analysis 18 de Fevereiro|2015 Direito da Concorrência, Regulação e União Europeia Direito do Desporto FIFA, “FIM DOS TPO” E (DIREITO DA) UNIÃO EUROPEIA No passado dia 11 de Fevereiro, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Liga de Futebol Profissional, de Espanha, tornaram público ter formalizado junto da Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia uma denúncia contra a FIFA. Em causa está “a decisão adoptada em Dezembro passado pela FIFA, que proíbe a participação de terceiros nas receitas obtidas com os direitos económicos nas transferências dos jogadores de futebol, conhecida como TPO (”Third Party Ownership”)”. De acordo com o comunicado de ambas as Ligas, “[a] denúncia argumenta detalhadamente que esta proibição viola as regras da concorrência do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), além das liberdades fundamentais de estabelecimento, prestação de serviços, de trabalho e circulação de capitais”. Para sustentar a violação das normas da concorrência, as duas Ligas invocam que “[n]os termos da jurisprudência do Tribunal Geral da União Europeia, as associações desportivas, como a FIFA, são operadores económicos para efeitos da aplicação das regras de concorrência, e como tal, os seus acordos e normas internas devem cumprir essas mesmas regras”. Aqui, no fundo, as duas Ligas ancoram-se nos acórdãos do Tribunal Geral da União Europeia (TGUE) – a que poderíamos acrescentar acórdãos do então Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias e decisões da Comissão – que clarificam que entidades como a FIFA, no exercício de actividades económicas, são “empresas” ou “associações de empresas” na acepção do TFUE, sujeitos ao crivo do Direito da Concorrência da UE. Para as duas Ligas, “[a] proibição das TPO constitui um acordo económico que restringe a liberdade económica dos clubes, jogadores e terceiros sem qualquer justificação ou proporcionalidade”. Neste segundo momento, está-se, no fundo, a avançar que um regulamento adoptado pela FIFA constitui uma “decisão de empresa” ou “decisão de associações de empresas”, que produz efeitos restritivos para a concorrência, de forma desproporcional, logo sem justificação objectiva para o efeito. E quais são, afinal, os (alegados) efeitos restritivos para a concorrência? Segundo as Ligas, a proibição imposta pela FIFA “(…) prejudica os clubes, principalmente aqueles com menos recursos económicos, impedindo-os de partilhar as receitas obtidas com os direitos económicos resultantes das transferências dos jogadores profissionais que são da titularidade dos clubes, e gerir assim da forma mais prudente as suas obrigações financeiras.” Mais adiantam ambas as Ligas que “[e]sta proibição também prejudica a formação de dezenas de jogadores, cujas carreiras profissionais se apoiaram nos recursos humanos, técnicos e económicos de terceiros. Por último, esta proibição afasta a possibilidade das Ligas Profissionais, como a portuguesa, de terem jogadores que no futuro passam a ser reconhecidos como os melhores jogadores do mundo, diminuindo assim o valor competitivo e financeiro das próprias Ligas.” (continuação na página seguinte) www.abreuadvogados.com 1/3 analysis FIFA, “FIM DOS TPO” E (DIREITO DA) UNIÃO EUROPEIA (CONTINUAÇÃO) Lendo esta relevante passagem, atrevemo-nos a advinhar a lógica da denúncia, correndo necessariamente o risco de falharmos, porque a desconhecemos, na sua plenitude: (i) Com o fim dos TPO, haverá menos transferências de jogadores, porque o “mercado de aquisição de jogadores” depende muito de terceiros, de uma fonte de financiamento externa aos clubes – assim restringe-se a livre circulação de jogadores/trabalhadores e a concorrência - o artigo 101.º TFUE, expressamente mencionado pelas Ligas; (ii) Havendo menos transferências de jogadores, há menos transacções financeiras, limitando-se os movimentos de capitais entre Estados-membros da UE e entre esses Estados e países terceiros – violação da livre circulação de capitais, prevista no TFUE; (iii) O fim dos TPO reduz a quantidade de serviços que podem ser prestados por Fundos de Investimento, empresários de jogadores, empresas de gestão de carreiras, advogados, bancos, entre outros, no âmbito de transferências – ora o TFUE proíbe restrições à prestação de serviços por um nacional de um Estado-membro da UE que não seja o destinatário da prestação; (iv) Com o fim dos TPO deixarão de ser constituídos no território da UE novos Fundos vocacionados para investir na detenção de direitos económicos de jogadores e aqueles já existentes verão limitado, no todo ou em parte, o seu leque de actividades – tudo ao arrepio do direito de estabelecimento, consagrado no TFUE; (v) A FIFA, porque monopolista na regulamentação e regulação de questões como os TPO, tem uma posição dominante num ou mais mercados relevantes, pelo que ao proibir os TPO, e concedendo um período transitório reduzido (5 meses) - abusa da sua posição dominante - infracção ao artigo 102.º TFUE, expressamente mencionado pelas Ligas. Podem ser estes e/ou outros os argumentos da denúncia, necessariamente bastante mais fundamentados. E para que esta lógica – cuja construção faz sentido – não seja acolhida pela Comissão, a FIFA terá de ser muito convincente, nomeadamente na defesa dos fins prosseguidos pela proibição e na proporcionalidade dos mesmos (a inexistência de mecanismos menos restritivos; a existência de “razões imperiosas de interesse geral” a imporem a proibição). A julgar pelo comunicado referente à reunião do Comité Executivo da FIFA que aprovou a proibição dos TPO, o que se visa é “proteger a integridade do jogo e dos jogadores”. Vai ser curioso conhecer a posição da Comissão, que já em 1999, no “Caso ENIC”, sustentou que as restrições à concorrência se devem “limitar ao mínimo para preservar a integridade das competições da UEFA entre clubes. Mas a curiosidade adensa-se em face da posição que esta instituição comunitária assumiu em Outubro de 2014, conjuntamente com a UEFA. Eis a tradução livre do ponto 2.8 do “Acordo de Cooperação assinado entre Comissão e UEFA”: “A saúde e dignidade humana dos atletas devem ser protegidas de práticas abusivas e sem ética, de natureza comercial ou outra. É importante que acordos relativos a jogadores, tais como os chamados TPO de “direitos económicos” de jogadores, não violem a integridade da competição desportiva ou ponham em causa a relação de confiança e respeito mútuo que existe numa relação de emprego.” (continuação na página seguinte) www.abreuadvogados.com 2/3 analysis FIFA, “FIM DOS TPO” E (DIREITO DA) UNIÃO EUROPEIA (CONTINUAÇÃO) Se lemos bem, a Comissão, em Outubro de 2014, parece senão inclinada para proibir os TPO, pelo menos parece pender para que se regulamentem os mesmos, em nome, designadamente, do mesmo propósito avançado pela FIFA: a salvaguarda da “integridade da competição desportiva”. E quando se refere à “saúde e dignidade dos atletas”, está, tacitamente, a amparar-se no artigo 165.º TFUE, que defende a necessidade de protecção da “integridade física e moral dos atletas” e de ter em conta as “especificidades do desporto”. Por outras palavras, se o que a Comissão assinou significa defender o fim dos TPO, difícil será antever que apenas alguns meses depois reverta a sua posição, adivinhando-se uma subsequente batalha judicial – as Ligas avisam que “[a]s denúncias e os processos judiciais contra a proibição mundial das TPO podem estender-se a outros países fora da UE” – e pode mesmo acabar num novo “Caso Bosman”, convocando o TGUE para “árbitro” deste “jogo”. Se, pelo contrário, o que a Comissão pretende significar é que os TPO devem existir, desde que regulados/regulamentados, então a denúncia terá provimento, porque o que as Ligas pedem expressamente, a par da “anulação” da decisão da FIFA, é que “se reabra a discussão” sobre a “necessária e imperativa regulação dos TPO”. Aguarda-se, então, uma decisão da Comissão, que, como bem referem as Ligas, se confia que venha a ser “célere”. De outra forma, e ainda que o novo Regulamento da FIFA, que consagra a proibição dos TPO, só entre em vigor em 1 de Maio, quebrar-se-á o efeito útil/atempado da denúncia, com as inerentes consequências em múltiplos stakeholders. 3/3 Esta Analysis contém informação e opiniões de carácter geral, não substituindo o recurso a aconselhamento jurídico para a resolução de casos concretos. 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