior ou 2 menores RISCO de asma aos 6 anos, 13 anos A clinical index to define risk of asthma in young children with recurrent wheezing Castro-Rodriguez et al. Am J Respir Crit Care Med, 2000 OR Sensibilidade E+/asma Especificidade E-/sadio VPP Asma/E+ VPN Sadio/E- 6 anos 5,5 57% 81% 26% 94% 13 anos 3,0 39% 82% 32% 86% Geral 3,9 42% 85% 59% 73% 6 anos 9,8 27% 96% 47% 92% 13 anos 5,7 15% 97% 51% 84% Geral 7,1 16% 97% 77% 68% Early wheezer Freqüente Função pulmonar Espirometria • Pode ser normal VEF1 CVF VEF1/CVF FEF25-75% • Avaliar a gravidade Pico de fluxo expiratório: variação >20% • Em alguns casos, confirma o diagnóstico: • Limitação ao fluxo aéreo – DVO • VEF1/CVF < 0,80; 0,90 • Reversibilidade • resposta ao Beta2: VEF1>12% • Teste de esforço (8 min) • Queda no VEF1>15% Diagnóstico diferencial Quando pensar em outra etiologia para sibilância recorrente? • Início neonatal • Atraso de crescimento/ desenvolvimento • Vômitos/disfagia • Sinais pulmonares focais • Sinais de doenças cardíacas • • • • • • • • • • • Rinossinusite RGE Infecções virais Fibrose Cística DBP TBC Malformações Aspiração de corpo estranho Discinesia ciliar Imunodeficiências Cardiopatias Abordagem na intercrise Tratamento da crise DOENÇA CRÔNICA Terapia de manutenção Abordagem na intercrise Fortalecimento do vínculo do paciente com o centro de saúde + Educação para saúde + Ênfase na prevenção e na pré-crise Redução de consultas desnecessárias e internações Terapia de manutenção Objetivos: • • • • • “Um médico deve ter três objetivos reais: aliviar o sofrimento, reduzir a gravidade da doença e reconhecer e se abster de tratar o intratável.” Reduzir freqüência e intensidade dos sintomas Melhorar a função pulmonar Reduzir uso de corticóide oral (>4 cursos por ano = fraturas) Reduzir morbidade e mortalidade Melhorar a qualidade de vida Terapia de manutenção • Classificar a asma • Pela gravidade – 60% intermitente ou persistente leve – 25-30% persistente moderada – 5-10% persistente grave • Pelo controle – Gravidade não é estática, varia com o tempo – Gravidade inicial não prediz resposta Classificação por controle Controlada Parcialmente (todos abaixo) Controlada Freqüência de sintomas diurnos <= 2 x/semana >2x/semana Limitação para atividades diárias, incluindo exercícios Ausente Presente Sintomas noturnos ou despertar por sintomas de asma Ausentes Presente Uso de medicação de alívio <= 2 x/semana >2x/semana Função pulmonar (PEF or FEV1)‡ Normal < 80% Exacerbações* Nenhuma >=1 por ano Não controlada 3 ou mais características da parcialmente controlada *A ocorrência de uma exacerbação deve levar a revisão da terapia de manutenção Avaliação – outros aspectos • • • • • • Número de visitas ao consultório/PA* Absenteísmo escolar Número de cursos de corticóide sistêmico Hospitalizações* Terapia intensiva Qualidade de vida *Avaliação crítica dessas informações Terapia de manutenção “Dentre vários remédios eficazes, escolha o menos sensacional.” • Droga mais amplamente utilizada: • Corticóide inalatório (CI) – Seguro em doses baixas e moderadas • Doses altas devem ser evitadas, especialmente por mais de 6 meses – Maior eficácia – Menor custo Equivalência de doses de corticóide inalatório Droga Dose baixa Dose moderada Dose alta Beclometasona 100 - 200 >200 - 400 >400** Budesonida* 100 - 200 >200 - 400 >400 Ciclesonida* 80 - 160 >160 - 320 >320 Fluticasona 100 - 200 >200 - 500 >500 * Dose única diária **Diretrizes brasileiras – 100-400 / 400-800 / >800 Considerar a transição CFC - HFA Terapia de manutenção Abordagem em cinco etapas Ajuste = Ciclo contínuo: step up and down Asma não controlada Asma parcialmente controlada Asma controlada por três meses STEP UP Considerar passar à próxima etapa STEP DOWN Etapa 5: tolerar certo grau de comprometimento Anti- IgE? Corticóide oral??? Step up Etapa 4: Encaminhar ao especialista CI média/alta dose + LABA (+ Antileucotrieno?) Etapa 3: CI dose média ou CI dose baixa + LABA Etapa 2: CI em doses baixas Etapa 1: beta 2 agonista de curta duração Step down Antes de STEP UP: Adesão Técnica Fatores desencadeantes/agravantes: rinite, sinusite, RGE, alérgenos, tabagismo e transtornos emocionais Asma parcialmente controlada, considerar também: Satisfação do paciente Segurança e custo-efetividade do passo seguinte Duração e ajustes no tratamento Tempo para efeito do CI: “Para a maioria dos medicamentos de controle, a melhora se inicia dentro de dias do início do tratamento, mas o benefício completo pode ser evidente apenas após 3 a 4 meses.” Nos casos graves e cronicamente não tratados, isto pode demorar ainda mais. Duração e ajustes no tratamento A redução da necessidade de medicação após o controle não é completamente compreendida. Pode ser resultado da reversão de algumas conseqüências do processo inflamatório crônico. Podem ser necessárias doses mais altas para alcançar esse benefício do que para mantê-lo. Pode também ser reflexo da melhora espontânea (remissão) que ocorre durante a história natural da asma, especialmente em crianças abaixo de 5 anos e durante a puberdade. Stepping Down Quando a asma está controlada Existem poucos dados experimentais sobre o momento ideal, seqüência e magnitude da redução do tratamento. A abordagem poderá ser diferente em pacientes diferentes, dependendo do esquema e das doses que foram necessárias para alcançar o controle. As mudanças devem ser discutidas com os pacientes, colocando-se a possibilidade do reaparecimento de sintomas e exacerbações. Tratamento de manutenção deve ser interrompido se o paciente permanece controlado com a menor dose do controlador, sem recorrência dos sintomas por um ano. (Evidência D). Concluindo: Asma não controlada Controlada por 1 ano Suspende Reduz doses Corticóide inalatório Aumentar dose ou associar outro medicamento Asma controlada por 3 meses Efeitos do corticóide inalatório • Os efeitos locais, raros na criança, são a candidíase oral e a disfonia, que podem ser reduzidos com a utilização de espaçadores e por enxágüe da cavidade oral. • Crescimento: – A asma grave não controlada afeta de forma adversa o crescimento e a altura final. – Quando ocorre redução da velocidade de crescimento, esta acontece mais no primeiro ano de tratamento e é temporária. Estudos têm demonstrado que crianças com asma, tratadas com corticoide inalatório, atingem a altura final esperada na vida adulta. • Infecção pulmonar - não são descritos casos de reativação de tuberculose pulmonar inativa ou de infecção pulmonar associada à corticoterapia inalatória. Efeitos do corticóide inalatório • O uso de corticóide inalado não é associado ao aumento de catarata em crianças. • Crises adrenais – por supressão do eixo hipotalâmico hipofisário – são descritas em crianças em uso de elevadas dose de corticóide inalado ou cursos de corticóide oral prolongados. • Os corticóides inalados não aumentam o risco de cárie dentária. • Metabolismo ósseo: – não há relato de aumento de incidência de fraturas em crianças em uso de corticóides inalados. – O uso de corticóide oral e parenteral aumenta o risco de fraturas ósseas. O risco aumenta proporcionalmente ao número de vezes em que se administra corticóide oral ou parenteral. Esse risco aumenta em 32% a cada quatro cursos de corticóide oral. • O corticóide inalado reduz o uso de corticóide oral. Abordagem da crise TRÊS SITUAÇÕES POSSÍVEIS: • Pré-crise: criança asmática inicia com tosse noturna e pela manhã • Crise leve ou moderada: CS • Crise grave Hospitalização Abordagem da crise Avaliar a gravidade da crise Iniciar o tratamento Avaliar a resposta Decidir sobre alta com prescrição, observação ou internação Retorno para controle e orientações LEVE MODERADA GRAVE Frequência respiratória Normal/aumentada Aumentada Aumentada Frequência cardíaca Normal Aumentada Aumentada Cor Normal Palidez Cianose Consciência Normal/agitado Agitado Confuso Esforço Retração supraesternal Não Sim Sim Fala Normal Frases Palavras Andar/ alimentar Normal Sentar/deitar Consegue deitar Dificuldade para Não alimenta alimentar Prefere sentar Curva-se para frente Ausculta Sibilo exp Sibilo ins e exp Silêncio PFE após Bd Normal (>80%) 60-80% <60% SO2 >95% 91-95% <91% pCO2 Normal Normal >45mmHg Passo 1 Salbutamol 2 a 4 puffs, 20/20 minutos, Repetir até 3x (1 hora) Se respondeu bem e sustenta a resposta ALTA: Salbutamol 2 a 4 puffs, 3/3h ou 4/4 h “as needed” Ideal para alta PFE > 60 % Passo 2 Resposta parcial após 1 hora Corticóide: prednisolona 1 mg/kg/dia, VO (35dias) + Salbutamol 2 a 4 puffs, de 1/1h ou 2/2h até ter condição de alta ou decidir por internar Avaliar saturação de oxigênio: manter SO2>=95% Passo 3 Internação: Crise grave Falta de resposta ou resposta não sustentada Hipoxemia, Vômitos, Dificuldade no manejo Preditores de hospitalização: PFE < 25% Pré ou < 40% Pós-tratamento SO2 < 92% SO2 < 90% em oxigenoterapia = gasometria = CTI? Via inalatória Simplificando: spray com espaçador para todos Considerações sobre os nebulizadores e espaçadores: • A nebulização com oxigênio deve ser utilizada apenas em crises com hipoxemia, ou em lactentes pequenos cujo volume corrente não for suficiente para abrir a válvula do espaçador. • O fluxo de oxigênio é de 6 a 8 L/min. • O choro reduz a deposição pulmonar. • Máscara não adaptada (2 a 3 cm de distância) reduz em 50-85% a dose inalada. • O volume ideal de solução é 4ml. • O tempo de nebulização: 80% da solução é nebulizada em 5 minutos. • Tempos maiores que 10 minutos podem irritar o paciente e aumentam pouco a porcentagem da droga nebulizada. • A água destilada não deve ser utilizada, pois pode provocar broncoespasmo. Concluindo... “A vida é breve, a arte, duradoura; a ocasião, passageira; a experiência, ilusória; o julgamento, difícil.” Hipócrates, 400 a.C.