(I)LEGITIMIDADE DO CONDOMÍNIO COMO PARTE
AUTORA NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL
Fernanda Vivacqua Vieira1
Resumo: O problema do acesso à justiça tem inspirado diversas reformas no nosso
ordenamento jurídico no que tange às normas processuais. Nesse cenário, destacam-se as leis
criadoras dos Juizados Especiais Estaduais e Federais. Apesar do grande avanço, ainda é
necessário alguns ajustes, pois, o propósito de solucionar os litigios de maneira rápida não
pode comprometer o acesso à justiça. Assim, busca-se com o presente artigo examinar,
mediante breve passagem pelos institutos afins e entendimentos jurisprudenciais, a
possibilidade do condomínio figurar no polo ativo da demanda nos juizados.
Palavras-chave: Acesso à justiça. Juizado Especial Cível. (I)Legitimidade do condomínio
figurar nos Juizados Especiais Cíveis.
Introdução
A estrutura do judiciário, que cada vez mais se mostra desestruturado e incapaz de
dirimir os crescentes conflitos sociais que são levados à sua porta, é um problema atual,
embora não seja nenhuma novidade. Já na década de 90, a população recorria a meios
alternativos de solução de seus litígios, principalmente pelo fato de ver a sua maioria
extirpada da função jurisdicional do Estado2.
Para tanto, foram editadas as leis 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais
Estaduais, e 10.259/01, que criou os Juizados Especiais Federais.
Ocorre que para poder alcançar seus objetivos, tais leis elencaram limites ao valor, ao
objeto e, até mesmo, em relação àqueles que possam ser sujeitos ativos ou passivos nas
demandas dos juizados.
A limitação de quem pode demandar ou ser demandado nos Juizados é que acaba
causando algumas discussões na doutrina e no dia a dia forense, razão pela qual o presente
estudo buscará esclarecer se tal limitação impede ou não que o condomínio residencial atue
como parte autora nos Juizados.
1 Juizado Especial Cível como facilitação do acesso à justiça
1
Pós graduada em Direito Processual Civil pelo Curso Fórum coord. Des. Alexandre Câmara em parceria com
Universidade Candido Mendes 2015. Certificado de Curso Regular pela FESUDEPERJ (2013). Bacharel em
Direito pela UNIFLU- Centro Universitário Fluminense (2010). Advogada, autora de vários artigos científicos e
atuante em pesquisas jurídicas.
2
SANTANA, Bruno Anderson Monteiro; MIRANDA, Layonan. A Lei 9099/95: Análise da legitimidade perante
os
Juizados.
Via
Jus.
Disponível
em:
http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=3809&idAreaSel=15&seeArt=yes. Acesso em mai
2015.
O excesso de solenidades, o crescimento com ritmo acelerado de processos e com um
Poder Judiciário cada vez mais limitado e desestruturado fizeram com que o processo ficasse
cada vez mais inviabilizado, de forma que somente com uma reogarnização do Poder
Judiciário através de leis materiais e processuais poderiam alcançar uma resposta efetiva a
sociedade.
À vista disso, surgiu os Juizados Especiais Cíveis que para melhor compreensão se faz
necessário alinhar alguns elementos relativos ao instituo como bem destaca Fellipe Borring
Rocha:
(...) a) o assento constitucional do instituo (art. 98, I, da CRFB/88) e a sua
inserção no Sistema dos Juizados Especiais (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº
12.153/2009); b) a previsão expressa de princípios fundamentais (arts. 2º, 5º e 13);
c) o foco na promoção da conciliação não apenas das causas previstas na Lei nº
9099/95, mas também daquelas decorrentes do acerto entre as partes (art. 3º, §3º) e
daquelas definidas pelo legislador regional (art. 58); d)a previsão (ainda que
equivocada) da utilização incidental da arbitragem (arts. 24 a 26); a definição da
competência para julgamento das causas enquadradas como de menor complexidade
ou pequeno valor (arts. 3º e 8º); f) a definição da competência para execução dos
seus julgados (arts. 3º, §1º, I e 52) e dos títulos executivos extrajudiciais no valor de
até 40 salários-mínimos (arts. 3º, §1º, II e 53); g) a previsão de um sistema recursal
próprio (arts. 41 a 46 e 48 a 50); h) e a previsão de ritos específicos, sumarizados e
3
orais (arts. 14 e seg. e art. 53) .
A partir desses apontamentos tirados da obra desse especialista do assunto, não é
difícil de se verificar que os Juizados, sem dúvidas, minimizou, ainda que em parte, o
problema do judiciário, pois as dificuldades de ingressar em juízo por determinadas pessoas
eram justificativas para desestimulá-las a propor uma demanda judicial, sobretudo àquelas de
classes menos favorecidas.
Portanto, mais do que reduzir o número de causas para desafogar o judiciário, o
objetivo principal da inserção dos sistemas especiais cíveis foi justamente permitir a
facilitação do acesso, já que se buscassem respostas por meio do procedimento ordinário,
provavelmente, nem sequer seriam solucionados.
2 Legitimidade do Condomínio de figurar como parte autora no Juizado
3
ROCHA, Felippe Borring. Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais: Teoria e prática. 6. ed. São Paulo:
Atlas, 2012. p. 20.
Com o intuito de alcançar um acesso mais efetivo à justiça, as leis que instituíram os
juizados com algumas limitações, que muito contribuíram para desafogar o judiciário. Porem,
não se pode negar que algumas deram ensejo a discussões na doutrina e nos tribunais, sendo
uma delas a possibilidade do condomínio figurar no polo ativo da demanda, o que será pauta
de algumas considerações.
Pois bem. Se por um lado, o §1 do art. 8 da Lei 9099/95 leva a crer que o condomínio
não pode ser autor em nenhuma hipótese já que ele não é pessoa física, por outro, o disposto
no inciso II do artigo 3º da Lei nº 9.099/95 dispõe no sentido de que o Juizado Especial Cível
tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor
complexidade, assim consideradas as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de
Processo Civil.
Para alguns, se o referido dispositivo elencou na competência do Juizado Especial
Cível a ação do condomínio para cobrança das verbas condominiais, não há como afastá-la
por aplicação literal do §1 do art. 8 da Lei 9099/95.
Todavia, adverte Felippe Borring4, que o §1º do art. 8º da Lei nº 9099/95 é claro no
sentido de que só as pessoas físicas e pessoas jurídicas poderão propor ação nos Juizados
Especiais. Dessa forma, por se tratar de uma norma especial e de interpretação restritiva, temse que o condomínio não pode deduzir pretensão nos Juizados Especiais.
Na jurisprudência, o entendimento que prevalece é no sentido da ilegitimidade ativa
condominial, senão vejamos:
Ementa: RECURSO
INOMINADO.
COBRANÇA.
SEGURO
CONDOMINIAL. ILEGITIMIDADE ATIVA DO CONDOMÍNIO.
IMPOSSIBILIDADE DE PROPOR DEMANDA NO SISTEMA DOS
JUIZADOS ESPECIAIS. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE DE ESTAR EM
JUÍZO. INAPLICABILIDADE DO ENUNCIADO 09 DO FONAJE.
INTELIGÊNCIA DO ART. 8º, § 1º, DA LEI Nº 9.099/95. EXTINÇÃO DO
PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. Segundo a regra do
art. 8º da Lei9.099/95, somente podem demandar nos Juizados Especiais
Cíveis as pessoas físicas e as microempresas, bem como, com o advento da
Lei Complementar nº.123/2006, de 14.12.2006, as empresas de pequeno
porte optantes do simples nacional. Destarte, não se enquadrando
o condomínio autor em quaisquer destas hipóteses, sequer se cogitando de
aplicação do Enunciado 09 do FONAJE, imperiosa a extinção do feito pela
ilegitimidade ativa do condomínio. RECURSO PROVIDO. PROCESSO
EXTINTO. (TJRS. Recurso Cível Nº 71004533501, Primeira Turma
4
Idem.
Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Marta Borges Ortiz, Julgado em
11/03/2014).
No entanto, vale lembrar que já houve a favor, senão vejamos:
DIREITO CIVIL. ENCARGOS CONDOMINIAIS. COBRANÇA DE DÉBITOS
EM ATRASO. ALEGAÇÃO DE PAGAMENTO PARCIAL QUE NÃO
ENCONTRA AMPARO NOS AUTOS. FATO EXTINTIVO OU MODIFICATIVO
DO DIREITO AUTORAL. ENCARGO PROBATÓRIO QUE RECAI SOBRE O
DEVEDOR. CONDENAÇÃO DEVIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Conquanto
afirme o recorrente ter efetuado o pagamento relativo à taxa para aquisição de
material para realização de obras exigidas pela CAESB, o documento trazido aos
autos (fl. 62) não corrobora tal alegação, de modo a justificar o abatimento desses
valores na condenação imposta. 2. O recorrente não se desincumbiu do encargo a ele
atribuído pelo art. 333, II, do CPC, porquanto não demonstrou fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor, comportando manutenção a sentença
que determina o pagamento integral do valor cobrado, relativo a despesas
condominiais ordinárias e extraordinárias, devidas propter rem, e que não foram
adimplidas pelo titular da obrigação. 3. Apelo conhecido e desprovido. Sentença
mantida, por seus próprios fundamentos. 4. Condenado o recorrente vencido ao
pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10%
(dez por cento) do valor da condenação, ex vi do artigo 55 da lei 9.099/95, restando
suspensa a exigibilidade de tais verbas em razão da gratuidade de justiça concedida
(fl. 87). (TJ-DF , Relator: LUIS MARTIUS HOLANDA BEZERRA JUNIOR,
Data de Julgamento: 27/05/2014, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do
Distrito Federal).
Em entendimento intermediário, assevera-se que somente os condomínios que não
tenham existência legal e que sejam regulados pelo Código Civil (arts. 1314 e seguintes),
quando representados por pessoas físicas, poderiam cobrar nos juizados especiais dos demais
condôminos as quantias devidas em razão do condomínio. Assim, o condomínio de edifício,
instituído de acordo com a Lei nº 4591/1964, ficaria fora desse dispositivo, havendo,
inclusive, entendimento jurisprudencial nesse sentido, senão vejamos:
CONDOMÍNIO RESIDENCIAL – LEGITIMIDADE AD CAUSAM. - O
condomínio tem personalidade indefinida na legislação. Nessa circunstância, o
condomínio residencial é parte legítima para propor ação perante o Juizado Especial
Cível, nas hipóteses do art. 275, II, “b”, do CPC, por aglutinar interesses de pessoas
naturais. Sentença cassada. (1ª Turma Recursal / Divinópolis – Rec.
0223.07.212.373-8 – Rel. João Martiniano Vieira Neto).
Ainda nesse raciocínio, os enunciados de nº 9 e 47 do Encontro Nacional de Juízes dos
Juizados Especiais Estaduais que, concluíram, por unanimidade, pela possibilidade das
microempresas, das sociedades sem fins lucrativos e dos condomínios residenciais figurarem
no polo ativo das ações de competência daqueles juizados5.
5
SANTANA, Bruno Anderson Monteiro; MIRANDA, Layonan. Ob. Cit. Disponível em:
http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=3809&idAreaSel=15&seeArt=yes. Acesso em mai
2015.
Seguindo essa lógica, o Enunciado nº111, do FONAJE, fez apenas uma ressalva,
dispondo no sentido de que o condomínio, quando admissível que no Juizado litigue, deve ser
representado em audiência pelo Síndico, salvo o disposto no artigo 1.348, parágrafo 2°, do
CCB/2002.
Apesar da maioria da doutrina não entender dessa forma, a corrente intermediária
combinada com o Enunciado nº111, do FONAJE, parece ser uma boa saída, porque ao
mesmo tempo que facilita ela não compromete a celeridade processual.
Considerações Finais
Como visto, a lei facilitou o acesso por um lado, mas por outro acabou estabelecendo
limites para não comprometer a sua celeridade, optando, em especial, vedar às pessoas
jurídicas de proporem ação que tramitem sob o rito sumaríssimo, ressalvando as
microempresas e empresas de pequeno porte, limite este que causou polêmica na doutrina no
que diz respeito à possibilidade ou não do condomínio figurar no polo ativo da ação.
Em torno desse debate, foi possível concluir pela possibilidade do condomínio,
quando representada por pessoa física, figurar como parte autora no Juizado, quando o objeto
da ação for sobre ação de cobrança, em nada comprometendo a celeridade proposta pelo
Juizado.
Bibliografia
WANDERLEY, Paulo Roberto Magalhães de Castro. Juizados especiais e pedido contraposto
formulado por pessoa jurídica . Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n.
4052, 5 ago. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/29801>. Acesso em: 7 abr. 2015.
ROCHA, Felippe Borring. Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais: Teoria e prática.
6.
ed.
São
Paulo:
Atlas,
2012.
SANTANA, Bruno Anderson Monteiro; MIRANDA, Layonan. A Lei 9099/95: Análise da
legitimidade
perante
os
Juizados.
Via
Jus.
Disponível
em:
http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=3809&idAreaSel=15&seeArt=yes.
Acesso em mai 2015.
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(i)legitimidade do condomínio como parte autora