O filme mostra um trio de jovens revolucionários que
invade mansões enquanto os donos viajam. Eles não
roubam nada, mas trocam os móveis de lugar e
deixam mensagens como “Você tem dinheiro demais”,
só pra aterrorizar os capitalistas.
Tudo vai bem até que são
surpreendidos por um ricaço, e
são obrigados a seqüestrá-lo e
decidir o que fazer da vida.
Para piorar, eles descobrem que o
milionário já foi um idealista como
eles na época em que era normal
sonhar com revoluções.
Apenas algumas fotos no
cenário e um diálogo fazem
supor que os edukators
participaram das grandes
manifestações
antiglobalização.
Expressam a encruzilhada
dessa geração: a rejeição ao
sistema vem junto com a mais
absoluta descrença nas
formas institucionalizadas de
luta política.
Partidos e movimentos tradicionais nem estão no leque de
opções dos personagens. A citação à geração pós-68 que, ao
apagar das chamas e no desmontar das barricadas concluiu
pela ação direta, armada, violenta é clara. Mas os três já são
filhos também do fracasso dos 70.
Os rebeldes da época viraram ministros e executivos. E é o
acaso e o instinto de sobrevivência que os acabam levando ao
seqüestro de um deles, obrigando-os ao desvio da rota
“pedagógica” e pacífica que pretendiam seguir.
OS JOVENS
Jules (Julia Jentish) é uma garota
de aparência frágil e rosto doce.
Vira-se morando sozinha e
trabalha como garçonete. Algo
parece errado, no entanto, pois
Jules, mesmo doce, parece
insegura, angustiada. Ela namora
Peter (Stipe Erceg), de quem
parece gostar satisfatoriamente.
Peter mora com seu
amigo Jan (Daniel
Bruhl, de Adeus
Lênin), mais jovem,
com cara de
angustiado e jeito
estranho.
Um dia, o mundo de Jules começa a virar.
Ela é demitida do emprego. Logo em
seguida, Peter tem que viajar.
Jules desmonta, começa a entrar em
desespero. Não é para tanto, diz Jan, o
amigo do namorado. "Você se arranja",
conclui o rapaz.
Mas Jules está realmente mal e acaba
desabafando com Jan. Confessa o beco
sem saída idiota em que estava metida.
Batera seu carro no Mercedez-Benz de
um magnata, estava com a carteira
vencida, foi condenada a pagar todo o
prejuízo. Uma fortuna. Somente depois
de uns dez anos de salário de garçonete
conseguiria sair das mãos do magnata.
Neste momento, no entanto, estava sem
dinheiro, sem emprego, endividada e
sozinha.
As provocações ideológicas vão mais longe ainda.
Jules trabalha como garçonete num restaurante de
luxo, onde é maltratada por uma elite arrogante que
acha que certo tipo de bebida só pode ser servida
em certo tipo de taça. Até aí tudo bem. Mas e
quando ela sai do batente e usa sua chave para
arranhar um carrão?
O filme oferece uma nova perspectiva para se
repensar a apatia predominante no mundo
monotemático da última década do século XX.
"“Eu só queria ser livre”. A
frase sai da boca de Jules,
massacrada sob uma
dívida com um milionário
que vai levar 8 anos para
pagar. Três jovens em um
país de primeiro mundo,
sub-empregados e sem
convites para a “festa” da
Alemanha reunificada estão
no centro da trama.
Na ausência de Peter, Jules e
Jan acabam se envolvendo. E,
sem aguardar as
conseqüências, Jan acaba
revelando para Jules o que é,
na verdade, o ponto central do
filme: a estranha e bizarra
atividade que ele e Peter
criaram para encontrar alguma
válvula de escape para uma
vida cada vez mais inevitável.
Jan e Peter inventaram uma vida dupla. De
dia, cumprem o cotidiano estabelecido.
Durante a noite, vestem máscaras pretas e
invadem as mansões dos ricaços, somente
quando os ricaços não estão presentes. Não
roubam nada, apenas mudam todos os móveis
de lugar, se possível com criatividade digna:
“Seus dias de fartura estão terminando" ou
"Vocês tem dinheiro demais". Assinado: os
Educadores.
A ação deles de entrar nas mansões e
bagunçar os moveis, reflete o
descontentamento e a impotência sentida
pelos jovens que questionam o sistema.
Sem encontrar em que se apoiar, resolvem
agir por conta própria. A intenção é deixar os
milionários inseguros, pois se nada é
roubado o que querem afinal?
Essa é a idéia que predomina, se alguém
entra na sua casa é para roubar algum bem
material, pois as pessoas sempre querem
possuir cada vez mais coisas. O terror é
muito maior quando entram em sua casa,
mas não roubam nada. Isso remete a ideais
praticamente esquecidos de que existem
coisas mais importantes do que o dinheiro.
Ao saber da estranha atividade, Jules,
angustiada mas encantada com Jan,
também quer participar. E pensa logo, claro,
no maior motivo das suas agruras, seu
magnata credor. Ora, porque não fazer uma
visita à sua casa?
As conseqüências dessa visita ( perda do
celular e seqüestro do milionário) levam o
filme ao seu clímax, nos diálogos travados
entre os jovens e o seqüestrado.
O sentimento anti-capitalista
dos três salta da tela de
forma visceral.
A denúncia do acúmulo quase
inutilizável de riqueza é feita
sem apelos
sentimentalóides, sem
imagens dramáticas de
situações extremas que
geram compaixão.
O capitalismo não é rejeitado porque não
tem “pena” dos pobres, mas por sua
natureza intrinsecamente coisificadora, por
ser uma máquina de transformar até a
rebelião contra ele mesmo em mercadoria
(você pode escolher em vitrines os
símbolos da rebeldia dos anos 70), pela
idiotia dos milhões que passam suas horas
livres em frente à TV, pela interdição da
liberdade.
No cativeiro, os três jovens
idealistas e revolucionários
duelam verbalmente com o
empresário. O que está em
questão, é claro, é a
indiferença dos homens mais
ricos do mundo em relação
aos destinos humanos do
terceiro e quarto mundo.
Hardenberg está certo de que tem o
direito de usufruir a fortuna que, diz ele,
foi conquistada com seu trabalho duro.
Ao que respondem “quem trabalha de
verdade são as pessoas esfomeadas e
esfarrapadas da América do Sul, da Asia
e da África, por um salário de miséria e o
senhor somente se apropria desse
trabalho para multiplicar o capital.”.
Os diálogos com ele são reveladores da máquina de
consumir energia rebelde que é o capitalismo. Afinal,
também foi radical, também fez experiências com
drogas, também experimentou a liberdade sexual...
Depois, casou, teve filhos, a razão foi falando mais
alto....
Nas falas do executivo o idealismo e a radicalidade
dos jovens aparecem como uma fase de um ciclo
educativo, uma espécie de preparação para a “vida
real”.
A encruzilhada em que os
três se meteram transformase na opção entre o retorno
à violência “exemplar” de
trinta anos atrás e a
rendição incondicional dos
dias que correm. Quando
rejeitam a primeira saída,
parecem condenados à
segunda.
Mas, assim como para a crise
de relacionamento pessoal
entre os três, há saídas
novas e inesperadas que não
a rendição
O filme poderia ser ultra manipulador e fazer do
milionário um vilão detestável e dos jovens nossos
heróis românticos sem contradições. Mas não é o que
acontece. Claro, a visão do ricaço parece
indefensável.
Pra quê trabalhar tanto e acumular coisas que nem se
tem tempo pra usufruir? Ele diz que é da natureza
humana competir e querer juntar mais e mais. Tal
justificativa é das mais furadas, já que nada é natural,
tudo é construído.
Somos adestrados pra acreditar que o
que martelam na nossa cabeça nasceu
conosco. E o que é natural não pode ser
combatido, uma grande falácia.
Enfim, “Edukators” humaniza o ricaço.
Como se sair dessa sem bolar um final
utópico ou piegas demais? O fim é um
dos trunfos do roteiro por amarrar
muitíssimo bem todos os temas.
Edukators” usa a inteligência para nos
provocar enquanto brinca com nossos
preconceitos, inclusive os cinematográficos.
Por exemplo, há uma hora que o ricaço some,
e um dos jovens entra num quarto para
procurá-lo. Nossa imaginação nada fértil
após tanta doutrinação hollywoodiana nos
diz: pronto, agora o milionário nocauteia o
revolucionário e foge. Nada disso.
Não há respostas consistentes no filme. Somente
mais perguntas:
será que é esse o espaço existente para a revolta?
Será que há algum resultado nessa expressão de
simbolismos pós-modernos, essa mistura de
flash-mobs com contravenções leves e
temporárias?
Há outras alternativas?
É factível querer mudar algo?
Num momento do filme, algumas questões interessantes são
colocadas para o espectador:
será que não foi e não vai ser sempre assim?
Será que todos temos os ideais juvenis de um mundo melhor e que,
mais tarde, todos nós nos transformamos ?
Existem ideais de verdade, ou tudo não passa de ingenuidade e mera
explosão hormonal?
Um conservador cético aos vinte anos de idade realmente é uma
pessoa sem coração?
Um idealista aos quarenta realmente não tem nada na cabeça?
Quem não é de esquerda até
os trinta não tem coração, e
quem é de esquerda depois
dos trinta não tem cérebro?”
Edukators é um filme sobre um conflito
não resolvido, sobre contas que não foram
acertadas, sobre um jogo em relação ao
qual a violência não é uma componente
estranha, sobre uma geração que viu
falharem mil saídas, mas quer saídas.
Sobre a força das circunstâncias que
engolem uns e sobre a força das escolhas
dos que não querem ser engolidos.
“Algumas pessoas não mudam.
Os diálogos com ele são reveladores
da máquina de consumir energia
rebelde que é o capitalismo.
Afinal, também foi radical, também fez
experiências com drogas, também
experimentou a liberdade sexual...
Depois, casou, teve filhos, a razão foi
falando mais alto...
Nas falas do executivo o idealismo e
a radicalidade dos jovens aparecem
como uma fase de um ciclo educativo,
uma espécie de preparação para a
“vida real”.
A encruzilhada em que os três se
meteram transforma-se na opção
entre o retorno à violência
“exemplar” de trinta anos atrás e a
rendição incondicional dos dias que
correm.
Quando rejeitam a primeira saída,
parecem condenados à segunda.
Mas, assim como para a crise de
relacionamento pessoal entre os três,
há saídas novas e inesperadas que
não a rendição.
FINAL DO FILME
O filme tem um final que pode ser interpretado de
duas maneiras. Quando Handenberg volta para sua
casa, entrega um papel para Jules e o conteúdo não
revelado desse papel gera uma interpretação
ambígua. No final do filme, os jovens aparecem em um
quarto de hotel e saem no iate de Handenberg rumo
às torres de televisão. Em imagens sobrepostas,
policiais invadem o antigo apartamento dos rapazes,
agora vazio e encontram um bilhete na parede
dizendo: “Algumas pessoas nunca mudam”.
Primeira interpretação
Será que o papel entregue pelo magnata cancelaria a
divida da garota e o magnata não cumpre sua
palavra e denuncia os jovens para a policia?
Preparados para isso, os três saem do apartamento,
roubam o iate de Handenberg e vão tentar sabotar as
torres da TV. O aviso “ Algumas pessoas nunca
mudam”, deixado na parede do apartamento, se
refere à atitude falsa de Handenberg, ou seja, uma
vez capitalista, sempre capitalista.
Segunda interpretação
No papel entregue a Jules,
Handenberg estaria explicando
seus planos: faria a denuncia à
policia mas os três deveriam
despistá-la, pegando seu iate, que
estaria com seus documentos e
passaporte, e assim os ajudaria a
concretizar os seus planos. O
cartaz no apartamento faria
menção à época em que
Handenberg era mais consciente
dos problemas sociais e menos
ganancioso, ou seja uma vez
socialista, sempre socialista.
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