GLOBALIZAÇÃO, TRABALHO E EDUCAÇÃO Silvia Regina Barboza Garrossino1 INTRODUÇÃO O mercado de trabalho de uma economia globalizada exige novas competências dos trabalhadores e em que medida a educação vem contribuindo com a formação dessas novas habilidades será examinado nesse texto. Serão contempladas algumas questões através do paralelo traçado entre o período pré-globalizado e a era atual. A economia pré-globalizada caracterizava-se por um sistema que buscava o aumento da produtividade, fundamentado na divisão pormenorizada do trabalho. O capital e os meios de produção foram cada vez mais se concentrando nas mãos de poucos capitalistas que precisavam de grande contingente de trabalhadores nas suas indústrias. Surge então o taylorismo como conseqüência desse modelo de produção, e Henry Ford com a implantação da esteira rolante. O taylorismo e o fordismo desencadearam o trabalho especializado. Vigora a pedagogia tecnicista, porque as indústrias precisavam de trabalhadores com essa característica para a produção em série. Muda-se o contexto, a sociedade passa de liberal para neoliberal, onde os direitos básicos dos indivíduos: liberdade, dignidade e vida foram substituídos pelos interesses econômicos. O redimensionamento da relação capital/trabalho gera a necessidade de um novo perfil do trabalhador. Nesse contexto, a escola buscaria assumir como principal função o desenvolvimento de habilidades básicas e o conhecimento técnico dos educandos, necessários para uma formação sólida. Caberia, portanto, à escola o papel de formar trabalhadores que se adaptassem às novas exigências da modernidade. O PERÍODO PRÉ-GLOBALIZADO Com a invenção da máquina a vapor por James Watt (1736-1819) e sua aplicação à produção, surgiu uma nova concepção de trabalho que modificou a estrutura social e comercial da época, provocando profundas e rápidas mudanças de ordem econômica, política e social. É a chamada Revolução Industrial e o desenvolvimento de novas formas de organização capitalista. Da calma produção do artesanato, em que os operários no século XVII eram organizados em corporações, passou-se rapidamente para o regime de produção por meio de máquinas, dentro das fábricas. Houve uma modificação com a transferência da habilidade do artesão para a máquina, que passou a produzir com maior rapidez, maior quantidade e possibilitando a redução nos custos de produção. E também a substituição da força animal ou do músculo humano pela potência da máquina, permitindo maior produção e maior economia. Como conseqüências geradas pela Revolução Industrial têm-se o crescimento acelerado e desorganizado das empresas, ocasionando uma gradativa complexidade na sua administração e exigindo uma abordagem que substituísse o empirismo e a improvisação até então dominantes. E também a necessidade de aumentar a eficiência e a competência das organizações. Aumenta-se o número de assaraliados nas indústrias. Torna-se importante evitar o desperdício e economizar mão-de-obra. Surge a divisão do trabalho e modos de produção capitalista e também processos administrativos peculiares a esse sistema. Foi nesse período que aparece o taylorismo nos Estados Unidos. Em 1911 Frederick Wiinslow Taylor lançou seu livro Princípios da Administração Científice , sistematizando um estudo minucioso de como aumentar a produtividade do capital, entendendo-se como tal idéias ou doutrinas aliadas à técnicas e ferramentas. Taylor (1856-1915) americano, engenheiro, que havia sido trabalhador manual em uma fábrica, foi o participante mais destacado da Teoria Geral da Administração. Procurou enfatizar o conceito de “homem certo no lugar certo”, o estudo dos tempos e movimentos e a racionalização da produção industrial. Na sua obra; A divisão pormenorizada do trabalho exerce papel central, seguida de suas decorrências, quais sejam, a hierarquia, a especialização , a autoridade, o controle, tendo em vista o aumento da produtividade da mão-de-obra. Esse aumento de produtividade representa o objetivo comum a unir patrões e operários; aqueles seriam recompensados com maiores lucros, e estes, com maiores salários. Taylor acresce à fragmentação do trabalho a divisão de funções entre gerência e trabalhador. O conceito de controle do taylorismo assume uma conotação inteiramente nova: a necessidade absoluta de a gerência impor ao trabalhador a maneira rigorosa pela qual o trabalho deve ser executado, tirando do trabalhador a possibilidade de pensá-lo, cria-lo, controlá-lo. ( QUEIROZ Apud KUENZER, 1989, p.29, 30) 1 Doutoranda da UNESP- Marília Taylor (1978, p.49, 50) propunha o banimento do trabalho cerebral da oficina e sua centralização no departamento de planejamento. Nas suas palavras; Na administração científica, a inicicativa do trabalhador(que é seu esforço, sua boa vontade, seu engenho) obtém-se com absoluta uniformidade e em grau muito maior do que é possível sob o antigo sistema. À gerência é atribuída a função de reunir todos os conhecimentos tradicionais que no passado possuíram os trabalhadores e então classifica-los, tabula-los, reduzilos a normas, leis ou formúlas , garndemente úteis ao operário para execução do seu trabalho diário . Está claro então, na maioria dos casos, que um tipo de homem é necessário para planejar e outro tipo diferente para executar o trabalho. Para Taylor, as indústrias de sua época padeciam com a vadiagem dos operários, e para resolver o problema sugeria medidas “científicas” de controle, dividindo processos de produção em manobras simples, rudimentares e automáticas, causando a desqualificação do trabalhador. Cada vez mais os operários foram sendo afastados dos processos decisórios das empresas. Todas essas medidas foram aprofundando a separação entre trabalho intelectual e trabalho manual, o que possibilitou maior controle do trabalhador. Essa política taylorista de desqualificação do trabalho manual aprofundou-se ainda mais com linha de montagem que permitiu a linha de montagem em série por Henry Ford(1863-1947). Iniciou sua vida como mecânico, chegando a engenheiro-chefe de uma fábrica. Ford inovou na organização do trabalho: a produção de maior número de produtos acabados com a maior garantia de qualidade e pelo menor custo possível. A progressão do produto através do processo produtivo é planejada, ordenada e contínua. Não há interrupções. O trabalho é entregue ao trabalhador ao invés deste ter que ir buscá-lo e as etapas são analisadas em todo os seus elementos. Ford também inovou ao adotar o dia de trabalho de oito horas e introduz uma mudança na política salarial. As duas vertentes, tinham preocupação exagerada com a estrutura, não conseguindo investir no relacionamento entre operários e patrões, enfatizaram os princípios da autoridade, o objetivo era com a eficiência máxima que as organizações precisavam alcançar, nos aspectos técnicos e econômicos, reforçando mais uma vez os mecanismos usados nas empresas capitalistas, para o aumento do acúmulo do capital e para a exploração do trabalhador. Esse modelo de empresa foi suficiente para elevar o aumento da produtividade, porém, a partir de 1930, o quadro se altera e essa proposta já não atende mais às necessidades das empresas, no contexto mundial do capitalismo. Como cita QUEIROZ (2003, p. 123), o processo de taylorização dos sistemas de produção e distribuição reproduziu-se no âmbito educacional. Tanto trabalhadores como estudantes sofreram as conseqüências das políticas de desqualificação , da divisão pormenorizada de tarefas, da impossibilidade de intervir nos sistemas produtivos e educacionais dos quais tomavam parte. No Brasil, durante as décadas de 50, 60, 70 e 80, o modelo da qualificação influenciou os programas de formação profissional. A formação central dos trabalhadores consistia na preparação técnica para determinados postos de trabalho. Acreditava-se que a aquisição de certos automatismos facilitava o aprendizado de uma dada ocupação, compostos de trabalhos bem definidos. Essa idéia levava escolas profissionalizantes a organizarem seus programas educacionais para atenderem às demandas dos postos de trabalho existentes nas empresas. Nesse contexto, “ a instrução é definida como treinamento básico, conhecimento ou formação escolar necessários para o exercício da função: esse conhecimento ou formação podem ter sido adquiridos por instrução formal ou por treinamento preliminar em trabalhos de menor grau, ou pela combinação desses meios.(KUENZER, 1989 p.114) Para Saviani (1986, p.15) apud QUEIROZ (2003) a pedagogia tecnicista foi a sistematização dos princípios tayloristas em educação: A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, essa pedagogia advoga a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional. De modo semelhante o que ocorreu no trabalho fabril, pretende-se a objetivação do trabalho pedagógico. A pedagogia tecnicista foi opção do regime militar e tanto o professor como o aluno foram legados ao segundo plano: os de mero executores de um plano educacional concebido, planejado e controlado por especialistas. O lema era o aprender a fazer. Nesse momento, tendências pedagógicas marcadas centralmente por preocupações sócias e políticas assumem relevância. Segundo essas correntes, o modo como a escola se organiza é determinado socialmente. “A sociedade em que vivemos, fundada no modo de produção capitalista, é dividida em classes com interesses opostos; portanto, a escola sofre a determinação do conflito de interesses que caracteriza a sociedade”. (SAVIANI, 1986, p.30). Diante disso, os defensores dessa perspectiva defendem uma organização escolar que seja articulada com os interesses das classes menos favorecidas. “Do ponto de vista prático, trata-se de retomar vigorosamente a luta contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares.” (Idem, p.31). A ERA GLOBAL Do início do século XX até aproximadamente até a metade dos anos 70, o mundo das organizações foi dominado pelos conceitos e técnicas disseminadas pelas empresas americanas e européias. Mas, a partir dos anos 70, começaram a tornar-se conhecidas palavras e nomes vindos do Japão e começaram a fazer parte do vocabulário do estudo da administração. Na transição par o século XX, o modelo japonês, uma versão melhorada das técnicas ocidentais, tornou-se um modelo universal, e um dos principais pilares que sustentam a competitividade da economia global. A escola da qualidade da qual William Edwards Deming, professor americano fazia parte, cuja idéia principal era “fazer certo da primeira vez”, criou raízes no Japão e influenciou a administração desse país. Uma das empresas que mais aproveitaram os princípios dessa escola foi a Toyota. O sistema toyota de produção , baseia-se nas técnicas de Henry Ford e Frederick Taylor e foi criado pela família Toyoda e pelo engenheiro chefe, Taichi Ohno da empresa da família. Os dois princípios do sistema toyota são: eliminação de desperdícios e fabricação de qualidade. O princípio da eliminação de desperdícios, fez nascer a produção enxuta, que consiste em fabricar com o máximo de economia de recursos. O princípio da fabricação com qualidade tem por objetivo produzir virtualmente sem defeitos.Esses dois princípios possibilitavam a manufatura de produtos de alta qualidade e baixo preço. Para o bom funcionamento desses dois princípios, o sistema toyota depende do comprometimento e envolvimento dos funcionários. A administração participativa que promove a participação dos funcionários no processo decisório, tornou-se o terceiro elemento importante desse sistema. (MAXIMINIANO, 2000, p.223, 224). Para racionalizar a utilização da mão-de-obra, a Toyota agrupou os operários em equipes, com um líder que tinham a missão de trabalhar coletivamente, e o líder coordenava as tarefas e substituía qualquer trabalhador que faltasse. Passaram a ter importância os conceitos: auto-gestão e trabalho em equipe.(idem, p.225) O interesse pelo sistema japonês intensificou-se nos anos 80, quando empresas como a Honda e Nissan instalaram-se nos Estados Unidos e na Europa , impressionando pelo modo de tratar seus funcionários de modo igualitário e participativo e seus métodos eficientes de produção. No Brasil, a Walita e a Volkswagem produziram manuais para treinar seus funcionários com tais técnicas. È possível traçar um paralelo entre as antigas e as novas competências do trabalhador. No modelo taylorista a capacidade de cumprir as tarefas era fundamental , agora valoriza-se a capacidade de tomar iniciativas e assumir responsabilidades, antes as tarefas que eram simples e repetitivas, passam para variadas e complexas. O trabalho individual e isolado muda para trabalho em equipe. O capitalismo passou por transformações e no final do século XX uma nova crise marca o se desenvolvimento. Cada vez mais discute-se o estabelecimento de uma nova ordem institucional nos campos da política, economia, e outros. Essas mudanças estão relacionadas com o processo de globalização. Na verdade, o conceito de globalização vem sendo empregado, desde o princípio dos anos de 1980, para explicar a realidade mundial. Embora não seja um conceito novo, pois desde o final do século XV, as relações sociais foram, ao longo tempo, globalizando-se com o desenvolvimento do mercado mundial, desde então, as nações, de alguma forma, passaram a interligar-se. Com o crescimento no processo global entre os países, intensificaram as desigualdades sociais, pois, as a globalização das economias está provocando uma crescente fragmentação e heterogeneidade dos mercados, induzindo-se a descentralização e a desconcentração do processo de produção. Quando fala-se em neoliberalismo é importante salientar que, de acordo com a dicionário de economia “ é uma doutrina político-econômica que representa uma tentativa de adaptar os princípios econômicos às condições do capitalismo moderno.Estruturou0se na década de 30. Como a Escola Liberal Clássica, os neoliberais acreditam que a vida econômica é regida por uma ordem natural formada a partir de livres decisões individuais e cuja mola-mestra é o mecanismo dos preços. Atualmente, o termo vem sendo aplicado àqueles que defendem a livre atuação das forças de mercado, o término do intervencionismo do Estado, a privatização das empresas estatais e inclusive de alguns serviços públicos essenciais, abertura da economia e sua integração mais intensa no mercado mundial”.(SANDRONI, 1996, p.295) A globalização econômica associada ao neoliberalismo repensa a formação educacional dos indivíduos, vindo a afetar principalmente a classe mais pobre, que sofre com a postura elitista e seletiva que a educação assume no Brasil. A onda da globalização encontra os países em diferentes realidades e desafios, dentre os quais implementar políticas econômicas e sociais que atendam aos interesses hegemônicos . Com o distanciamento entre os países ricos e pobres aumentou também a dependência daqueles em relação a estes. Dita as regras quem tem maior poder econômico e este significa, cada vez mais, poder político. Nesse caso as políticas educacionais são projetadas e implantadas segundo as exigências da produção e do mercado. O exemplo mais nítido dessa influência na educação são as políticas dos órgãos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. O discurso destes remete para a qualidade total na educação, onde os investimentos e benefícios são projetados e calculados da mesma maneira como se procede em uma empresa. Nesse sentido, o mercado exige pessoas polivalentes, flexíveis, ágeis, com visão do todo , que falem , leiam e escrevam em vários idiomas e que possuam habilidades múltiplas. Quem não estiver capacitado de acordo com as exigências do mercado é excluído do processo produtivo e isso significa desemprego, miséria, fome, doença. De acordo com LIBÂNEO e OLIVEIRA (1998, p. 598, 599) a importância que adquirem nessa nova realidade mundial, a ciência e a inovação tecnológica têm levado os estudiosos a denominarem a sociedade de hoje, sociedade do conhecimento ou sociedade tecnológica. Isso significa que o conhecimento, o saber e a ciência adquirem um papel muito mais destacado. Hoje as pessoas aprendem nas ruas, na televisão, nos vídeos, no computador e, cada vez mais vão se ampliando os espaços de aprendizagem. Nesta sociedade marcada pela revolução tecnológica-científica, a centralidade do processo produtivo está no conhecimento e, portanto, também na educação. Essa centralidade se dá porque educação e conhecimento passam a ser o ponto de vista do capitalismo globalizado, força motriz e eixos da transformação produtiva e do desenvolvimento econômico. São, portanto, bens econômicos necessários à transformação da produção, ao aumento do potencial científico e tecnológico e ao aumento do lucro e do poder de competição num mercado concorrencial que se quer livre e globalizado pelos defensores do neo-liberalismo. Torna-se clara, portanto, a conexão estabelecida entre educação/conhecimento/desenvolvimento/desempenho econômico. A educação é, portanto, um problema econômico na visão neoliberal, já que é o elemento central desse novo padrão de desenvolvimento. (idem, p.602). CONSIDERAÇÕES FINAIS Mudaram-se os modos de gerenciamento e organização da produção nas empresas, da instituição do taylorismo e do fordismo passou-se para um novo modelo que desenvolvesse um novo perfil de trabalhador com novas habilidades e competências. A globalização da economia e a ideologia neoliberal transformaram o mundo do trabalho e suas formas de produção. Da pedagogia tecnicista o importante era aprender, na nova pedagogia o importante é aprender a fazer Deram-se grandes inovações no campo das telecomunicações, e tudo isto interfere no âmbito educacional. No Brasil, as políticas sociais, econômicas e educacionais continuam se delineando de acordo com as propostas do mercado mundial. As palavras de ordem são: modernização na educação, produtividade, eficácia e competência.Valoriza-se mais uma formação multifuncional e a qualidade total. Sabemos que a educação é responsabilidade não só do governo, mas também de outros protagonistas: professores, alunos e pais. Por isso, possibilidade crítica ainda pode ser visualizada. O comprometimento dos profissionais de educação com a construção de uma sociedade pautada em valores promovedores de humanização e cidadania é fundamental para reverter a lógica das políticas educacionais que vem sendo implantadas sucessivamente pelos governos. Para se construir uma nova sociedade, a estrutura social só é modificada na medida em que são transformadas as relações sociais que as sustentam. E nisso, a educação continua tendo uma grande influência e contribuição. REFERENCIAS ENGUITA, M. Trabalho, escola e ideologia: Marx e a crítica da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. KUENZER, A. Z. Pedagogia da fábrica: as relações de produção e a educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 1989. MARX, K. Trabalho Assalariado e capital. São Paulo: Editora Acadêmica, 1987. OLIVEIRA, J. F. LIBÂNEO, J. C. A educação Escolar: Sociedade contemporânea. In: Revista Fragmentos de Cultura, v.8, n.3. IFITEG, 1998. QUEIROZ, M. T.S. Desafios à educação num mundo globalizado. In : Revista Brasileira de Política e Administração da Educação.v.19.n1 , 2003. SANDRONI, P. Dicionário de economia. São Paulo: Nova Cultural, 1996. SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara , onze teses sobre educação e política. São Paulo: Cortez, 1986. TAYLOR, F. W. Princípios de administração científica. São Paulo: Atlas , 1978.