o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
O grupo da indústria de construção e o Estado brasileiro, 1964-84 – projeto de trabalho1
Pedro Henrique Pedreira Campos2
Resumo: A presente exposição visa apresentar a pesquisa ora em desenvolvimento no curso
de doutorado sobre o poder e a penetração das empresas e associações da indústria de
construção no aparelho de Estado brasileiro durante a vigência da ditadura. Imbuído do
aparelho conceitual marxista e gramsciano, a exposição pretende abranger o grupo das
empresas do setor, suas formas de organização e também sua participação no pacto político
estabelecido no período ditatorial. Busca-se compreender a organização dessas companhias
em aparelhos privados de hegemonia, agências que organizam os interesses dessas
empreiteiras e penetram no aparelho estatal. Propõe-se aferir o grau de inserção go grupo nos
órgãos específicos do Estado nos diferentes momentos do regime e, à luz desses dados, dar
novo redimensionamento às políticas públicas voltadas para o setor, principalmente no
tocante às grandes obras e questão habitacional. Entende-se que assim é possível tentar
compreender por que o Brasil dispõe de empresas construtoras de organização oligopólica tão
poderosas e internacionalizadas.
1
Esse artigo é versão adaptada do projeto de pesquisa apresentado – e aprovado – ao Programa de PósGraduação em História da UFF no ano de 2007 e será apresentado ainda este ano na Semana de História Política,
promovida pelo Programa de Pós-Graduação de História da Uerj.
2
Professor da Uerj-FFP e doutorando em História pela UFF
Texto discutido em 29/06/2009
1
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
O empreendimento neoliberal destrói o Estado do Bem-Estar e o substitui por um
Estado penal. [...] esse Estado tem um grande e ambicioso projeto, que é o da
criminalização das relações sociais, dos conflitos sociais [...] o seu projeto de
habitação para a pobreza é construir penitenciárias [...].3
1. Delimitação do objeto de pesquisa:
Ano de 2007. As empresas de indústria de construção brasileiras ganham projeção no
cenário nacional por dois principais motivos. O primeiro é o bom cenário vivido pelas
construtoras no momento, o que se reflete em notícias como essas:
A elevada oferta de crédito no país e a interiorização do setor produtivo criaram um
novo mapa para a atuação de grandes construtoras e incorporadoras no país. [...]
O aquecimento do mercado deve fazer com que o setor imobiliário receba a injeção
de recursos de R$ 50 bilhões este ano. [...]
O governo vem adotando desde 2004 uma série de medidas para estimular o setor de
construção civil, como patrimônio de afetação, redução da carga tributária e o
aumento do volume de recursos para financiamentos [...];4
Se esse exemplo de notícia na imprensa nacional, comum nos últimos anos, é positivo para o
setor, que tem encontrado mercados para expansão e amplas possibilidades para acumulação
de capitais, o mesmo não se pode dizer do segundo tipo de informação:
[...] Zuleido Soares Veras, de 62 anos, dono desde 1995 da empreiteira Gautama e
preso na quinta-feira da semana passada durante a Operação Navalha como chefe de
uma quadrilha que faturou com obras públicas irregulares mais de R$ 120 milhões
nos últimos cinco anos.5
E não são só empresas de médio e pequeno porte que foram descobertas em negociatas de
corrupção:
3
BATISTA, Nilo. Entrevista. In: Revista Caros Amigos. no 77, agosto de 2003.
O Globo. Caderno de Economia. Reportagem de Martha Beck. 16 de julho de 2007. p. 19.
5
O Globo. Caderno de Política. Coluna de Ricardo Noblat. 21 de maio de 2007. p. 4.
Texto discutido em 29/06/2009
4
2
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
Em 1993, descobriu-se que um grupo de 18 deputados de baixa estatura física
ganhava dinheiro com a apresentação de emendas ao Orçamento. Seis foram
cassados, oito absolvidos e quatro renunciaram ao mandato.
A empreiteira Odebrecht foi a principal estrela da CPI dos Anões. [grifo nosso]6
A junção de altos índices de crescimento do setor de construção com escândalos
públicos de corrupção envolvendo empresas do ramo não é novidade na história nacional.
Pode-se dizer que, há uns 35 anos atrás, os principais motivos da exposição pública do setor
eram os mesmos, apesar do contexto histórico totalmente diferente.
A indústria de construção viveu um período de grande crescimento e muitas obras
durante a década de 70, auxiliada por uma política estatal altamente benéfica. Grandes obras
públicas e privadas e uma onda de especulação imobiliária urbana com grande número de
construções marcaram a época do “milagre” e o momento logo posterior. Essa conjuntura
positiva foi importante para a consolidação de grandes empresas construtoras, que hoje
marcam um dos setores mais fortalecidos da economia nacional.
Além disso, não faltaram denúncias de corrupção naquele momento, principalmente as
que envolviam o principal órgão do Estado ditatorial para a construção civil, o Banco
Nacional de Habitação (BNH)7. Essas “tenebrosas transações” eram auxiliadas pelo silêncio
forçado aos mecanismos comuns incumbidos de fazer a fiscalização em uma democracia
liberal, como a imprensa livre e o ministério público; o que fez com que, possivelmente,
muito mais ilegalidades tenham ocorrido do que as que chegaram ao público.
1.1 – O grande capital e a ditadura:
O ambiente propiciado pela ditadura civil-militar não foi favorável apenas para o ramo
da construção, mas sim para toda a forma de grande capital. Uma das principais marcas da
política da ditadura em relação aos trabalhadores, senão a principal, foi o arrocho salarial,
principalmente nos primeiros anos do regime. De 1964 a 1974, o salário mínimo perdeu
41,1% de seu valor real, cifra que toma um vulto maior ainda quando se conhece a
importância do mesmo para a determinação dos outros salários urbanos. Em 1975, 33% dos
trabalhadores urbanos recebiam um vencimento equivalente ao valor de até um salário
mínimo e 75% recebiam o equivalente a até dois. Assim, ao congelar o salário mínimo,
fazendo a redução do seu valor real, os governantes do período reduziam o valor de boa parte
6
O Globo. Caderno de Política. Coluna de Ricardo Noblat. 21 de maio de 2007. p. 4.
Para isso, ver FONTES, Virgínia Maria Gomes de Mattos. Rupturas e Continuidades na Política Habitacional
Brasileira, 1920-79. Dissertação de mestrado. Niterói: UFF/ICHF/PPGHIS, 1986. p. 149-53.
Texto discutido em 29/06/2009
3
7
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
dos salários dos trabalhadores urbanos, o que era benéfico para os empregadores. É por isso
que, por exemplo, Octavio Ianni afirma que o arrocho salarial era a principal política para os
trabalhadores na ditadura e que essa tinha propiciado a produção de uma mais-valia
extraordinária. Há de se levar em conta ainda que houve casos de manipulação dos índices de
custo de vida e inflação por órgãos oficiais, com a apresentação de números mais baixos que
os reais, o que torna o arrocho salarial ainda pior8.
Para que tal política de compressão salarial fosse possível, os novos governantes
impuseram também uma ferrenha política de repressão sindical aos trabalhadores e seus
movimentos. As greves foram proibidas, a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) foi
fechada, assim como outras centrais e sindicatos. Sindicalistas foram perseguidos, presos,
cassados politicamente e, alguns, torturados e mortos. A polícia era usada para repressão e até
o Exército chegou a ser utilizado em fábricas, como no caso da multinacional Telefunken.
Além disso, os órgãos públicos do regime ditatorial criaram sindicatos apolíticos e
incentivaram a filiação dos trabalhadores aos mesmos, incluindo certos benefícios para seus
membros, como o financiamento da casa própria9.
A perda de valor nos salários e da possibilidade de luta por direitos foram drásticas
para os trabalhadores. Como a quantidade de horas de trabalho necessárias para se conseguir
os mesmos produtos essenciais aumentou, eles tiveram que recorrer às horas extras. Isso fez
com que as horas de trabalho semanais ultrapassassem em muito as diretrizes legais do país e
que famílias lançassem mão do ofício de ex-donas de casa e filhos em idade de estudar para
completar um rendimento mínimo para a subsistência doméstica10.
Isso deu origem a um aumento da produtividade do trabalhador independente da
introdução de melhoramentos técnicos ou tecnológicos, conseguido apenas com o aumento da
exploração do trabalho. Ainda, com as condições especiais postas em prática pelo regime pós64, aumentaram os acidentes de trabalho, as doenças e decaíram alguns indicadores sociais
básicos, como o da mortalidade infantil. Tudo isso foi facilitado pela perda de possibilidades
de livre ação da justiça do trabalho, da imprensa, do ministério público e outros órgãos
fiscalizadores do próprio aparelho de Estado ou fora deste11.
8
OLIVEIRA, Francisco de. A crítica da razão dualista. In: A Crítica da Razão Dualista. O Ornitorrinco. São
Paulo: Boitempo, 2003. p. 71-92; IANNI, Octavio. A Ditadura do Grande Capital. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1981. p. 59-68.
9
IANNI, Octavio. A Ditadura do Grande Capital. op. cit. p. 79-88; MENDONÇA, Sônia Regina de; FONTES,
Virgínia Maria Gomes de Mattos. História do Brasil Recente: 1964-1992. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1996. p. 25-8.
10
IANNI, Octavio. A Ditadura do Grande Capital. op. cit. p. 79-88
11
SINGER, Paul Israel. A Crise do “Milagre”: interpretação crítica da economia brasileira. 4ª ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 95-7.
Texto discutido em 29/06/2009
4
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
Essas não foram as únicas perdas da classe trabalhadora durante o período ditatorial. A
garantia da estabilidade no emprego privado após 10 anos foi retirada, sendo posto em seu
lugar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS. Essa contribuição obrigava os
empregadores a abrir uma conta-corrente para cada um de seus empregados, com depósito
mensal de 8% do valor do salário. Porém, o fundo findava com a lei da estabilidade e impedia
o assalariado de ficar com o dinheiro acumulado caso fosse demitido por justa causa ou se
demitisse. Isso levou a um aumento da rotatividade no emprego, o que facilitou ainda mais a
redução dos salários. Além disso, a inexistência de funcionários estáveis a partir de então
tirou combatividade de trabalhadores que antes não tinham medo de lutar por seus direitos e
ingressar em uma forte atuação sindical12.
O dinheiro do FGTS foi utilizado pelo novo órgão da construção civil, o BNH. Mas
essa não foi a única poupança compulsória criada no período, já que surgiram também, nos
primeiros tempos do novo regime, o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de
Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP). A criação dessas poupanças
obrigatórias se relaciona diretamente com a reformulação do sistema financeiro nacional, feita
durante o governo Castelo Branco. Essa reformulação deu origem a novos órgãos como o
Banco Central – tendo fim a Superintendência da Moeda e do Crédito do Banco do Brasil
(SUMOC) –, o Conselho Monetário Nacional e outras entidades governamentais. Além de
beneficiar o setor financeiro privado nacional, essa reforma teve o fito de melhor captar e
canalizar capitais para os grandes grupos econômicos, principalmente os que faziam parte
diretamente do bloco de poder13.
Essas poupanças compulsórias passaram a ser geridas pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE) e pelo BNH, que tinham exatamente a função de
canalizar esses recursos para as empresas. O BNH foi criado em 1964 e o BNDE teve uma
reorientação em sua política. Criado no governo democrático de Vargas, este banco tinha
como principal objetivo, até o golpe, o de financiar as empresas estatais. Isso se modificou
com a ditadura e o órgão passou a fazer mais empréstimos para o capital privado, tanto o
nacional quanto o multinacional instalado no país, do que para as estatais. O sentido do
organismo ficava explícito em sua política de empréstimos: o BNDE fazia financiamentos a
juros negativos, ou melhor, com taxas de juros em níveis menores que os da inflação oficial14.
12
OLIVEIRA, Francisco de. A crítica da razão dualista. op. cit. p. 107-19.
MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. Acumulação Monopolista e Crises no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1991. p. 59-71.
14
GORENDER, Jacob. A Burguesia Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 70-80; MANTEGA, Guido;
MORAES, Maria. Acumulação Monopolista e Crises no Brasil. op. cit. p. 59-71.
Texto discutido em 29/06/2009
5
13
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
Outra característica da política ditatorial para as empresas, principalmente nos anos
iniciais do regime, foi o incentivo à concentração de capital. A contenção do consumo e a
criação de novos impostos, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) e o Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI), levou a uma série de falências, concordatas, fusões de
empresas, levando à formação de grupos econômicos mais robustos15.
Todas essas decisões foram altamente positivas para o grande capital que, com a
liberação do crédito pelo presidente Costa e Silva, em 1967, passou a fazer grandes
investimentos. Essas inversões vão caracterizar o chamado “milagre” econômico, período de
grande crescimento do produto interno bruto com inflação relativamente baixa, que durou de
1968 a 1973. Pode-se dizer que o elemento explicativo central do “milagre” foi o arrocho
salarial, sendo importantes também as fontes de financiamento externas e internas.
Internamente, as novas poupanças compulsórias financiaram firmas industriais e empreiteiras
através do BNDE e do BNH; externamente, houve o endividamento público – que foi enorme
nesse período, auxiliado pela grande liquidez internacional que possibilitou taxas de juros
negativas – e o investimento direto das empresas multinacionais. Durante o “milagre”,
aumentou a concentração de renda, incrementaram-se as intervenções estatais na economia,
cresceram as exportações e houve uma ampla generosidade dos aparelhos de Estado para o
capital, com subvenções, financiamentos e subsídios16.
O período foi excelente para as empresas internacionais e nacionais que atuavam do
país, sendo garantidas altíssimas taxas de lucro, porém, tratava-se de um modelo dependente
de condições externas favoráveis. Com a crise de 1973, que abalou os preços de petróleo e a
oferta de matérias primas e – em especial – de fluxos financeiros e de investimento
internacional, estancou a entrada de capitais estrangeiros, pondo em xeque o cerne do
financiamento do crescimento brasileiro17.
As conseqüências de um modelo sem autonomia própria logo iriam se mostrar: o
endividamento externo ganhou vultos maiores do que a possibilidade de pagamento do
Estado, a dependência tecnológica havia sido reforçada durante o governo Médici, a
concentração de renda havia aumentado e houve reversão da chamada substituição de
importações, ou melhor, a produção interna não dava conta da demanda de produtos
industriais, principalmente no que diz respeito aos bens de produção18.
15
MENDONÇA, Sônia Regina de; FONTES, Virgínia. História do Brasil Recente. op. cit. p. 29-32.
OLIVEIRA, Francisco de. A Economia da Dependência Imperfeita. 2ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1977. p. 98107; MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. Acumulação Monopolista... op. cit. p. 51-2.
17
MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e Economia no Brasil: opções de desenvolvimento. Rio de Janeiro:
Graal, 1985. p. 75-94.
18
SINGER, Paul Israel. A Crise do “Milagre”. op. cit. p. 65-76.
Texto discutido em 29/06/2009
6
16
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
A questão da crise econômica que abala a economia brasileira a partir de meados da
década de 1970 remete ao modelo econômico do regime. Não se pode dizer que houve
profunda ruptura econômica a partir de 1964, havendo a reiteração do chamado modelo
nacional-desenvolvimentista
com
certo
aperfeiçoamento.
Esse
modelo
econômico,
predominante no governo JK, baseava-se no chamado tripé da economia nacional com
abertura para o capital internacional e com centro hegemônico da indústria no departamento
III, os bens de consumo duráveis. A indústria brasileira tem atuação do capital nacional,
predominantemente nos bens de consumo não-duráveis; do capital estatal, principalmente na
produção de bens de capital; e do capital multinacional, que domina o departamento III da
indústria. Isso constitui o tripé da indústria nacional, forjado de 56 a 60 e reiterado após 1964,
com ampla abertura para o capital internacional e reforço da função do Estado como produtor
de bens de capital a baixo custo para potenciação do lucro privado, seja nacional ou
estrangeiro19.
Deve-se destacar que a divisão não é feita eqüitativamente na indústria, sendo o
departamento III o mais poderoso e o que obtém os maiores lucros. Se isso acontecia até
1964, o processo se acentuou a partir de então, com amplos ganhos para o capital
multinacional que se instalava no Brasil. O lucro das multinacionais norte-americanas era o
maior da América Latina, em uma média de 14,3% no período do “milagre”20. Mesmo
comparado aos outros setores industriais, o capital nacional e o capital estatal – as empresas
estatais foram reorientadas a auferir lucros a partir de 1964 –, as empresas estrangeiras tinham
um rendimento maior:
Tabela 1 – Patrimônio líquido (1974):
Capital nacional
21,2%
Capital internacional
24,5%
Capital estatal
54,3%
Total
100%
Tabela 2 – Faturamento (1974):
Capital nacional
32,0%
Capital internacional
42,8%
Capital estatal
25,2%
Total
100%
Fonte: IANNI, Octavio. A Ditadura...op. cit.
p. 48.
Fonte: IANNI, Octavio. A Ditadura...op. cit.
p. 48.
A tabela mostra como as condições de acumulação do capital estrangeiro no Brasil eram as
melhores possíveis, o que se estende a todo o período do regime ditatorial.
A preponderância dos interesses de capitais estrangeiros durante o período ditatorial
ficou explícita não só nos números. Em 1965, logo após o golpe de Estado, Brasil e Estados
19
MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e Economia no Brasil. op. cit. p. 67-75. Para o governo JK, ver
MARANHÃO, Ricardo. O Governo Juscelino Kubitschek. Coleção Tudo é História. 2ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1981. p. 44-67.
20
SINGER, Paul Israel. A Crise do “Milagre”. op. cit. p. 79-86.
Texto discutido em 29/06/2009
7
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
Unidos assinavam o “Acordo de Garantia de Investimentos”, segundo o qual o governo
brasileiro assegurava estabilidade e boas condições para os investimentos norte-americanos
no território nacional21.
Esse capital internacional residente no Brasil vinha de países como Estados Unidos,
Alemanha Ocidental, Inglaterra e França, em ordem de importância, e produziam bens de
consumo duráveis, sendo o ramo mais dinâmico de suas atividades a produção de automóveis.
O modelo do tripé com epicentro na produção de duráveis se relacionava diretamente com
outra característica do modelo econômico adotado, a escolha pelo transporte rodoviário.
A construção de rodovias e o desprezo por outras formas de transporte de cargas e
pessoas tinham sido características do governo Kubitschek. Nos cinco anos de seu governo,
foram construídos 20 mil quilômetros de rodovias – ao invés da meta inicial de 10 mil km – e
apenas 826 km de ferrovias. Isso foi reforçado pelo regime inaugurado em 1º de abril, com
grandes projetos rodoviários nacionais e reiteração da opção rodoviária dentro das médias e
grandes cidades. Paul Singer lembra que, em 1975, produziam-se 1 milhão de carros
anualmente no país enquanto não havia uma linha de metrô em qualquer cidade brasileira. De
acordo com Dreifuss, enquanto, em 1955, 55% do transporte de cargas no Brasil eram feitos
em rodovias, o mesmo índice atingia a soma de 78,1% em 1970, quando se gastava 3% do
PNB com investimentos em estradas. Segundo Guido Mantega, em artigo de 1978, mais de
80% do transporte nacional era feito por rodovias naquele momento22.
Essa escolha encontra a sua explicação nas relações de força dentro do aparelho de
Estado durante o período ditatorial. O grupo hegemônico dentro do bloco de poder que
dominou todos ou quase todos os 21 anos de regime se reunira no complexo IPES/IBAD de
1961 a 1964, havendo inclusive um contínuo aparelhamento de cargos do governo com
quadros dos dois órgãos. Ali, estavam incluídos militares da ESG, proprietários de terra,
banqueiros nacionais ou associados, industriais nacionais e, principalmente, membros do
capital internacional e associado. Esses tinham a preponderância dentro dessas agências, bem
como dentro do aparelho de Estado até 1968 e no governo Geisel, ao menos. Esses grupos
representavam os interesses de empresas estrangeiras, como as do ramo automotivo, sendo o
seu poder um fator explicativo do modelo rodoviário brasileiro23.
1.2 – O grupo da indústria de construção e a ditadura:
21
IANNI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil. op. cit. p. 259-76.
SINGER, Paul Israel. A Crise do “Milagre”. op. cit. p. 50-60; 99-105; DREIFUSS, René Armand. 1964: a
conquista do Estado. op. cit. p. 444-5; MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. Acumulação Monopolista... op.
cit. p. 59-71; MARANHÃO, Ricardo. O Governo Juscelino Kubitschek. op. cit. p. 44-67.
23
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. op. cit. p. 417-9.
Texto discutido em 29/06/2009
8
22
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
A posição de grupos econômicos como o da indústria de construção não era tão central
no bloco de poder e no aparelho de Estado como a do capital associado e estrangeiro. O setor
era dominado por companhias predominantemente nacionais24.
Apesar de não constituir o grupo mais poderoso dentro do pacto político, as empresas
de construção foram beneficiadas pela política específica para o setor durante a ditadura.
Dentro do complexo IPES/IBAD, já se organizavam empresários do setor com projetos de
política de construção no pós-golpe. Sandra Cavalcanti, política da UDN da Guanabara, aliada
de Carlos Lacerda e dona da firma de engenharia Hosken Construtora, atuava dentro do IPES,
prestando consultoria sobre habitação popular. Foi a primeira presidente do principal órgão
para construção civil do regime ditatorial, o BNH, saindo do cargo por ocasião do
rompimento de Carlos Lacerda com o grupo golpista. Carlos Moacyr Gomes, dono de uma
grande construtora e associado ao IPES, ficou à frente de um projeto-piloto desenvolvido pelo
BNH, o Programa de Cooperativa Habitacional do Estado da Guanabara25.
A reorientação da política habitacional do governo federal, forjada dentro do IPES
entre 1961 e 1964, incluiu a criação de novos órgãos e programas, como o Sistema Financeiro
de Habitação (SFH), o Serviço Federal de Habitação e Urbanização (SERFHAU), cujo
primeiro presidente foi Harry J. Cole, a criação do BNH e o Plano Nacional de Habitação. De
acordo com as diretrizes da nova política habitacional, Estados e Municípios deveriam
participar do planejamento urbano através de planos diretores, projetos e orçamentos. Ainda,
o Executivo chegou a legislar em alguns momentos, como na criação da lei do inquilinato e da
lei das incorporações26.
Além disso, o setor da construção civil foi beneficiado por toda a política salarial e
trabalhista da ditadura, o que fez com que os salários dos seus empregados fossem achatados
e os acidentes de trabalho proliferassem. A construção civil foi campeã em acidentes de
trabalho durante o período ditatorial, apesar de a censura fazer a repercussão dos mesmos ser
menor do que o que de fato acontecia27.
Porém, o elemento central da política habitacional do governo autoritário e, ao mesmo
tempo, a principal fonte de ganhos para o setor de construção civil foi o BNH. Segundo
24
Não entraremos nesse projeto na discussão sobre a burguesia ou o capital nacional, questão que será
aprofundada na possível pesquisa. Para isso, ver, dentre outros, GORENDER, Jacob. A Burguesia Brasileira. op.
cit. p. 110-2; MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e Economia... op. cit. p. 34-8; TOLEDO, Caio Navarro de.
O Governo Goulart e o Golpe de 64. Coleção Tudo é História. 8ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 116-20.
25
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. op. cit. p. 231-52; 446-7.
26
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. op. cit. p. 446-7; IANNI, Octavio. Estado e
Planejamento... op. cit. p. 229-42; IANNI, Octavio. A Ditadura do Grande Capital. op. cit. p. 5-21.
27
FONTES, Virgínia. Rupturas e Continuidades... op. cit. p. 210-21.
Texto discutido em 29/06/2009
9
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
Dreifuss, o “BNH também desempenhou um papel significativo no fomento da indústria de
construção civil, onde [sic] tantos associados e contribuintes do IPES tinham interesses”. Para
Mantega, a política de habitação da ditadura desviou recursos do BNH para o setor de
construção civil e gerou ampla especulação urbana. O beneficiamento do setor privado pelo
banco público não era um acidente, visto que muitos cargos do órgão eram ocupados por
representantes dos interesses da construção, como é o caso de João Machado Fortes, que, em
1966, era diretor da carteira de cooperativas do BNH, sendo também presidente do Sindicato
da Indústria da Construção Civil de Estruturas do Estado da Guanabara28.
O BNH deveria implementar políticas governamentais de habitação, bem como regular
e refinanciar o crédito habitacional. Incluída nessas funções estava também a de remover
favelas de centros urbanos, o que foi realizado principalmente na cidade do Rio de Janeiro. A
partir de 1967, os recursos do BNH foram alavancados com o início da utilização das verbas
do FGTS e das poupanças voluntárias. Para Fontes, o órgão tinha o sentido de atenuar a
questão salarial que vigorou a partir de 1964, sendo a habitação a grande área de concessão
aos trabalhadores no período ditatorial. Segundo o discurso de membros dos órgãos públicos,
o BNH servia prioritariamente ao financiamento de habitações para as classes populares,
porém, aí, surgiu um impasse. Sem aceitar a hipótese de subsídio total das casas, o
financiamento para a compra de alojamentos para as classes populares se tornava quase
impossível com a manutenção de uma política de arrocho salarial. Assim, os principais
imóveis financiados pelo banco foram os de grupos com rendimento médio e não inferior29.
O BNH cresceu e foi readequado, transformando-se em empresa estatal incumbida de
“comandar e ordenar” o crescimento urbano, em 1971. Se por um lado, o banco auferia
seguidos superávits, por outro, a inadimplência aumentava, principalmente entre os
compradores de imóveis das classes populares, o que atingiu também a classe média, com o
tempo. Entre 1974 e 1979, o órgão aumentou seus investimentos em infra-estrutura,
consoante as novas políticas inauguradas no governo Geisel em relação à indústria de bens de
produção e investimentos estatais na economia30.
Portanto, as políticas governamentais para a área da construção civil e habitação
durante a ditadura foram altamente proveitosas para as empresas do setor, que tiveram amplas
possibilidades de crédito e financiamento público, além de licitações milionárias em projetos
estatais de grande envergadura. Dos grandes projetos do período, é possível citar rodovias
28
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. op. cit. p. 446-7; MANTEGA, Guido; MORAES,
Maria. Acumulação... op. cit. p. 59-71; FONTES, Virgínia. Rupturas e Continuidades... op. cit. p. 124-8.
29
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. op. cit. p. 446-7; FONTES, Virgínia. Rupturas e
Continuidades... op. cit. p. 120-8; 156-63.
30
FONTES, Virgínia Maria Gomes de Mattos. Rupturas e Continuidades... op. cit. p. 163-98; 210-34.
Texto discutido em 29/06/2009
10
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
como a Transamazônica, a hidrelétrica de Itaipu e outras, a ponte Rio-Niterói e outras,
diversos estádios pelo país, túneis, linhas de metrô, usinas nucleares etc. A generosidade
estatal ficou exposta também na política em relação às classes dominadas, no que diz respeito
à política salarial, trabalhista e na coerção à fiscalização de irregularidades nessas empresas.
A partir de todas essas condições favoráveis, em fins da década de 1970, o setor
atingiu um outro patamar em termos de força econômica e organização política. Segundo
Guido Mantega e Maria de Morais, a economia nacional se mostrava mais madura na segunda
metade da década de 70, apresentando maior autonomia do que no passado, principalmente no
ramo da produção de bens de capital que, outrora, era em sua maior parte externa. Nesse
processo de maturação da organização da economia brasileira, emergem grupos monopolistas
nacionais, com destaque para o setor de bens de produção, o setor de construção civil e o
financeiro. Esses grupos não são plenamente nacionais nem ideologicamente nacionalistas,
muito pelo contrário, surgiram exatamente na órbita da produção de bens de consumo
duráveis controlado pelas multinacionais31.
O setor de bens de capital teve crescimento espantoso durante o “milagre”, triplicandose a produção desses artigos entre 1968 e 1974. A gestão Geisel foi altamente positiva para o
setor, que teve ações compradas pelo governo, incentivos, subsídios e financiamentos do
BNDE. O objetivo da equipe de Geisel era fortalecer a produção nacional de bens de capital
para reduzir as importações desses itens, melhorando a capacidade do país de pagar a
galopante dívida externa. Grupos como os Vallares, os Bardella e os Romi ganharam vigor e
projeção no período32.
As empresas do setor financeiro também tiveram um cenário altamente positivo para
se desenvolver no período, mesmo que em desproveito das contas do aparelho de Estado. As
emissões das Letras do Tesouro Nacional (LTN) e as Obrigações Reajustáveis do Tesouro
Nacional (ORTN) maximizaram as possibilidades de lucro dos bancos e entidades financeiras,
consolidando o setor como um dos mais fortes da economia nacional. Além disso, a própria
política de incentivo habitacional através do BNH ativou o setor, gerando lucros generosos
para as empresas bancárias. O grupo foi privilegiado na sua representação nos órgãos do
aparelho de Estado, destacando-se Mário Henrique Simonsen (do grupo Bozzano Simonsen),
31
MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. Acumulação Monopolista... op. cit. p. 13-20; OLIVEIRA, Francisco
de. A Economia da Dependência Imperfeita. op. cit. p. 98-107.
32
MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. Acumulação Monopolista... op. cit. p. 90-5; FONTES, Virgínia.
Rupturas e Continuidades... op. cit. p. 205-10.
Texto discutido em 29/06/2009
11
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
Olavo Setúbal (do banco Itaú), Laudo Natel (do banco Bradesco) e Calmon de Sá (do
Econômico); todos desempenhando papéis em postos-chave do governo33.
Da mesma forma, a indústria de construção emergiu como setor destacado da
economia brasileira a partir da década de 1970. A política habitacional e as grandes obras de
infra-estrutura ativaram a produção de itens de produção e também as empresas construtoras.
Pode-se dizer que parte do crescimento do grupo se deu na esteira do crescimento das
empresas estrangeiras, já que as rodovias construídas no período, necessidade básica para a
expansão da produção de automóveis, eram uma área importante de atuação das empresas de
construção civil e engenharia, sendo um caso típico disso a empresa Andrade Gutierrez, que
ganhou projeção com a construção de estradas pelo país. Com o fortalecimento do setor,
surgem as grandes empresas de construção de alcance nacional, quais sejam a Norberto
Odebrecht, a já citada Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Mendes Junior e Queiroz
Galvão34.
Cabe destacar que esses três setores não são distantes entre si, tendo eles diversos
interesses comuns e até interseções em suas áreas de atuação. Além do já citado
beneficiamento dos setores financeiro e de construção com o BNH, há um aumento do crédito
em todas as áreas de 1964 a 1970, inclusive com a criação e consolidação de sociedades de
crédito imobiliário, corretoras de investimento e outras novas instituições de fomento
financeiro à construção civil, como lembra Maria Conceição Tavares. Também, é nítido que
tanto empresas de construção civil como de bens de produção são beneficiadas com obras de
infra-estrutura, como rodovias, hidrelétricas e obras de saneamento básico. O setor de
construção civil é dependente de alguns ramos da produção de bens de capital, como o de
cimento e o de aço, o que explica o fato de empresas como Camargo Corrêa atuarem tanto na
produção de cimento e aço como na construção civil em sentido restrito35.
No período de distensão do regime, a Associação Brasileira para o Desenvolvimento
das Indústrias de Base (ABDIB) pediu moderação na abertura política e fez projetos de
política econômica. A associação – que incluía também grandes empresas da indústria de
construção – propôs o aumento da produção de bens de capital, fazendo do Brasil um grande
produtor e até exportador de insumos, além da realização de grandes obras públicas de infraestrutura urbana, como saúde, saneamento, habitação, educação, transportes coletivos e meio
33
MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e Economia... op. cit. p. 75-94; MANTEGA, Guido; MORAES,
Maria. Acumulação... op. cit. p. 95-8; FONTES, Virgínia. Rupturas e Continuidades... op. cit. p. 163-95.
34
MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. Acumulação Monopolista... op. cit. p. 87-90; GORENDER, Jacob. A
Burguesia Brasileira. op. cit. p. 101-9; http://www.andradegutierrez.com.br/ acessado em 20 de agosto de 2007.
35
TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de Importações ao Capital Financeiro. 3ª ed. Campinas:
EdUNICAMP, 1998. p. 218-33; http://www.camargocorrea.com.br/ acessado em 20 de agosto de 2007.
Texto discutido em 29/06/2009
12
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
ambiente. Vê-se aí também uma aproximação nos interesses de empresas de construção civil e
bens de capital, o que possibilitou a adoção de projetos políticos comuns36.
Paralelo ao fortalecimento dos conglomerados da indústria de construção enquanto
grupos monopolistas está outro processo, o da internacionalização dessas empresas. De 1969
a 1973, a Mendes Júnior construiu uma hidrelétrica na Bolívia e, em 1975, começou a
construção de uma rodovia na Mauritânia. O caso da Mendes Júnior é singular dado que a
empresa já tinha uma grande experiência anterior à ditadura, por ter participado de grandes
projetos do governo JK, como a construção da hidrelétrica de Furnas. Além disso, ela iniciou
as suas atividades no exterior em um período de veloz crescimento da economia brasileira e
de grandes projetos de engenharia no país37.
A partir de fins da década de 1970, há um movimento mais nítido e forte das empresas
de construção para o exterior, o que é condicionado pela consolidação dessas empresas no
período e também pelo cenário interno mais desfavorável em termos de investimentos e
grandes obras de construção pesada. Assim, em 1979, a construtora Norberto Odebrecht
estabeleceu contratos de engenharia e construção no Peru e no Chile, depois de ter chegado ao
Paraguai em 1973. A partir de então, diversas empresas seguiram o mesmo caminho, fazendo
da construção civil um dos ramos mais dinâmicos e internacionalizados da economia
brasileira. Hoje, existem seis grandes construtoras com projetos e construções no exterior: a
Odebrecht, presente em 31 países; a Andrade Gutierrez, em 14 países; a Camargo Corrêa, em
8 países; a Mendes Júnior, em ao menos 5 países; Queiroz Galvão, em 5 países; e a OAS, que
também tem projetos no exterior. Os principais países onde essas empresas têm atividades são
os vizinhos do Brasil na América do Sul, seguidos pelos outros da América Latina, os da
África, Portugal, Oriente Médio e, em poucos casos, há atuação também nos chamados países
desenvolvidos38.
Um caso interessante aconteceu a partir de 1980, ano em que a Odebrecht passou a
atuar em Angola. O Brasil foi a primeira nação do mundo a reconhecer a independência do
país, apesar de se tratar de uma república democrática em pleno período da guerra fria,
enquanto o Brasil tinha uma ditadura de direita, ligada aos EUA. A Petrobrás chegou ao país
ainda no final da década de 1970 e a construtora se associou à estatal brasileira em diversos
36
BRANDÃO, Rafael Vaz da Motta. ABDIB e a Política Industrial do Governo Geisel, 1974-1979. Texto
apresentado ao laboratório Polis. Niterói: 2007, p. 1-22; MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. Acumulação
Monopolista... op. cit. p. 98-101.
37
http://www.mendesjunior.com.br/ acessado em 20 de agosto de 2007.
38
http://www.odebrecht.com.br/ acessado em 19 de agosto de 2007; http://www.andradegutierrez.com.br/;
http://www.camargocorrea.com.br/;
http://www.mendesjunior.com.br/;
http://www.queirozgalvao.com/br/
acessado em 30 de agosto de 2007; http://www.oas.com.br/ acessado em 20 de agosto de 2007.
Texto discutido em 29/06/2009
13
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
projetos. Hoje, a Odebrecht é a segunda empresa brasileira em Angola, tem 10.992
empregados no país e está construindo a hidrelétrica de Capanda, além de outras obras de
infra-estrutura, como o sistema de abastecimento de água potável a Luanda. Em 2007, a
Andrade Gutierrez chegou ao país ao vencer uma licitação para construir uma estrada39.
Recentemente, a Fundação Dom Cabral publicou uma pesquisa com o ranking das
empresas brasileiras que têm atividades no exterior. Das 24 empresas nacionais nessa
situação, a Gerdau é a empresa mais internacionalizada, seguida pela Odebrecht – que tem
80% das receitas e 35% dos seus empregados no exterior –, tendo a Andrade Gutierrez em 7º
lugar. Na lista, encontramos outras empresas relacionadas ao ramo da indústria de construção,
como: a Tigre, em 10º lugar, produtora de materiais de construção; a Votorantim cimentos,
em 14º lugar, que produz cimento; a Votorantim metais, em 17º lugar, indústria siderúrgica; e
a Braskem, petroquímica da organização Odebrecht, 20º lugar40. Compreender as origens da
internacionalização do setor é um dos objetivos de nossa pesquisa.
A consolidação dessas empresas como grupos monopolistas não inclui somente a
internacionalização das empresas, mas também a diversificação das atividades de cada uma
delas. Detendo-se nessas seis maiores, vê-se que a construção pesada deixou de ser a sua
única atividade a partir da década de 1980, passando a haver atuação nas áreas de
empreendimentos imobiliários, petróleo, petroquímica, cimentos, calçados, setor têxtil,
energia, transportes, siderurgia, agroexportação, ramo financeiro e, ultimamente, até o setor
sucroalcooleiro. Uma outra tendência é a entrada na área de concessões públicas, a partir das
políticas neoliberais no Brasil e em outros países da América Latina, estando esses grupos no
controle de concessões de energia, telecomunicações, transportes e outras áreas. Trata-se da
transformação dessas empresas de grandes construtoras em verdadeiros conglomerados
monopolistas, sendo um caso interessante o do grupo Camargo Corrêa, que hoje atua nas
áreas de construção naval, plataformas off shore, silício e outras, com controle acionário de
empresas como a Santista Têxtil, Usiminas e da Itaúsa e detendo as seguintes marcas:
calçados Havaianas, Topper e Rainha, cimentos Cauê e Loma Negra41.
Para se explicar como o grupo conseguiu se consolidar e internacionalizar e como foi
amplamente escorado por políticas estatais favoráveis, faz-se necessário estudar as formas de
organização dessas empresas e de seu poder de pressão e penetração no aparelho de Estado.
39
O Globo. Caderno de Economia. Reportagens de Eliane Oliveira e Ramona Ordoñez. 20 de agosto de 2006. p.
38.
40
O Globo. Caderno de Economia. Reportagem de Ronaldo D’Ercole e Lino Rodrigues. 25 de outubro de 2006.
p. 37.
41
http://www.odebrecht.com.br/; http://www.andradegutierrez.com.br/; http://www.camargocorrea.com.br/;
http://www.mendesjunior.com.br/; http://www.queirozgalvao.com/br/; http://www.oas.com.br/.
Texto discutido em 29/06/2009
14
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
Nacionalmente, existem hoje diversas agências que abarcam as diferentes etapas e ramos da
construção civil, como a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e
Poupança (ABECIP), que reúne empresas ligadas ao financiamento à construção civil; a
Associação Brasileira de Serviços de Concretagem (ABESC), que reúne empresas que
fabricam cimento, como a Votorantim Cimentos, Camargo Corrêa, Lafarge Brasil etc; e a
Câmara Brasileira de Comércio e Serviços Imobiliários (CBCSI), com empresas e associações
ligadas à compra, venda, locação e administração de imóveis42.
A Câmara Brasileira de Construção Civil (CBIC), fundada em 1957, reúne os
sindicatos patronais e associações regionais e estaduais ligados ao mercado imobiliário e à
indústria de construção. Em geral, seus sócios são constituídos pelos sindicatos de indústria
de construção estaduais e regionais (SINDUSCON), pelas associações dos dirigentes de
empresas de mercado imobiliário espalhadas pelo país (ADEMI) e pelos sindicatos de
comércio e serviço imobiliário (SECOVI). Além disso, tem como sócios também a
Associação Brasileira das Empresas de Engenharia e Manutenção Predial (ABEMPI), a
Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (ANEOR) e o Sindicato da
Indústria de Construção Pesada do Estado do São Paulo (SINICESP)43.
Na área de construção pesada, foi fundado, em 1959, o Sindicato Nacional da Indústria
de Construção de Estradas, Pontes, Portos, Aeroportos, Barragens e Pavimentação
(SINICON), que depois mudou seu nome para Sindicato Nacional da Indústria da Construção
Pesada, mantendo a mesma sigla. Com sede no Rio, ganha projeção em relação ao objeto da
pesquisa por reunir as principais empresas nacionais da indústria de construção, já citadas.
Com 450 empresas filiadas e 104 associadas mantenedoras, a agência afirma ter por objetivo a
“consolidação e expansão da infra-estrutura física do País”. É interessante notar que apesar de
agregar sindicatos estaduais da construção pesada do Paraná, Rio Grande do Sul e outros
estados, o SINICESP, sindicato da construção pesada de São Paulo, não é filiado ao
SINICON44.
Mais do que essas associações, uma agência do setor que parece ganhar maior projeção
nacional é a Associação Brasileira de Engenharia Industrial, a ABEMI. Fundada em 23 de
maio de 1964, sob o nome de Associação Brasileira de Engenharia e Montagens Industriais
(ABEMI), manteve a sigla, apesar da modificação no nome da entidade. Hoje, a associação
conta com 100 empresas associadas e tem oito subdivisões por atividade de suas associadas:
engenharia, área na qual se encontram empresas de médio porte, principalmente paulistas;
42
http://www.secovirio.com.br/ acessado em 30 de agosto de 2007.
http://www.cbic.org.br/ acessado em 26 de julho de 2007.
44
http://www.sinicon.org.br/ acessado em 20 de agosto de 2007.
Texto discutido em 29/06/2009
43
15
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
petróleo e gás, que tem a Petrobrás como a única associada; hidrojato e vácuo; construção
civil industrial e montagem industrial, com empresas voltadas para construção e montagem
apenas de indústrias; rede de águas e esgotos; fabricantes de equipamentos; e construção civil
pesada, setor em que se encontram as grandes empresas do ramo da indústria de construção
no sentido restrito, tais quais Norberto Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS,
Queiroz Galvão, Galvão Engenharia, Mendes Júnior, Hyundai Construction do Brasil, Santa
Bárbara Engenharia, Constran e Rohr45.
A associação conta também com a participação de empresas não diretamente
relacionadas com a construção, o que é o caso da Petrobrás, da Usiminas e da Siemens.
Apesar de não ter atuação diretamente na área de engenharia, essas empresas têm interesses
em associações com a ABEMI e com as empresas de engenharia e construção. Um exemplo é
o da Petrobrás:
Desde a sua fundação, a ABEMI mantém estreita relação com a Petrobras, tendo
seus associados participado dos esforços de desenvolvimento dos empreendimentos
da Petrobras nos últimos 42 anos, projetando e construindo refinarias, plataformas
off shore, terminais, dutos, etc.46
Esse esclarecimento sobre a relação antiga entre a Petrobrás e empresas associadas à ABEMI
foi feito em uma nota no jornal, em que o órgão se defendeu de acusações políticas. De
acordo com estas, as empresas associadas da ABEMI estavam doando recursos para
candidatos do governo com o objetivo de manter benefícios para as empresas. Dentre esses,
destaca-se o Prominp, programa de parceria entre a ABEMI e a Petrobrás, feito sem licitação
pública a um custo total de R$ 228,7 milhões para a empresa desde 2003, no qual a associação
forma quadros técnicos para trabalhar por contrato na estatal. Em junho de 2006, o presidente
da estatal, José Sérgio Gabrielli, foi à ABEMI apresentar os projetos da empresa para o
segundo mandato do governo Lula e, a partir de então, as empresas de construção fizeram
doações às campanhas eleitorais dos candidatos47.
As relações dessas empresas com a Petrobrás é uma fonte de grandes ganhos do setor e
de grande acumulação desde a fundação da estatal, em 1953. Caso emblemático disso é o da
Odebrecht, que na própria apresentação de sua história afirma a importância da Petrobrás para
a trajetória da empresa, visto que a companhia já construiu para a estatal: refinarias,
plataformas, estradas, prédios, portos e perfurou um total de 140 poços no mar. O próprio
45
www.abemi.org.br acessada em 5 de abril de 2007.
O Globo. Caderno de Política. Nota de esclarecimento. 22 de novembro de 2006. p. 3.
47
O Globo. Caderno de Política. Nota de esclarecimento. 22 de novembro de 2006. p. 3; O Globo. Caderno de
Política. Reportagem de Ricardo Galhardo. 20 de novembro de 2006. p. 3.
Texto discutido em 29/06/2009
16
46
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
marco da nacionalização da empresa é dado pela construção do edifício-sede da Petrobrás, em
1969, na Avenida Chile, no Rio de Janeiro48. Em menor escala, outras estatais também devem
ter sido importantes para o fortalecimento das empresas do setor.
A ABEMI mantém publicações sobre o tema da construção civil, em sub-áreas como:
operação de guindastes, indicadores estatísticos de acidentes, gerenciamento e controle
ambiental, acidentes de trabalho – manual de responsabilidade civil e criminal –, desmonte de
rochas com explosivos, prevenção de acidentes de trabalho na carpintaria e outros. Como se
vê, três das nove publicações dizem respeito a acidentes de trabalho49.
A associação tem sede na Avenida Paulista e em seu estatuto social, dentre os 11
objetivos arrolados da associação, destacam-se dois:
a) Contribuir para o desenvolvimento sócio-econômico do País, atuando
proativamente nos processos decisórios governamentais e fomentando
investimentos públicos e privados nos setores de infra-estrutura e empreendimentos
industriais, visando a proteção da ordem econômica e da livre concorrência; [...]
c) Agir junto à administração pública (executivo, legislativo e judiciário),
investidores e fontes de financiamento nacionais e estrangeiros, visando a criação de
oportunidades de negócios para suas associadas [grifo nosso].50
Destaca-se o caráter ideológico com vistas à hegemonia do texto, quando se afirma que a
associação de empresas busca o “desenvolvimento sócio-econômico do País”, dando a falsa
impressão de que os interesses dessas corporações são também os interesses de todos os
brasileiros. Mais do que isso, fica exposta a função política do órgão, que pretende agir
“junto” ao Estado e “proativamente” nas decisões públicas. Portanto, uma das funções mais
importantes, senão a mais relevante, é a da sua relação com o aparelho de Estado.
Eli Diniz e Renato Boschi demonstraram através da pesquisa oral feita com
empresários paulistas que as associações específicas são mais pragmáticas do que as grandes
associações de classe. Para afirmar isso, eles citam um empresário que mostra como uma
Fiesp, por exemplo, não pode resolver um problema específico de uma empresa ou de um
setor, sendo muito mais uma representação política. Para esses problemas específicos, são
muito mais úteis órgãos setoriais como a ABDIB e o Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS),
o que também parece ser o caso da ABEMI e do Sinicon. Diniz e Boschi mostram como a
ABDIB e outras conseguem penetrar o Estado e aparelhar órgãos como a Carteira de
48
http://www.odebrecht.com.br/ acessado em 19 de agosto de 2007.
www.abemi.org.br acessada em 5 de abril de 2007.
50
www.abemi.org.br acessada em 5 de abril de 2007.
Texto discutido em 29/06/2009
49
17
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
Comércio Exterior do Banco do Brasil (CACEX) e a Agência Especial de Financiamento
Industrial (FINAME)51.
Assim, o estudo da ABEMI, Sinicon e de outras agências de engenharia e construção
civil, sua constituição, desenvolvimento e relação com aparelhos de Estado parece ser
importante para compreender as políticas públicas para habitação e infra-estrutura. Com isso,
pode-se explicar melhor a acumulação e a consolidação do setor de construção civil, bem
como a sua projeção internacional.
As relações entre empresas e agências com órgãos e aparelhos de Estado podem ficar
expostas não só na política de habitação, mas também no desenvolvimento urbano de uma
cidade. Para Engels, a organização do espaço urbano é um mecanismo de controle do
proletariado pela burguesia, afirmação feita para a cidade de Manchester na primeira metade
do século XIX. A partir do caso de Paris e de sua intervenção por Haussmann, não se pode
mais desprezar a importância do Estado na construção do espaço urbano. Se a relação que
molda a cidade é a das suas classes sociais constituintes, a burguesia e os trabalhadores, essa
construção tem forte mediação do Estado, o que vale para os casos que se pretende estudar52.
Engels afirma ainda que a cidade capitalista, diferentemente das anteriores, tende a se
setorizar, com um centro comercial e empresarial com preço caro por imóvel, uma área
residencial cara e um subúrbio operário e barato. Pode-se dizer que a distinção dessas áreas na
cidade do Rio de Janeiro se acentuou durante o período ditatorial, apesar de se ter nessa
cidade a especificidade de “subúrbios” pobres inseridos em bairros residenciais caros53.
As cidades do Rio e de São Paulo tiveram diversos projetos de infra-estrutura e grande
especulação imobiliária no período. Destacam-se, no Rio, obras como o Túnel Rebouças, o
viaduto Paulo de Frontin e outros, além dos trilhos de metrô. São Paulo também teve a
construção de diversos viadutos, vias expressas e do sistema de trens subterrâneos. O
crescimento das grandes cidades brasileiras é tão acentuado e acelerado que, a partir da
década de 1960, surgem problemas de desabastecimento de alimentos nas áreas urbanas54.
Em escala local, também surgiram e tiveram fortes atuações agências específicas do
capital de construção civil local. O SINDUSCON-Rio já existia na cidade desde 1919, sendo
a mais antiga entidade de classe da indústria de construção do país. O próprio IPES foi
51
CERQUEIRA, Eli Diniz; BOSCHI, Renato Raul. Empresariado Nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1978. p. 170-85.
52
ENGELS, Friederich. A Situação da Classe Trabalhadora em Inglaterra. Porto: Apontamento, 1975 apud
ROCHA, Oswaldo Porto. A Era das Demolições: cidade do Rio de Janeiro, 1870-1920. CARVALHO, Lia
Aquino. Contribuição ao Estudo de Habitações Populares, 1866-1906. 2a ed. Coleção Biblioteca Carioca. Rio
de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, 1995. p. 25-7.
53
ENGELS, Friederich. A Questão do Alojamento. Porto: Coleção Textos políticos, s/d. p. 134-40.
54
TOLEDO, Caio Navarro de. O Governo Goulart e o Golpe de 64. op. cit. p. 22-40.
Texto discutido em 29/06/2009
18
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
utilizado como uma agência específica do setor, já que contava com a unidade “Reforma
Urbana (Estudo econômico e legal sobre casas populares)”, na qual Sandra Cavalcanti e
outros ipesianos faziam estudos e projetos que acabaram se transformando na política oficial
para a habitação. Inclusive, foi do IPES que saíram os três primeiros presidentes do BNH e
diversos cargos menores também eram dominados por membros do instituto55.
O SINDUSCON-SP tem um tamanho maior do que o congênere fluminense,
representando, hoje, 25.000 empresas no Estado, com 1.200 associadas e 6.000 filiadas. De
1971, a associação paulista desenvolve atividades sociais, como o projeto de “alfabetização
no canteiro de obras”, empreendimento que tem um similar mantido pelo SINDUSCON-Rio.
A entidade também se apresenta como portadora de interesses públicos neutros:
O Sinduscon-SP pauta sua atuação por um projeto nacional que coloque o setor da
construção, um dos maiores empregadores do país, na posição de um dos pilares do
desenvolvimento sustentável. Assim, no plano federal, partilha das aspirações da
indústria paulista pela implementação de reformas como a política, a tributária, a
previdenciária e a trabalhista, bem como pela preservação do meio ambiente.
No plano setorial, a entidade luta por uma política habitacional que contemple ações
como a elevação do volume de financiamentos à construção residencial; atua em
favor do aumento de oferta de habitação popular e defende a ampliação da
concorrência no mercado de obas públicas, entre outros objetivos [grifo nosso]56.
Dominada por empresas imobiliárias e não por construtoras do ramo pesado, a
Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (ADEMI-RJ) foi fundada em
1971, período propício, segundo seu antigo presidente, José Conde Caldas, que destaca a
criação do BNH e da lei das incorporações no período. Como os objetivos da associação
deixam claro, a fundação da ADEMI, naquele momento, visava “amparar os legítimos
interesses dos sócios perante os poderes públicos” e “apoiar projetos de leis e decisões
administrativas que atendam ao desenvolvimento imobiliário, opondo-se aos que lhes forem
prejudiciais”57. Durante a década de 1970, a agência criou o “Grupo do Rio”, com
participação de Mário Henrique Simonsen, Cândido Mendes de Almeida e outros, visando
estabelecer uma política de desenvolvimento de médio e longo prazo para o Rio de Janeiro58.
Hoje, a ADEMI-RJ reúne 94 empresas que atuam na cidade, das quais se destacam
Agenco, Brascan, Hosken, CHL, Cipa, Concal, Decta, elevadores Otis, Ética, Gafisa, João
Fortes, Klabin Segall, Patrimóvel, Pinto de Almeida, R. Jardim, RJZ e Schipper. O atual
presidente é Rogério Chor, da CHL, e o anterior havia sido Márcio Fortes, no biênio 2003-5,
55
FONTES, Virgínia. Rupturas... op. cit. p. 124-8; DREIFUSS, René Armand. 1964... op. cit. p. 446-7.
http://www.sindusconsp.com.br/ acessado em 26 de julho de 2007.
57
www.ademi.webtexto.com.br acessada em 5 de abril de 2007.
58
www.ademi.webtexto.com.br acessada em 5 de abril de 2007.
Texto discutido em 29/06/2009
56
19
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
da empresa João Fortes Engenharia. Fortes tem um currículo extenso por entidades de classe,
como o Sinduscon, a Firjan, o Clube de Engenharia, e também por órgãos governamentais,
como a presidência do BNDES, do Banerj, a chefia das secretarias municipal de Obras e
estadual de Indústria, Comércio e Turismo. Durante sua gestão na ADEMI, Fortes foi também
ministro das Cidades do governo federal, cargo que mantém até hoje59.
Investigar essas empresas de construção civil de alcance mais local, assim como sua
organização em agências como os sindicatos da indústria de construção estaduais e outros é
importante para compreender as diretrizes das políticas municipal, estadual e até federal para
o setor, tendo-se em vista a penetração de seus membros no aparelho de Estado. Assim,
compreender-se-á melhor tanto o desenvolvimento dessas empresas, como as políticas
públicas para a construção civil.
Qualquer que seja a área de pressão política dessas empresas ou agências, se
municipal, estadual ou federal, são sempre produzidas visões particulares sobre o problema da
habitação e da infra-estrutura urbana. Principalmente a partir desses organismos, são criadas
ideologias específicas do grupo de construção civil que tentam se generalizar
hegemonicamente como interesses de todos na sociedade.
A produção de ideologias nessa área não é novidade e foi constatada por Engels em
seu livro sobre a questão da habitação. Nos três artigos que compõem o livro, Engels refuta a
tese de que o problema do alojamento é central para o trabalhador e que a propriedade de sua
residência resolveria a maior parte de seus problemas, destacando que a questão é secundária
diante do problema central da propriedade dos meios de produção, mecanismo central da
exploração capitalista. Engels cita também um médico que adota a ideologia do grupo e
defende que o Estado interceda para resolver o problema da habitação, visto que a burguesia e
o proletariado em relações de mercado não davam conta do problema60.
Esse é um pedido típico dos setores interessados no empreendimento da construção
civil. Historicamente, empresas e agências pedem a participação do Estado na concessão de
crédito ou doação de casa própria às classes trabalhadores, assim como uma atuação decisiva
na distribuição de infra-estrutura urbana, especialmente transporte e saneamento básico.
Baran e Sweezy notam a pressão das empreiteiras para que o Estado reduzisse o déficit
59
www.ademi.webtexto.com.br acessada em 5 de abril de 2007; O Globo. Caderno de Economia. Coluna de
Flávia Oliveira. 30 de maio de 2007. p. 27.
60
ENGELS, Friederich. A Questão do Alojamento. op. cit. p. 14-20; 31-2; 110-22.
Texto discutido em 29/06/2009
20
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
habitacional norte-americano, que foi admitido pelo presidente Eisenhower em cerca de dez
milhões de domicílios no pós-guerra61.
No Brasil também, vê-se a pressão cotidiana das agências específicas para que o
Estado haja no sentido de melhorar as condições de habitação das classes populares, ou
melhor, fazer encomendas às empresas de construção. A ABECIP afirma que o atual déficit
habitacional brasileiro é de 7,9 milhões de unidades e reclama que o crédito imobiliário no
país equivale a somente 1,7% do PIB, enquanto chega a 9% no México, 13% no Chile e
78,9% no Reino Unido. Assim, eles anseiam por maior intervenção estatal no sentido de
melhorar o crédito para o setor, pedindo maior oferta da Caixa Econômica, por exemplo62.
Da mesma forma, o ex-presidente da ABEMI, engenheiro Cristiano Kok, escreveu o
artigo “Saneamento estatal ou privado – falso dilema”, em que se deixa claro como deve ser a
atuação do Estado no problema:
No Brasil, existem mais de cinco mil municípios, dos quais menos de 300
apresentam sistemas de saneamento economicamente viáveis. Logo, esperar que a
iniciativa privada possa equacionar, em sua totalidade, o problema de saneamento
básico brasileiro, é iludir-se. [...]
A solução para os problemas passa pela utilização de recursos federais para o
financiamento dos investimentos vinculados a metas de programas de qualidade,
produtividade e universalização do atendimento. [...]
Os atuais limites de endividamento impostos aos estados e municípios seriam
revistos no que se refere ao financiamento de sistemas de saneamento.63
Apesar de o texto ser um pouco anacrônico para tratar de problemas do período ditatorial, por
incluir a discussão do problema do endividamento máximo de instâncias governamentais,
relacionando-se à Lei de Responsabilidade Fiscal e a práticas neoliberais impostas em forma
de lei, pensa-se que o texto é interessante para a análise da ideologia do grupo.
Fica explícito no fragmento que se vê como impossível a não atuação do Estado na
área do saneamento, defendendo-se o financiamento por parte desse com implementação por
parte de empresas privadas. Assim, defende-se algo que seria benéfico para todos sem
destacar a posição especial representada pelos interesses das empresas de construção nessa
empreitada. Seria necessário maior poder ao grupo das empresas de construção civil para a
implementação de objetivos tão ambiciosos, como a universalização do saneamento urbano.
O estudo da ideologia específica das empresas e agências de construção civil se faz
importante para se entender as metas do grupo, bem como as pressões por políticas
61
BARAN, Paul; SWEEZY, Paul. O Capitalismo Monopolista: ensaio sobre a ordem econômica e social
americana. Rio de Janeiro: Zahar, 1966. p. 289-99.
62
O Globo. Caderno de Economia. Reportagem de Martha Beck. 16 de julho de 2007. p. 19.
63
www.abemi.org.br acessada em 5 de abril de 2007.
Texto discutido em 29/06/2009
21
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
governamentais específicas para o tema. É nítida a tentativa de transformação de interesses e
concepções de mundo próprias do grupo em interesses gerais e valores partilhados por toda as
classes sociais, o que caracteriza a tentativa de hegemonia. Para se compreender a escala do
êxito dessas propostas, deve-se visualizar antes o grau de penetração dos órgãos privados do
grupo no aparelho de Estado e seu poder dentro deste.
Em relação às fontes, há quantidade suficiente para realização da pesquisa. Sobre os
órgãos privados, cada uma dessas associações, como a ABEMI e outras, guarda um arquivo
que pode vir a ser disponibilizado para pesquisa, além de terem periódicos disponíveis na
Biblioteca Nacional. Para a sociedade política, os diversos aparelhos estatais guardam
documentos oficiais que podem ser acessados no Arquivo Nacional. Há ainda a Coleção de
Leis do Brasil, que disponibiliza leis, decisões e similares, o que está presente no sítio do
Congresso Nacional. Há ainda uma terceira tipologia de fontes em periódicos de época, como
jornais, revistas especializadas e publicações de empresas.
Dentro desses periódicos, há alguns que disponibilizam estatísticas constantes sobre as
empresas residentes no Brasil e sobre as de construção civil em particular. Esse é o caso das
publicações “Quem é Quem na Economia Brasileira” da revista Visão e da revista Conjuntura
Econômica, cujo grupo dominante se relaciona aos quadros do IPES. Como se está um
período histórico plenamente estatístico, fontes desse tipo poderão ser utilizadas para se fazer
uma análise quantitativa de processos e questões levantadas.
A pesquisa se desenvolve em três frentes: a análise da organização e do poder político
do grupo da indústria de construção no Estado nesse período, a análise do processo de
internacionalização das grandes empreiteiras nacionais e, por fim, a análise do
desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro e São Paulo no período tendo em vista a
organização e o poder dos grupos locais de construção civil.
No tocante à primeira frente, foram elaboradas as seguintes hipóteses:
1) O contexto da organização da sociedade civil, com surgimento de novas entidades
empresariais e associações de direita nos anos anteriores ao golpe, foi fator condicionante
para a organização do grupo das empresas da indústria de construção em agências específicas,
que teve expressão máxima na formação da ABEMI.
A década que antecedeu o golpe viu surgir novas entidades empresariais e organismos
de direita, que foram criados ou ganharam força, podendo ser citados o SINICON (1959), a
Texto discutido em 29/06/2009
22
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
CBIC (1957), a ABDIB (1955), o IPES (1961), o IBAD (fins da década de 1950), dentre
outros. A formação e o fortalecimento de aparelhos privados de hegemonia, ou melhor, o
desenvolvimento da sociedade civil do país pode ser entendido como um sinal de que se
acentuou o processo de “ocidentalização”64 da sociedade brasileira no período. Pretende-se
com o estudo dessas organizações mostrar que a sociedade civil no Brasil não é fraca,
desorganizada ou passiva diante de um Estado hipertrofiado65 e também que os empresários
não têm desinteresse por atividades públicas66, sendo evidências que levam a supor tal idéia a
formação de todos esses órgãos e a presença de empresários da indústria de construção no
aparelho de Estado. Esses novos órgãos organizaram e/ou apoiaram o golpe de Estado que
instituiu um regime marcadamente mais coercitivo que o antecessor, havendo uma relação
íntima entre esses órgãos, a preparação do golpe de 1º de abril e o novo governo que se impôs
a partir de então. No contexto da organização da direita e do empresariado e da tomada do
poder por um grupo com preponderância do IPES/IBAD, organizam-se também as grandes
empresas da indústria de construção em organismos específicos, em especial a ABEMI, não à
toa fundada também em 1964. Os empresários unidos no novo organismo se credenciam a
fazer parte do pacto político que entrava em vigor em 1964 e a participar como membros dos
aparelhos de Estado. Nesse sentido, a fundação da ABEMI guarda um forte significado
político.
2) O grupo da indústria de construção, organizado em aparelhos privados de
hegemonia específicos, consegue uma participação destacada no bloco de poder entre 1964 e
1979, o que se reverte em políticas altamente benéficas para as empresas do setor.
Dentro dos próprios organismos que empreenderam o golpe de 1964, destacando-se o
IPES e o IBAD, havia uma preponderância do capital associado frente aos demais, como o da
indústria de construção e o grupo financeiro nacional. Porém, não se pode dizer que o grupo
da construção civil estava ausente do bloco de poder, havendo indícios claros de que
empresários e representantes do setor estavam presentes em órgãos do aparelho de Estado
voltados para a construção. Já foram citados os casos de Sandra Cavalcanti, da construtora
Hosken, e de João Machado Fortes, da empresa João Fortes Engenharia, que ocupavam
cargos no BNH. Esse e outros órgãos específicos do aparelho de Estado – SFH, SERFHAU e
64
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. op. cit. p. 78-82.
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. op. cit. p. 202-7;
COUTINHO, Carlos Nelson. Contra a Corrente: ensaios sobre democracia e socialismo. São Paulo: Cortez,
2000 apud ALMEIDA, Mônica Piccolo. O Programa Nacional de Desestatização do Governo Collor: uma
leitura gramsciana. Texto apresentado no laboratório Polis. Niterói: 2007. p. 1.
66
CARDOSO, Fernando Henrique. Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil. 2ª ed. São
Paulo: Difel, 1972, especialmente cap. 5 apud CERQUEIRA, Eli Diniz; BOSCHI, Renato Raul. Empresariado
Nacional... op. cit. p. 186.
Texto discutido em 29/06/2009
23
65
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
cargos em ministérios cujas políticas se voltavam para o setor – parecem ter sido dominados
parcial ou amplamente por representantes das empresas de construção durante todo o período
abarcado. Essa inserção no pacto político permitiu políticas estatais altamente benéficas,
como as voltadas para a área de habitação e de infra-estrutura, as grandes obras, além da
política positiva posta em prática para o grande capital em geral. No entanto, a sua presença
no aparelho político não parece avançar para cargos e órgãos de decisões centrais da política
governamental, tendo eles, aparentemente, menor poder de decisão sobre questões mais
fundamentais como, por exemplo, a política macroeconômica.
Dizendo respeito à segunda frente de pesquisa, foi criada a hipótese que segue:
3) A internacionalização e diversificação da atuação de empresas da indústria de
construção em fins da década de 1970 se explica não só pela consolidação dessas empresas,
mas também pela redução das taxas de lucro e de oportunidades de grandes empreendimentos
internamente.
O governo Geisel ficou marcado pelo agravamento constante da crise econômica que
levou o Estado a uma profunda penúria financeira, tendo malogrado o II PND e as
possibilidades de manutenção de grandes investimentos públicos em infra-estrutura. A partir
do início da década de 1980, houve uma modificação da forma de atuação do Estado na
economia, reduzindo bastante a quantidade de obras de infra-estrutura e havendo as primeiras
propostas de privatização de empresas estatais. A crise financeira e a modificação da atuação
do Estado coincidiram com a dissolução do pacto político iniciado em 1964, contexto no qual
parece haver um afastamento do grupo da indústria de construção do bloco de poder. Diante
desse quadro, de queda da possibilidade de lucro e da redução do número de obras – tendo-se
em mente que o Estado era o principal cliente das grandes empresas nacionais de engenharia e
construção –, as grandes construtoras buscam mercados fora do país onde possam garantir
suas taxas de lucro e atividades. Será levada em conta a idéia de Lênin de que a busca de altas
taxas de lucro leva a expansão internacional das empresas e será discutida na pesquisa a
possibilidade
de
utilização
do
conceito
de
imperialismo67.
Esse
processo
de
internacionalização foi auxiliado pela política externa estatal, em especial nos últimos dois
governos da ditadura, sendo emblemático o reconhecimento da independência de Angola e o
posterior início das atividades da Odebrecht no país. Essa é uma área que receberá enfoque
67
LENIN, Vladimir Ilich. Imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Global, 1985. passim; LENIN,
Vladimir Ilich. O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia. apud MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. A
economia política brasileira em questão, 1964-75. In: Cadernos do Presente. São Paulo: Aparte, 1978. p. 16.
Texto discutido em 29/06/2009
24
o
Texto de Discussão n 16
_______________________________________________________________________
especial, tendo-se em conta a idéia de Gramsci na qual as relações internacionais seguem e
não precedem as relações sociais fundamentais dentro de uma tal formação social68.
E, por fim, consoante à terceira frente de trabalho, elaborou-se a hipótese a seguir:
4) A não implementação de vastos sistemas de saneamento e de transporte de massa
sobre trilhos nas duas metrópoles nacionais deve ser compreendido tendo-se em vista as
relações de força do grupo da indústria de construção com outros grupos e frações no interior
do aparelho de Estado.
No Rio e em São Paulo, no período abarcado, houve investimentos em áreas como o
transporte rodoviário subterrâneo e os sistemas de abastecimento de águas e esgotos, que
devem ser vistos como conquistas das empresas do grupo, porém não houve um avanço
contínuo e vigoroso da atuação do Estado no setor. As empresas e seus aparelhos privados
defendem recorrentemente os investimentos públicos em infra-estrutura urbana, alegando
defender interesses gerais da população, mais do que das próprias empresas. Apesar da
campanha ideológica e do poder do grupo no bloco de poder, não houve o avanço esperado
nessa área, sendo os sistemas de saneamento básico e transporte público de massa das duas
cidades precário mesmo quando comparado com contextos sociais similares. Para a
compreensão dessa questão, deve-se levar em conta as disputas e conflitos com setores como
o capital multinacional da indústria automobilística, no plano nacional, e as empresas de
transportes públicos rodoviários urbanos, no plano local. Pretende-se comparar o alcance
diferenciado das obras no Rio em São Paulo tendo-se em conta como fator explicativo uma
combinação de capital disponível em cada contexto e o poder do grupo da indústria de
construção nos dois ambientes. Tendo-se em conta esse poder, outras características da
atuação estatal devem ser contempladas, como os gabaritos, o plano diretor e posturas
municipais, bem como o desenvolvimento urbano de uma forma geral enquanto
materialização das relações sociais.
68
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. vol. 3. op. cit. p. 19-20.
Texto discutido em 29/06/2009
25
Download

O grupo da indústria de construção e o Estado brasileiro, 1964-84