1 Jorge Amaral dos Santos PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO PÚBLICA COMPARTIDA: condições e possibilidades das parcerias público-privadas no sistema prisional brasileiro. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado - Área de Concentração em Demandas Sociais e Políticas Públicas da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Doutor Rogério Gesta Leal Santa Cruz do Sul, novembro de 2012 2 À Luana, por dar sentido a minha existência. 3 AGRADECIMENTOS Agradeço ao meu orientador, Professor Doutor Rogério Gesta Leal, por ter me transmitido parte de seu saber. Aos professores do Mestrado e Doutorado em Direito da UNISC, pelo profissionalismo. Às funcionárias da Secretaria do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da UNISC, pela disponibilidade e dedicação. Aos meus colegas de jornada, pelo companheirismo, amizade e compreensão. 4 Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez. Jean Cocteau 5 RESUMO Este trabalho tem por escopo analisar as condições e possibilidades da utilização do instituto parcerias público-privadas no sistema prisional brasileiro, no sentido de se verificar a viabilidade da participação ativa de outros atores na relação Estado/apenado, sob uma ótica de democracia deliberativa. Para tanto, em um primeiro momento, será efetivada uma análise histórica e política sobre o tema gestão pública no desenvolvimento do Estado Moderno, o processo histórico de desenvolvimento do Estado, as reformas no sistema estatal brasileiro, a implantação do modelo de gestão pública gerencial e a gestão pública compartida, esta como paradigma de legitimidade dos atos estatais. A seguir, trataremos das parcerias público-privadas, o que são e quais suas finalidades, seu surgimento no contexto internacional, sua necessidade e aplicação. Discorreremos então sobre os marcos legais do instituto parcerias público-privadas, sobre as funções jurisdicionais e o poder de polícia no âmbito das PPPs, a delegabilidade dos serviços penitenciários e os seus limites, bem como sobre a polêmica doutrinária acerca dessa temática – deixar a cargo do setor privado serviços que envolvam a privação de liberdade do homem. Por fim, trataremos das experiências internacionais no campo da gestão penitenciária privada, seu surgimento e implantação, os modelos existentes no Brasil de gestão prisional compartilhada e, derradeiramente, analisaremos a implantação do instituto das parcerias público-privadas no complexo penitenciário de Itaquitinga, estado de Pernambuco, como experiência norteadora desse tema polêmico. O método de abordagem utilizado neste trabalho foi o indutivo-dedutivo, partindo-se de perspectiva geral para um caso particular (o do Complexo Penitenciário de Itaquitinga-PE) e a técnica de pesquisa bibliográfica, por meio da consulta a livros, periódicos e outros materiais disponíveis sobre os assuntos abordados, mormente consultas no campo da internet. O método de procedimento adotado foi o monográfico, haja vista, ainda, a análise da documentação pertinente aos contratos celebrados entre poder público e setor privado. Palavras-chave: Políticas Públicas; parcerias público-privadas; penitenciário brasileiro; democracia deliberativa; apenado. sistema 6 ABSTRACT This work has the purpose to analyze the conditions and possibilities of the institute's public-private partnerships in the Brazilian prison system, in order to verify the feasibility of the active participation of other stakeholders in the State / convict under a perspective of deliberative democracy. Therefore, at first, will perform a historical analysis of policy and public management on the topic in the development of the modern state, the historical process of development of the state, reforms in the Brazilian state system, the implementation of public management model and management shared governance, as this paradigm legitimacy of state acts. We then approach of public-private partnerships, which are and what their purpose, their emergence in the international context, their need and application. Discorreremos then on the legal framework of publicprivate institute, about the judicial role and the police power under the PPP, the delegabilidade prison services and its limits, as well as the doctrinal controversy about this issue - leave to the private sector services involving the deprivation of liberty of man. Finally, we will discuss the international experiences in the field of private prison management, its emergence and deployment, existing models in Brazil prison management shared and, ultimately, the institute will analyze the implementation of public-private partnerships in the prison complex Itaquitinga, state Pernambuco, as experience guiding this controversial topic. The method of approach used in this work was the inductive-deductive, starting with overview for a particular case (the Penitentiary Complex Itaquitinga-PE) and technical literature, by consulting the books, journals and other materials available about the topics discussed, especially in the field of internet queries. The method of procedure adopted was the monograph, considering also the review of documentation pertaining to contracts between government and private sector. Key-words: Public Policy; public-private partnerships; Brazilian penitentiary system; deliberative democracy; inmates. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................09 1 GESTÃO PÚBLICA: OS MODELOS DE GESTÃO PÚBLICA NO DESENVOLVIMENTO DO ESTADO MODERNO ............................................13 1.1 A formação histórica do Estado moderno....................................................16 1.1.1 O Estado autoritário e patrimonial...........................................................16 1.1.2 Estado liberal e democrático...................................................................19 1.1.3 A reforma burocrática no sistema estatal................................................21 1.1.3.1 A reforma no Brasil.......................................................................22 1.1.5 A transição do paradigma estatal.............................................................23 1.1.6 O Estado social-democrático....................................................................24 1.2 Gestão Pública Gerencial............................................................................29 1.2.1 Desenvolvimento histórico........................................................................30 1.2.2 A necessidade da reforma no aparelho estatal........................................31 1.2.3 O Estado moderno e a globalização........................................................32 1.2.4 O modelo gerencial..................................................................................34 1.2.5 A Reforma do Aparelho do Estado no Brasil............................................38 1.3 Gestão Pública Compartida.........................................................................43 1.3.1 Administração pública e gestão compartida.............................................46 1.3.2 Gestão compartida como pressuposto de cidadania................................47 1.3.3 Gestão pública compartida como modelo democrático emancipador......................................................................................................48 2 AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO BRASIL...................................56 2.1 Legitimidade constitucional das Parcerias Público-Privadas e a Lei Federal 11.079/2004.......................................................................................................56 2.1.1 As parcerias público-privadas no contexto internacional..........................57 2.1.2 As parcerias público-privadas no Brasil....................................................61 2.2 As parcerias público-privadas e a (in)delegabilidade do exercício . atividade administrativa penitenciária...............................................................................71 2.2.1 A atividade administrativa penitenciária como poder de polícia...............73 8 2.2.2 A privatização penitenciária na realidade brasileira..................................77 2.3 Experiências em parcerias entre o Poder Público e a comunidade: possibilidades de viabilização da participação ativa da sociedade civil nas Parcerias Público-Privadas do sistema prisional...............................................83 2.3.1 A participação social na gestão pública como mandamento Constitucional e Normas infraconstitucionais............................................................................84 2.3.2 As experiências da participação da sociedade na gestão prisional..........90 3 CONDIÇÕES E POSSIBILIDADES DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.........................................................94 3.1 Experiências Internacionais de parcerias público-privadas em sistemas penitenciários: Inglaterra, Estados Unidos da América e França......................94 3.1.1 A experiência de parcerias público-privadas em sistemas penitenciários na Inglaterra.......................................................................................................95 3.1.2 A experiência de parcerias público-privadas em sistemas penitenciários nos Estados Unidos...........................................................................................97 3.1.3 A experiência de parcerias público-privadas em sistemas penitenciários na França.........................................................................................................104 3.2 Experiências nacionais em modelos de gestão penitenciária compartilhada: Paraná, Ceará e Espírito Santo.......................................................................105 3.2.1 O modelo de gestão penitenciária compartilhada no Paraná.................106 3.2.2 O modelo de gestão penitenciária compartilhada no Ceará...................109 3.2.3 O modelo de gestão penitenciária compartilhada no Espírito Santo......112 3.3 Complexo Penitenciário de Itaquitinga-PE................................................114 3.3.1 O projeto do Complexo Penitenciário de Itaquitinga-PE.........................115 3.3.2 Os primeiros efeitos do projeto Complexo Penitenciário de Itaquitinga-PE e a implantação desse modelo por outros estados.........................................120 CONCLUSÃO..................................................................................................130 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................138 9 INTRODUÇÃO As questões atinentes à segurança pública, mormente os assuntos relacionados à temática prisional, são considerados de real importância no campo político-social brasileiro. A implantação e desenvolvimento de políticas públicas nessa seara é bastante tímida, inclusive por tratar-se de um campo que, em uma análise superficial e desatenta, não traz, em um primeiro momento, resultados mais significativos, visto que o presidiário não desperta grande interesse social, exceto quando há alguma rebelião em presídios ou algo que o valha. A Lei de Execução Penal – Lei 7.210/1984 – normatiza a temática do cumprimento de pena, entretanto não possui eficácia suficiente quanto à questão do tratamento dispensado ao apenado, em termos de instalações e serviços. O sistema penitenciário brasileiro deixa muito a desejar nesse sentido e se esse sistema é falho e imperfeito, trata-se de uma obviedade a questão de que, quando o apenado retornar ao convívio social, ao invés de encontrar-se pronto para uma readequação na sociedade, volta para a reincidência criminal, já que o “Sistema” não foi capaz de recuperá-lo, pelo contrário, “piorou o homem que volta para nos dar o troco daquele tratamento”. Com exceção das penitenciárias federais, onde estão internados principalmente presos considerados de alta periculosidade, e de alguns presídios recém-inaugurados, a realidade penitenciária brasileira é preocupante. É rotineira a veiculação na mídia de problemas de superlotação, fugas, juízes interditando presídios em virtude destes não possuírem condições humanas de internação, revistas de inopino onde são apreendidos um sem número de aparelhos celulares, drogas, armas artesanais. Outro fator preponderante é o caso de obras prisionais que são construídas e logo após sua instalação apresentam problemas de estrutura e funcionamento, pela falta de fiscalização em sua realização tornando-as inabitáveis. 10 Existem notórios exemplos nesse campo, como o famoso presídio do Carandirú, inclusive tema de filme. Ainda, o presídio Central em Porto Alegre, RS, que regularmente sofre interdições judiciais. Com a Constituição Federal de 1988 o Brasil passou a vivenciar uma normatização bem mais eficaz quanto à questão dos direitos humanos. Com o advento da Carta Maior, o país passa a experimentar garantias que deságuam, em última análise, nos direitos humanos e essas garantias, por óbvio, se dirigem também ao apenado. Desse modo, esse estudo se apresenta de elevada importância para a ciência jurídica, pelo fato de que analisa as condições e possibilidades da participação de outros atores na relação Estado/apenado que possibilitem resultar na disponibilização de um tratamento mais digno e adequado a este último, no sentido de readequação social. A questão de envolver outros atores nessa temática, que não apenas Estado/apenado, surge no Brasil com a implantação do sistema de gestão compartilhada ou co-gestão, que teve início em meados da década de 1990 no estado do Paraná. Assim, em um primeiro momento, esse estudo trata dos modelos de gestão pública no desenvolvimento do Estado Moderno. Inicia com a formação histórica do Estado Moderno, onde, no Estado autoritário e patrimonial dos séculos XV a XVII, o poder emana do soberano que o exerce pela vontade de Deus, o Estado então é tido como propriedade do monarca, e a elite econômica e política mobília a máquina estatal passando a ser dependente dele. Ainda, o Estado liberal e democrático, quando o cidadão, dotado de direitos e obrigações, passa a ter condições de interferir na lei e com isso influenciar em seu próprio destino social. A reforma burocrática no sistema estatal, na Europa do século XIX, o Estado passa a assumir um caráter totalmente moderno e capitalista. A reforma do serviço público no Brasil, a qual se deu no governo Vargas e o Estado social-democrático, que, após a Segunda Grande Guerra, 11 definiu-se como grande interventor do mercado e garantidor dos direitos sociais à saúde, educação, renda mínima e emprego. A gestão pública gerencial, modelo em que o cidadão é visto como um cliente dos serviços públicos, sendo a satisfação do “cidadão-cliente” um dos principais objetivos a serem alcançados. O ponto mais relevante desse sistema se dá com a reforma da administração pública realizada no governo de Fernando Henrique Cardoso. A gestão pública compartida, modelo de gestão que traz como pressuposto a cidadania e que se traduz em um modelo emancipador, no sentido de que, ao se aplicar a ótica habermasiana de participação políticocidadã na gestão pública, o indivíduo passa a ser construtor das políticas que têm como alvo ele próprio e que, em última análise, a Administração Pública voltada para a gestão compartida é o único modelo que se traduz em resposta à efetivação de um Estado Democrático de Direito. Em seguida, tratamos das parcerias público-privadas no Brasil, a utilização destas no contexto internacional, a normatização em âmbito pátrio e o instituto em aplicação no país. A razão que dá início à implantação desse modelo de política, quando a escassez de recursos públicos para fazer frente a importantes investimentos em setores de responsabilidade do poder público, mormente nas áreas de transportes (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos) saneamento, presídios, saúde e habitação fez com que o Estado procurasse novas formas de relacionamento com o setor privado. Assim, as PPPs se definem como forma de contratação de determinadas atividades tradicionalmente oferecidas pelo setor público, por meio da qual a Administração Pública contrata uma ou mais empresas privadas, com a finalidade de, por exemplo, construir e administrar estradas, presídios, estações de tratamento de água e esgoto, hospitais, escolas e outros serviços de utilidade pública. Ao levar em conta as potencialidades de cada um dos 12 parceiros, a estruturação de projetos como PPP’s possibilita a consecução do objeto do contrato de forma economicamente mais eficiente. A questão emblemática da (in)delegabilidade do exercício da atividade administrativa penitenciária, a sua atividade como função de polícia e a privatização penitenciária na realidade brasileira provoca entendimentos diversos. Esta temática desperta importantes celeumas, no sentido de se verificar qual o alcance da utilização do instituto das parcerias público-privadas no sistema prisional brasileiro. Até onde e quais os serviços, nessa seara, podem ser alvo de delegação. As opiniões são divergentes e não. Por conseguinte, tratamos das experiências internacionais de parcerias público-privadas em sistemas prisionais, onde existem cerca de 200 presídios privados espalhados pelo Globo. A experiência dos presídios privados da Inglaterra, que se deu no início da década de 1990, com a implantação da agenda liberal de Margareth Thatcher. Nos EUA, país mais privatista do mundo, onde, nos anos 80, o governo de Ronald Reagan pretendia livrar o setor público das despesas da construção de penitenciárias e imprimir ao setor carcerário técnicas de gestão empresarial que, por sua vez, garantissem a eficiência que o setor público era incapaz de dar. Na França, no ano de 2004 o ministro da Justiça francês lançou editais prevendo uma série de licitações voltadas para o setor privado, com vistas à construção de trinta estabelecimentos penitenciários até 2007, criando assim, 13.200 novas vagas no complexo penitenciário francês. A seguir, tratamos da implantação do modelo de gestão compartilhada em presídios estaduais brasileiros, que tem início com a penitenciária de Guarapuava em 1995, no Paraná. Esse modelo de participação social na gestão de estabelecimentos prisionais se traduz na terceirização, pelo Estado ao parceiro privado, de determinados serviços, tais como fornecimento de refeições; aquisição de uniformes; serviços de lavanderia, serviços médicos, odontológicos, psicológicos, de assessoria jurídica, e se espalhou por outros 13 estados brasileiros, tais como Amazonas, Ceará, Bahia, Espírito Santo e Santa Catarina. Por fim, o estudo da implantação da parceria público-privada no Complexo Penitenciário de Itaquitinga, estado de Pernambuco, nos moldes da Lei federal 11.079/2004. O projeto do Centro Integrado de Ressocialização de Itaquitinga, PE, prevê que o Centro possa abrigar 3.126 internos, será composto por duas unidades para regime semiaberto com 600 internos cada uma e três unidades para regime fechado com 642 internos cada. Os efeitos econômicos e sociais, já sentidos antes mesmo da conclusão daquele complexo, na região da cidade de Itaquitinga, Pernambuco, e a explicitação, em nossa ótica, de quais oportunidades de participação no sistema de gestão prisional por meio de parcerias público-privadas, terão os atores envolvidos – Estado, sociedade civil, apenado e iniciativa privada. Assim, ressalta-se que este trabalho se encaixa na linha de pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social, do Programa de Pós Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado, da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, onde está presente a necessidade de se verificar a real possibilidade de as politicas públicas promoverem a inclusão social daquelas camadas da sociedade órfãs desse tipo de instituto, bem como, ainda, a possibilidade de que os atores envolvidos no processo detenham capacidade contributiva no sentido de concretização de tais políticas. 14 1 GESTÃO PÚBLICA: OS MODELOS DE GESTÃO PÚBLICA NO DESENVOLVIMENTO DO ESTADO MODERNO Nas últimas décadas, a temática da gestão pública deixou de ser tratada e debatida somente no âmbito estatal e nos meios acadêmicos, experimentando uma participação mais efetiva da sociedade, do homem enquanto cidadão. Se os estudos, planejamentos e ações, há quarenta anos, se tornavam efetivos apenas por meio do trabalho de um restrito círculo social, hoje observamos que essas questões são tratadas tendo uma maior participação do tecido comunitário. Essa maior participação social fez com que fossem buscadas, como veremos neste capítulo, outras opções na construção de diferentes modelos de gestão da coisa pública. Os modelos de gestão pública, que levaram muitas décadas e até séculos para serem consolidados, hoje experimentam modificações de forma consideravelmente rápida. A gestão pública burocrática, baseada nos princípios da administração do exército Prussiano, foi implantada nos principais países europeus no final do século XIX, já nos Estados Unidos se deu no começo do século XX e no Brasil no ano de 1936, com a reforma administrativa no Estado Novo – era Vargas1. Na Grécia antiga, os cidadãos organizaram-se em comunidade executando atividades voltadas para o fim coletivo. Platão expõe que o Estado se origina a partir do aproveitamento da divisão do trabalho: “um estado nasce das necessidades dos homens: ninguém basta a si mesmo, mas todos nós precisamos de muitas coisas.”2 Nesse sentido Hannah Arendt aduz que os homens vivem juntos, pois a atividade do trabalho não pode ser imaginada fora da sociedade dos homens. 1 Bresser-Pereira, Luiz Carlos; Peters Spink – orgs. Reforma do estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. P 241. 2 PLATÃO. A República. Martin Claret, São Paulo, SP. 2005. p. 47. 15 Todas as atividades humanas são condicionadas pelo fato de que os homens vivem juntos; mas a ação é a única que não pode sequer ser imaginada fora da sociedade dos homens. A atividade do labor não requer a presença de outros, mas um ser que laborasse em completa solidão não seria humano e sim um animal laborans no sentido mais 3 literal da expressão. Diferenciando pólis de família, Hannah Arendt salienta que naquela havia a igualdade, enquanto esta era tida como sujeito de desigualdade, de submissão. A polis diferenciava-se da família pelo fato de somente conhecer 'iguais’, ao passo que a família era o centro da mais severa desigualdade. Ser livre significava ao mesmo tempo não estar sujeito às necessidades da vida nem ao comando de outro e também não comandar. Não significava domínio, como também não significava submissão. Assim, dentro da esfera da família, a liberdade não existia, pois o chefe da família, seu dominante, só era considerado livre na medida em que tinha a faculdade de deixar o lar e ingressar 4 na esfera política, onde todos eram iguais. Para Luhmann toda convivência humana é direta ou indiretamente cunhada pelo Direito e essa convivência sempre está sujeita a normas. Assim, no ordenamento jurídico reside a complexidade, pois sua função é conter a totalidade de possibilidades de experiências ou ações, cuja ativação permita o estabelecimento de uma relação de sentido. O Direito atua, então, conforme a evolução das sociedades, pois no decorrer do desenvolvimento social em direção à complexidade mais elevada, (2) deve adquirir uma elasticidade conceitual-interpretativa para abranger situações heterogêneas, devendo ser modificável através de decisões (tornar-se positivo).5 3 ARENDT, Hanah. A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposo, posfácio de Celso Lafer. – 10 Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 31. 4 ARENDT, Hanah. A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposo, posfácio de Celso Lafer. – 10 Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 41/42. 5 LUHMANNN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. (Introd. E Cap I). p. 17-35. 16 Bobbio, ao explicar o Estado contemporâneo, afirma que essa definição envolve numerosos problemas, haja vista as dificuldades em se analisar as múltiplas relações criadas entre o Estado e o complexo social e, com isso, se conseguir captar os seus efeitos sobre a racionalidade interna do sistema político.6 Uma abordagem que se revela particularmente útil na investigação referente aos problemas subjacentes ao desenvolvimento do Estado contemporâneo é a da análise da difícil coexistência das formas do Estado de direito com os conteúdos do Estado social. Os direitos fundamentais representam a tradicional tutela das liberdades burguesas: liberdade pessoal, política e econômica. Constituem um dique contra a intervenção do Estado. Pelo contrário, os direitos sociais representam direitos de participação no poder político e na distribuição da riqueza social produzida. A forma do Estado oscila, 7 assim, entre a liberdade e a participação . O poder político, a sociedade e o governo estão presentes em forma de organização política – institucionalizada ou não. A sociedade e o Estado surgem de modo a privilegiar uma classe dominante em detrimento do coletivo. Em Platão e Sócrates, a sociedade e a política surgem de uma relação de competências naturais de agir e de obediência a ordens oriundas dos representantes do povo e/ou de Deus. Para Leal, o poder político e o ordenamento jurídico refletem sempre o ethos social e político vigente em cada pólis. Na verdade, fica patenteado desde o berço de nossa civilização, que tanto o poder político como as leis que regem as relações sociais, são forjados pelo espirito objetivo humano – medida de todas as coisas – (e não por Deus ou seus representantes na terra), que se corporifica, com o passar dos tempos, na figura do cidadão (ser que vive nos limites territoriais da cidade/Estado e, dentro dele, tem direitos e obrigações). De qualquer sorte, o ordenamento jurídico, enquanto somatório de tradições, usos, costumes, arbítrio deste ou daquele tirano, exprimirá em certa síntese valorativa, condicionamento de todo Direito, que, por isso mesmo, se apresenta como variável no espaço 6 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Tradução Carmen C. Varrialleet al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 401 7 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Tradução Carmen C. Varrialleet al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 401. Política. 1998. p. Política. 1998. p. 17 e no tempo, refletindo sempre o ethos social e político vigente em 8 cada polis. 1.1. A formação histórica do Estado moderno Na concepção de Estado moderno, historicamente, tem-se as fases do Estado autoritário e patrimonial (séculos XVI a XVIII), liberal e democrático (século XIX e início do século XX) e social-democrático (segunda parte do século XX).9 1.1.1 O Estado autoritário e patrimonial Historicamente podemos dividir a trajetória do Estado moderno em três fases. Nos séculos XVI a XVIII o Estado é autoritário e patrimonial, o poder emana do soberano, que o exerce pela vontade de Deus, e o Estado é tido como propriedade do monarca. Torna-se liberal e democrático (século XIX e início do século XX). Social-democrático na segunda metade do século XX e almejando, conforme Bresser-Pereira, se tornar social-liberal e republicano no primeiro quartel deste século. Ele começou autoritário e patrimonial nos séculos XVI e XVII: era o Estado absoluto organizando monarquias patrimoniais. No século XIX, tornou-se liberal e burocrático: o Estado liberal impôs o estado de direito e garantiu os direitos civis, ou seja, os direitos à vida, à liberdade e à propriedade privada, mas permaneceu autoritário, pois os pobres e as mulheres não votavam. Na primeira parte do século XX, a transição para a democracia estava completada: foi a época do estado liberal, da democracia elitista ou liberal e, ainda, da administração burocrática. Na segunda parte deste século, o Estado se tornou social-democrático, protegendo os direitos sociais e promovendo o desenvolvimento econômico; a administração continuou sendo burocrática, mas assumiu um caráter desenvolvimentista; a democracia passou a ser social ou plural, mais do que simplesmente liberal. No início do século XXI, o estado almeja tornar-se social-liberal e republicano; a democracia almeja se tornar 8 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 19. 9 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. p. 30/35. 18 participativa ou republicana; e a administração almeja se tornar 10 gerencial, ou inspirada nos princípios da nova gestão pública . Pode-se dizer que o processo histórico de desenvolvimento do Estado, a partir da República grega em direção ao Estado moderno, se dá com a transformação da civitas em sociedade civil. Enquanto aquela, pequena comunidade de cidadãos da cidade-estado, constitui um governo em si mesma, a sociedade civil emerge na formação do grande Estado. Esse processo ocorre em quatro fases. Num primeiro momento (Grécia antiga), a civitas administra diretamente a vida dos cidadãos componentes da comunidade na cidade-estado. As questões importantes são colocadas a eles. Em Atenas, na seara criminal por exemplo, os crimes mais graves, que eram tidos como crimes públicos, porque atingiam toda a coletividade, tinham sua repressão feita pela participação direta dos cidadãos. Esses crimes eram denunciados perante a assembleia do povo ou o senado, compondo-se então o tribunal popular para o julgamento, manifestando-se o acusador, com suas provas, e depois a defesa. A decisão era por maioria de votos11. Numa segunda fase, com o advento do capitalismo, surgem os grandes estados-nação, dirigidos pela elite econômica e política. Num terceiro momento, após a Revolução Gloriosa na Inglaterra e a Revolução Francesa, surge o liberalismo como regime político. Na quarta fase os estados tornam-se democráticos na medida em que a sociedade civil, de algum modo, passa a desempenhar um papel outrora exercido pela civitas da Grécia antiga. Na Grécia antiga eram os cidadãos os responsáveis diretos pelos assuntos do governo. Já no Estado moderno há uma clara distinção entre o privado e o público. A civitas de outrora, hoje sociedade civil, não se ocupa 10 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. p. 40/45. 11 LAGO, Cristiano Alvares Valladares do. Sistemas Processuais Penais. Disponível em http://www.viannajr.edu.br/revista/dir/doc/art_30005.pdf Acesso em 10 mar 2012. 19 mais, diretamente, de assuntos governamentais. Há, para essas tarefas, políticos e administradores. Entretanto, percebe-se que a atuação da sociedade civil, naqueles assuntos, torna-se mais efetiva. No estado moderno, agindo como indivíduos privados, os cidadãos cuidam de seus interesses privados, enquanto contratam políticos profissionais e burocratas para constituírem a organização do estado e cuidarem do governo; mas isso não significa que releguem a política a um papel secundário. Ao contrário, à medida que os cidadãos atuantes se tornam organizados e debatem na sociedade 12 civil, eles se tornam cada vez mais influentes . A formação histórica do Estado moderno advém da revolução capitalista e do sistema de equilíbrio de poderes na Europa do século XVII. Na França, Luís XIV (reinado de 1643 a 1715) foi o representante mais significativo. O Estado moderno existia, mas as instituições de poder descentralizado – domínios e tribunais senhorais, estados provinciais e corporações municipais – ainda se faziam presentes. A aristocracia francesa, outrora sustentada pelos rendimentos oriundos da propriedade da terra, alçou cargos na esfera administrativa real, tornando-se, também, dependente do Estado. E o Estado francês se torna um Estado patrimonial. Nesse novo modelo, a elite econômica e política mobília o Estado e passa a ser dependente, também, das suas receitas. A emancipação da moeda circulante, atravessando países e economias até então fechadas, prepara o caminho de uma nova ordem social, o capitalismo comercial e monárquico, com a presença de uma oligarquia governante de outro estilo, audaz, empreendedora, liberta de vínculos conservadores. Torna-se possível ao príncipe a ao seu estado-maior organizar o Estado como se fosse uma obra de arte, criação calculada e consciente. As colunas tradicionais, posto que não anuladas ou destruídas, graças aos ingressos monetários, ao exército livremente recrutado e aos letrados funcionários da Coroa, permitem a construção de formas mais flexíveis ação política, sem rígidos impedimentos ou fronteiras estáveis. É o Estado 12 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 40/45. 20 moderno, precedendo ao capitalismo industrial, que se projeta sobre 13 o ocidente . Esse Estado absoluto se estende até a Revolução Gloriosa14 na Inglaterra (1688-1689), quando começa a declinar. A revolução abre caminho para o Estado inglês se transformar em um verdadeiro Estado moderno. Assim, o Parlamento inglês começa a desenvolver um Estado forte, onde a burocracia é essencialmente fiscal e judiciária, tendo por escopo a implementação da lei, alfândegas e impostos. Os cargos estatais estão no Ministério das Finanças e nos Correios. Há funcionários em tempo integral, com salários, carreira e uma pensão ao final desta. 1.1.2 Estado liberal e democrático Para Hobbes, o Estado absoluto tinha como principal objetivo garantir a segurança ou estabilidade política dentro de suas fronteiras, e o cidadão, ao “pactuar” um contrato social, assumia um compromisso onde sopesavam de um lado a liberdade individual e de outro a segurança social. Assim, quando se concebe o contrato social, em Hobbes, como um modo de legitimação do poder do rei e não uma legitimidade real calcada na religião, nasce a base da ideia dos direitos de cidadania. Ele plantou a semente ou estabeleceu os fundamentos do estado liberal – fundamentos a partir dos quais Locke, Montesquieu, Rousseau e Tocqueville construíram o edifício constitucional e liberal. Se o indivíduo, por vontade própria, renuncia à liberdade em nome da ordem social, isso significa que o poder original está com ele, não 15 com Deus . 13 FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder. Formação do Patronato Político Brasileiro. Editora Globo, 3 ed. Rev. São Paulo, 2001. P. 33. 14 Revolução, em grande parte não-violenta – no reino Unido e que depôs o rei Jaime II, colocando em seu lugar sua filha, Maria II e o genro, Guilherme. Os conflitos se deram entre católicos e protestantes e entre direitos da Coroa e do Parlamento. A aprovação pelo Parlamento da Bill of Rights, circunscreveu os poderes da Coroa, marcando a submissão da Coroa ante o Parlamento. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. 15 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 40/45. 21 Assim, dotado de direitos e obrigações, o cidadão passa a ter condições de interferir na lei e influenciar, com isso, em seu próprio destino social. Essa Lei é a forma básica das instituições e o cabedal normativo que rege os direitos e deveres do cidadão. Para Bobbio, essa noção de cidadania é construída por meio de conflitos históricos, onde o cidadão luta na defesa de direitos e constrói proteções historicamente conquistadas. Discorrendo sobre autocracia, o jurista informa que a importância dada ao caráter público do poder é um aspecto da polêmica iluminista contra o Estado absoluto, mais especificamente contra as várias imagens do soberano pai ou patrão, do monarca por direito divino, ou do hobbesiano Deus terreno. Conforme Bobbio, um dos eixos do regime democrático é que todas as decisões e atos dos governantes devem ser conhecidos pelo povo, mesmo com as mudanças ocorridas no sistema democrático ao longo dos anos, o caráter público do poder, entendido como não secreto, como aberto ao público, permaneceu como um dos critérios fundamentais para distinguir o Estado constitucional do Estado absoluto e para assinalar o nascimento ou o renascimento do poder público em público.16 O Estado liberal surge em substituição ao Estado absoluto, da luta pelos direitos de cidadania calcada pela burguesia ou classe média que travam conflitos visando um Estado de direito e liberdades civis. As duas mais importantes revoluções do século XVIII, a norteamericana e a francesa, que são muitas vezes chamadas de grandes revoluções democráticas, são na verdade revoluções liberais. Ambas precederam a revolução industrial, e particularmente a segunda representou a transferência de poder político da antiga aristocracia para a burguesia emergente. Com essas duas revoluções, e com a precedente Revolução Gloriosa, que em última instância tinha a 17 mesma natureza, o Estado liberal substituiu o Estado absoluto . 16 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Tradução Carmen C. Varrialleet al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p. 319/329. 17 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 40/45. 22 Com isso, parlamentos e constituições tomam importância, então estabelece-se a liberdade negativa ou liberal, onde surgem os direitos de propriedade, liberdade de movimento e direito ao respeito individual.18 O século XIX foi o século do liberalismo econômico, do capitalismo industrial e do Estado liberal, estabelecendo-se o Estado de direito e a proteção dos direitos civis. Com o capitalismo se firmando como modelo de produção e o poder político não mais se justificando no divino, e sim no pacto social do cidadão, a sociedade civil emerge e começa a assentar lugar na esfera cotidiana. 1.1.3 A reforma burocrática no sistema estatal Na Europa do século XIX tem lugar, também, a chamada reforma burocrática, por meio da qual o Estado passa a assumir um caráter totalmente moderno e capitalista. Tal reforma trouxe como uma das principais mudanças no modo de gerir a máquina estatal, o fato de o clientelismo não ser mais a estratégia política central do modelo, abandonando assim o modo patrimonialista de gerir o Estado: O clientelismo havia sido adotado, primeiramente pelo monarca e seus ministros e, em seguida, pelos políticos no Parlamento, para obter o apoio político de suas clientelas ou eleitores. Estes últimos se tornaram cada vez maiores à medida que uma porcentagem crescente de indivíduos obtiveram direitos de voto e se tornaram cidadãos plenos, mas o número de cargos burocráticos não 19 aumentou proporcionalmente . Dessa forma, a reforma burocrática torna-se essencial para a modernização do Estado e, também, um advento politicamente inevitável, abandonando com isso o patrimonialismo histórico dominante no Estado absolutista como estratégia central de gestão da máquina estatal. 18 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 40/45 19 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 50. 23 Nesse contexto de reforma do serviço público, Bresser-Pereira traz, inicialmente a reforma na Prússia, que já em 1770, começa com a introdução de concursos de admissão obrigatórios. Essa reforma levou um longo tempo e foi resultado de um conflito entre as elites: de um lado a nobreza – patrimonial e a rural – e de outro a burocracia ascendente, havendo, ainda, em menor escala, uma burguesia, esta restrita à área econômica.20 1.1.3.1 A reforma no Brasil No Brasil, a reforma do serviço público deu-se no governo Vargas – Estado Novo. Essa reforma brasileira foi capitaneada por Mauricio Nabuco e Luiz Simões Lopes. Mauricio Nabuco (filho do embaixador Joaquim Nabuco), também seguiu a carreira do pai, embaixador, entrando para a carreira diplomática em 191321. Luiz Simões Lopes, político brasileiro, foi nomeado por Getúlio Vargas chefe do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), órgão que tinha a função de qualificar o funcionalismo público nacional e racionalizar e integrar o serviço público nas três esferas (federal, estadual e municipal). Mais tarde, Lopes tornou-se presidente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), cargo que exerceu por muitos anos22. O DASP exerceu significativa influência nas políticas governamentais da era Vargas, tendo sido responsável pela elaboração e controle do orçamento federal. Essa centralização implantada pelo Estado Novo determinava ainda que os orçamentos estaduais e municipais fossem supervisionados pela Comissão de Estudos e Negócios Estaduais, órgão do qual Lopes também fazia parte23. 20 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 47/63. 21 NABUCO, Mauricio. Reflexões e Reminiscências. Ed. Nova Fronteira, RJ, 2000 22/23. 22 LOPES, Luiz Simões. Fragmentos de memória. CPDC, Editora FGV, RJ, 2006. 32. 23 A era Vargas 2. Fundação Getúlio Vargas – CPDOC. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/biografias/luis_simoes_lopes. Acesso em 16 mar 2012. 24 O modelo de administração burocrática vem em substituição à administração patrimonialista, originária das monarquias absolutas, onde o patrimônio público era confundido com o privado. Os princípios do modelo burocrático moderno se embasavam na centralização e estrutura piramidal do poder, na hierarquia, no sistema meritório, na impessoalidade, em uma burocracia estatal formada por profissionais, e na separação entre o público e o privado (Bresser-Pereira, 1998). A adoção do modelo burocrático se deu porque se tratava de uma alternativa melhor ao modo patrimonialista de administração estatal. Entretanto, o pressuposto da eficiência, no qual era embasado, não foi alcançado satisfatoriamente. 1.1.5 A transição do paradigma estatal A teoria do contrato social de Rousseau modifica a legitimidade do poder, transferindo essa legitimidade do rei, a qual advinha diretamente de Deus, para os dirigentes políticos. E se, em última análise, quem delegava o poder politico ao dirigente era o povo, logo os súditos transformam-se gradativamente em cidadãos. Ainda, com as revoluções industrial, liberal e mercantil o excedente econômico, o lucro, não mais está sob o controle estatal, e sim do mercado. Com isso, as classes dominantes não mais necessitam de seu atrelamento ao Estado para sua sobrevivência. Dessa forma, a democracia se impõe como modelo que melhor atende à estabilidade social. O Estado liberal não responde satisfatoriamente aos anseios do cidadão e o sufrágio universal vem para satisfazer essa necessidade social. O Estado liberal-democrático se impõe no início do século XX, passando por uma fase consolidatória após a segunda grande guerra, quando Alemanha, Japão e Itália realizam essa transição, e por outra fase na década de 1980, com a América Latina, especialmente Brasil e México, realizando suas consolidações democráticas. Bresser-Pereira adverte que consolidações democráticas não se 25 confundem com transições democráticas, pois estas são artificiais, enquanto aquelas são concretas. [...] frequentemente as transições democráticas são artificiais, concedidas formalmente por elites locais autoritárias, ou impostas por países estrangeiros, enquanto as consolidações - quando têm de 24 acontecer - são corporificadas no tecido econômico e social . Desse modo, o modelo social-democrático avança para tomar lugar na consolidação do Estado Democrático de Direito. 1.1.6 O Estado social-democrático A Grande Depressão dos anos 1930 assinala a crise do Estado liberaldemocrático. O capitalismo e a democracia liberal entram em declínio e o Estado passa a intervir mais efetivamente na economia, trazendo uma maior proteção aos direitos sociais. A democracia deixa de ser uma democracia da elite, liberal; o Estado passa a fornecer uma proteção social maior e no poder político a opinião pública passa a ter maior importância. A democracia avança, pois a igualdade política passa a ter maior relevância, e surge o Estado socialdemocrático. As características desse Estado estão na maior influência do poder público na administração do sistema econômico; o bem-estar social consome mais dinheiro público; e a violência do mercado é amenizada. Nesse sentido, Bresser-Pereira afirma que esse Estado é fruto da capacidade politica da classe trabalhadora e da classe média. O Estado social democrático foi um produto da crescente capacidade política da classe trabalhadora e, em particular, das classes médias. Organizadas em sindicatos, e tendo voz nos partidos de centroesquerda, elas conseguiam exigir a garantia de seus direitos sociais 25 por meio da proteção social do Estado . 24 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 66. 25 Bresser-Pereira. Burocracia Pública na Construção do Brasil, pg. 44. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/BOOKS/Burocracia_Publica_construcao_Brasil.pdf Ao em 26 mar 2012. 26 Após a segunda grande guerra, o Estado social-democrático definiu-se como grande interventor do mercado e garantidor dos direitos sociais à saúde, educação, renda mínima e emprego. O número de bens sociais assegurados potencializou-se na medida em que a igualdade de oportunidades conquistava uma posição central entre os valores sociais. Para Bobbio, o Estado do bem-estar (Welfare state)26 é definido como o Estado que garante “tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todo cidadão, não como caridade, mas como direito político”, e como exemplo cita a política praticada na Grã-Bretanha após a Segunda Grande Guerra.27 a política posta em prática na Grã-Bretanha a partir da Segunda Guerra Mundial, quando, a seguir ao debate aberto pela apresentação do primeiro relatório "Beveridge" (1942), foram aprovadas providências no campo da saúde e da instrução, para garantir serviços idênticos a todos os cidadãos, independentemente da sua renda. Este exemplo leva a vincular o conceito de assistência pública ao das sociedades de elevado desenvolvimento industrial e de sistema político de tipo liberaldemocrático. Na realidade, o que distingue o Estado assistencial de outros tipos de Estado não é tanto a intervenção direta das estruturas públicas na melhoria do nível de vida da população quanto o fato de que tal ação é reivindicada pelos 28 cidadãos como um direito . Surgindo o Estado social-democrático, a democracia liberal transformase em democracia social ou pluralista. Assim, aumentou-se o poder político de associações representativas de interesses e de sindicatos, a negociação e compromisso tornam-se a prática política central e a proteção aos direitos 26 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Tradução Carmen C. Varrialleet al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p. 416. 27 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Tradução Carmen C. Varrialleet al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p. 416. 28 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Tradução Carmen C. Varrialleet al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p. 416. 27 sociais passa a ser razoavelmente efetiva. Essa preocupação com os direitos sociais sinaliza a mudança do Estado liberal para o social. A preocupação com a proteção dos direitos sociais e, mais amplamente, dos direitos humanos marcou a transição do Estado liberal para o Estado social-democrático, e da democracia liberal para 29 a democracia social . A era moderna é marcada pela racionalidade na organização do poder político vinculado com o social. Todavia, Hobbes, Locke e Rousseau trazem novos argumentos filosóficos aos juristas e cientistas sociais. Rousseau traz seu ideal moral, no qual todo o indivíduo aliena os seus direitos à comunidade. Há muitas diferenças entre vontade de todos e vontade geral. A vontade de todos é o somatório das vontades particulares e a vontade geral é a fonte da lei que não traduz interesses particulares, sendo do povo para o povo. Assim, o corpo político é constituído por cidadãos, não se admitindo nenhum tipo de submissão pessoal, isto é, todos participam e todos obedecem.30 Nesse sentido, Leal afirma que em determinada comunidade, seu grupo social está obrigado a tomar decisões que vinculam todos os seus membros, com o fulcro de se prover a própria sobrevivência. [...] entendemos que o grupo social de uma comunidade, ao menos a partir da Idade Moderna no Ocidente, está obrigado a tomar decisões que, direta ou indiretamente, vinculam a todos os seus membros, com o objetivo de prover a própria subsistência; e como estas decisões grupais são tomadas por indivíduos – por representação ou não -, para que sejam aceitas como coletivas, mister é que sejam os indivíduos autorizados a tomas decisões vinculatórias para todos os 31 membros do grupo e quais os procedimentos . Bobbio, ao dizer que a primeira e mais completa experiência socialdemocrática foi a alemã, afirma que ela pode ser considerada paradigmática. 29 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 85. 30 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 34/39. 31 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 19. 28 A Social-democracia teve a sua origem por volta de 1875, ano em que foi fundado, no Congresso de Gotha, o partido de inspiração marxista que lhe havia de dar em todo o continente o impulso, o 32 nome, o modelo ideológico e a organização. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, reuniu os direitos civis, políticos e sociais sob o nome “direitos humanos” positivando-os e assegurando-lhes validade universal. Nesse sentido Bresser-Pereira infere que essa ideia de “direitos humanos” aparece mais acentuadamente na década de 1970, quando se tem uma reação aos regimes totalitários, especialmente na América latina. [...] a ideia de “direitos humanos” aparece nos anos de 1970, identificada especialmente com os direitos civis, como uma reação aos regimes totalitários que se tornaram dominantes nos países em desenvolvimento. [...] nos anos 1960 e 70, quando regimes totalitários de direita tomaram o poder em um grande número de países, especialmente na América Latina, e começaram a violar direitos civis 33 e políticos, a esquerda foi forçada a reconsiderar sua posição . A violência dos regimes totalitários contra os partidos de oposição, notadamente a esquerda política, fez com que os direitos civis, até então status das classes alta e média, fossem estendidos também à classe pobre. BresserPereira, ao citar Elisabeth Jelin e Eric Hershberg, infere que a cidadania passa a ser conceituada não apenas tendo como base os direitos sociais, mas sim também os direitos civis e políticos. Embora antes fosse normal distinguir entre direitos civis, políticos e sociais, e conceituar a cidadania principalmente em termos de direitos sociais, nos anos 80 os direitos humanos e civis básicos não podiam mais ser ignorados ou tidos como óbvios. Em vez disso, tornaram-se 34 o centro do ativismo político e da preocupação intelectual . 32 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Tradução Carmen C. Varrialleet al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p. 1189. 33 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 86. 34 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 86. 29 Logo, a ascensão do Estado social-democrático incha em demasia o aparelho estatal, fazendo com que uma nova burocracia se torne efetiva para operá-lo. Esse Estado, agora grande, necessita de operacionalidade para se fazer eficiente. Enquanto o Estado liberal, ao transitar para o Estado liberaldemocrático sofreu reformas, na passagem deste para o estado socialdemocrático não houve grandes mudanças. Enquanto a transição do Estado liberal para o Estado liberaldemocrático foi marcada pela reforma do serviço público, a transição do Estado Liberal-democrático para o Estado socialdemocrático exigiu apenas a criação de novas instituições organizacionais envolvidas no bem estar social e na administração econômica do novo Estado. Não foi realizada uma verdadeira reforma porque a estratégia era, antes, adicionar novas e mais autônomas agências 35 estatais, como as fundações públicas e empresas estatais . Bresser-Pereira sinaliza, então, que uma das razões pelas quais o Estado social-democrático não durou muito foi o fato de não ter sido reformado, e de que acabou sendo sufocado por uma grande burocracia estatal.36 Assim, a primeira grande reforma do Estado moderno foi a reforma burocrática ocorrida na Europa no século XIX. O Estado liberal, que saía do absolutismo, apenas garantia os direitos civis ou liberdades individuais. Entretanto, continuava essencialmente autoritário, pois negava aos pobres o direito universal ao voto. Essa reforma, consoante Max Weber, tornou o serviço público profissional e a dominação, racional legal. Na primeira metade do século XX o Estado se tornou democrático e na segunda metade, social. Essa mudança exigia uma transformação do aparelho do Estado, pois o pressuposto da eficiência estatal não fora alcançado. No Estado social, a despesa pública passou a representar mais de 40% da produção nacional. Tornava-se, assim, necessário que o Estado se tornasse além de efetivo, eficiente. Que acompanhasse o 35 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 97. 36 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 40. 30 aumento da produtividade que ocorre no setor privado para que haja 37 desenvolvimento econômico . Com isso, o modelo estatal necessita transformar-se para atender às demandas sociais. É necessário que o Estado acompanhe a eficiência do setor privado, de modo, principalmente, a não se tornar um obstáculo, um entrave ao desenvolvimento da sociedade. O modelo de administração pública burocrática, traduzido na rigidez e no “loteamento38” da máquina pública, não mais faz frente às necessidades surgidas das novas demandas sociais. O Estado precisa satisfazer essas demandas. Dessa necessidade nasce a segunda grande reforma administrativa do Estado moderno, a reforma gerencial, que no Brasil se traduziu em uma resposta à grande crise dos anos 80 e à globalização econômica, dois fenômenos que impuseram a redefinição do Estado, como veremos a seguir. 1.2 GESTÃO PÚBLICA GERENCIAL O modelo de Estado proveniente das sociedades capitalistas, longe de amenizar os conflitos sociais inerentes às suas sociedades, os potencializou de tal forma que, hodiernamente, buscam-se propostas alternativas e esse modelo paternalista e assistencialista. O paradigma de gestão centralizada do aparelho público, tornando-o burocrático e ineficaz, traz a reboque a cultura do tratamento, da parte do gestor administrativo, do aparelho estatal como extensão de seu patrimônio privado. Decorrem desse modelo de fenômeno social a exploração de políticas marginalizantes e discriminatórias, que desaguam na formação de estruturas sociais profundamente desiguais entre si. 37 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma gerencial do Estado, teoria política e ensino da administração pública. Revista Gestão & Politicas Públicas, 2011. p 3. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/papers/2011/391Ensino_administra%C3%A7%C3%A3o_p%C3%BAblica.pdf acessado em 12 mar 2012. 38 Utilizamos esse termo no sentido de preenchimento de cargos públicos tendo como objetivo o apoio político. 31 De uma parte a elite formadora e consolidadora do patrimônio decisório do aparelho estatal e de outra banda o restante da sociedade, alvo de políticas paliativas, que não resultam em profundas mudanças de seu capital social, pois têm por objetivo intrínseco a manutenção do status quo social vigente nessa realidade. 1.2.1 Desenvolvimento histórico A administração burocrática clássica, implantada na Europa em fins do século XIX e que era baseada nos princípios da administração do exército prussiano, foi implantada nos Estados Unidos no início do século XX e no Brasil, em 1936, com a reforma administrativa promovida por Getúlio Vargas, durante o Estado Novo. Essa reforma brasileira foi capitaneada por Mauricio Nabuco e Luiz Simões Lopes. Mauricio Nabuco (filho do embaixador Joaquim Nabuco), também seguiu a carreira do pai, embaixador, entrando para a carreira diplomática em 191339. Luiz Simões Lopes, político brasileiro, foi nomeado chefe do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) por Getúlio Vargas, sendo o DASP órgão que tinha a função de qualificar o funcionalismo público nacional e racionalizar e integrar o serviço público nas três esferas (federal, estadual e municipal). Mais tarde, Simões Lopes tornouse presidente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), cargo que exerceu por muitos anos40. O DASP exerceu significativa influência nas políticas governamentais da era Vargas, tendo sido responsável pela elaboração e controle do orçamento federal41. A adoção do modelo burocrático se deu porque se tratava de uma alternativa melhor ao modo patrimonialista de administração estatal. Entretanto, o pressuposto da eficiência, no qual era embasado, não foi alcançado satisfatoriamente. 39 NABUCO, Mauricio. Reflexões e Reminiscências. Ed. Nova Fronteira, RJ, 2000. p.11. LOPES, Luiz Simões. Fragmentos de memória. CPDC, Editora FGV, RJ, 2006. p.14. 41 A era Vargas 2. Fundação Getúlio Vargas – CPDOC. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/biografias/luis_simoes_lopes. Acesso em 16 mar 2012. 40 32 1.2.2 A necessidade da reforma no aparelho estatal Em meados do século passado (logo após a Segunda Grande Guerra) teve início a influência, no modelo capitalista, da administração de empresas na esfera pública, ganhando espaço ideias de descentralização e flexibilização administrativas, mas foi só a partir da década de 1970, quando o Estado entra em crise, que esse modelo burocrático começa a declinar, pois é a partir daí que se sente mais acentuadamente a falta de respostas às demandas sociais, surgindo então a ideia de uma mudança na administração pública. Assim, nos anos 80, consoante Bresser-Pereira (1998) inicia-se “uma grande revolução na administração pública dos países centrais em direção a uma administração pública gerencial”.42 Essa administração pública gerencial, que é influenciada em grande parte pelo modelo de eficiência em que o setor privado se baseia, surge como resposta à necessidade de um novo modelo de administração estatal, em virtude do crescimento dos anseios sociais no mundo ocidental. Os países onde essa revolução mais se acentuou foram o Reino Unido, a Nova Zelândia e a Austrália. Assim, a partir da década de 1970, com a falta de legitimidade da burocracia frente às demandas da cidadania e em face aos problemas de crescimento e complexidade da administração pública, a gestão pública gerencial ganha força. Nesse sentido, Bresser-Pereira aduz que a administração pública burocrática, por ser cara, lenta e muito pouco direcionada ao social, não possuía mais condições de responder às demandas do Estado social. No momento em que o pequeno Estado liberal do século XIX cedeu definitivamente lugar ao grande Estado social e econômico do século 42 Bresser-Pereira, Luiz Carlos; Peters Spink – orgs. Reforma do estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. P 242. 33 XX, verificou-se que ela não garantia nem rapidez, nem boa 43 qualidade, nem custo baixo para os serviços prestados ao público. 1.2.3 O Estado moderno e a globalização A globalização é entendida, comumente, em sua dimensão econômica, a mudança mais importante está no papel dos mercados financeiros globais. A revolução das telecomunicações e a extensão da tecnologia informática estão intrinsicamente ligadas ao processo globalizador. Com isso criam-se, também, novas regiões econômicas e culturais. Nesse sentido, Giddens afirma que a globalização vai além do campo econômico, transformando o tempo e o espaço no meio social. A globalização, como vou concebê-la no que se segue, não diz respeito em absoluto apenas, ou mesmo basicamente, à interdependência econômica, mas à transformação do tempo e espaço em nossas vidas. Eventos distantes, que econômicos ou não, afetam-nos mais direta e imediatamente que jamais antes. Inversamente, decisões que tomamos como indivíduos são com 44 frequência globais em suas implicações. Para Liszt Vieira, a globalização, que tem seu ponto de partida no processo de internacionalização da economia, ultrapassa os fenômenos econômicos e deve ser entendido também em suas dimensões políticas, ecológicas e culturais, além disso, esse processo interfere em todas as esferas, no trabalho, na educação, lazer, segurança e política. O ponto de partida da globalização é o processo de internacionalização da economia, ininterrupta desde a segunda guerra mundial. Por internacionalização da economia mundial entende-se um crescimento do comércio e do investimento internacional mais rápido do que o da produção conjunta dos países, ampliando as bases internacionais do capitalismo (incorporação de mais áreas e nações) e unindo progressivamente o conjunto do 43 Bresser-Pereira, Luiz Carlos; Peters Spink – orgs. Reforma do estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. P 241. 44 GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 41. 34 mundo num círculo único de reprodução das condições humanas de 45 existência. Para Milton Santos, que não era contra a globalização e sim contra o modelo perverso de globalização existente no mundo, o primeiro momento da globalização se deu com a colonização, onde então é imposto ao colonizado os hábitos, costumes e a cultura do colonizador. O segundo momento se deu com a fragmentação territorial. A primeira globalização do colonialismo se caracterizou pela ocupação territorial. A segunda globalização começa no final do século XX, marcada pela fragmentação dos territórios. O século XX foi o século das revoluções. As revoluções tecnológicas transformam 46 as novas conquistas em sonhos de um mundo melhor. O processo de globalização econômica mundial traz consigo a necessidade de formação de uma nova sociedade. Para Bresser Pereira a crise dos anos 80 se deu pelo endividamento internacional sendo que, a partir dos anos 90 a prioridade passou a ser a reforma do Estado. Na década de 80, logo após a eclosão da crise de endividamento internacional, o tema que prendeu a atenção de políticos e formuladores de políticas públicas em todo o mundo foi o ajuste estrutural ou, em termos mais analíticos, o ajuste fiscal e as reformas orientadas para o mercado. Nos anos 90, embora o ajuste estrutural continue figurando entre os principais objetivos, a ênfase deslocou-se para a reforma do Estado. A questão central hoje é como reconstruir o Estado – como redefinir um novo Estado em um mundo 47 globalizado. Ainda em Milton Santos, a partir do momento em que o Estado do bemestar social começa a sofrer um desmonte, o humanismo, como motor do desenvolvimento e do progresso, passa a ser substituído pelo modelo do consumo voraz. 45 VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 7 ed. Rio de janeiro: Record, 2004. p. 76. TENDLER, Sílvio. Encontro com Milton Santos: o mundo global visto do lado de cá. Caliban Produções: Rio de Janeiro, RJ, 2006. 47 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; Peters Spink – orgs. Reforma do estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. p. 21. 46 35 O consumo que é, hoje, o grande fundamentalismo; esse sim, é que é o grande fundamentalismo! As técnicas são implantadas nas sociedades e nos territórios a partir de uma política, hoje a política das empresas globais; amanhã, a partir da política dos Estados, 48 impulsionados pelas nações . Entendemos que a globalização é uma complexa série de processos, impulsionados por uma amálgama de fatores políticos e econômicos e onde estão se transformando as instituições das sociedades em que vivemos. Porém, o modelo perverso de globalização onde os grandes planejamentos, tanto empresarias como governamentais, estão voltados para o mercado de consumo, muito pouco contribuem para a formação do capital social do indivíduo, alterando apenas a maneira como é efetivada a relação colonizador/colonizado. 1.2.4 O modelo gerencial No modelo gerencial o cidadão é visto como um cliente dos serviços públicos, e a satisfação do “cidadão-cliente” é um dos principais objetivos a serem alcançados. Para Bresser-Pereira as características básicas da administração pública gerencial estão voltadas, em última análise, para o cidadão, dando-se por meio da perseguição a resultados. É orientada para o cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são merecedores de grau limitado de confiança; como estratégia, servese da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; e utiliza o contrato de gestão como instrumento de controle dos 49 gestores públicos. Todavia, não há um rompimento total com o paradigma burocrático, pois o modelo gerencial se apoia em vários princípios daquele, como a admissão por mérito (concurso público); um sistema de servidores públicos estruturado (plano de carreira); o treinamento contínuo e avaliação de desempenho dos 48 TENDLER, Sílvio. Encontro com Milton Santos: o mundo global visto do lado de cá. Caliban Produções: Rio de Janeiro, RJ, 2006. 49 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; Peters Spink – orgs. Reforma do estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. p. 28. 36 servidores. A profissionalização da administração pública ainda é um ponto em comum de ambos os modelos (burocrático e gerencial). No modelo gerencial há os princípios da descentralização de decisões, da confiança no servidor, da flexibilização de gestão, de estruturas horizontalizadas e incentivos à criatividade. À avaliação sistemática, permanente capacitação e à gratificação por desempenho, características do modelo burocrático, somou-se o controle por resultados e a satisfação do cidadão-cliente, princípios do paradigma gerencial. O enfoque gerencial da administração pública emerge na Grã-Bretanha e nos EUA, após a assunção de governos conservadores, em 1979 (Thatcher) e com Reagan em 1980 (Bresser-Pereira 1998). Na Grã-Bretanha, uma série de programas foi implantada (Unidades de Eficiência; Próximo Passo e Direitos do Cidadão), tornando o serviço público mais flexível, descentralizado, eficiente e mais voltado para o cidadão, perdendo seus traços burocráticos e ganhando características gerenciais. Nos EUA, é estabelecida a meta de reformar a administração pública norte-americana por critérios gerenciais (em 1992) quando o presidente Clinton converteu a ideia “reinventar o governo” (reinventing government) em programa de governo: a National Performace Reiview (Revisão do Desempenho Nacional). Na França, reformas semelhantes começaram em 1989, no governo de Michel Roccard (Bresser-Pereira 1998). De acordo com Bresser-Pereira, a reforma gerencial do Estado tem de ser compreendida no âmbito de duas grandes forças que moldaram a sociedade contemporânea do século XX, a globalização e a democracia social. De um lado, a globalização, o fato de o capitalismo haver-se tornado dominante em nível mundial, e os mercados terem sido todos abertos para a competição capitalista. Isto obrigou os países a serem mais competitivos, e, por isso, contarem com um Estado que além de mais legítimo, porque democrático, fosse mais eficiente porque gerencial. De outro lado, a democracia social, o fato de que na segunda metade do século XX, principalmente na Europa, o Estado passou a garantir também os direitos sociais. Para isso criou grandes serviços sociais e científicos de educação, saúde, pesquisa, previdência e assistência 37 social, que exigiram que a administração pública fosse mais do que simplesmente efetiva, fosse também eficiente, ou, em outras palavras, que fosse mais do que uma administração pública 50 burocrática: fosse uma administração pública gerencial. Para Lustosa Costa, o modelo gerencialista não nasce apenas das cabeças pensantes do neoconservadorismo ou do neoliberalismo que inspiraram as plataformas políticas do thatcherismo ou da reaganomics nem da prática dos burocratas a serviço de um e outra, ou dos órgãos internacionais que seguiram seus preceitos. Ela é fruto de longa maturação de ideias que germinavam nos meios acadêmicos desde os anos 1950. É a aplicação ao mundo da gestão pública de “ganhos teóricos” da nova economia política e da ciência política.51 No Brasil, após o fim da ditadura militar, no governo do presidente Sarney, foi criada a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), que tinha o objetivo de formar novos dirigentes públicos. Isso se deu em meio à reforma denominada Nova República, onde a racionalização da estrutura administrativa e os gastos com a máquina estatal eram os fins buscados. Com o advento da Constituição Federal de 1998, algumas normas referentes ao serviço e administração públicos foram inseridas no texto. Ficaram explícitos os princípios da administração pública (art. 37 caput), bem como a obrigatoriedade de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público (art. 37, inc. II). Todavia, a Constituição Federal, na ótica de Bresser-Pereira, ignorou completamente as novas orientações da administração pública. Os constituintes perceberam que o Estado havia adotado políticas descentralizadoras, como a criação de autarquias e fundações públicas (com o Decreto-Lei nº 200, de fevereiro de 1967), as quais não eram seguras por não se enquadrarem no modelo burocrático clássico. 50 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma gerencial do Estado, teoria política e ensino da administração pública. Revista Gestão & Políticas Públicas. 2º semestre de 2011. 51 COSTA, Frederico Lustosa da. Reforma do Estado e contexto brasileiro: crítica do paradigma gerencialista. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p. 139. 38 Com isso, instauraram o “regime jurídico único” para toda a administração pública, igualando linearmente vários profissionais. Assim, decidiram, através da instauração de um “regime jurídico único” para toda a administração pública, eliminar toda a autonomia das fundações públicas, e tratar de forma igual militares e professores, juízes e médicos, promotores e administradores da cultura, policiais e assistentes sociais; através de uma estabilidade rígida, ignorar que este instituto foi criado para defender o Estado, não os seus funcionários; através de um sistema de concursos públicos ainda mais rígido, inviabilizar que uma parte das novas 52 vagas fossem abertas para funcionários já existentes. Ainda, na Constituição Federal, houve a transformação de mais de 400 mil funcionários celetistas (das fundações a autarquias) em estatutários, garantindo a aposentadoria por tempo de serviço e com valor 120 (cento e vinte) por cento maior que o último salário, agravando a crise fiscal. Ao tratar da temática sobre periodizações, Lustosa da Costa aduz que, desde 1930, o Brasil viveu na era Vargas – uma era Vargas com Vargas (19301954) e uma era Vargas sem Vargas (1955-1989). Acrescenta que o Brasil viveu uma era Vargas contra Vargas a partir de 1990. As grandes reformas levadas a cabo nos 24 anos de Vargas no poder moldaram a economia, a sociedade e o Estado brasileiros, embasando reformas subsequentes. A partir daí, as forças políticas de direita e de esquerda tentam capturar ou renegar sua herança. 53 A partir de 1990, no governo do presidente Collor, surge um movimento tendente a romper com a herança varguista, por meio da abertura comercial, desestatização, desregulamentação socioeconômica, quebra de monopólios, reformas previdenciária e administrativa. Todavia, essas medidas não se 52 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A Reforma do Aparelho do Estado e a Constituição Brasileira. Conferência realizada nos seminários patrocinados pela Presidência da República nos quais os ministros explicaram aos parlamentares dos partidos aliados as emendas constitucionais que pretendiam enviar ao Congresso. ESAF, Brasília, janeiro de 1995. Revisada em abril. 53 COSTA, Frederico Lustosa da. Reforma do Estado e contexto brasileiro: crítica do paradigma gerencialista. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p.78. 39 concretizaram firmemente na estrutura sociopolítica do país, o que define, na visão de Lustosa da Costa, uma era Vargas contra Vargas. Em seguida, inicia-se a implantação efetiva da reforma do aparelho do Estado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. 1.2.5 A Reforma do Aparelho do Estado no Brasil Em 1995, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, é criado o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – MARE -, e lançado um planejamento que tinha por objetivo modificar o modelo de administração pública no Brasil. Desse planejamento constava um plano diretor e uma emenda constitucional, a de nº 19/1998.54 Aquele Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) era embasado em experiências de países europeus, principalmente o Reino Unido, e a estratégia usada pelo então ministro de Estado Luiz Carlos Bresser-Pereira era a de atacar a administração pública burocrática e ao mesmo tempo defender as carreiras de Estado e o fortalecimento da capacidade gerencial do Estado. A Reforma Gerencial de 1995 baseia-se em um modelo que implica mudanças estruturais e de gestão. A reforma não estava interessada em discutir o grau de intervenção do Estado na economia, uma vez que hoje já se chegou a um razoável consenso sobre a inviabilidade do Estado mínimo e da necessidade da ação reguladora, corretora, e estimuladora do Estado. Ao invés de insistir nessa questão, a reforma partiu de uma serie de perguntas de caráter estrutural que tinham como pressuposto gerencial o fato de que a descentralização, a consequente autonomia dos gestores, e a sua responsabilização por resultados torna os gestores e executores mais motivados e as 55 agências mais eficientes. A reforma na Administração Pública brasileira possuía cinco diretrizes: 54 Emenda constitucional 19, de 04 de junho de 1998 - Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/documents/Mare/emenda/emendaconst19.PDF acessado em 14 mar 2012. 55 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Burocracia Pública na Construção do Brasil. Revista Sociologia e Política, n. 28, 2008. p. 99. 40 a) Institucionalização – por meio da reforma da própria constituição; b) Racionalização – aumento da eficiência por corte de gastos sem perda da “produção”, fazer mais com menos; c) Flexibilização – maior autonomia aos gestores públicos de recursos humanos; d) Publicização – transferência para organizações públicas não estatais de serviços não exclusivos do Estado, principalmente na saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia, e meio ambiente; e) Desestatização – privatização, terceirização e desregulamentação. Na emenda constitucional a ideia principal era tornar mais flexível o sistema existente de estabilidade total aos servidores públicos, bem como eliminar o regime único para a contratação de pessoal do Estado. Assim, quanto ao pessoal do Estado, a reforma objetivava uma gestão pública mais eficiente, motivando profissionais competentes e punindo aqueles “incompetentes”; uma política remuneratória; recrutamento e seleção de servidores para as “carreiras de Estado”; e a eliminação de privilégios indevidos. Quando da implantação de reformas no setor público, os fatores mais importantes para que o processo se dê o menos traumático possível, na visão de Richardson (1998), são quatro:56 a) a coerência da reforma em todo o setor público – todos os elementos trabalham para reforçar uns aos outros criando uma transformação mais ampla na cultura; b) a importância de dispor de pessoal de alta qualidade em funções- chave – as reformas fazem com que, inevitavelmente, algumas agências percam poder, tendo-se pessoal de alta qualidade e com uma visão estratégica das reformas auxilia na transposição desses bloqueios; 56 Bresser-Pereira, Luiz Carlos; Peters Spink – orgs. Reforma do estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. P 215/235. 41 c) comunicação de alta qualidade – os trabalhadores públicos têm de ver o lado positivo da reforma, como uma satisfação laboral e progresso na carreira; d) o apoio de todos os partidos - o ideal é o apoio dos partidos de oposição, um acordo entre todos os partidos dá à reforma uma maior durabilidade política e aumenta a confiança no programa como um todo. Conforme o pensamento de Bresser-Pereira (2009), a reforma deu ênfase à descentralização da administração, distinguindo significativamente, os papéis do Estado: a) as atividades exclusivas do Estado devem nele permanecer; b) serviços sociais e científicos contratados com organizações públicas não-estatais de serviço; c) a produção de bens e serviços para o mercado a cargo da iniciativa privada. As análises anteriores referentes ao aparelho do Estado eram fragmentadas: descrições jurídicas sobre diversos formatos organizacionais (autarquias, fundações, empresas públicas, administração direta), sem uma visão estratégica do conjunto. Bresser-Pereira estabeleceu uma visão abrangente da macroestrutura, sintetizada num único esquema, em torno de quatro setores do Estado, três formas de propriedade e duas formas de administração.57 57 NAKARO, Yoshiaki; REGO José Marcio; FURQUIM, Lilian. Org. Em busca do novo: o Brasil e o desenvolvimento na obra de Bresser-Pereira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 449. 42 MACROESTRUTURA DO ESTADO Setores do Estado, Formas de Propriedade e de Administração58 FORMAS DE PROPRIEDADE Estatal Núcleo estratégico Legislativo, Judiciário, Pública não-estatal FORMAS DE ADMINISTRAÇÃO Privada Burocrática X Gerencial X X Presidência, Cúpula dos Ministérios, Forças Armadas Atividades Exclusivas Controle, Fiscalização X X Subsídios, Seguridade Atividades não-exclusivas Universidades, Hospitais, publicização X X Centros de Pesquisa, Museus Produção para o Mercado X Empresas Estatais X privatização Ainda, a preocupação básica era tornar os administradores públicos mais autônomos e mais responsáveis, através da criação de agências executivas e reguladoras, bem como transformando os serviços sociais e científicos em “organizações sociais”. E por fim, voltar a qualidade do serviço público não para a burocracia, mas sim para o cidadão-cliente. Bresser-Pereira não ignorava a globalização, porém sua atenção estava mais voltada para a crise do Estado desenvolvimentista latino-americano. 58 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Da Administração Pública Burocrática à Gerencial. Revista do Serviço Público. Janeiro-Abril de 1996. Disponível em: http://bresserpereira.org.br/papers/1996/95.AdmPublicaBurocraticaAGerencial.pdf acessado em 08 mar 2012. 43 O desenho da reforma expressa minha insistente crítica às duas ideologias opostas que dominaram por muito tempo a cena brasileira: de um lado, as antigas ideias estatistas; de outro, o credo conservador ultraliberal importado de países desenvolvidos que 59 pregavam, mas não praticavam esse ultraliberalismo. Iniciada em 1995 a reforma ditou regras e colheu frutos, adotando uma abordagem gerencial da administração pública e uma abordagem socialdemocrática e social-liberal do papel do Estado. É gerencial porque adota a autonomia e responsabilização do órgão público como estratégia de eficiência, e por ser inspirada na gestão de empresas privadas; é democrática por ter no controle exercido pela sociedade civil uma importante ferramenta, assim como exige a transparência no serviço público; tem o Estado como garantidor da proteção aos direitos sociais sendo, portanto, social-democrática; tem o mercado como alocador de recursos e a contratação de serviços e competição administrada como ferramentas de responsabilização, sendo então social-liberal. Em 2003 o Partido dos Trabalhadores vence as eleições presidenciais mantendo, no entanto, os princípios básicos da reforma. Portanto, nas palavras de Bresser-Pereira, a importância da reforma administrativa está na mudança cultural da sociedade, sendo essa mudança a mais importante conquista. As grandes reformas administrativas têm um momento crítico de mudança institucional e cultural, e um longo e incerto processo de implementação. O que importa saber é se as novas concepções foram aceitas e se tornaram dominantes na sociedade e entre os servidores públicos de alto escalão ou, em outras palavras, se houve mudança cultural. No caso da reforma da gestão pública de 1995-98, 60 essa mudança foi provavelmente sua mais importante conquista. 59 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 253. 60 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 254/255. 44 Nos anos 1950-60 o país enfrentou a luta pela industrialização; nos anos 1970 houve a transição democrática; na década de 1980 foi a vez da luta contra a alta inflação; nos anos 1990 houve a reforma gerencial do Estado; e, mais recentemente, a batalha pela revisão da política macroeconômica brasileira e pela retomada da autonomia nacional. O fio condutor é a luta pelo desenvolvimento econômico e político do Brasil e da América Latina. 61 A democracia é a melhor alternativa encontrada até hoje como regime político, haja vista ser o regime que melhor garante a estabilidade social. É o melhor regime não só pela estabilidade que proporciona, mas por ser o que mais interessa aos pobres e excluídos. Políticos com espírito republicano poderão ajudar os pobres nessa luta pela democracia, mas ela terá de ser necessariamente uma luta dos próprios pobres. Uma luta que não terá muitas perspectivas enquanto os desníveis de educação continuarem muito grandes. Na medida, porém, em que o direito à educação se universaliza, essa luta será cada vez mais viável, trazendo como resultado sociedades não apenas mais ricas, como também mais livres e mais justas.62 Há em andamento a construção de um modelo de gestão pública voltada para uma maior participação da sociedade. Trata-se da gestão pública compartida. Como trataremos seguir, a gestão pública compartida se traduz em uma alternativa viável ao modelo de gestão pública gerencial, principalmente em virtude da crise de legitimidade enfrentada pelo Estado contemporâneo. Com a implantação de ferramentas voltadas para um entendimento racional das necessidades sociais, ferramentas essas pautadas em um processo democrático de comunicação política, num modelo de gestão compartilhada, a legitimidade da Administração Pública no Estado Democrático de Direito aufere uma maior solidez e efetividade. Assunto que abordaremos a seguir. 61 NAKARO, Yoshiaki; REGO José Marcio; FURQUIM, Lilian. Org. Em busca do novo: o Brasil e o desenvolvimento na obra de Bresser-Pereira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p.566. 62 NAKARO, Yoshiaki; REGO José Marcio; FURQUIM, Lilian. Org. Em busca do novo: o Brasil e o desenvolvimento na obra de Bresser-Pereira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p.564. 45 1.3 GESTÃO PÚBLICA COMPARTIDA No mundo ocidental, a partir do século XVIII o desenvolvimento econômico torna-se mais importante que o desenvolvimento social sob a ótica estatal. O Estado, gerido por classes com hegemonia e superioridade econômica, busca, sob essa ótica, o modelo de gestão que se adequa a essa finalidade, formulando para isso políticas alinhadas a esse entendimento, tanto na seara normativa (elaboração de normas cogentes) quanto na face administrativa estatal. A crise socioeconômica, oriunda do modelo de reprodução e acumulação do capital, é concentradora e produtora de desigualdades sociais viabilizadas pela globalização e, principalmente, pelas relações financeiras e pelas novas tecnologias que, através da comunicação, potencializam o aumento do duplicar o capital, tornando-o móvel e livre de controle por parte dos Estados nacionais. Esta reprodução e acumulação do capital financeiro seria inviável sem formas agressivas de fomento da produtividade do capital no âmbito microeconômico a partir da produtividade do trabalho63. Assim, para seu sucesso, o livre mercado necessita que o capital, ou seja, trabalho morto mediante o desenvolvimento tecnológico torne desnecessário o trabalho humano, vivo.64 Pela exploração do mercado mundial a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. [...] Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais, nascem novas necessidades, que reclamam para sua satisfação os produtos das regiões mais longínquas e dos climas mais diversos. Em lugar do antigo isolamento de regiões e nações que se bastavam a si próprias, desenvolvem-se um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações. E isto se refere tanto à 65 produção material como à produção intelectual. 63 CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996. p.124. MELLO, Alex Fiúza. Marx e a globalização. São Paulo: Boitempo, 1999. p. 87. 65 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. 2 ed. Rio de Janeiro: Cátedra, 1987, p. 31-32. 64 46 Bauman entende que para que o processo acima funcione é necessário que o Estado torne-se coadjuvante de sua desconstituição ao eliminar qualquer forma de proteção social, controlando seus gastos com o setor público, reduzindo impostos e flexibilizando o mercado de trabalho para que o mercado possa aplicar sua lógica de manter um mínimo de trabalhadores com o máximo de produção possível. Esta flexibilidade pode ser entendida tanto para a procura de mão-de-obra quanto para as fronteiras, que passam a ser voláteis para o capital, já que “[...] significa liberdade de ir aonde os pastos são verdes, deixando o lixo espalhado em volta do último acampamento para os moradores locais limparem [...]”.66 Ocorre, então, um deslocamento entre a relação poder versus política, já que esta permanece fixa na localidade e o capital se movimenta.67 Neste contexto é possível visualizar uma crise política diante da incapacidade do Estado de apresentar soluções para a coletividade, fato que justifica o desvio do foco das elites políticas para a preocupação com a segurança pública, com discursos semelhantes entre a “direita” e “esquerda”, ao preconizarem leis mais rigorosas, construção de prisões e o aumento do efetivo policial como resposta à insegurança. O triunfo do neoliberalismo, segundo Bauman, pode ser explicado por suas diretrizes que, na prática, desarticulam as instituições políticas de resistência ao capital e mercado livres, disseminando a sensação de insegurança para não enfrentar a natureza dos problemas, já que “[...] pessoas que se sentem inseguras, preocupadas com o que lhes reserva o futuro e temendo pela própria incolumidade não podem realmente assumir os riscos que a ação coletiva exige”. 68 Quanto ao neoliberalismo, Giddens ressalta que há que se destacar o seu antagonismo ao welfare state como um de seus traços mais característicos. Para os neoliberais, o welfare state é a fonte de todos os males, de maneira muito parecida àquela como o capitalismo era visto outrora 66 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 64. 67 BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 43. 68 BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 75. 47 pela esquerda revolucionária, o que justifica a opção norte-americana pela redução do Estado social.69 Conforme esse pensamento, Neves aduz que a sociedade e seus problemas, reconhecendo-se que estejam relacionados de forma sistêmica, não admite visões ou análises parciais, como geralmente ocorre tratando-se da mídia movida por interesses. [...] a teoria luhmanniana nega um espaço privilegiado de observação a partir do qual se possa refletir abrangentemente sobre a sociedade. Toda e qualquer observação é parcial. A diferença entre sistema e ambiente apresenta-se nos diversos sistemas sociais autopoiéticos, cada um dos quais com uma perspectiva própria do mundo e da sociedade. É nesse sentido que se define a sociedade moderna como 70 multicêntrica e policontextural. Nesta seara se proliferam as violações de direitos humanos contra aqueles mais vulneráveis na sociedade, ou seja, os pobres, negros e imigrantes que, tornados a personificação do mal a ser curado, tornam-se também objeto da solução repressora e simbólica do direito penal. Traçada essa realidade social, e após termos discorrido sobre o Estado moderno e os modelos de gestão pública, burocrática e gerencial, discorreremos sobre gestão pública compartida, um outro paradigma de gestão da máquina pública. 1.3.1 Administração pública e gestão compartida Hodiernamente, o conceito de administração pública é entendido como um conjunto de ações e regras jurídicas inerentes à realização dos fins que o Estado objetiva. Ainda, como nos ensina Leal: 69 GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia. Rio de Janeiro: Record, 1999. 70 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 67. 48 De certa forma, o conceito de Administração Pública, assim, tem-se sintetizado como um conjunto harmônico e sistêmico de princípios, regras e ações jurídicas que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas, tendentes a realizar concreta, direta e 71 imediatamente os fins desejados pelo Estado. Assim, o conceito de administração pública não pode ser centrado fundamentalmente no Estado, nem em pressupostos filosóficos e epistemológicos de exercício do poder, mas a partir de outros paradigmas, tais como o de uma filosofia e epistemologia pautadas numa racionalidade emancipatória e comunicativa, na busca do entendimento/consenso através de pactos de civilidade. 1.3.2 Gestão compartida como pressuposto de cidadania72 Consoante o entendimento de Leal a compreensão do perfil social do povo brasileiro, a partir da constituição de 1988, é essencial para pensarmos qualquer forma de Administração Pública Democrática de Direito que se pretenda legítima e eficaz, na modalidade de compartilhamento de competências, deveres e direitos. Pode-se afirmar, portanto, que a Carta Política de 1988 e a partir dela, tem-se um redesenho mais saliente para um modelo de gestão compartida onde, fundamentadamente, o papel que a sociedade assume nessa questão é deveras importante, tanto na direção de uma participação ativa – aqui no sentido de obrigações e direitos, onde o conceito de “obrigação” é bem mais saliente do que o até então existente – quanto no sentido de sujeito de direitos.73 A Constituição de 1988 traz em seu bojo a previsão de uma participação mais efetiva do corpo social. Se de um lado, já em seu artigo primeiro, traz como fundamentos do Estado Democrático de Direito a cidadania - status do 71 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 38. 72 Aqui o significado do termo cidadania por nós empregado é no sentido não apenas de sujeito de direitos fundamentais constitucionalmente positivados, mas ainda no sentido de sujeito de direitos a uma participação ativa na gestão pública. 73 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 42. 49 ser humano, apresentando-se, simultaneamente, como objeto e direito fundamental das pessoas74 - e a dignidade da pessoa humana - valor espiritual e moral inerente à pessoa -, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito pelas demais pessoas75, de outra parte obrigações de participação mais ativa, como bem ilustram a temática da educação e da criança e adolescente - art. 205 e 227: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho; Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Cidadão, conforme a Constituição de 1988, não se resume a ter direitos reconhecidos pelo Estado, mas também com práticas sociais e culturais que dão sentido à cidadania. Em apertada síntese, a proposta é pensar em gestão pública com bases de sustentação (epistemológica): um novo conceito de sociedade (com direitos e deveres) e um novo conceito de Estado (democrático). Gestão pública compartida traduz supor modos de participação social nas ações estatais, mormente no aspecto decisório sobre as diversas questões inerentes ao público.76 Para tanto, é imprescindível construir pactos de comunicação no sentido de alcançar um entendimento sobre o futuro social. Sustenta-se a ideia de uma Administração Pública que parte da teoria de ação comunicativa de Habermas e fundamenta-se em bases filosóficas e operacionais que precisam ser pensadas e estudadas. 74 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada, atlas, 2007, p. 60/62. MORAES, Alexandre de, Constituição do Brasil interpretada, atlas, 2007, p. 60/62. 76 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 46/48. 75 50 1.3.3 Gestão pública compartida como modelo democrático emancipador Os modelos de democracia representativa ou participativa institucionais não mais satisfazem às demandas pelas respostas às necessidades de participação social na administração da coisa pública. Conforme Leal primeiro porque não contam com um adequado diagnóstico do fenômeno político das relações sociais contemporâneas (desconsiderando a complexidade dos múltiplos aspectos de sua configuração) e segundo, porque carecem de uma teoria filosófica e política de base capaz de alcançar o maior número de variáveis que estão presentes na formatação de tais relações.77 O sistema de representação político-institucional, tanto no Brasil como na maioria dos países de democracia liberal, vive uma crise de legitimidade. Essa crise se dá em virtude de várias causas, entre as quais: administração pública burocratizada e autoritária; inexistência de ferramentas de controle, por parte do cidadão, sobre o político eleito; sistema eleitoral desvirtuado da vontade do eleitor; a prática do eleito não coaduna com seu discurso de campanha; trocas de partido, ao abrigo da lei; sistemas eleitorais como instrumento de desigualdade e exploração social. Essa crise de legitimidade pode ser atribuída ao modelo de administração pública pautado pela ótica da razão instrumental, desvirtuado e utilizado pelas elites que se apoderaram do Estado e passaram a geri-lo como extensão de seu patrimônio privado. A soberania popular, positivada no Ordenamento Jurídico Máximo do país, não encontra, com algumas exceções, oportunidade de exercício além dos pleitos eleitorais periódicos, o que, sabe-se, em virtude da normatividade eleitoral afeta à nação, serve apenas para aprofundamento da exclusão social vivida em nossa sociedade contemporânea. 77 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 37/55. 51 Ao explicar a ótica habermasiana de modelo de participação políticocidadã, Leal observa que, para Habermas, o conhecimento deve estar a serviço da emancipação humana: [...] todas as formas de conhecimento devem estar a serviço de um interesse fundamental à espécie humana: o da sua emancipação, pois, enquanto o conhecimento instrumental permite ao homem satisfazer as suas necessidades, ajudando-o a libertar-se da natureza exterior (por meio da produção), o conhecimento comunicativo (que o filósofo vai desenvolver mais tarde) o impele a emancipar-se de todas as formas de repressão social (ou de seus representantes intrapsíquicos), transformando-o em um ser mais autônomo e 78 consciente. A gestão pública é, notoriamente, voltada muito mais ao interesse privado que ao público. Os interesses defendidos nos corredores do poder estão mais voltados aos projetos privados. Não é, todavia, essa a Administração Pública que consegue atender o algo grau de complexidade das demandas sociais que se avolumam nos dias atuais, eis que, cerrada dentro de suas teias tecno-burocráticas, está muito mais preocupada em desenvolver estratégias de gestão concentrada nos corredores do poder e em projetos privados transformados em públicos, do que propriamente atender os reclamos oriundos da matriz associativa que deu causa à 79 sua própria existência. Os interesses de grandes corporações e grupos econômicos, que impõem ao planeta uma globalização perversa, muito mais sentida, em sua face mais negativa, nas nações ditas subdesenvolvidas, se traduzem em políticas de exclusão social, repressivas e controladoras, principalmente no âmbito normativo, conforme o pensamento de Milton Santos, gerando, em uma análise mais profunda, uma carência de legitimidade estatal. Além das múltiplas formas com que, no período histórico atual, o discurso da globalização serve às ações hegemônicas dos Estados, 78 LEAL, Rogério Gesta. Jüngen Habermas: verbete. 2001. Disponível em: http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigo-jurgen-habermas-verbete.html Acesso em 07 mar 2012. 79 LEAL, Rogério Gesta. Gestão pública compartida e organizações sociais: um novo paradigma à administração pública. http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigogestao-publica-compartida-e.html Acesso em 08 mar 2012, p. 3. 52 das empresas e das instituições internacionais [...]. A reconstrução vertical do mundo, tal como a atual globalização perversa está realizando, pretende impor a todos os países normas comuns de 80 existência e, se possível, ao mesmo tempo e rapidamente. Esse contexto político-social traduz uma crise de legitimidade estatal, onde o Estado está voltado, em última análise, à persecução dos interesses privados, o que pode ser cristalizado, nos interesses dos grandes grupos econômicos, que, em proveito dessa globalização perversa, impõe a concretização de seus interesses em detrimento daqueles mais importantes ao corpo social. Ao lado da crise de legitimação, apresentam-se no mínimo duas outras crises, a de identidade e a de eficácia, correlatas da primeira, eis que, em nível de identidade, o Estado passa não mais a distinguir quais suas funções originárias e efetivamente públicas, servindo como mero instrumento de assalto ao poder por interesses e corporações pouco representativas da sociedade como um todo; em nível de eficácia, o Estado, por ter perdido sua legitimidade e sua identidade, não consegue – e sequer prioriza – atender as demandas 81 efetivas e operacionais da comunidade que representa oficialmente. Como resposta alternativa ao modelo contemporâneo de gestão pública se nos apresenta a gestão compartida, onde a participação social tem um viés mais significativo, corporificada através de subsistemas privados, traduzidos em associações, organizações civis e toda espécie de representação popular, pautadas por interesses comunitários que desaguam no efetivo cumprimento dos anseios sociais. Para a construção dessa efetiva participação popular se faz necessário o estabelecimento de entes sociais representativos dos interesses públicos, diversos das entidades estatais, que trabalhem na busca da concretização dos anseios representativos dos diferentes setores sociais, como assevera Vieira. 80 SANTOS, Milton: Por uma outra globalização. São Paulo, Editora Record, 2000, p. 11 e 17. LEAL, Rogério Gesta. Gestão pública compartida e organizações sociais: um novo paradigma à administração pública. http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigogestao-publica-compartida-e.html Acesso em 08 mar 2012, p. 9. 81 53 A construção dessa esfera social-pública, enquanto participação social e política dos cidadãos, passa pela existência de entidades e movimentos não-governamentais, nãomercantis, não-corporativos e não partidários. Tais entidades e movimentos são privados por sua origem, mas público por sua finalidade. Eles promovem a articulação entre esfera pública e âmbito privado como nova forma de representação, buscando alternativas de desenvolvimento 82 democrático para a sociedade. Nessa direção Leal, ao citar Modesto e Carvalho, afirma que as organizações sociais definem-se como instituições do terceiro setor, parceiras do Estado na persecução do fim social. [...] no aspecto da parceria, as organizações sociais definem-se como instituições do terceiro setor (pessoas privadas de fins públicos, sem finalidade lucrativa, constituídas voluntariamente por particulares, auxiliares do Estado na persecução de atividades de relevante interesse coletivo), pois possuem o mesmo substrato material e formal das tradicionais pessoas jurídicas privadas de utilidade pública, com a diferença fundamental de possuir um título jurídico especial, conferido pelo Poder Público, em vista do atendimento de requisitos gerais de constituição e funcionamento previstos 83 expressamente em lei. Ao se estabelecerem ferramentas voltadas à construção de um espaço democrático de comunicação política, aqui corporificadas na existência de entidades da sociedade civil organizada e na concepção de políticas públicas voltadas para a implantação de uma efetiva participação social na esfera decisória do Estado, traduz-se a efetivação de uma maior legitimidade estatal, consoante assevera Leal: Tal perspectiva condiciona a legitimidade da Administração Pública no Estado Democrático de Direito, à existência de um processo democrático de comunicação política, que institui um espaço permanente de construção de entendimentos racionais sobre o que se pretende em termos de sociedade e governo, a partir da organização de mecanismos e instrumentos de co-gestão que garantam a visibilidade, compreensão e debate das questões comunitárias relevantes (inclusive na definição de quais sejam), para 82 VIEIRA, Liszt. Cidadania e controle social. In: GRAU, N.C.;PEREIRA, L.C.B (Org.). O público não estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 238. 83 LEAL, Rogério Gesta. Gestão pública compartida e organizações sociais: um novo paradigma à administração pública. http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigogestao-publica-compartida-e.html Acesso em 08 mar 2012, p.15. 54 sem seguida passar ao nível dos seus dimensionamentos em 84 políticas públicas efetivadoras das demandas que elas representam. Assim, por meio de uma participação social de maior efetividade na esfera decisória do poder público, o cidadão passa a contemplar uma resposta mais significativa para seus anseios. Estando a administração pública notadamente voltada para os interesses da sociedade, esse agir comunicativo do cidadão transforma-se em politicas concretas, legitimando, de forma democrática, o agir do Estado. No sistema da administração pública concentra-se um poder que precisa ser regenerado a cada passo a partir do poder comunicativo. Por esta razão, o direito não é apenas constitutivo para o código do poder que dirige o processo de administração. Ele forma simultaneamente o médium para a transformação do poder comunicativo em administrativo. Por isso, é possível desenvolver a ideia de Estado de direito com o auxílio de princípios segundo os quais o direito legítimo é produzido a partir do poder comunicativo e este último é transformado em poder administrativo pelo caminho do 85 direito legitimamente normatizado. Essa democracia participativa, que estabelece a legitimidade do agir estatal a partir da elaboração de políticas públicas motivadas, sendo essas motivações pautadas no acordo racional de cidadãos que, estando sujeitos àquelas políticas, participam ativamente da elaboração das mesmas, se traduz na construção do modelo de gestão compartida pautada na ética discursiva habermasiana, como sugere Leal: Estamos falando, por certo, de uma Democracia Comunicativa, fundada numa ética discursiva habermasiana, que estabelece a justificação das normas de conduta da vida dos cidadãos e do Estado a partir do acordo racional daqueles que estão sujeitos a elas, eis que o igual respeito pelos indivíduos se reflete na liberdade de cada participante para admitir ou rechaçar razões oferecidas por via de justificação, enquanto que o interesse pelo bem comum funda-se no sentido de exigir que cada participante leve em consideração as 84 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 40. 85 HABERMAS, Jüngen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade. Vol I, tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 155/159. 55 necessidades, interesses e sentimentos de todos os demais e lhes 86 conceda igual peso que aos seus próprios. Leal citando PONT infere que “a democracia participativa por seu potencial mobilizador e conscientizador, permite aos cidadãos desvendar o Estado, geri-lo e estabelecer um efeito demonstração para outros setores da sociedade.” 87 A democracia democratizada por meio da participação efetiva da sociedade, tanto no processo decisório quanto no âmbito do desenvolvimento de determinada política pública, desenvolvimento esse efetivado em qualquer instância do procedimento, em nossa ótica, é o modelo mais eficaz a ser buscado na luta pela alteração do atual paradigma de gestão da coisa pública. As formas tradicionais de democracia já não convencem os mais pobres, conforme ressalta Galeano. Você dizia qual será o destino da América Latina? Eu não sei, mas sei qual é o desafio. O desafio é: vamos nos converter na triste caricatura do norte? Vamos ser como eles? Repetiremos os horrores da sociedade de consumo que está devorando o planeta? Vamos ser violentos? E crer que estamos condenados à guerra incessante? Ou vamos gerar outro mundo diferente? Vamos oferecer ao mundo um mundo diferente? Esse é o desafio que temos apresentado. Hoje somos, na verdade, caricaturas bastante tristes de modos de vida que nos impõem de fora. E estamos governados por sistemas de poder que cada dia nos convencem de que não há virtude maior do que a virtude do papagaio. Que não há habilidade comparável à habilidade do macaco. O papagaio, o macaco, os que imitam, os ecos de vozes 88 alheias. No âmbito da legislação pátria e por iniciativa de alguns governos, temos vários instrumentos jurídicos e políticos que traduzem o modelo de gestão compartida no Brasil. 86 LEAL, Rogério Gesta. Gestão pública compartida e organizações sociais: um novo paradigma à administração pública. http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigogestao-publica-compartida-e.html acessado em 08 mar 2012, p.26. 87 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 33. 88 TENDLER, Sílvio. Encontro com Milton Santos: o mundo global visto do lado de cá. Caliban Produções: Rio de Janeiro, RJ, 2006. 56 No âmbito normativo tem-se a lei Federal 8.987/95, que traz a participação do usuário no que se refere à concessão de serviços públicos. Ainda, os instrumentos de consulta pública e audiência pública tratados nas Leis Federais 9.427/96 (setor elétrico), 9.472/97 (Telecomunicações), Lei 9.478/97 (Agência Nacional do Petróleo) e Lei 20.257/2001 (Estatuto da Cidade). Quanto às experiências políticas, citamos o orçamento participativo, na cidade de Porto Alegre, que se traduz em um modelo de política pública voltada para a inclusão social, e os Conselhos Municipais, implantados na cidade já no ano de 197289, onde, a partir de 1992, passaram a ser considerados como órgãos de participação direta da comunidade na Administração Pública. Nas palavras de Leal, a Administração Pública voltada para a gestão compartida é o único modelo que se traduz em resposta à efetivação de um Estado Democrático de Direito. Entendemos, por fim, que a Administração Pública, vista como instrumento de gestão compartida no âmbito dos interesses públicos, tem, sim, um estatuto e finalidades dogmaticamente estabelecidas pelo sistema jurídico pátrio, em especial, na sua forma fundamentalconstitucional, a serem perseguidas, não facultativamente, mas, como única possibilidade de se efetivar o Estado Democrático de 90 Direito anunciado. Em nosso ver, essa proposta de redefinição do espaço público traz um compartilhamento de responsabilidades, onde os atores sociais, traduzidos nas entidades da sociedade civil organizada, no cidadão enquanto participante individual e na Administração Pública como propositora e executora de políticas públicas, trabalham na busca de uma maior legitimidade do Estado, que desagua, por derradeiro, na efetiva construção de uma Sociedade Democrática de Direito. 89 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 160. 90 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 100. 57 Sob o mantra da escassez de recursos públicos para fazer frente a investimentos em setores de responsabilidade do poder público, mormente nas áreas de transportes (rodovias, ferrovias, portos e aeroportos) saneamento (água e esgotos), sistema penitenciário e setor energético, o Estado vem procurando novas formas de relacionamento entre os setores público e privado. Diversos países têm buscado modelos de gestão, onde a participação do setor privado em investimentos de grande interesse público e social tende a se tornar mais ativa. No Brasil, as parcerias público-privadas foram normatizadas em nível federal com a Lei nº 11.079/2004, que instituiu as normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pública. No capítulo seguinte trataremos da importância desse instituto, na tentativa de se estabelecer condições e possibilidades para uma efetiva utilização de parceria público-privada no complexo prisional brasileiro, objeto último desse trabalho. 58 2 AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO BRASIL. 2.1 Legitimidade Constitucional das Parcerias Público-Privadas e a Lei Federal 11.079/2004 A escassez de recursos públicos (ou sob essa argumentação) para fazer frente a importantes investimentos em setores de responsabilidade do poder público, mormente nas áreas de transportes (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos) saneamento, presídios, saúde e habitação fez com que o Estado procurasse novas formas de relacionamento com o setor privado. Nesse sentido, ao conceituar serviço público, Leal infere que a concepção de serviço público vem de uma formação cultural de espaço público e espaço privado, onde o privado detém preponderância em virtude do surgimento de um novo sujeito social – emergente da idade moderna – qual seja o mercado: Neste particular, temos que a concepção de serviço público no próprio Ocidente vem marcada pelas contingências de formação de uma cultura de espaço público e de espaço privado específica, que discrimina significativamente o primeiro em favor do segundo, o que é perfeitamente compreensível, haja vista que tais conceitos são forjados a partir da Idade Moderna, numa tentativa de reconfiguração das ambiências de poder político vigente, principalmente na Europa Central, reduzindo a influência dos Governos (aqui confundidos com o Estado) e ampliando a autonomia do novo sujeito social emergente: 91 o mercado. Ainda em Leal, ao nos explicar esse contexto, diz que ao Estado administrador cabe a função de ratificador do projeto de crescimento social pautado pelo mercado: Isto significa que o Estado Administrador passa a ter uma função meramente ratificadora do projeto de crescimento social pautado pelas leis do mercado, organizando suas atividades e competências de maneira a gestar os problemas causados por este modelo, bem como intervindo somente em setores que são estratégicos para 91 LEAL, Rogério Gesta. O controle social dos serviços públicos no Brasil como condição de sua possibilidade. Disponível em: http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigo-ocontrole-social-dos-servicos.html. Acesso em 20 jun. 2012. 59 alavancá-lo, tais como políticas educacionais técnicas retroalimentadoras da mão de obra demandada por aquele modelo; políticas de saúde meramente curativas, suficientes para reabilitar os trabalhadores à produção; políticas de fomento e subsídios para setores que se encontram alinhados mercadologicamente, deixando ao largo as suas funções de gestor preventivo e acautelador das 92 garantias e direitos fundamentais. Daí porque, da necessidade de o Estado buscar parceiros para investimentos no desenvolvimento de infraestrutura e serviços públicos, para o atendimento das demandas sociais, é que surgem as parcerias públicoprivadas. 2.1.1 As parcerias público-privadas no contexto internacional No contexto internacional, as parcerias público-privadas têm início ao final do século passado, se desenvolvendo no Reino Unido, na França, nos Estados Unidos, Portugal, Itália, Holanda e Chile. No Reino Unido as PPPs surgem em 1992, com a política liberal de Margareth Thatcher. Para Coutinho, essa política tinha por objetivo estimular empreendimentos conjuntos nos setores público e privado: A versão inglesa das PPPs – a private finance initiative (PFI) – nasceu em 1992 por iniciativa do gabinete conservador de John Major com o objetivo de estimular empreendimentos conjuntos envolvendo os setores público e privado em um contexto de implementação da agenda liberal de Margareth Thatcher. A PFI foi, àquela altura, definida como um conjunto de ações para aumentar a participação do 93 capital privado na prestação de serviços públicos. Freitas aduz que, no Reino Unido, as PPPs unem, a longo termo, setor público e setor privado para mútuos benefícios. 92 LEAL, Rogério Gesta. O controle social dos serviços públicos no Brasil como condição de sua possibilidade. Disponível em: http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigo-ocontrole-social-dos-servicos.html. Acesso em 20 jun. 2012. 93 COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias público-privadas: relatos de algumas experiências internacionais. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 50. 60 Tome-se o exemplo matricial do Reino Unido, cujo entendimento dominante sobre PPPs é assaz pragmático, adaptando vetusto conceito que vem do Direito Privado dos fins do século XIX: as PPPs unem, a longo termo, setores público e privado para mútuos benefícios, abarcando as concessões, ao lado de várias figuras. Portanto, no sistema britânico, as concessões são espécies de 94 PPPs. Freitas assevera que no Reino Unido, as PPPs existem nos mais diversos segmentos, sejam hospitalares, de defesa, escolas ou prisões e que a preocupação existente é no sentido de que os diversos projetos de PPPs gerem benefícios sociais e econômicos maiores que aqueles advindos diretamente da Administração Pública. De fato, observa-se que, superados dogmas ideológicos, ali são admitidas PPPs para investimentos os mais variados, seja em instalações hospitalares, passando por escolas, prisões e até contratos de defesa, na maior parte das vezes com economia considerável (‘value for money”), todavia sem modelo rígido, admitindo-se, para ilustrar, PFI (iniciativas de financiamento privado), “joint ventures” e as referidas concessões. Constata-se, ainda, preocupação acentuada de cobrar que as várias espécies de PPPs gerem benefícios sociais e econômicos mais efetivos do que aqueles trazidos pelo investimento estatal direto. Útil notar, também, que as PPPs, no Reino Unido, significam recusa da privatização pura e simples, justamente pelo reconhecimento da necessidade de regência dos serviços universais pelo Direito Administrativo, seja no desenho institucional das contratações, seja na busca da regulação compatível, sólida e contínua. Ainda Coutinho, ao se referir às PPPs nos Estados Unidos, diz que elas são uma característica básica da política e do sistema de bem-estar norteamericano: As PPPs nos Estados Unidos da América encarnam uma espécie de modus vivendi em torno do qual se articulam o Poder Público em diferentes níveis, as empresas privadas e o setor não lucrativo. [...] diferentemente do caso inglês, nos Estados Unidos da América há (desde há muito) subjacente à ideia de PPP na prestação (e não somente na construção de infra-estruturas) de serviços sociais – educação e saúde, por exemplo - a participação bastante 94 FREITAS, Juarez. O novo modelo de parcerias publico-privadas (pps) no Brasil: características e regulação. Disponível em: http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/2406/1/AD9-21.pdf acesso em 30 jul. 2012. 61 expressiva de 95 lucrativas. organizações não-governamentais ou não- Rocha e Horta aduzem que, na América Latina, o Chile inicia sua experiência com as PPPs implantando cerca de vinte e quatro projetos, em diversas áreas: Na América Latina, destaca-se a experiência de sucesso do Chile na implementação de projetos de PPP que, em 2004, acumulavam investimentos da ordem de US$ 5,5 bilhões, segundo estudos realizados pelo Fundo Monetário Internacional - FMI. Até aquela data, já havia 24 projetos em andamento no setor de transportes, 9 aeroportos, 2 penitenciárias e um reservatório de água, sendo que 20 96 desses projetos já se encontravam em fase operacional. Conforme Coutinho, a preocupação com a implantação de uma política de parcerias público-privadas no Chile se deu em virtude de o rápido crescimento econômico chileno ter tornado a infraestrutura do país insuficiente para atender às demandas sociais: A preocupação com as PPPs teve início com a percepção de que o rápido crescimento econômico pelo qual passou o Chile por mais de uma década tornaria a infra-estrutura existente insuficiente para atender os fluxos econômicos crescentes. Não tardou até que os déficits se tornassem uma ameaça à continuidade do crescimento da economia. No início da década de 90 do século passado, assim, uma decisão política foi tomada no sentido de buscar-se a introdução de capital privado no setor de infra-estrutura, de modo a propiciar a 97 construção e operação de estradas, pontes, túneis e aeroportos. Ainda Rocha e Horta, ao tratarem das PPPs no continente americano, inferem que o México vem implementando grandes projetos com esse modelo de gestão. Ali os acordos firmados com a iniciativa privada estabelecem particularidades tais como a aquisição do complexo objeto do contrato pela Administração Pública, ou a delegação de serviços públicos ao parceiro privado: 95 COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias público-privadas: relatos de algumas experiências internacionais. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 58. 96 ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev. atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p. 66. 97 COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias público-privadas: relatos de algumas experiências internacionais. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 67. 62 Também o México, desde a metade da década de 90, vem implementando grandes projetos de infra-estrutura com a participação conjunta de empresas privadas e do governo. Os projetos têm sido estruturados de duas formas distintas. Na primeira, o governo obrigase contratualmente a adquirir do parceiro privado um ativo após a sua compleição. O parceiro privado é quem arca com o financiamento de longo prazo dos custos de construção, financiamento esse que pode ou não ser assumido pelo governo a partir da data da compra do ativo. Na segunda, o parceiro público delega a exploração de um serviço público ao parceiro privado, geralmente antecedida da construção ou ampliação de ativos. Tais ativos só se tornam propriedade do parceiro público na hipótese de quebra do contrato ou 98 em casos excepcionais de força maior. A Argentina, Peru, Bolívia, Equador, Colômbia e Costa Rica já possuem algum tipo de experiência na implantação de projetos de PPP. Consoante estudo realizado por Rocha e Horta, em março de 2005, o quadro de projetos utilizando como modelo as parcerias público-privadas no mundo era:99 98 Região Número de Projetos Valor dos Investimentos América do Norte 396 US$ 93 bilhões América Latina 474 US$ 125 bilhões Europa 371 US$ 216 bilhões África e Oriente Médio 125 US$ 40 bilhões Ásia 732 US$ 433 bilhões Total 2.098 US$ 907 bilhões ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev. atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p. 66. 99 ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev. atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p.67. 63 Na opinião daqueles autores, ao analisar-se projetos de PPPs implantados em sede de União Europeia, concluíram pela obtenção de vantagens, tais como aceleração do fornecimento de infraestrutura, rapidez na implantação de projetos, redução de custos, etc.: Analisando historicamente os projetos de PPP no âmbito da União Européia, as Diretrizes da UE apontam as seguintes vantagens: Aceleração do fornecimento de infra-estrutura. Implementação rápida dos projetos. Custos reduzidos na duração total do projeto. Melhor alocação de riscos. Melhor qualidade dos serviços. Aprimoramento da administração pública, já que pode focalizar em seus papéis 100 fundamentais. Vê-se, assim, a implementação desse instituto como um novo instrumento posto à disposição da Administração Pública, no sentido de se atender às demandas sociais impostas pelo progresso dos povos e, ainda, alavancar o progresso das sociedades. É o Estado lançando mão da iniciativa privada com vistas à persecução de seus objetivos sociais. 2.1.2 As parcerias público-privadas no Brasil Assim, o marco normativo das parcerias público-privadas e que as definem no Brasil, junto com o amplo debate doutrinário que anima tal discussão, encontra definição no art. 2º da lei 11.079/2004, onde Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. Conforme asseveram Rocha; Horta, o objetivo é tornar um determinado projeto economicamente mais eficiente: Parceria Público-Privada é uma forma de contratação de determinadas atividades tradicionalmente oferecidas pelo setor público, por meio da qual a Administração Pública contrata uma ou mais empresas privadas, com a finalidade de, por exemplo, construir e administrar estradas, presídios, estações de tratamento de água e esgoto, hospitais, escolas e outros serviços de utilidade pública. Ao levar em conta as potencialidades de cada um dos parceiros, a 100 ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev. atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p.67. 64 estruturação de projetos como PPP’s possibilita a consecução do 101 objeto do contrato de forma economicamente mais eficiente. No contexto brasileiro, esse princípio da eficiência acima citado foi inserido na Constituição Federal de 1988 por meio da emenda constitucional n.º 19, de 04/06/1998, e trouxe, ainda, um alinhamento do Poder Público Administrador à nova ordem econômica internacional, consoante assevera Leal: O que ocorre, é que a mesma emenda não indicou quais os critérios e indicadores para aferir tal eficiência, mas, por certo, eles serão fornecidos pela iniciativa privada, com o explícito intento de instituir um discurso de fragilização ainda maior da máquina estatal e justificar 102 o projeto de privatização do espaço público. Rocha e Horta reafirmam que essa incapacidade do Estado em fazer frente a grandes projetos, essenciais às demandas da sociedade, fez com que se buscasse o apoio do setor privado: O Estado incapaz de realizar sozinho, os investimentos necessários à implementação de grandes projetos, essenciais ao cumprimento de sua finalidade, requer o auxílio do setor privado, abrindo a este, possibilidades de negócios tornados economicamente atrativos em 103 razão da participação do próprio Estado. Sundfeld nos diz que o tema das PPPs surge no Brasil com a implantação do programa de Reforma do Estado desenvolvido nos anos 1990, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (e o então ministro de Estado Bresser-Pereira, conforme tratamos no primeiro capítulo deste trabalho), com a política de privatizações, a flexibilização dos monopólios públicos e políticas de estímulos ao terceiro setor: 101 ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev. atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p. 18. 102 LEAL, Rogério Gesta. Administração Pública e Constituição no Brasil. Disponível em: http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigo-administracao-publica-e.html acesso em 10 jul. 2012. 103 ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev. atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p. 18. 65 O tema surgiu com o programa de Reforma do Estado desenvolvido no Brasil a partir do início da década de 90 do século passado e que teve seu ápice no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), com a privatização de grandes empresas federais, a flexibilização de monopólios de serviços públicos e o estímulo ao 104 Terceiro Setor. Ao definir parceria público-privada, Justen Filho aduz que trata-se de uma relação organizacional efetivada entre o Estado e o setor privado, com características diferenciadas, em relação aos outros modos de contratações públicas: parceria público-privada é um contrato organizacional, de longo prazo de duração, por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pública e (ou) prestar serviço público, com ou sem direito à remuneração, por meio da exploração da infra-estrutura, mas mediante uma garantia especial e reforçada prestada pelo Poder Público, utilizável para a obtenção de recursos no mercado 105 financeiro . Para Meirelles, as PPPs surgem como uma nova forma de participação do setor privado nas áreas de infraestrutura do país: É uma nova forma de participação do setor privado na implantação, melhoria e gestão da infra-estrutura pública, principalmente nos setores de rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, energias etc., como alternativa à falta de recursos estatais para investimentos nessas 106 áreas. Na esteira de diversos outros países, o Brasil regulamentou, então, o instituto das parcerias público-privadas. Nesse sentido, assevera Di Pietro que, seguindo o Direito europeu, nosso país normatizou o assunto: Mais uma vez sob inspiração do direito estrangeiro, em especial do direito comunitário europeu, o direito brasileiro, pela Lei nº 11.079, de 30.12.2004, cria novas modalidades de contratos administrativos, a concessão patrocinada e a concessão administrativa – sob o título de parcerias público-privadas – PPP. Pela justificativa que acompanhou o projeto de lei ao Congresso Nacional, verifica-se que os objetivos são o de suprir a falta de disponibilidade de recursos financeiros, aproveitar a eficiência do setor privado, obter investimentos que 104 SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: Parcerias públicoprivadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 15/16. 105 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 549 106 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed. São Paulo - Malheiros: 2006. 66 supram as demandas desde as áreas de segurança pública, 107 saneamento básico até as de infra-estrutura viária ou elétrica. Conforme Freitas, as PPPs surgiram como alternativas válidas, em resposta ao esgotamento da infraestrutura brasileira: No contexto brasileiro, - sem prejuízo de imprescindíveis ajustes normativos e dos novos passos na redefinição do ambiente regulatório-, as parcerias público-privadas (PPPs) surgem como alternativas válidas para a congestionada infra-estrutura, uma vez que a economia corre riscos se alcançar o crescimento robusto do qual o país carece. As PPPs brasileiras configuram modalidades peculiares de ajuste do Poder Público, mas, devidamente observadas, são versões “blindadas” dos contratos administrativos já conhecidos. Teria sido juridicamente viável, embora menos impactante na esfera política, realizar ajustes e retoques às atuais 108 Leis de Concessões e de Licitações. Entretanto, as parcerias público-privadas no Brasil, antes de serem disciplinadas em nível federal já haviam sido normatizadas no âmbito de alguns estados, como Minas Gerais (o pioneiro nesse aspecto), Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e Amazonas. Sundfeld relata que teve intensa participação no processo de criação do marco legal das PPPs no Brasil: No segundo semestre de 2002 o autor estudou, para o Ministério do Planejamento, quais as possíveis dificuldades dos programas de PPP no Brasil. Sua conclusão foi no sentido de que, embora muitas formas de parcerias já fossem juridicamente viáveis, havia necessidade de uma nova lei nacional, que complementasse a Lei de Concessões, bem como de criar uma estrutura orgânica da Administração Federal para cuidar do programa. Então, apresentou para debates a primeira proposta de texto normativo, que deu início à consideração do assunto pelo Governo Federal. Em seguida o autor elaborou para o Estado de Minas Gerais, já sob o comando do governador Aécio Neves, a proposta para a lei mineira de PPP, assessorando as negociações que permitiram sua aprovação. Por fim, no segundo semestre de 2004, tendo analisado os substitutivos ao projeto de lei federal sob consideração do Senado, o autor formulou incisiva crítica. [...] Suas ponderações e sugestões acabaram aceitas e serviram de 107 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Reflexões sobre as Parcerias Público-Privadas. Carta Forense. 20/10/2009. Disponível em: http://www.azevedosette.com.br/ppp/artigos/exibir/reflexoes_sobre_as_parcerias_publicoprivadas/6. Acesso em 01 jun. 2012. 108 FREITAS, Juarez. O novo modelo de parcerias publico-privadas (pps) no Brasil: características e regulação. Disponível em: http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/2406/1/AD9-21.pdf acesso em 30 jul 2012. 67 base para a elaboração de um novo texto, que também incorporou outras preocupações, tanto do Governo quanto da Oposição, [...]. 109 Assim se chegou à Lei 11.079/2004 – a Lei das PPPs. Quanto à questão da legitimidade constitucional da normatização das PPPs pelos estados e municípios, Mukai é taxativo ao afirmar que tais normas são constitucionais: Não temos, de nossa parte, dúvida nenhuma em afirmar a constitucionalidade dessas leis. Em primeiro lugar, porque se trata de matéria de direito administrativo e, portanto, o tema recai sobre a competência privativa de cada ente federativo. Destarte, as leis estaduais que criaram as PPPs são constitucionais, posto que podem e têm fundamento no art. 25, que dá competência aos Estadosmembros para atuar (e legislar) em tudo que não lhes seja vedado pela Constituição (1º). Os Municípios, se quiserem, podem instituir as 110 PPPs com fundamento no art. 30 da CF, em especial incs. I e II. Em 2004 foi publicada a Lei federal nº 11.079111, que instituiu as normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pública. Essa Lei prevê duas modalidades de concessão: a patrocinada e a administrativa. Conforme Di Pietro, a justificativa que acompanhou o projeto de lei no Congresso tinha por objetivos suprir a falta de recursos financeiros estatais. Entretanto, em uma das modalidades (concessão patrocinada), a contribuição do poder público ao setor privado pode chegar a 70% da remuneração total, podendo ainda superar esse percentual se houver autorização legislativa: Esses objetivos podem ser verdadeiros, mas são desmentidos pelo fato de que a lei aprovada prevê duas modalidades de parceria em 109 SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: Parcerias públicoprivadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 17. 110 MUKAI, Toshio; Sylvio Thoshiro Mukai...[et al.]. Parcerias público-privadas: comentários à Lei Federal nº 11.079/04, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e à Lei Municipal de Vitória/ES. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 01. 111 Ao final de dezembro de 2004, após amplos debates, inclusive em virtude de que vários estados já haviam normatizado o assunto, o Congresso Nacional aprovou a Lei das PPPs. O processo legislativo só deslanchou quando o próprio governo viabilizou apresentação de um novo texto, no âmbito da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Aí, o assunto foi rapidamente votado no Senado e na Câmara dos Deputados, e surgiu, em 30.12.2004, a lei das PPPs. SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005.p.16. 68 que a forma de remuneração abrange, total ou parcialmente, a contribuição pecuniária do poder público. Na concessão patrocinada, essa contribuição, que pode chegar a 70% da remuneração total garantida ao parceiro privado (podendo superar esse montante se houver autorização legislativa) soma-se à tarifa cobrada do usuário. 112 Em pensamento diverso, Rocha;Horta entendem que sem a participação do poder público não haveria interesse do parceiro privado: As PPP’s servem primordialmente para a contratação de projetos de grande porte, em que haja a necessidade de investimentos consideráveis (que não podem ser suportados exclusivamente pelo Estado) e que, em contrapartida, não geram, por si só, receitas suficientes para torná-los atrativos à iniciativa privada sem a atuação 113 do Estado. Averbuch corrobora esse pensamento ao inferir que as vantagens em se utilizar as PPPs seriam as de se viabilizar projetos que não sejam atrativos pela ótica privada, onde então o Estado efetiva também sua participação; a reavaliação dos projetos no surgimento de problemas ainda na fase preparatória também é uma ferramenta positiva; a transparência dos trabalhos vem ao encontro das linhas gerais da Administração Pública; o alívio nas contas públicas e a previsibilidade dos gastos também são aspectos importantes, e a gestão do serviço a cargo do parceiro privado, ficando à Administração Pública o encargo da fiscalização dessa gestão: Vantagens das PPPS: viabilizar projetos que financeiramente não são atrativos sob o enfoque privado, mas são economicamente viáveis sob a ótica pública; antecipação e correção de problemas durante a modelagem do projeto; transparência nas contratações e na prestação dos serviços (divisão de riscos); o alívio nas contas 114 públicas; a previsibilidade dos gastos e a gestão. 112 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Reflexões sobre as Parcerias Público-Privadas. Carta Forense. 20/10/2009. Disponível em: http://www.azevedosette.com.br/ppp/artigos/exibir/reflexoes_sobre_as_parcerias_publicoprivadas/6. Acesso em 01 jun. 2012. 113 ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev. atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p. 18. 114 AVERBUCH, Isaac Pinto. Parcerias Público-Privadas Conceito e Aplicações. Fortaleza: 2009. Disponível em: 69 A Constituição Federal, em seu art. 24, prevê as regras de competência concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal, estabelecendo quais as matérias que deverão ser regulamentadas de forma geral pela União e de maneira específica pelos estados e DF. Dentre as matérias, o inciso I do art. 24 da Carta Magna estabelece a competência concorrente para legislar sobre Direito penitenciário. Nesse diapasão está também o princípio da eficiência da Administração Pública o qual, agregado à legalidade, vem insculpido no art. 37 da Carta Maior. Desta forma, as Assembléias Legislativas de diversos Estados brasileiros editaram normas referentes às parcerias público-privadas como, por exemplo, a lei nº 12.234/2005 do Rio Grande do Sul, a lei nº 9.290/2004 da Bahia, a lei nº 14.868/2003 de Minas Gerais (nesta vem explicitado em seu § 1º, art. 5º a autorização para contratos de parcerias público-privadas na área do sistema penitenciário), entre outras.115 A Lei 11.079/2004 não previu quais áreas estariam sujeitas às PPPs, bem como não determinou nenhuma proibição no sentido de especificar quais campos não poderiam ser objeto daqueles contratos. Antes da normatização federal, a legislação de Minas Gerais, que data de 2003, especificou claramente que a área penitenciária poderia ser objeto de contratação pelo instituto das parcerias público-privadas: Lei 14.868, de 16 de dezembro de 2003. Art. 5º. – Podem ser objeto de parceria público-privada: II – A construção, a ampliação, a manutenção, a reforma e a gestão de instalações de uso público em geral, bem como de terminais estaduais e de vias públicas, incluídas as recebidas em delegação da União; § 1º - As atividades descritas nos incisos do caput deste artigo poderão ser desenvolvidas nas seguintes áreas: IV – De segurança, sistema penitenciário, defesa e 116 justiça . http://congressocgp2009.seplag.ce.gov.br/categoria1/download/download-arqs/20out%20%20Isaac%20Averbuch%20-%20Conceitos%20Gerais%20em%20PPP.pdf/view acessado em 13 jun. 2012. 115 SANTOS, Jorge Amaral dos. A utilização das parcerias público-privadas pelo sistema prisional brasileiro em busca da ressocialização do preso. Uma perspectiva possível. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13906/a-utilizacao-das-parcerias-publicoprivadas-pelo-sistema-prisional-brasileiro-em-busca-da-ressocializacao-do-preso Acesso em 04 jul. 2012. 116 Lei Estadual n.º 14.868/2003 – Estado de Minas Gerais. Disponível em: https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:QsYjQdFYqw0J:portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/fil es.do?evento%3Ddownload%26urlArqPlc%3DLei_Estadual_14868.pdf+lei+14868+mg&hl=pt- 70 Dessa forma, a Lei federal nº 11.079/2004 instituiu as normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pública, prevendo, em seu art. 2º, duas modalidades de concessão: a patrocinada e a administrativa. Quanto às funções jurisdicionais e do poder de polícia, o art. 4º, inc. III da referida Lei é claro no sentido de explicitar a indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado. Todavia, Mukai entende que “a expressão ‘e de outras atividades exclusivas do Estado’, nos tempos atuais, em que se pretende, no Brasil, o desmonte do Estado, é, no mínimo, inócua.”117 Assim, ambas as concessões – patrocinada e administrativa - têm o mesmo objeto, qual seja, a prestação de serviços públicos pelo concessionário ao administrado. A grande diferença dessas “novas” concessões para a concessão dita comum está na forma de remuneração. Na concessão comum o concessionário recebe a remuneração por meio de tarifas advindas do usuário, como a exemplo, as praças de pedágios nas rodovias, e, eventualmente, receitas alternativas não oriundas dos cofres públicos, ao passo que nas concessões patrocinada e administrativa a remuneração inclui um adicional de tarifa que é arcado pela Administração Pública. A concessão patrocinada é, em linhas gerais, semelhante ao regime contratual das concessões comuns (art. 3º, § 1º da lei das PPPs)118, quanto ao BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESg9lMoon3yoQw597a2WATDDqNasFUNxz6PbZOTm5ZX5jzAHQLo7c2vbgqzla2k8igzUrB0rTyU30LvdJO pNJoqRn5a81bYMo3AYF-I5NxQjJ1H__9n7GnmNaHO2aZlOLmVV1S&sig=AHIEtbTmrGOlc7byk9PpTgKZJl7PDM2SwA acesso em 29 jun. 2012. 117 MUKAI, Toshio; Sylvio Thoshiro Mukai...[et al.]. Parcerias público-privadas: comentários à Lei Federal nº 11.079/04, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e à Lei Municipal de Vitória/ES. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 08. 118 o Lei 11.079/2004. Art. 3º, § 1º- § 1 As concessões patrocinadas regem-se por esta Lei, o aplicando-se-lhes subsidiariamente o disposto na Lei n 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e 71 teor do contrato, encargos de concedente e concessionário, bem como a intervenção e extinção do contrato. Porém, traz algumas diferenças com relação à concessão comum, como as previstas no art. 5º da lei das PPPs. 119 Assim, são elas, as previstas no inc. I (prazos mínimo e máximo de vigência) e V (relativo à inadimplência pecuniária do concedente), e o § 1º do art. 5º que cria para o concessionário um direito à homologação tácita do reajuste ou correção do preço, o qual não existe nas outras modalidades de contratos administrativos. Já o § 2º do art. 5º autoriza a inserção de cláusulas contratuais para proteger os agentes financeiros que tenham contratado, com o concessionário, o financiamento do projeto. Sundfeld diz que esse parágrafo serve para defender os interesses estatais: Na realidade brasileira, o preceito tende a defender, sobretudo, os interesses de uma entidade estatal, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é o grande financiador desse tipo de projetos. As medidas podem incluir a assunção do controle societário do concessionário diretamente pelo Banco, para promover a reestruturação do negócio (art. 5º, § 2º, I), bem como o pagamento diretamente a ele, pelo concedente ou entidade garantidora, tanto de faturas de serviços (art. 5º, § 2º, II) como de indenizações pela extinção antecipada (art. 5º, § 2º, III), nas leis que lhe são correlatas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2004/lei/l11079.htm acessado em 06 jul. 2012. 119 o Art. 5 As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. o 23 da Lei n 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: I – o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 05 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação; [...] V – os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos o serviços; [...] § 1 As cláusulas contratuais de atualização automática de valores baseadas em índices e fórmulas matemáticas, quando houver, serão aplicadas sem necessidade de homologação pela Administração Pública, exceto se esta publicar, na imprensa oficial, onde houver, até o prazo de 15 (quinze) dias após apresentação da fatura, razões fundamentadas o nesta Lei ou no contrato para a rejeição da atualização. § 2 Os contratos poderão prever adicionalmente: I – os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, não se aplicando para este efeito o previsto no inciso I do parágrafo o único do art. 27 da Lei n 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; II – a possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da Administração Pública; III – a legitimidade dos financiadores do projeto para receber indenizações por extinção antecipada do contrato, bem como pagamentos efetuados pelos fundos e empresas estatais garantidores de parcerias público-privadas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm acessado em 06 jul. 2012. 72 servindo tais pagamentos à quitação, parcial ou total, das 120 obrigações financeiras do concessionário com o Banco. Outra diferença quanto às concessões comuns diz respeito às garantias de adimplemento das obrigações pecuniárias do concedente, previstas no art. 6º da lei das PPPs. o Art. 6 A contraprestação da Administração Pública nos contratos de parceria público-privada poderá ser feita por: I – ordem bancária; II – cessão de créditos não tributários; III – outorga de direitos em face da Administração Pública; IV – outorga de direitos sobre bens públicos dominicais; V – outros meios admitidos em lei. Parágrafo único. O contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no 121 contrato. Ao final, a previsão de que a concessão patrocinada só poderá ser outorgada para entidades tipo “sociedade de propósito específico”, isto é, aquela criada exclusivamente para o fim a que se destina, conforme o art. 9º da lei das PPPs. Quanto à concessão administrativa, esta se submete ao mesmo regime das concessões patrocinadas, havendo diferenças quanto à matéria tarifária, a qual não existe neste tipo de concessão, pois aqui o concessionário não recebe tarifas dos usuários e sim remuneração do parceiro público. No que se refere às atividades estatais indelegáveis e que, por isso, não podem ser objeto de PPPs, conforme o art. 4º, III, da lei das PPPs 122, não podem ser atribuídas ao parceiro privado as “funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas 120 SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: Parcerias públicoprivadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 37. 121 Lei 11.079/2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2004/lei/l11079.htm acesso em 17 jul. 2012. 122 o Lei 11.079/2004. Art. 4 Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: [...] III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm acessado em 06 jul. 2012. 73 do Estado”. Entretanto, consoante o pensamento de Sundfeld, a expressão “poder de polícia” é muito imprecisa em seu sentido jurídico, dando margem a vários entendimentos: Há, porém, larga margem para discussão quanto ao sentido da expressão “exercício do poder de polícia”, que é tudo menos precisa na linguagem jurídica. A melhor tendência é a de interpretá-la como sinônimo de “exercício do poder de autoridade”, isto é, de coação (exemplo: o de apreender veículos irregulares nas estradas). Ademais, a indelegabilidade também ficou vinculada a um conceito em branco (“outras atividades exclusivas do Estado”), cujo preenchimento depende de categorias – de resto, bastante polêmicas 123 – que não se encontram na Lei das PPPs). Quanto às características dos contratos das PPPs brasileiras, entre outras, Freitas aduz que: o parceiro privado visa lucro; os riscos são compartilhados; há o oferecimento de garantias ao parceiro privado; prazos mais longos que os contratos comuns; valores altos.124 Verificamos, ainda, que a indelegabilidade de determinadas atividades estatais, no concernente às parcerias público-privadas, é tema de amplos debates e de opiniões diversas, devido à complexidade e profundidade do assunto, o que trataremos a seguir. 2.2 As parcerias público-privadas e a (in)delegabilidade do exercício da atividade administrativa penitenciária A delegabilidade de serviços penitenciários, como objeto de parceira público-privada, é tema controverso, despertando opiniões das mais diversas 123 SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: Parcerias públicoprivadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 38. 124 (a) a PPP e um contrato entre parceiros público e privado, no qual necessariamente o último visa a obtenção de lucro, de modo que estão afastadas desse regime as parcerias (em sentido amplo) estabelecidas, por exemplo, com o denominado terceiro setor, tais como os termos celebrados com as organizações da sociedade civil de interesse público. [...] (z) a PPP apresenta determinados limites variando, ao menos em alguns casos, conforme o IDH. FREITAS, Juarez. O novo modelo de parcerias publico-privadas (pps) no Brasil: características e regulação. Disponível em: http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/2406/1/AD-9-21.pdf acesso em 30 jul. 2012. 74 acerca do assunto. Há entendimentos no sentido favorável e em contrário. O objeto do trabalho aqui, não se faz na intenção de exaurir o tema e sim no intuito de provocar o debate no sentido de se sugerir um caminho que traga ganhos à sociedade. No contexto internacional, a administração privada de estabelecimentos penitenciários é uma realidade rotineira. Inglaterra, França, Estados Unidos, Chile e Austrália são exemplos dessa constante. Existem cerca de 200 presídios privados no mundo, sendo a metade deles nos Estados Unidos. O início da experiência americana com a privatização de presídios se deu na década de 1980, sendo que hoje esse modelo penitenciário atende 7% dos condenados. Já na Inglaterra 10% da população carcerária está em penitenciárias com administração terceirizada. Na Austrália, que é a recordista mundial, esse percentual sobe para 17%. África do Sul, Canadá, Bélgica e Chile também aderiram à privatização. Um levantamento do governo australiano mostra que um preso em regime privatizado pode custar menos que na cadeia pública – na primeira o custo cai de US$ 55 mil para US$ 34 mil.125 Para os donos dos presídios, os números da privatização nos Estados Unidos sugerem que o negócio não é ruim. O valor de mercado da Correction Corporation of America, a maior empresa do ramo, saltou de US$ 200 milhões para US$ 1 bilhão em cinco anos.126 Nos EUA o processo é realizado com a contratação de parceiros privados para a construção e a administração empresarial de complexos penitenciários, e o Estado efetiva a remuneração, ao parceiro privado, pelo número de presos ou vagas contratadas. Já na Inglaterra, as PPPs prisionais foram adotadas em resposta ao colapso enfrentado pelo setor ao final da 125 SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro Acesso em 02 jul. 2012. 126 Idem. 75 década de 1980, quando então, por meio de consórcios com empresas privadas, foram construídas nove penitenciárias, albergando assim 15 mil presos em uma população carcerária de 65 mil apenados.127 No Brasil, com o advento da reforma administrativa realizada na década de 1990, sob a égide do neoliberalismo que pregava a redução do aparelho do Estado tido como inoperante e ineficiente, nas mais diversas atividades, a polícia administrativa será afetada pelo ímpeto privatizante da celebração e expansão das parcerias com o setor privado.128 Na realidade brasileira, então, existem os modelos de gestão compartilhada - aquele onde o Estado terceiriza determinados serviços no ambiente prisional, como os de manutenção do sistema, a exemplo de fornecimento de refeições (cozinhas), uniformes, e os de prestação de serviços como ensino, saúde, de profissionais jurídicos e ainda em matéria trabalhista; e o modelo de parcerias público-privadas, onde existem dois projetos em andamento (complexo penitenciário de Ribeirão das Neves – MG e complexo prisional de Itaquitinga – PE), ambos ainda em fase de implantação. 2.2.1 A atividade administrativa penitenciária como poder de polícia Para Sundfeld a celeuma reside em se saber quais tarefas não podem ser objeto de concessão ao parceiro privado, já que a Lei das PPPs (art. 4º, III) ao regulamentar expressamente as funções estatais indelegáveis, utilizou-se de alguns conceitos abertos: “indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado”: Ademais, a indelegabilidade também ficou vinculada a um conceito em branco (“outras atividades exclusivas do Estado”), cujo preenchimento depende de categorias – de resto, bastante polêmicas 127 Ibidem. OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Parcerias público-privadas: indelegabilidade no exercício da atividade administrativa de polícia e na atividade administrativa penitenciária. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 412. 128 76 – que não se encontram na Lei das PPPs. Hipótese a respeito da qual os debates têm sido intensos é a PPP para serviços penitenciários. Em tese, estes podem ser contratados por meio de concessão administrativa. Mas quais tarefas podem ser cometidas ao concessionário? Embora os termos da lei não resolvam as dúvidas, parece que eles excluem a possibilidade de a concessão envolver tanto o policiamento das muralhas como a direção da disciplina do 129 presídio. Nesse sentido, conforme o art.4º, III, da Lei das PPPs, a atuação relativa às funções de regulação, jurisdicional, do poder de polícia e outras exclusivas do Estado são indelegáveis à iniciativa privada. Tais competências são típicas estatais, consoante o pensamento de Guimarães: A questão é clássica. Referidas competências caracterizam-se, desde sempre, como funções típicas estatais indelegáveis à gestão privada, por traduzirem atividades que pressupõem o exercício do poder estatal destinado à realização de valores fundamentais. A orientação pressupõe o conteúdo do princípio da República, que impõe a reserva de poderes instrumentais à satisfação do interesse do povo nas mãos 130 do Estado. As atividades de aplicação do Direito, do uso da força e da manifestação de tributos, ou seja, aquelas que manifestam o poder de império do Estado são por si só, indelegáveis. Logo, a possibilidade da implantação de parcerias público-privadas em atividades administrativas de condicionamento de direitos fundamentais, tradicionalmente denominadas sob o rótulo “de poder de polícia”,131 não pode ser efetivada. 129 SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: Parcerias públicoprivadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 38. 130 GUIMARÃES, Fernando Vernalha. As parcerias público-privadas e a transferência de atividades de suporte ao poder de polícia – em especial, a questão dos contratos de gestão privada de serviços em estabelecimentos prisionais. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 386. 131 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Parcerias público-privadas: indelegabilidade no exercício da atividade administrativa de polícia e na atividade administrativa penitenciária. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 407. 77 Já Mukai, ao comentar a Lei das PPPs infere que “a expressão ‘e de outras atividades exclusivas do Estado’, nos tempos atuais, em que se pretende, no Brasil, o desmonte do Estado, é, no mínimo, inócua”.132 Ademais, conforme o entendimento de Guimarães, a indelegabilidade de determinadas atividades se concerne àquelas funções que se traduzem em competências decisórias voltadas à ordem pública, onde se admite e se aceita o uso da força: No campo das atividades administrativas essa limitação alcança as competências decisórias vocacionadas à disciplina e manutenção da ordem pública, que se servem do uso da força para impor (dentro dos parâmetros normativamente estabelecidos) condicionamentos e restrições à propriedade e liberdade privados. São competências que 133 decorrem da chamada “função de polícia”. A atividade do “poder de polícia” se traduz, suscintamente, naquela em que o Estado, utilizando-se de seus poderes imperativos e coercitivos voltados à manutenção da ordem pública, a qual se justifica, em última análise, na persecução do “bem comum” da sociedade não está autorizado a delegar ao setor privado, pois aquela atividade está justificada em decorrência da legitimidade do poder público. O Estado detém o monopólio da violência e só por ele esta é justificável. Guimarães bem traduz essa concepção com a justificativa de que o poder de polícia e, em derradeira análise, o uso da violência como ferramenta de uso consequente e não causal, é utilizado na busca do atendimento dos interesses da sociedade, portanto não pode se fazer objeto de delegação: 132 MUKAI, Toshio; Sylvio Thoshiro Mukai...[et al.]. Parcerias público-privadas: comentários à Lei Federal nº 11.079/04, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e à Lei Municipal de Vitória/ES. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 8. 133 GUIMARÃES, Fernando Vernalha. As parcerias público-privadas e a transferência de atividades de suporte ao poder de polícia – em especial, a questão dos contratos de gestão privada de serviços em estabelecimentos prisionais. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 387-388. 78 Considere-se, ainda, que, como instrumento para a melhor realização desse poder à luz do atendimento a valores fundamentais, o Estado monopoliza a violência. Esta tem caráter instrumental àquele; será sempre sua consequência, nunca sua causa. [...] Uma das atribuições do Poder, portanto, está em decidir acerca do uso (instrumental) da violência. [...] Portanto, só o Estado poderá decidir acerca do uso da 134 violência. Ve-se que, como a violência é monopólio estatal, o exercício desta por particulares transformar-se-ia em um desequilíbrio das relações privadas entre cidadãos, o que redundaria em desigualdade social. Oliveira entende que o sistema penitenciário não compõe o conjunto de atividades de ordenação administrativa de direitos fundamentais, perfazendose, então, a possibilidade de se tornar objeto de contratação de ente privado: Na espécie, o aparelho administrativo cumpre uma atividade administrativa, como qualquer outra, imposta por lei, com a especificidade de estar diretamente vinculada à execução penal, ou seja, execução de provimentos editados no exercício do poder jurisdicional na área criminal, conforme deixa claro o art. 1º da Lei de Execução Penal – Lei 7.210/1984 -, fazendo-se através dos estabelecimentos penais, supervisionados pelos Departamentos Penitenciários, considerados órgãos da execução penal (art. 61 da 135 Lei 7.210/1984) e integrantes d organização administrativa. Dessa forma, os limites dessa delegabilidade ao parceiro privado se estabelecem ao se verificar a delimitação das atividades vinculadas à execução penal, sendo esta o resultado do exercício da função jurisdicional criminal.136 Nesse contexto, tratar de contratação administrativa pressupõe a nítida separação de atos de jurisdição em face dos atos de 134 GUIMARÃES, Fernando Vernalha. As parcerias público-privadas e a transferência de atividades de suporte ao poder de polícia – em especial, a questão dos contratos de gestão privada de serviços em estabelecimentos prisionais. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 389. 135 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Parcerias público-privadas: indelegabilidade no exercício da atividade administrativa de polícia e na atividade administrativa penitenciária. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 426-427. 136 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Parcerias público-privadas: indelegabilidade no exercício da atividade administrativa de polícia e na atividade administrativa penitenciária. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 426-427. 79 administração. Acantonados estes atos, a análise seguinte envolve necessariamente a distinção, dentro da atividade administrativa, da parcela da função administrativa prisional que afeta o direito de liberdade do preso, na qual a administração atua mediante coerção 137 na produção de atos jurídicos e materiais. Nesse diapasão, Oliveira infere que a irremissível presença da coerção sobre a liberdade, além de demonstrar caráter restritivo de direitos fundamentais, aproxima a atividade administrativa prisional da atividade de ordenação de direitos, abrangente do poder de polícia. Seguindo esse raciocínio, tem-se que a função administrativa prisional abarca atos materiais, estando estes divididos em atos que incidem diretamente sobre o apenado, como a exemplo dos atos disciplinares (art. 53 da Lei 7.210/1984 - Lei de Execução Penal) e atos de gestão penitenciária, como assistência material ao apenado (alimentação, vestuário, instalações, saúde, assistência jurídica e social, assistência ao egresso e oferta de trabalho - art. 12, 14, 15, 22, 25 e 28 da Lei 7.210/1985 – Lei de Execução Penal). Dessa forma, Oliveira afirma que somente as atividades materiais de gestão podem ser objeto de concretização via parceria público-privada, pois nesta seara administrativa da persecução penal são essas as atividades que não estão diretamente ligadas à função jurisdicional ou ao poder de polícia do Estado. Como apenas as atividades materiais de gestão não se concretizam via atos jurídicos e atos materiais coercitivos relativamente à esfera jurídica titularizada pelos presos, somente elas podem ser legitimamente objeto de contratação de prestação de serviços com entes privados, além da construção da obra do próprio 138 estabelecimento penal. 137 Idem. OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Parcerias público-privadas: indelegabilidade no exercício da atividade administrativa de polícia e na atividade administrativa penitenciária. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 429. 138 80 Ainda, albergado no art. 4º, II, da própria Lei 11.079/2004, que expressa a observância do respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços, Oliveira assevera que, no sistema penitenciário, o direito público subjetivo do preso de não se submeter a qualquer tipo de coação privada ilegítima não pode ser desconhecido.139 Outros pressupostos a serem observados no tocante à contratação de PPPs referem-se ao princípio da economicidade, insculpido no art. 70 da Constituição Federal, mandamento intrínseco do princípio da eficiência (art. 37, CF), e que vem expresso no art. 4º, VII, da Lei das PPPs140, quando esta estabelece como diretriz das PPPs a sustentabilidade financeira, e ainda a demonstração das vantagens sócio-econômicas dos projetos de parceria. 2.2.2 A privatização penitenciária na realidade brasileira O Brasil vem experimentando modelos de gestão compartilhada de presídios em diversos estados, trazendo essas experiências resultados positivos e negativos. O pioneiro na implantação desse sistema foi o estado do Paraná, com a Penitenciária Industrial de Guarapuava, em 1999. Esse estabelecimento prisional, com capacidade para 240 presos, tinha o objetivo de cumprir as metas de ressocialização do interno e a interiorização das unidades penais (preso próximo da família e local de origem), proporcionando ao preso trabalho e profissionalização, viabilizando, além de melhores condições para sua reintegração à sociedade, o benefício da redução da pena (remição). No barracão da fábrica na área da penitenciária trabalhavam 70% dos internos, que recebiam como remuneração 75% do salário-mínimo. Os custodiados que 139 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Parcerias público-privadas: indelegabilidade no exercício da atividade administrativa de polícia e na atividade administrativa penitenciária. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 431. 140 o Art. 4 Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: VII – sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm acesso em 17 jul. 2012. 81 não estavam implantados no canteiro da fábrica trabalhavam em outros locais, tais como: faxina, cozinha, lavanderia e embalagens de produtos. Esses canteiros funcionavam em 03 turnos de 6 horas, possibilitando que todo o tratamento penal (atendimento jurídico, psicológico, médico, serviço social, odontológico, escola, atividade recreativa) fosse executado no horário em que o interno não estivesse trabalhando.141 Nesse modelo de co-gestão o Estado terceiriza alguns serviços ao parceiro privado, tais como: refeições, uniformes, lavanderia, parcerias para emprego de detentos (regime semi-aberto), entre outros. As experiências nacionais de co-gestão estão em algumas penitenciárias do Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo e Santa Catarina. O Estado contrata com a iniciativa privada, por um período de até cinco anos, a gestão de serviços prisionais para a empresa privada realizar a administração interna, da cozinha aos agentes penitenciários.142 D’Urso enfatiza que a privatização de penitenciárias é um caminho viável ante a realidade prisional brasileira, tendo como exemplo o modelo francês de gestão prisional: Registro que sou amplamente favorável à privatização, no modelo francês e as duas experiências brasileiras, uma no Paraná há um ano e outra no Ceará, há dois meses, há de se reconhecer que são um sucesso, não registram uma rebelião ou fuga e todos que orbitam em torno dessas unidades, revelam que a ‘utopia’ de tratar o preso adequadamente pode se transformar em realidade no Brasil. [...] Das modalidades que o mundo conhece, a aplicada pela França é a que tem obtido melhores resultados e testemunho que, em visita oficial aos estabelecimentos franceses, o que vi foi animador.[...]De minha parte, não me acomodo e continuo a defender essa experiência no 141 SANTOS, Jorge Amaral dos. A utilização das parcerias público-privadas pelo sistema prisional brasileiro em busca da ressocialização do preso. Uma perspectiva possível. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13906/a-utilizacao-das-parcerias-publicoprivadas-pelo-sistema-prisional-brasileiro-em-busca-da-ressocializacao-do-preso Acesso em 04 jul. 2012. 142 SANTOS, Jorge Amaral dos. A utilização das parcerias público-privadas pelo sistema prisional brasileiro em busca da ressocialização do preso. Uma perspectiva possível. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13906/a-utilizacao-das-parcerias-publicoprivadas-pelo-sistema-prisional-brasileiro-em-busca-da-ressocializacao-do-preso Acesso em 04 jul. 2012. 82 Brasil, até porque não admito que a situação atual se perpetue, gerando mais criminalidade, sugando nossos preciosos recursos, 143 para piorar o homem preso que retornará, para nos dar o troco!” Esse modelo francês de privatização do sistema prisional teve início em 2004, com uma série de licitações voltadas à construção de 30 estabelecimentos, criando assim 13.200 novas vagas. O projeto foi orçado em 1,4 bilhão de euros e houve a implantação de um sistema de co-gestão, onde o Estado e o grupo privado realizam o gerenciamento e a administração conjuntos do complexo penitenciário. Nesse modelo o Estado indica o DiretorGeral do estabelecimento, a quem compete o relacionamento com o juízo da execução penal e a responsabilidade pela segurança interna e externa da prisão. A empresa privada encarrega-se de promover o trabalho, a educação, o transporte, a alimentação, o lazer, bem como a assistência social, jurídica, espiritual e a saúde física e mental do preso, vindo então a receber do Estado uma quantia por preso/dia para a execução desses serviços.144 Sussekind, ao tratar do tema como secretária nacional de Justiça, refere que os presídios privados são mais eficazes, principalmente quanto à questão mais neural do sistema, qual seja, a ressocialização do apenado: Um agente penitenciário corrupto, se for público, no máximo é transferido. Se for privado, é demitido na hora. [...] Fui secretária e cansei de entregar alvará de soltura a quem ficou preso por quatro anos e saiu da cadeia sem saber assinar o nome. Eles colocavam a 145 digital no alvará porque o Estado foi incapaz de alfabetizá-los. Ainda, Gomes declara que a terceirização é eficaz, no sentido se privatizar apenas alguns setores, permanecendo o poder de polícia sob a alçada estatal: 143 D’URSO, Luíz Flávio Borges. Pração Das Prisões Mais Uma Vez A Polêmica. Disponível em: http://www.oabms.org.br/noticias/lernoticia.php?noti_id=137 Acesso em 03 jul. 2012. 144 SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro acesso em 02 jul. 2012. 145 Revista Época, Privatizar Resolve? Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG76972-6009,00PRIVATIZAR+RESOLVE.html Acesso em 03 jul. 2012. 83 Sou contrário a uma privatização total e absoluta dos presídios. Mas, temos duas experiências no país de terceirização, terceirizou-se apenas alguns setores, algumas tarefas. Essas experiências foram no Paraná e no Ceará, experiências muito positivas. [...] Há uma empresa cuidando da alimentação de todos, dando trabalho e remunerando nesses presídios, que possuem cerca de 250 presos cada um. O preso está se sentindo mais humano, está fazendo pecúlio, mandando para a família e então está se sentindo útil, humano. Óbvio que este é o caminho. Sou favorável à terceirização 146 dos presídios. Para Capez a situação da realidade prisional brasileira não deixa margem a escolhas, entendendo que o caminho da privatização é o mais viável, tornando-se, por conseguinte, uma necessidade social: É melhor que esse lixo que existe hoje. Nós temos depósitos humanos, escolas de crime, fábrica de rebeliões. O estado não tem recursos para gerir, para construir os presídios. A privatização deve ser enfrentada não do ponto de vista ideológico ou jurídico, se sou a favor ou contra. Tem que ser enfrentada como uma necessidade absolutamente insuperável. Ou privatizamos os presídios; aumentamos o número de presídios; melhoramos as condições de vida e da readaptação social do preso sem necessidade do investimento do Estado, ou vamos continuar assistindo essas cenas que envergonham nossa nação perante o mundo. Portanto, a privatização não é a questão de escolha, mas uma necessidade 147 indiscutível, é um fato. Em estudo recente sobre o tema das privatizações de penitenciárias, ao comparar os indicadores de desempenho de prisões públicas e terceirizadas dos Estados da Bahia e do Paraná, Cabral e Lazarini são categóricos ao afirmar que os serviços prisionais oriundos de modelos híbridos (público e privado) auferem resultados mais positivos sob a ótica social: Nossos resultados apontam que as formas híbridas de provisão de serviços prisionais apresentam não apenas melhores custos, mas também melhores indicadores de qualidade em termos de segurança, ordem e nível de serviço oferecido aos detentos. A chave está na 146 GOMES, Luiz Flávio. Direito Público Em Pauta. Entrevistas por Vilbégina Monteiro. DATAVENI@-Entrevistas-Ano VI-Nº 55-março de 2002. Disponível em: http://www.datavenia.net/entrevistas/000012032002.htm Acesso em 03 jul. 2012. 147 CAPEZ, Fernando. Direito Público Em Pauta. Entrevistas por Vilbégina Monteiro. DATAVENI@-Entrevistas-Ano VI-Nº 55-março de 2002. Disponível em: http://www.datavenia.net/entrevistas/000012032002.htm Acesso em 03 jul. 2012. 84 presença do supervisor público, cujo papel é garantir um nível adequado de serviço. Nesse caso, a supervisão pública exercida pelos diretores do presídio inibe eventuais condutas autointeressadas dos operadores privados, evitando a redução dos 148 padrões de qualidade dos serviços acordados. Para Minhoto a terceirização prisional não é o caminho mais adequado na persecução da recuperação do apenado. Assevera que não há estudos comprobatórios de grandes melhorias nesse aspecto, inferindo inclusive que existe uma piora na qualidade dos serviços penitenciários: A grande promessa dos advogados da privatização no Brasil é justamente essa (diminuir custos). A ideia é de que a iniciativa privada, mais eficiente, adote programas de qualidade e de gestão. Dizem que ela já teria sido, em tese, comprovada nos países onde houve implementação do sistema. Digo sinceramente: não há qualquer estudo que comprove isso, aqui ou lá. Reduções de custo, quando existem, são mínimas se comparadas aos gastos dos estabelecimentos públicos. E, em muitas situações, o que parece é que essa diminuição do preço por detento aparece devido à piora na qualidade dos serviços penitenciários. Justamente no que seria o diferencial: na ressocialização, educação, trabalho, saúde e acompanhamento do preso. São tarefas que sofrem piora em função do corte de custos. Os presídios privados são a Gol (empresa de aviação brasileira que barateia passagens e oferece serviço de bordo 149 mais modesto) do setor. No sentido de preservação do poder executório estatal, Damásio observa que determinadas tarefas no ambiente prisional podem ser objeto de delegabilidade, aduzindo, entretanto, certa cautela no sentido de se observar a questão da corrupção nesse tipo de serviço público. A privatização é conveniente desde que o poder de execução permaneça com o Estado. O que é possível é o poder público terceirizar determinadas tarefas, de modo que aqueles que trabalham nas penitenciárias não sejam necessariamente funcionários públicos. 148 CABRAL, Sandro e LAZZARINI, Sérgio. Gestão Privada Com Supervisão Pública. Disponível em: http://www.sergiolazzarini.ibmecsp.edu.br/Gest%C3%A3o%20privada%20com%20supervis%C 3%A3o%20p%C3%BAblica.pdf Acesso em 04 jun. 2012. 149 MINHOTO, Laurindo Dias. A Privatização de Presídios. Entrevista concedida ao jornal A Tribuna, Santos – SP. Disponível em: http://bellatryx.blogs.ie/laurindo-minhoto/ Acesso em 14 jun. 2012. 85 Mas advirto: se fizermos isso, não se abriria caminho para 150 acorrupção? Ainda Minhoto, ao sintetizar o processo de privatização prisional posto em andamento a partir de meados da década de 1980 no mundo, assevera que, além de ser um excelente negócio posto à disposição do capitalismo mundial, se traduz, também, em mais uma demonstração de imposição da força violenta do Estado: A expansão dos presídios privados é mais do que um bom negócio, como nos EUA e na Grã-Bretanha. No contexto brasileiro significa a extensão e reposição, no âmbito do capitalismo global, de um processo histórico preexistente marcado pela violência do Estado e 151 pela barbárie. Ao tratar da questão prisional, Bortolotto assevera que a penitenciária tem de ser um espaço onde o apenado deva fazer o resgate de sua dignidade: O presídio precisa ser um lugar civilizado, como do lado de fora. Ser morto, esquartejado ou morrer de tuberculose não faz parte da pena. Dessa maneira, apenas se reforça o perfil delinquente do apenado. O 152 presídio precisa servir para resgatar a dignidade dessas pessoas. Krischke153 afirma que a segurança pública, questão neural em se tratando de políticas de Estado, se ampara em uma esfera tridimensional, na qual estão estruturadas a polícia, o judiciário e o sistema prisional do país, alertando que na falha de uma dessas estruturas todo o sistema estará comprometido. 150 JESUS, Damásio de. Maioridade penal: Entrevista à revista Problemas Brasileiros. n.º 383 Set/Out 2007, Portal do SESC SP. Disponível em: http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=287&breadcrumb=1&Arti go_ID=4514&IDCategoria=5141&reftype=1 Acesso em 11 jun. 2012. 151 MINHOTO, Laurindo Dias. As prisões do mercado. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452002000100006 Acessado em 10 jun. 2012. 152 BORTOLOTTO, Gilmar. Detentos de facções rivais usavam instituto penal como cemitério. Jornal Zero Hora, edição de 04/08/2012. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/policia/noticia/2012/08/detentos-de-faccoes-rivais-usavaminstituto-penal-como-cemiterio-3843099.html Acesso em 04 ago. 2012. 153 KRISCHKE, Jair. Detentos de facções rivais usavam instituto penal como cemitério. Jornal Zero Hora, edição de 04/08/2012. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/policia/noticia/2012/08/detentos-de-faccoes-rivais-usavaminstituto-penal-como-cemiterio-3843099.html Acesso em 04 ago. 2012. 86 Contudo, há certa positividade acerca da aceitação de parte da Doutrina quanto à instituição das parcerias público-privadas no sistema penitenciário brasileiro. Seja pela situação de abandono do atual complexo prisional do país, o que reflete diretamente na condição do apenado, seja pelas experiências realizadas em âmbito internacional, onde há certos fatores e resultados que tornaram esses empreendimentos positivos sob a ótica do tratamento dispensado ao preso. As parcerias entre o Poder Público e a comunidade são inerentes ao convívio no tecido social. A sociedade civil organizada possui diversas ferramentas e detém possibilidades no sentido de participação na esfera decisória governamental. Nesse sentido, analisamos a seguir as condições e possibilidades da participação ativa da sociedade civil nas Parcerias PúblicoPrivadas do sistema prisional. 2.3 Experiências em parcerias entre o Poder Público e a comunidade: possibilidades de viabilização da participação ativa da sociedade civil nas Parcerias Público-Privadas do sistema prisional. As parcerias público-privadas se traduzem em algo maior que a mera participação da iniciativa privada em ações de interesse público. Consoante o pensamento de Câmara, a expressão “PPPs” busca exprimir uma nova definição dos papéis desempenhados pelos citados personagens (Estado e particulares).154Logo, modelo das PPPs surge como uma alternativa, ou uma ferramenta posta à disposição do administrador público, cuja implementação se restringe às particularidades de cada projeto. Para Leal, a prestação de serviço público decorre do próprio texto constitucional, onde o Estado, que detém a obrigatoriedade e titularidade da efetivação do serviço, o faz diretamente ou por meio de concessão ou permissão (art. 175 C.F.): 154 CÂMARA, Jacintho Arruda. A experiência brasileira nas concessões de serviço público e as parcerias público-privadas. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 165. 87 Neste particular, se o serviço público se afigura como toda atividade cujo desempenho deve ser regulado, assegurado e controlado pelo Poder Público, porque o desempenho dessa atividade é indispensável à realização da interdependência social e de tal natureza que não pode ser assumido senão pela intervenção da força da Administração, assim também ocorre com as formas delegativas da execução destes serviços, e veja-se, tão somente as atividades executórias dos serviços, uma vez que a tarefa de conceber os princípios, objetivos, finalidades e critérios de qualificação e quantificação prévio e permanente do seu oferecimento, pertence 155 sempre ao Estado. Como forma de se operacionalizar os princípios insculpidos no Corpo Constitucional, ao se verificar que a regulamentação normativa dada às parcerias público-privadas (Lei 11.079/2004 e normas correlatas estaduais e municipais) confere instrumentos de participação e controle do serviço a ser prestado, tanto na esfera estatal quanto na seara privada, trataremos das possibilidades de efetivação da participação da sociedade civil organizada nas parcerias público-privadas inerentes ao sistema prisional brasileiro. 2.3.1 A participação social na gestão pública como mandamento Constitucional e Normas infraconstitucionais. O espírito constitucional de 1988 está, notadamente, voltado para os direitos da cidadania e, no dizer de Leal, reconhecendo-a como centro neural de toda ordem social, política, econômica e jurídica156; a prova disso está nos diversos artigos da Carta Maior que tratam dessa temática157. 155 LEAL, Rogério Gesta. O controle social dos serviços públicos no Brasil como condição de sua possibilidade. Disponível em: http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigo-ocontrole-social-dos-servicos.html. Acesso em 20 jun. 2012. 156 Idem 157 Leal trata acerca dos dispositivos constitucionais que comprovam, por si só, a ampla proteção dada pelo constituinte à cidadania. Nesse sentido assevera: (a) o fato do Judiciário apreciar não mais apenas a lesão, mas também qualquer ameaça a direito (com o que se dá berço constitucional ao mandado de segurança preventivo e às ações cautelares em geral) – CF, art.5º, XXXV; (b) o fato das entidades associativas poderem representar seus filiados (judicial e extrajudicialmente) – CF, art 5º, XXI; (c) o reconhecimento jurídico do fenômeno da legitimação coletiva (direta ou substitutiva, conforme o caso), não só no caso do mandado de segurança (CF, art. 5º, LXX), mas também nos pleitos em defesa de direitos e interesses coletivos ou individuais das categorias profissionais (CF, art.8º, III); (d) o fato de elegermos um vetor axiológico da moralidade, no exercício da atividade administrativa, e este ter o controle de sua observância depositado nas mãos do cidadão, que conta, para tanto e exemplificativamente, com o eficaz instrumento da ação popular, ampliada em seu escopo 88 A Constituição Federal, ao normatizar a prestação de serviço público (art. 175 C.F.158) nos faz remeter diretamente às leis 8.666/1993 – Lei das licitações e contratos – e 8.978/1995 – Lei das concessões. Essas legislações trazem em seu bojo vários dispositivos que se traduzem em ferramentas para, em última análise, se fazer respeitar o espírito cidadão inerente à prestação de serviço público e inserido no texto constitucional. Leal aduz que a norma infraconstitucional ampliou as possibilidades de participação do usuário do serviço público na efetivação dos serviços: Em verdade, esta Lei nº 8.987/95 ampliou normativamente as possibilidades de participação efetiva do usuário do serviço público no âmbito de sua concessão ou permissão, fazendo corresponder aos direitos de certidão, petição, reclamação e sugestão (incisos, II, IV, V e VI, do art. 7º, deste diploma), os deveres listados no seu art. 159 29, incisos I, VI, VII e XII. Entretanto, concessionário a (setor relação privado) entre Poder normatizada, concedente (Estado) principalmente, pelas e o leis 8.666/1993 – Lei das licitações e contratos – e 8.978/1995 – Lei das concessões -, se revela em uma relação de verticalidade bastante acentuada, onde o Estado, que em derradeira síntese, representa os interesses sociais, detém preponderância sobre o ente particular advindo daquelas relações. A prova dessa relação de verticalidade está, explicitamente, elencada nas denominadas “cláusulas de privilégio” previstas na Norma, as quais, no dizer pelos termos do art.5º, LXXIII, da Constituição vigente, assim como da ação civil pública; (e) o próprio direito de petição (art.5º, XXXIV, “a”), valioso meio de contraste da atuação administrativa. Isto porque, exercitando-se ele por meio de um processo administrativo, irá diretamente beneficiar-se da extensão, a este conferida, das clássicas e fundamentais garantias do processo judicial: publicidade, contraditório, ampla defesa (CF, art.5º, LV). Ibidem. 158 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm Acessado em 06 jul. 2012. 159 LEAL, Rogério Gesta. O controle social dos serviços públicos no Brasil como condição de sua possibilidade. Disponível em: http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigo-ocontrole-social-dos-servicos.html. Acesso em 20 jun. 2012. 89 de Carvalho Filho, são as prerrogativas especiais conferidas à Administração na relação de contrato administrativo em virtude de sua posição de supremacia em relação à parte contratada.160 Tais cláusulas, inerentes aos contratos administrativos, seriam consideradas irregulares em uma relação contratual entre particulares. Entretanto, como tais instrumentos têm por objeto a contratação de prestação de serviço público, por revelarem uma posição de superioridade contratual da Administração pública, são considerados legais. Ainda conforme o pensamento de Carvalho Filho, tais normas são verdadeiros princípios de Direito público, estando elencadas como “prerrogativas” no art. 58 da Lei 8.666/1993 (Lei das licitações e contratos) 161, traduzindo-se nos princípios da alteração unilateral do contrato; da rescisão unilateral; da fiscalização da execução do contrato; da aplicação de sanções; e da ocupação provisória de bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, quando o ajuste visa à prestação de serviços essenciais. Já a Lei das PPPs – 11.079/2004 - insere em seu bojo diferentes possibilidades de relações entre o Poder concedente e o concessionário. Conforme Justino de Oliveira, essa lei traz noções como: (a) alta complexidade do objeto, execução e acompanhamento do ajuste; (b) elevado nível de riscos a serem enfrentados pelos parceiros, em função do montante dos recursos financeiros 160 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 176. 161 Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; III fiscalizar-lhes a execução; IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste; V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de o rescisão do contrato administrativo. § 1 As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado. o § 2 Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual. 90 envolvidos, das incertezas sobre os custos de construção e de operação e das dúvidas atinentes aos rendimentos a serem alcançados; (c) estabelecimento de garantias especiais conferidas pelo parceiro público ao parceiro privado, destinadas a assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pela Administração; e (d) dificuldade em atingir-se – em sede contratual – a ótima regulamentação dos interesses em jogo, quais sejam, os do parceiro 162 público, do parceiro privado e da coletividade em geral. Em estudo analítico sobre o tema, Justino de Oliveira afirma que, diversamente das Leis 8.666/1993 e 8.987/1995, a lei das PPPs não contém as chamadas cláusulas exorbitantes, o que confere uma ampliação das bases negociais das cláusulas contratuais que irão estabelecer a regulamentação dos interesses dos parceiros, ensejando assim uma nova forma de administrar.163 Assiste-se atualmente a uma acentuada divergência quanto a diversos aspectos desse novo contrato da Administração Pública Brasileira. Com efeito, está-se diante de uma nova figura a ser empregada pelo setor público no campo negocial, a qual visa a instituir e formalizar uma relação jurídica entre a Administração Pública e os particulares em bases normativas diversas daquelas representadas pelas disposições inseridas nas Leis federais 164 8.888/1993 e 8.987/1995. Nos contratos de PPPs, os parceiros, logicamente, têm por escopo obter benefícios daquela relação. Dessa forma, há pontos convergentes (sucesso do empreendimento) e pontos divergentes (assunção dos riscos e divisão dos lucros) estabelecidos no contrato. Nesse sentido, assevera Justino de Oliveira, as negociações ocorrem com o fulcro de proporcionar um equilíbrio de todos os interesses “com vistas a alcançar os compromissos mais justos e eficazes possíveis dentre as perspectivas de ganhos, custos a serem arcados e dos riscos a serem corridos”.165 162 JUSTINO DE OLIVEIRA, Gustavo Henrique. A arbitragem e as parcerias público-privadas. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 572. 163 JUSTINO DE OLIVEIRA, Gustavo Henrique. A arbitragem e as parcerias público-privadas. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 570 164 Idem. 165 JUSTINO DE OLIVEIRA, Gustavo Henrique. A arbitragem e as parcerias público-privadas. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 572. 91 Com efeito, nas PPPs, os parceiros detêm ambas as posições - credor e devedor - havendo um regime de interdependência recíproca, onde a obrigação de um corresponde ao direito do outro e vice-versa. Seguindo essa ideia, pode-se afirmar que há um equilíbrio, uma significativa correlação, entre direitos e obrigações de ambos os parceiros, o que, em última análise traz uma significativa diferença quando comparados aos contratos administrativos tradicionais, onde as relações jurídicas daqui advindas possuem um caráter bem mais verticalizado, no qual a Administração Pública tem preponderância sobre o entre privado. Dessa forma, na ótica de Justino de Oliveira, surge um novo paradigma do Estado, qual seja: O fortalecimento da negociação, na esfera da Administração Pública, expressada por via de acordos, em que passam ao primeiro plano a negociação em lugar do procedimento, a liberdade das formas em 166 lugar da tipicidade, a permuta em lugar da ponderação. A exemplo deste “abrandamento” no sentido de um novo paradigma contratual na Administração Pública, onde inclusive se denota a participação da sociedade civil nessas relações contratuais administrativas, tem-se a previsão, na Lei 11.079/2004, da submissão à consulta pública da minuta editalícia e do contrato, com a intenção de se receber sugestões da sociedade.167 166 Idem. Lei 11.079/2004. Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de licitação na modalidade de concorrência, estando a abertura do processo licitatório condicionada a: VI – submissão da minuta de edital e de contrato à consulta pública, mediante publicação na imprensa oficial, em jornais de grande circulação e por meio eletrônico, que deverá informar a justificativa para a contratação, a identificação do objeto, o prazo de duração do contrato, seu valor estimado, fixando-se prazo mínimo de 30 (trinta) dias para recebimento de sugestões, cujo termo dar-se-á pelo menos 7 (sete) dias antes da data prevista para a publicação do edital; Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2004/lei/l11079.htm acessado em 06 jul. 2012. 167 92 Típico exemplo que encontra eco na clarividência168 de Leal, quando aduz que uma constituição racional da vontade, do Estado e da cidadania, só se concretiza na medida em que a sociedade civil organizada se deixa penetrar pelos valores e significados atinentes à realidade social que a envolve. Veja-se que os procedimentos administrativos contemporâneos, assim, nominados de democráticos ( e juridicamente estabelecidos), só podem conduzir a uma constituição racional da vontade (do Estado e da cidadania) na medida em que a formação organizada da sociedade, geradora de decisões responsáveis no marco dos órgãos estatais, mantém-se permeável diante dos valores, temas e argumentos que eclodem na comunicação política de seu entorno que, como tal e em seu conjunto, não pode ser somente 169 institucional . Como o mesmo sentido o art. 6º, § 3º da Lei 12.234/2005 170 do estado do Rio Grande do Sul, que determina os projetos de PPPs serem objeto de consulta pública, consoante o entendimento de Mukai: As consultas públicas, refletindo a participação popular, não estão dispostas como diretrizes das PPPs, porém são essências para a execução de projetos de parcerias público-privadas (art. 6º, § 3º), ficando claro que os editais e contratos deverão ser precedidos 171 delas. 168 Aqui entendida pela ótica de Milton Santos que nos diz: “A clarividência é uma virtude que se adquire pela intuição, mas sobretudo, pelo estudo, e quer dizer: tentar ver, a partir do presente, o que se projeta no futuro.” TENDLER, Sílvio. Encontro com Milton Santos: o mundo global visto do lado de cá. Caliban Produções: Rio de Janeiro, RJ, 2006. 169 Leal, Rogério Gesta. A ação social constitutiva do direito fundamental de participação na administração pública brasileira. Disponível em: http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigo-acao-social-constitutiva-do.html acessado em 07 jul. 2012. 170 Lei estadual 12.234/2005. Art. 6º - A contratação de parceria público-privada deve ser precedida de licitação, na modalidade de concorrência, observado o seguinte: § 3º - O projeto de parceria público-privada será objeto de audiência pública, com antecedência mínima de trinta dias da publicação do edital da respectiva licitação, mediante a publicação de aviso na imprensa oficial, em jornais de grande circulação e por meio eletrônico, no qual serão informadas a justificativa para a contratação, a identificação do objeto, o prazo de duração do contrato e seu valor estimado, fixando-se prazo para oferecimento de sugestões, cujo termo dar-se-á pelo menos uma semana antes da data em que for publicado o edital. Disponível em: http://www.investimentos.ppp.rs.gov.br/portal/index.php?menu=texto&item_submenu=20 acessado em 02 jul. 2012. 171 MUKAI, Toshio; Sylvio Thoshiro Mukai...[et al.]. Parcerias público-privadas: comentários à Lei Federal nº 11.079/04, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e à Lei Municipal de Vitória/ES. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 169. 93 Ainda, a questão elencada no art. 4º, II da Lei das PPPs172, quanto ao respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços, onde se entende que o destinatário final do serviço a ser prestado seja o preso. Assim, questões como, por exemplo, em caso de superlotação de celas ou da falta de determinado serviço estabelecido contratualmente, qualquer cidadão pode proceder a denúncias nesse sentido, impondo ao parceiro privado penalidades pecuniárias, entre outras. 2.3.2 As experiências da participação da sociedade na gestão prisional. No Brasil, não se tem experiências práticas de participação da sociedade na gestão prisional em complexos implantados seguindo o modelo da Lei das PPPs, haja vista que dos dois projetos em andamento no país, complexo penitenciário de Ribeirão das Neves – MG e complexo penitenciário de Itaquitinga – PE, nenhum deles ainda se estabeleceu por completo, isto é, as empresas responsáveis por tais projetos ainda não terminaram os trabalhos de construção e implantação das obras. Nesse sentido, se faz ressalva quanto à consulta pública que determina a Lei devam ser submetidos os projetos de PPPs, porém, logicamente, essa participação popular é realizada em momento anterior à colocação em prática de tais projetos. As experiências de participação social na gestão de estabelecimentos prisionais se situam no campo daqueles modelos desenvolvidos sob o paradigma da gestão compartilhada. A Gestão Compartilhada é um modelo de administração penitenciária no qual cada parceiro mantém sua identidade institucional e programática dirigindo 172 o Lei 11.079/2004. Art. 4 Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: II – respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução; Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm acessado em 06 jul. 2012. 94 pessoas, esforços e recursos para fins comuns e integrados. No tocante à utilização desse tipo de sistema o Estado terceiriza alguns serviços ao parceiro privado, tais como: fornecimento de refeições; aquisição de uniformes; serviços de lavanderia, serviços médicos, odontológicos, psicológicos, de assessoria jurídica, entre outros.173 As experiências nacionais estão em penitenciárias de alguns estados brasileiros. São eles Amazonas, Ceará, Bahia, Espírito Santo e Santa Catarina (o Paraná, que foi o pioneiro na implantação desse sistema, retomou totalmente a administração de seus presídios em 2005). O Estado efetua um contrato, por um período de um a cinco anos, com uma empresa privada que fica responsável por toda administração interna de uma penitenciária, da cozinha aos agentes penitenciários. O primeiro presídio gerido dessa forma foi o de Guarapuava, no Paraná, em 1999.174 Consoante estudo realizado por Osório; Vizzotto, a penitenciária de Guarapuava contava com 237 (duzentos e trinta e sete) apenados quando se encontrava sob o regime de gestão compartilhada. Destes, grande parte havia praticado delitos de maior potencial ofensivo, como homicídio (35% do total), tráfico de entorpecentes (21% do total), latrocínio (20% do total) e estupro (15% do total). Para os demais crimes, restavam apenas 9% dos presos. Dos presidiários daquele estabelecimento criminal, 181 (cento e oitenta e um) eram primários e 58 (cinquenta e oito) eram reincidentes. A média de idade concentrava-se entre 21 e 35 anos, abarcando 145 (cento e quarenta e cinco) detentos (60% do total). Ainda, no tocante à reincidência criminal, destaca-se que com os egressos do presídio de Guarapuava – em torno de 6% em 2005. Em Maringá, no mesmo Estado, esse índice alcançava 30%.175 173 SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro Acesso em 02 jul. 2012. 174 Idem. 175 OSÓRIO, Fábio Medina. VIZZOTTO, Vinicius Diniz. Sistema penitenciário e parcerias público-privadas. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/7643/sistema-penitenciario-eparcerias-publico-privadas acesso em 26 jun. 2012. 95 O estado do Ceará também implantou o modelo de gestão compartilhada prisional no ano de 2000, na Penitenciária Industrial Regional do Cariri, no município de Juazeiro do Norte. Ali havia 66 (sessenta e seis) celas coletivas, com lotação de cinco presos em cada uma, e 117 (cento e dezessete) celas com capacidade para dois presos em cada uma delas. Essa co-gestão foi implementada com a Humanitas Administração Prisional S/C, a qual geria a atividade administrativa interna do presídio. Havia ênfase quanto ao trabalho do preso, executado na própria prisão. A empresa responsável pela penitenciária realizava parcerias com algumas empresas da região, como a “Criativa Joias”, onde então 150 (cento e cinquenta) detentos fabricavam joias folheadas, obtendo uma produção de 250 mil peças/mês. Cada preso recebia cerca de 75% do salário mínimo por mês e remição da pena.176 No Espírito Santo, o modelo de co-gestão implantado pelo governo estadual estava na Penitenciária de Segurança Média de Colatina, em Colatina, e na Penitenciária de Segurança Máxima localizada no município de Viana. A penitenciária de Colatina, com capacidade para 300 vagas, sendo 24 delas destinadas à ala feminina, possuía uma parceria com o Instituto Nacional de Administração Prisional Ltda (INAP). Essa empresa, além de arcar com os custos para aquisição, instalação e manutenção de equipamentos de segurança, uniformes (agentes, internos e funcionários), também era responsável pelo fornecimento de colchões, roupas de cama, kits de higiene, alimentação e serviços de apoio à cozinha, instalação de uma estrutura para atendimento médico, odontológico e enfermaria, oferecendo, ainda, trabalho e educação para os presos.177 Nesse sentido, a empresa oferecia aos internos serviços ocupacionais, mantendo um setor de seleção e ocupação, sob supervisão da direção, com as 176 SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro Acesso em 02 jul. 2012. 177 SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro Acesso em 02 jul. 2012. 96 atribuições de selecionar os internos para as atividades nos canteiros de trabalho, elaboração de relatório de frequência dos internos ao trabalho, para efeito de remuneração e emissão de atestado de trabalho com vistas à remição da pena. O presídio dispunha de salas específicas para o desenvolvimento de atividades voltadas para o trabalho dos internos. Além do trabalho, a empresa mantinha salas específicas para estudos. Nesses locais os internos frequentavam aulas do ensino básico e fundamental.178 Assim, demonstra-se que essa ferramenta (gestão compartilhada) nos parece trazer resultados positivos quanto à participação da sociedade na questão da gestão prisional, ainda que se refira a uma atividade empresarial, pois, em se efetuando comparações com estabelecimentos totalmente geridos pelo Estado, a exemplo do Presídio Central de Porto Alegre, RS, ou ainda a Penitenciária Industrial de Caxias do Sul, RS, verifica-se que o sistema de gestão compartilhada produz melhores resultados para a sociedade. Como afirmamos ao início, o Brasil ainda não possui nenhuma experiência efetiva de PPPs no sistema prisional, com os dois complexos – Ribeirão das Neves, MG e Itaquitinga, PE, ainda em fase de implantação. O novo complexo prisional de Itaquitinga, PE, terá um total de 3.126 vagas e será composto por dois blocos para regime semi-aberto (1200 vagas), três blocos para regime fechado (1926 vagas) e uma unidade para administração do Centro Integrado de Ressocialização (CIR), além de cozinha, lavanderia, padaria, canil e granja. Ocupará uma área de 100 hectares e todas as unidades do complexo irão funcionar de modo independente. O apenado será individualizado de acordo com a pena e o perfil criminológico, atendendo a Lei de Execução Penal (LEP). O CIR terá apenas dois tipos de cela: individual e coletiva, esta com, no máximo, quatro presos. Conforme a minuta do contrato administrativo, caberá à concessionária, entre outros compromissos, dotar a unidade prisional dos seguintes profissionais: advogado, assistente social, médico, psicólogo, terapeuta educacional, dentista, enfermeiro, professores de 178 Idem. 97 educação física, de ensino fundamental e ensino médio e instrutor de informática. O objetivo é a prestação de serviços assistenciais à população carcerária, tendo por fim harmonizar a convivência entre os internos e o seu futuro retorno à sociedade, além de proporcionar as condições físicas e psicológicas para o cumprimento da pena que lhes foi imposta, através da assistência material à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.179 Esse complexo penitenciário será objeto de nossa análise no próximo capítulo. 179 SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro Acesso em 02 jul. 2012. 98 3 CONDIÇÕES E POSSIBILIDADES DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO 3.1 Experiências Internacionais de parcerias público-privadas em sistemas penitenciários: Inglaterra, Estados Unidos da América e França. No contexto internacional, a administração privada de estabelecimentos penitenciários se faz presente já há algumas décadas. Esse modelo de gestão prisional está presente em vários países, como Inglaterra, Estados Unidos da América, França, Chile e Austrália. Atualmente existem cerca de 200 presídios privados espalhados pelos continentes e a metade deles está concentrada nos Estados Unidos. O início da experiência americana com a privatização de presídios se deu na década de 1980 e hoje esse modelo penitenciário atende 7% da população penitenciária naquele país. Já na Inglaterra, esse índice é maior, pois cerca de 10% da população carcerária está em penitenciárias com administração terceirizada. Na Austrália, que é a recordista mundial na implantação desse modelo de sistema prisional, o percentual sobe para 17%. África do Sul, Canadá, Bélgica e Chile também aderiram à privatização dos serviços prisionais. Um levantamento do governo australiano mostra que um preso em regime privatizado pode custar menos que em uma cadeia pública daquele país - lá o custo anual de um preso albergado em uma penitenciária pública é de US$ 55 mil, ao passo que em um presídio administrado por empresa privada esse custo cai para US$ 34 mil.180 Nos EUA, o processo é realizado com a contratação de parceiros privados para a construção e a administração empresarial de complexos penitenciários, sendo que o Estado efetiva a remuneração pelo número de presos ou vagas contratadas. Já na Inglaterra, as PPPs prisionais foram adotadas em resposta ao colapso enfrentado pelo setor ao final da década de 180 SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias público-privadas.1ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2005. 99 1980, quando então, por meio de consórcios com empresas privadas, foram construídas nove penitenciárias, albergando assim 15 mil presos em uma população carcerária de 65 mil apenados.181 3.1.1 A experiência de parcerias público-privadas em sistemas penitenciários na Inglaterra Na Inglaterra, o entendimento doutrinário sobre parceria público-privada concentrava-se como sendo um conjunto de regras e diretrizes, o qual determinava que projetos – como a construção de estradas, presídios e hospitais – deveriam estar sob a responsabilidade do setor público e, caso houvesse participação privada, a cobertura dos investimentos se daria pelo Estado. Essas regras tinham por objetivo regulamentar o modo como o investimento privado ocorreria nas empresas nacionalizadas daquele país.182 Ao fim da década de 1980, o governo inglês deu fim a esse ordenamento legal, donde então nasceu, já em 1992, a Private Finance Initiative – PFI. Esse dispositivo legal vem à lume no governo do conservador John Major onde a intenção era estimular empreendimentos conjuntos entre os setores público e privado, consoante um contexto de implantação da agenda liberal de Margareth Thatcher. Essa Private Finance Initiative foi definida como um conjunto de ações que tinha por objetivo potencializar a participação do setor privado na prestação de serviços públicos, agora voltada para a questão da privação de liberdade.183 Consoante inferem Rocha e Horta, a Inglaterra foi um dos primeiros países a concretizar esse modelo de gestão. 181 SILVA, Alessandra Priscila Moura; JUNIOR, Jorge J. de Araújo. Privatização pode ser a solução para a decadência do sistema penitenciário? DireitoNet. 31/12/2003. disponível em: http://www.direitonet.com.br/textos/x/52/55/525/ Acesso em 02 jul. 2012. 182 SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias público-privadas. 1ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2005, p. 50. 183 SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias público-privadas. 1ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2005, p. 50. 100 A Inglaterra foi um dos primeiros países a regular e colocar em prática projetos de PPP. Hoje, a União Europeia destaca-se por sua experiência na implementação de PPP´s em diversos setores, especialmente os de transporte, educação, saúde e segurança 184 pública. Assim, os setores ingleses que mais se utilizam desse modelo de gestão em parcerias público-privadas são os de defesa, transporte, habitação, educação, lazer, penitenciárias, saúde, meio ambiente e desenvolvimento tecnológico. Ao fim 2003, a quantidade de projetos que possuíam o modelo das Private Finance Initiative girava em torno de seiscentos, tendo um capital em torno de 50 bilhões de Euros. O projeto individual mais importante na Inglaterra foi a concepção da linha de trem que atravessa o Canal da Mancha (braço de mar que é parte do Oceano Atlântico e que separa a ilha da Grã-Bretanha do norte da França e une o Mar do Norte ao Atlântico), e dispendeu um valor de mais de 4 bilhões de Euros.185 Ao término da década de 1980, o sistema penitenciário inglês atingiu um quadro extremo de superlotação o que, somado ao alto custo de manutenção daquele sistema, levou a Inglaterra a adotar um modelo prisional em parceria com o setor privado. A escassez do número de vagas nas penitenciárias inglesas foi um dos vários problemas enfrentados pela Inglaterra e País de Gales, resolvido com o apoio da iniciativa privada. O governo inglês assinou contratos com consórcios de empresas privadas para a construção de nove complexos penitenciários. Atualmente, dos 138 presídios existentes na Inglaterra, nove são estabelecimentos privados. Com a assinatura de contratos com o governo Inglês, as empresas privadas passaram a construir as penitenciárias e tiveram como retorno financeiro o recebimento de valores do parceiro público por períodos, geralmente, em torno de 25 anos. As penitenciárias privatizadas começaram a 184 ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev. atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p. 66. 185 SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias público-privadas. 1ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2005, p. 57. 101 ser construídas em 1992. As empresas são responsáveis por todos os setores do presídio, com exceção do transporte de presidiários para audiências judiciais ou julgamentos. Esses transportes são efetivados por outras empresas privadas de segurança, que não aquela responsável pelo sistema prisional. Os guardas não usam armas, não há cercas elétricas nem guaritas. Nos anos de 1999 e 2000 não aconteceram fugas ou qualquer espécie de resgate no sistema penitenciário de regime fechado. Os presídios são monitorados, externa e internamente, por câmeras de TV móveis. Nas penitenciárias, entre o alambrado e a muralha, existe no solo um sistema de alarme com fibras ópticas que não permite ao preso a escavação de túneis. Na configuração interna desses estabelecimentos prisionais, as celas abrigam dois detentos na maioria dos presídios. Os apenados em situação primária não são encarcerados na mesma cela que os detentos que possuem situações de reincidência criminal. A população carcerária da Inglaterra alcança 65 mil apenados, destes mais de 15 mil condenados cumprem penas alternativas, as quais são fiscalizadas, orientadas e supervisionadas por comissões específicas. Esses estabelecimentos prisionais possuem dispositivos de segurança como detectores de metais, sendo a revista pessoal feita em todas as autoridades inclusive nos advogados (no Reino Unido apenas a Família Real está isenta da revista pessoal ao entrar num presídio).186 As Private Finance Initiative voltadas para o setor penitenciário inglês são diferentes do modelo norte–americano. Na versão inglesa o poder está centralizado pelas ações estatais e o financiamento dos empreendimentos pode se dar com o dinheiro arrecadado através de impostos ou de empréstimos ao mercado, diferentemente do que acontece no modelo adotado pelos Estados Unidos. Aqui as receitas utilizadas nos financiamentos para construção de penitenciárias são financiadas com títulos públicos que 186 SILVA, Alessandra Priscila Moura; JUNIOR, Jorge J. de Araújo. Privatização pode ser a solução para a decadência do sistema penitenciário? DireitoNet. 31/12/2003. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/textos/x/52/55/525/. Acessado em 02 set. 2012. 102 necessitam de aprovação legislativa para serem emitidos e possuem uma limitação no que tange ao valor a ser empregado.187 3.1.2 A experiência de parcerias público-privadas em sistemas penitenciários nos Estados Unidos A experiência norte-americana em parcerias do Estado com o particular remonta de uma época mais longínqua que a inglesa, não estando atrelada a um projeto, mas originando-se de uma ocorrência natural, onde a Administração Pública buscou, em diferentes níveis, com empresas privadas e o setor não lucrativo, parcerias na prestação de serviços sociais, principalmente em nível local. Na prestação de serviços sociais, o Governo americano é muito dependente da sua sociedade, pois esses serviços são, na sua maioria, ofertados por terceiros que estão em situação de cooperação com o setor público. Nos campos da educação e da saúde, a participação de organizações não governamentais é bastante significativa, chegando a responder, até o ano de 2005, por metade dos hospitais, escolas e universidades do país e cerca de 60% das agências de serviços sociais, além da maior parte das organizações cívicas e organizações não governamentais.188 A ideia de privatização de prisões surgiu nos anos 80, no governo do presidente Ronald Reagan. Pretendia livrar o setor público das despesas da construção de penitenciárias e imprimir ao setor carcerário técnicas de gestão empresarial que, por sua vez, garantissem a eficiência que o setor público era incapaz de dar. De quebra, proporcionaria bons lucros para as empresas que tocassem o negócio. Nos Estados Unidos, há cerca de 150 prisões de administração privatizada em 28 Estados. A súmula 1981 da Suprema Corte dos Estados Unidos determina que “não há obstáculo constitucional para impedir a implantação de prisões privadas, cabendo a cada Estado avaliar as 187 SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias público-privadas. 1ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2005, p. 52. 188 59. SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias público-privadas. 1ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2005, p. 103 vantagens advindas dessas experiências, em termos de qualidade e segurança, nos domínios da execução penal”.189 Nos Estados Unidos, há mais de dois milhões de pessoas cumprindo pena em presídios, sendo que mais de 400 mil trabalham neles.190 No dizer de Grabianowski, as prisões norte-americanas são divididas em mínima, média e máxima quanto ao nível de segurança: As prisões dos EUA são compostas de três níveis básicos de segurança: máxima, média e mínima. As prisões de segurança mínima frequentemente se parecem com acampamentos ou campus de universidades. Elas são reservadas para infratores não violentos e com fichas criminais relativamente limpas, ou para presos que passaram a maior parte do tempo em uma prisão de segurança máxima e apresentaram comportamento exemplar. Uma prisão de segurança média restringe bastante os movimentos diários dos internos, mas em vez de celas eles costumam ter dormitórios. Normalmente, possui cercas farpadas em toda sua extensão. As pessoas costumam pensar em prisões de segurança máxima quando pensam em como seria a prisão. No entanto, apenas um quarto de todos os presidiários dos Estados Unidos está em presídios de segurança máxima. Esse tipo de prisão é reservada para infratores violentos, para quem já fugiu (ou tentou fugir) ou para presos que podem causar problemas em prisões de menor segurança. Elas são rodeadas por muros altos e cercas farpadas. Guardas armados em torres de observação atiram em qualquer um que tente "pular o muro". Vamos descrever a vida em prisões de segurança máxima 191 mais detalhadamente na próxima seção. De acordo com o Departamento de Justiça americano, a economia para o governo com um presídio privado é de apenas 1% em relação a um presídio mantido pelo Estado. Opositores da privatização também afirmam que os administradores das cadeias fazem lobby por leis mais duras e encarceramentos mais longos. Entretanto, o principal ponto positivo do exemplo americano é de que, quando a gestão é privada, a implantação de 189 MING, Celso. Prisões Privatizadas. Ministério do Planejamento. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=268654. Acesso em 27 ago. 2012. 190 Grabianowski, Ed. Como funcionam os presídios nos Estados Unidos. HowStuffWorks Brasil. Disponível em: http://pessoas.hsw.uol.com.br/presidios.htm. Acesso em 29 ago. 2012. 191 Grabianowski, Ed. Como funcionam os presídios nos Estados Unidos. HowStuffWorks Brasil. Disponível em: http://pessoas.hsw.uol.com.br/presidios.htm. Acesso em 29 ago. 2012. 104 novas unidades custa menos e é mais rápida. Uma unidade privada de 350 vagas é entregue em cinco meses a um custo de US$ 14 mil por vaga. Pela mesma obra, o governo gasta quase o dobro, US$ 26 mil, e o prazo de entrega é de dois anos. Trata-se de uma preciosa lição para países com déficit de vagas.192 Antes de efetivada a privatização nos Estados Unidos, o marketing das prisões privadas foi feito, por mais de 15 anos, com base nas premissas de que os estabelecimentos prisionais privados poderiam fornecer serviços de alta qualidade e a preços mais baixos. Por sua vez, esse processo de privatização de quase 10% das cadeias americanas é suspeito de engordar os lucros de empresários, pois há suspeitas de que tenha se transformado em uma indústria de criar presos. Hoje, por causa do lobby dessas empresas junto ao Congresso norte-americano para alongar penas e tornar mais rígidas as punições aos delinquentes, o número de presidiários supera os dois milhões, sendo que cerca de 80% desses presidiários são pobres, negros ou latinos. Nos Estados Unidos, de cada quatro habitantes negros, um já foi preso. Pelo trabalho que realizam, os presos recebem apenas US$ 0,28 por hora, enquanto o salário-mínimo no país é superior a US$ 5 por hora. Boa parte dessa diferença vai para o caixa das companhias. Dois estados, Texas e Califórnia, concentram quase 40% das 160 cadeias privadas e já gastam com a manutenção das prisões — incluindo as que administram diretamente — mais do que aplicam em educação. No Texas, em 1980, cada preso custava US$ 13 por dia. Hoje, esse gasto chega a US$ 45. Na Califórnia, foram desembolsados US$ 5,3 bilhões na última década para a construção e renovação de celas. No total, os Estados Unidos dispendem aproximadamente US$ 40 bilhões por ano 192 SILVA, Alessandra Priscila Moura; JUNIOR, Jorge J. de Araújo. Privatização pode ser a solução para a decadência do sistema penitenciário? DireitoNet. 31/12/2003. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/textos/x/52/55/525/. Acesso em 03 set. 2012. 105 para manter todos seus presídios, orçamento que tende a crescer por causa do endurecimento das leis anti-drogas.193 A privatização dos presídios também criou distorções nesse mercado. Apesar de 12 empresas estarem operando nos Estados Unidos, duas delas — a Corrections Corporations of America (CCA) e a Wackenhut Corrections Corporations — controlam dois terços das cadeias privadas do país. Juntas, faturam quase US$ 900 milhões por ano e, com 110 presídios, têm sob seu controle 103 mil presos. Nos últimos anos, com a imagem de eficiência vendida pelo governo americano, a CCA conseguiu contratos para administrar prisões em Porto Rico, Grã-Bretanha e Austrália. Por conta dessa expansão, nos últimos cinco anos, o valor de mercado dessa empresa passou de US$ 200 milhões para mais de US$ 1 bilhão na Bolsa de Valores de Nova York. Um pouco menor que a CCA, porém mais lucrativa, a Wackenhut atua na GrãBretanha, África do Sul, Nova Zelândia, Curaçao e Canadá.194 Os Estados Unidos é o exemplo mais contundente do modelo de Estado no qual há uma expansão do Estado penal em detrimento do Estado social, com sua política de segurança pública guiada por uma cabeça liberal sobre um corpo autoritário, o Estado-centauro. Desta forma, utiliza a estratégia de contenção das classes consideradas “perigosas”, geradas pela exclusão social, pelo trabalho precário, desemprego em massa e pela ausência do Estado na proteção social, através da sua política de criminalização dos pobres, acarretando um verdadeiro encarceramento em massa e, consequentemente, o crescimento da população carcerária inédito para uma sociedade 195 democrática. 193 NUNES, Vicente. As penitenciárias privadas norte-americanas são acusadas por sindicalistas de usar os seus internos em trabalho escravo. Disponível em: http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-05-13/mat_38088.htm. Acesso em 03 ago. 2012. 194 NUNES, Vicente. As penitenciárias privadas norte-americanas são acusadas por sindicalistas de usar os seus internos em trabalho escravo. Disponível em: http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-05-13/mat_38088.htm. Acesso em 03 ago. 2012. 195 WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 24-30. 106 Esta constatação é alarmante quando se verifica seu potencial de mascarar outros dados significativos e que são capazes de passar a falsa imagem de sucesso desta política, como o fato de que nos anos 90 o índice de desemprego americano dos anos 90 ser inferior ao dos países europeus devido a um elevado índice de encarceramento e não pelo dinamismo de sua economia e sua não intervenção no mercado de trabalho, como atribuído por alguns economistas.196 Este equívoco também é abordado por Christie ao garantir que sem o auxílio da indústria de controle do crime o mercado de trabalho não seria tão otimista, apontando ainda que enquanto os custos de guerras externas caem, as despesas contra os inimigos internos crescem.197 O giro decididamente punitivo que tomaram as políticas penais nos países avançados no final do século XX não pertence ao simples dito “crime e castigo”. Anuncia ao estabelecimento de um novo governo de inseguridade social, em sentido amplo de técnicas e procedimentos destinados a estabelecer a conduta dos homens e das mulheres atrapalhados pela turbulência da desregulação econômica a conversão do bem estar em um trampolim de empenho precário, um propósito organizacional dentro do qual o cárcere assume um papel importante que se traduz para os grupos que residem nas zonas inferiores do espaço social, na imposição de uma supervisão severa e 198 altiva. O intervencionismo do Estado de caráter liberal e repressivo norteamericano encontra-se atualmente disseminado na Europa e na América Latina, regiões em que a “tolerância zero” é amplamente defendida por dirigentes políticos como solução para a violência criminal. O discurso da lei e da ordem defende a aplicação inflexível da lei sobre delitos considerados menores, como atentados aos costumes, embriaguez, mendicância e comportamentos geralmente associados às condutas de pessoas desprovidas de moradia, tendo ainda como alvo o subproletariado, com o objetivo de retirar estas pessoas do espaço público para a comodidade daqueles cidadãos e 196 BECKETT, K.; HARDING, D.; WESTERN, B. Sistema penal e mercado de trabalho nos Estados Unidos. In: BORDIEU, Pierre (Org.). De l’État social à l’État penal. Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 43. 197 CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime: a caminhos dos GULAGs em estilo ocidental. Rio de Janeiro: Forense, 1998. 198 WACQUANT, Loïc. Castigar a los pobres: El gobierno neoliberal de la inseguridad social. Barcelona: Gedisa, 2009. p. 40-41. 107 consumidores. No entanto, tanto a mídia internacional e nacional quanto políticos norte-americanos que atribuem a queda dos índices de criminalidade na cidade de Nova York à aplicação da “tolerância zero” silenciam quanto ao fato de que outras cidades sem esta política também diminuíram seus índices, o que prova a ausência de relação com tal medida.199 Quando há algum incidente em penitenciária de segurança máxima, nos Estados Unidos, o regime de tratamento dos internos é endurecido. Há, nas prisões norte-americanas, locais próprios para esse tipo de tratamento. Quando um incidente ocorre em prisões de segurança máxima, todos os internos são presos em suas celas por vários dias, com absolutamente nenhuma liberdade. Isso é chamado de lockdown. Em 1983, dois guardas foram assassinados em incidentes que aconteceram no mesmo dia em uma prisão federal em Marion, Illinois. Essa prisão entrou em lockdown permanente. Desde então, várias prisões foram construídas e funcionam em lockdown permanente. Elas são conhecidas como prisões SuperMax. A maioria das prisões de segurança máxima tem uma unidade de SuperMax, em que os internos ficam presos permanentemente. É oficialmente conhecida como Security Housing Unit (SHU) (Unidade de Segurança), mas os presidiários a chamam simplesmente de "O 200 Buraco". Assim, salienta-se que o aumento da população carcerária é devido à alteração de atitude do poder público em relação à população pobre e não ao aumento da criminalidade, já que os pobres passaram a ser considerados como núcleo da criminalidade e aqueles que devem ser o objeto da moralidade através do trabalho, quando este e sua precarização, na verdade, aliados à ausência de políticas sociais causam o caos nas vidas das populares marginalizadas. A destruição do Estado social aliada à desregulamentação da economia são as responsáveis pela produção das desigualdades sociais que por sua vez, na lógica norte-americana, exigem a ampliação do Estado penal com vistas a normalizar o mercado do trabalho precário.201 199 WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 26-29. 200 Grabianowski, Ed. Como funcionam os presídios nos Estados Unidos. HowStuffWorks Brasil. Disponível em: http://pessoas.hsw.uol.com.br/presidios.htm. Acesso em 29 ago. 2012. 201 WACQUANT, Loïc. A ascensão do Estado penal nos EUA. In: BORDIEU, Pierre (Org.). De l’État social à l’État penal. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 20. 108 Nos países em que as desigualdades sociais e a pobreza, além daqueles em que a tradição democrática é frágil, os resultados desta política punitiva são mais cruéis e sentidos com maior intensidade tanto econômica quanto penalmente, salientando-se que nos países latino-americanos a segurança pública tornou-se a principal bandeira de candidatos a cargos públicos nos últimos anos, utilizando-se ainda a defesa da utilização de suplícios202 em seus discursos de forma despudorada.203 Através destas defesas é possível verificar o discurso de Foucault no tocante à “verdade nos seus efeitos de poder” e do “poder nos seus discursos de verdade”, já que a mesma não existe fora do poder ou sem poder, sendo produzida graças a diversas coerções e produzindo efeitos regulamentados de poder. Para o autor, cada “sociedade tem o seu regime de verdade, sua política geral de verdade, isto é, os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiro [...] o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer que funciona como verdadeiro”.204 3.1.3 A experiência de parcerias público-privadas em sistemas penitenciários na França O modelo francês do sistema de privatização prisional, apesar de ter como inspiração o modelo americano, foi implantado com várias diferenciações deste. No ano de 2004 o ministro da Justiça francês, Dominique Perben, lançou editais prevendo uma série de licitações voltadas para o setor privado, com vistas à construção de trinta estabelecimentos penitenciários até 2007, criando assim, 13.200 novas vagas no complexo penitenciário francês. O projeto foi orçado em 1,4 bilhão de euros, sendo que faziam parte desse complexo os 202 Eduardo Galeano expõe algumas destas defesas em eleições na Argentina e no Brasil: “[...] na Argentina, [...] a candidata Norma Miralles proclama-se partidária da pena de morte, mas com sofrimento prévio: ‘Matar um condenado é pouco, porque não sofre’. Pouco antes, o prefeito do Rio de Janeiro, Luiz Paulo Conde, dissera que preferia a prisão perpétua ou os trabalhos forçados, porque a pena de morte tem o inconveniente de ser ‘uma coisa muito rápida’.” GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar. 6. ed. Porto Alegre: L&PM, 1999, p. 88. 203 GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Porto Alegre: L &PM, 1999. p. 88. 204 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. p.12. 109 grupos privados como Eiffage (ex-Fougerolles) e Bouygues. O setor designado como "hotelaria" (restaurante, lavanderia, etc.) também estava voltado à privatização.205 Desse modo, houve a implantação de um sistema de co-gestão ou gestão compartilhada, onde o Estado e o grupo privado realizam um gerenciamento e a administração conjuntos, de forma sintonizada, do estabelecimento penitenciário objeto do contrato. Nesse sistema o Estado indica o Diretor-Geral do presídio, a quem compete a comunicação e a efetivação de entendimentos com o juízo da execução penal e, ainda, a responsabilidade pela segurança interna e externa da penitenciária. A empresa privada está responsável por promover, no estabelecimento penitenciário, a educação, o trabalho, o lazer, o transporte, a assistência social, a alimentação, a assistência jurídica, espiritual, e a saúde física e mental do apenado, recebendo assim, do Estado, uma remuneração por preso/dia para a persecução desses serviços. 206 Nesse contexto, as prisões tornaram-se um mercado atraente para investidores dos grupos privados, posto que a população carcerária caminha na direção do crescimento. A política e o modo de vida liberal do norte americano traduzem-se em crescentes recordes nesse sentido. Nos EUA, em 2003, a taxa de encarceramento de era de 686 para 100.000 habitantes. Na Holanda, 93 para 100.000 habitantes; Na Grã-Bretanha, havia 135 detentos para 100.000 habitantes. Em Portugal esse nível era semelhante; na Itália, 100 para 100.000 habitantes; na Bélgica, 85 para 100.000 habitantes; na Espanha, chegava a 125 presidiários para 100.000 habitantes. Contudo na França essa proporção esteja entre as mais baixas (99 para 100.000 habitantes em 2003), o número de presos aumentou em 32% desde 1990. Em 1° de julho de 2003, esse 205 MING, Celso. Prisões Privatizadas. Ministério do Planejamento. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=268654. Acesso em 27 ago 2012. 206 ASSIS, Rafael Damasceno de. Privatização de Prisões e Adoção de Um Modelo de Gestão Privada. Disponível em: http://www.trinolex.com/artigos_view.asp?icaso=artigos&id=3477. Acesso em 02 set. 2012. 110 número era de 63.652, ou seja, 2.689 a mais que um ano antes, sem que tenha havido aumento no número de vagas (48.600) em estabelecimentos prisionais. Nunca a taxa média de ocupação foi tão alta: 128,3 %.207 Na França, 6% da população carcerária está cumprindo pena em presídios terceirizados.208 3.2 Experiências nacionais em modelos de gestão penitenciária compartilhada: Paraná, Ceará e Espírito Santo. No Brasil, as experiências de participação social na gestão de estabelecimentos prisionais estão situadas na seara dos modelos desenvolvidos sob o paradigma da gestão compartilhada. A Gestão Compartilhada é um modelo de administração penitenciária no qual cada parceiro mantém sua identidade institucional e programática dirigindo pessoas, esforços e recursos para fins comuns e integrados. No tocante à utilização desse tipo de sistema o Estado terceiriza alguns serviços ao parceiro privado, tais como: fornecimento de refeições; aquisição de uniformes; serviços de lavanderia, serviços médicos, odontológicos, psicológicos, de assessoria jurídica, entre outros.209 Nesse sentido, as experiências nacionais estão em penitenciárias de alguns estados brasileiros. São eles o Amazonas, Ceará, Bahia, Espírito Santo e Santa Catarina (o Paraná, que foi o pioneiro na implantação desse modelo de gestão, retomou totalmente a administração de seus presídios em 2005). Por meio desse sistema de gestão, o Estado realiza um contrato, por um período de um a cinco anos, com uma empresa privada que fica responsável 207 WACQUANT, Loïc. A Privatização Dos Presídios. Lê Monde. Tradução de Maria MarquesLloret. Disponível em: http://diplo.uol.com.br/2004-09,a989. Acesso em 12 ago. 2012. 208 PAUL, Gustavo. Para Enfrentar a Situação Caótica das Penitenciárias, a Saída é Diminuir o Papel do Estado no Sistema. Disponível em: http://contasabertas.uol.com.br/midia/detalhes_noticias.asp?auto=214. Acesso em 11 ago. 2012. 209 SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro. Acesso em 02 jul. 2012. 111 por toda administração interna de uma penitenciária, da cozinha aos agentes penitenciários. O primeiro presídio gerido dessa forma foi o de Guarapuava, no Paraná, em 1999.210 Até o ano de 2010, havia dezesseis penitenciárias que adotavam esse modelo de gestão, perfazendo um total de 7.346 apenados albergados sob os moldes da gestão compartilhada.211 3.2.1 O modelo de gestão penitenciária compartilhada no Paraná O Paraná é o estado pioneiro em matéria de gestão compartilhada em estabelecimentos penitenciários. A primeira penitenciária industrial do Brasil destinada a presos masculinos condenados para o cumprimento de pena em regime fechado foi inaugurada em 12 de novembro de 1999, no Município de Guarapuava, distante 265 km de Curitiba. Possuía uma capacidade para abrigar até 240 pessoas. A Penitenciária Industrial de Guarapuava foi construída com recursos dos Governos Federal e Estadual. O custo total incluindo projeto, obra e circuito de TV atingiu o de valor de R$ 5.323.360,00, onde 80% do valor foram provenientes de Convênio com o Ministério da Justiça e 20% vieram do Estado do Paraná. A unidade foi concebida e projetada objetivando o cumprimento das metas de ressocialização do interno e a interiorização das unidades penais (preso próximo da família e local de origem), política esta adotada pelo governo do estado do Paraná, que buscava oferecer novas alternativas para os apenados, proporcionando-lhes profissionalização e trabalho, viabilizando, além de melhores condições para sua reintegração à sociedade, o benefício da remição da pena. O projeto arquitetônico do complexo penitenciário privilegiava 210 MEDINA OSÓRIO, Fábio; VIZZOTTO, Vinicius Diniz. Sistema Penitenciário e Parcerias Público-Privadas: Novos Horizontes. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7643>. Acesso em 02 jul. 2012. 211 MEDINA OSÓRIO, Fábio; VIZZOTTO, Vinicius Diniz. Sistema Penitenciário e Parcerias Público-Privadas: Novos Horizontes. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7643>. Acesso em 02 jul. 2012. 112 uma área para indústria em torno de 1.800m². Na penitenciária, no barracão da fábrica trabalhavam 70% dos internos da unidade, perfazendo 3 turnos de 6 horas cada e recebendo como pagamento pelo labor a renumeração de 75% do salário-mínimo; os outros 25%do valor salarial eram repassados ao Fundo Penitenciário do Paraná, como taxa de administração, revertendo então esses recursos para melhoria das condições de vida do preso. Esse complexo penitenciário dispunha de um sistema de monitoramento dos setores, por meio de circuito fechado de vídeo o qual permitia a observação da movimentação dos presos no interior da unidade e, na parte externa, no acesso de veículos e pessoas. Contava, também, com portões automatizados, quadrantes suspensos, sistemas detectores de metais e sistemas de rádios.212 Os apenados que não estavam lotados no campo de trabalho da fábrica existente naquela unidade prisional trabalhavam em outros canteiros, tais como: faxina, cozinha, lavanderia e embalagens de produtos. Todos recebiam a remuneração de 75% do valor do salário-mínimo e o benefício da remição de pena (1 dia remido a cada 3 dias trabalhados). Os canteiros de trabalho funcionavam em 3 turnos de 6 horas, possibilitando que todo o tratamento penal rotineiro (atendimento jurídico, médico, psicológico, odontológico, serviço social, escola e atividade recreativa) fosse executado no horário em que o interno não estivesse trabalhando.213 Esse modelo de sistema de gestão compartilhada, que é diferente do sistema das parcerias público-privadas prisionais, iniciou-se no ano de 1999, quando então o governo do estado do Paraná concedeu à empresa Humanitas Administração Prisional S/C o contrato de co-gestão. A empresa tinha por responsabilidade o fornecimento de alimentação, das necessidades rotineiras no âmbito penitenciário, e de assistência médica, psicológica e jurídica dos presidiários, ficando o governo daquele estado com os encargos da nomeação 212 MEDINA OSÓRIO, Fábio; VIZZOTTO, Vinicius Diniz. Sistema Penitenciário e Parcerias Público-Privadas: Novos Horizontes. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7643>. Acesso em 02 jul. 2012. 213 Departamento Penitenciário do Paraná. Disponível em: http://www.depen.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=36. Acesso em 03 set. 2012. 113 do diretor, do vice-diretor e do diretor de disciplina do estabelecimento, tendo estes a tarefa de supervisionar a qualidade de trabalho da empresa contratada bem como do cumprimento da Lei de Execuções Penais. O estado do Paraná, durante o período de vigência do contrato com a empresa Humanitas (2005), arcava com o pagamento mensal equivalente a R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) por preso.214 Parcela significativa – maioria - dos presidiários que cumpriam pena na penitenciária Guarapuava, no ano de 2005, havia praticado delitos de maior potencial ofensivo, como homicídio (35% do total), latrocínio (20% do total), tráfico de entorpecentes (21% do total) e estupro (15% do total). Dos apenados que ingressavam no estabelecimento criminal, 181 presos (cento e oitenta e um) eram primários, e 58 reclusos (cinquenta e oito) eram classificados como reincidentes criminais. A média de idade concentrava-se entre 21 e 35 anos, abarcando 145 (cento e quarenta e cinco) detentos (60% do total).215 Esse modelo de gestão penitenciária, então, estendeu-se para a Casa de Custódia de Curitiba, a Casa de Custódia de Londrina, a prisão de Piraquara e a prisão de Foz do Iguaçu, todos no Paraná. Entretanto, o governo paranaense finalizou os contratos de co-gestão dos serviços nos presídios do Estado no ano de 2005, durante o governado Roberto Requião. Ainda, quanto à questão de reincidência criminal, destaca-se que com os egressos do presídio de Guarapuava - em 2005 – essa taxa era de 6%216. Em 214 SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro. Acesso em 02 jul. 2012. 215 MEDINA OSÓRIO, Fábio; VIZZOTTO, Vinicius Diniz. Sistema Penitenciário e Parcerias Público-Privadas: Novos Horizontes. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7643>. Acesso em 03 set. 2012. 216 MEDINA OSÓRIO, Fábio; VIZZOTTO, Vinicius Diniz. Sistema Penitenciário e Parcerias Público-Privadas: Novos Horizontes. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7643>. Acesso em 03 set. 2012. 114 Maringá, no mesmo Estado, tal índice alcançava 30%. A média nacional de reincidência criminal, em 2011, era da ordem de 70%.217 3.2.2 O modelo de gestão penitenciária compartilhada no Ceará A gestão compartilhada em presídios cearenses iniciou-se ao fim do ano de 2000, quando o governo do Estado adotou esse modelo na Penitenciária Industrial Regional do Cariri, no município de Juazeiro do Norte. Destinada aos presos do regime fechado, a PIRC possuía capacidade para 549 presidiários.218 Na descrição desse complexo prisional, que tem uma área de 15.000 m2, possui 66 celas coletivas para cinco presos cada uma e 117 celas para dois presos cada. Tem ainda 12 “quartos de convivência familiar”; sala de controle por 64 câmaras de circuito interno; cercas eletrificadas (com ouriços e sensores de movimento) sobre muralhas de 7m de altura; 17 guaritas; cozinha industrial; auditório com salão de artes e eventos; cinco quadras poliesportivas; cabines telefônicas, campo de futebol; painéis, orações e mensagens bíblicas abertos em paredes; fábricas de velas, calçados e bijuteiras e uma padaria, 4 salas de aula, biblioteca e administração, lanchonete, consultórios médicoodontológicos, enfermaria, farmácia, lavanderia, 5 refeitórios para detentos e 4 para a administração.219 No ano de 2001 começou a funcionar, naquela penitenciária, um Núcleo de Ressocialização naquela penitenciária com o fim de preparar o preso para enfrentar a discriminação ou as reservas da população com ex-presidiários. 217 VALOR ECONÔMICO. Índice de reincidência criminal no país é de 70%, diz Peluso. Disponível em http://www.valor.com.br/legislacao/998962/indice-de-reincidencia-criminal-nopais-e-de-70-diz-peluso. Acesso em 03 set. 2012. 218 Secretaria de Justiça e Cidadania do Ceará; disponível em: http://www.sejus.ce.gov.br/index.php?cdP=1&cdS=28. Acesso em 10 ago. 2012. 219 MEDINA OSÓRIO, Fábio; VIZZOTTO, Vinicius Diniz. Sistema Penitenciário e Parcerias Público-Privadas: Novos Horizontes. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7643>. Acesso em 02 jul. 2012. 115 Para tanto, além do trabalho, dos exercícios físicos e da recreação, o preso recebia aulas e palestras de psicólogos.220 Essa parceria em gestão compartilhada foi efetivada com a Companhia Nacional de Administração Prisional (CONAP). A empresa realizava a contratação de recursos humanos necessários para o pleno desenvolvimento da Penitenciária Industrial do Cariri. Quanto à execução penal frente aos presidiários, a paenitenciária permanece sob o albergue estatal, consoante afirmação do juiz da execução penal da Comarca de Juazeiro do Norte, José Josival da Silva: [...] nossa penitenciária é terceirizada. Então, essa limpeza, alimentação e outros serviços que englobam atividade-meio, é uma empresa que cuida. A parte administração da pena, à execução mesma da pena, 221 competência. questão de a chamada referente à é da nossa O então diretor de recursos humanos da CONAP, Sr. Marcos Prado, afirmava que execução penal na Penitenciaria do Cariri estava completamente voltada à ressocialização do preso: [...] você não pode comparar o que estamos fazendo aqui com uma simples detenção, uma simples cadeia. Aqui existe toda uma infraestrutura visando ao atendimento da lei de execução penal, e obviamente, à ressocialização do preso. O nosso maior desafio é provar tanto para o governo quanto para a sociedade, que essa 222 experiência dá certo. 220 Dados colhidos no site: JUAZEIRO PORTAL DO NORDESTE; disponível em http://www.juazeiro.com.br/juace/hoje.htm. Acesso em 11 ago. 2012. 221 SILVA, Cosmo Sobral da; BEZERRA, Everaldo Batista. A Terceirização de Presídios a Partir do Estudo de Uma Penitenciária do Ceará. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6541>. Acesso em: 17 set. 2012. 222 SILVA, Cosmo Sobral da; BEZERRA, Everaldo Batista. A Terceirização de Presídios a Partir do Estudo de Uma Penitenciária do Ceará. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6541>. Acesso em: 17 set. 2012. 116 Quanto à questão da remição penal, a CONAP, empresa administradora do presídio, e algumas empresas da região efetivaram parcerias no sentido de promover o trabalho aos internos. Nas palavras do próprio juiz José Josival: "[...] a importância central aqui é recuperar o homem pelo trabalho”.223 Nessa penitenciária, através de parceria com a empresa Criativa Joias, 150 presidiários fabricam folheados, com uma produção de 250 mil peças/mês. Cada preso recebe cerca de 75% do salário mínimo por mês e redução da pena.224 No tocante à individualização da pena, os serviços de assistência psicológica, de orientação social e sexual, tanto ao interno quanto ao egresso, são efetuados por um quadro de funcionários próprio da CONAP. Já a assistência jurídica é prestada na PIRC por um quadro composto por 04 (quatro) advogados contratados e auxiliados por estagiários que prestam a referidas assistência aos internos que não possuem defensores. A assistência religiosa, concebida como o direito de acesso à religião, é efetivada através de diferentes cultos religiosos. No que se refere à saúde dos presos, o atendimento é prestado por uma equipe composta por um médico, um psiquiatra, dois psicólogos, um dentista, dois enfermeiros e três assistentes sociais. A infraestrutura física é dotada de um núcleo de saúde, em que são prestados atendimentos ambulatoriais, uma enfermaria e um centro cirúrgico no qual são feitos procedimentos cirúrgicos de baixa e média complexidade. A assistência educacional do preso se dá através de uma escola de ensino fundamental e médio na qual os internos recebem a instrução escolar. No tocante à superlotação penitenciária, ressalta-se que a PIRC não possui esse grave problema, sendo que a lotação máxima alcançada foi de 520 internos 223 SILVA, Cosmo Sobral da; BEZERRA, Everaldo Batista. A Terceirização de Presídios a Partir do Estudo de Uma Penitenciária do Ceará. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6541>. Acesso em: 17 set. 2012. 224 Dados do site Agência SEBRAE de Notícias; disponível em http://asn.interjornal.com.br/noticia.kmf?noticia=1621368&canal=40&assunto=abelha&tipo_ass unto=2&ignora_acentos=1. Acesso em 13 set. 2012. 117 (dados de 2005). Ainda com relação à assistência ao egresso, uma equipe de assistentes sociais dos quadros da própria CONAP realiza esse trabalho.225 No ano de 2002, com apoio do Ministério da Justiça, o governo do Ceará levou adiante a política de terceirização dos estabelecimentos penais, inaugurando a Penitenciária Industrial Regional de Sobral – PIRS e o Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira II. À administradora (Companhia Nacional de Administração Prisional CONAP) cabe prover a alimentação, a manutenção e limpeza, vestuário e material de higiene para os presos. É ainda responsável pelo pessoal da área de segurança nas atividades de monitoramento das áreas de vivência, bem como o atendimento médico, odontológico, psicológico, social e jurídico. A supervisão das rotinas internas das oficinas de trabalho e as atividades de educação física dos detentos são igualmente atribuições da empresa administradora.226 No ano de 2007 o Ministério Público Federal contestou a privatização dos presídios no Ceará - Penitenciária Industrial Regional do Cariri (PIRC), Penitenciária Industrial Regional de Sobral (PIRS) e Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira II (IPPOO II). Para o MPF, o sistema de privatização das penitenciárias no Ceará teria ocorrido com dispensas de licitação sucessivas e elevadíssimos custos para o erário, de contratos de terceirização ou co-gestão prisional, sem qualquer respaldo legal. O custo médio por preso administrado pela CONAP era de R$ 920,00, entretanto, nos outros dez presídios cearenses esse valor ficava em R$ 650,00.227 Todavia, em 2010 o Tribunal Regional 225 SILVA, Cosmo Sobral da; BEZERRA, Everaldo Batista. A terceirização de presídios a partir do estudo de uma penitenciária do Ceará. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6541>. Acesso em 03 set. 2012. 226 Governo do Estado do Ceará. Governo Inaugura Novo Presídio. Disponível em: http://www25.ceara.gov.br/noticias/noticias_detalhes.asp?nCodigoNoticia=7259. Acesso em 08 set. 2012. 227 Procuradoria da República no Ceará. Ação MPF/CE questiona privatização dos presídios no estado. Disponível em: http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/geral/mpf-ce-acao-contra-privatizacao-dospresidios-sera-intensificada-com-completa-investigacao/. Acesso 03 set. 2012. 118 Federal da 5ª Região decidiu, por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento interposto pelo Estado do Ceará, e reconhecer a ilegitimidade ativa do MPF e da OAB/CE para a causa e a incompetência da Justiça Federal para conhecimento da mesma, indeferindo a petição inicial daquela ação civil pública. 3.2.3 O modelo de gestão penitenciária compartilhada no Espírito Santo O modelo de gestão compartilhada prisional, no estado do Espírito Santo, foi implantado com o governo estadual em duas penitenciarias, a Penitenciária de Segurança Máxima (PSMA) localizada no município de Viana e a Penitenciária de Segurança Média de Colatina, em Colatina. No ano de 2005 foi inaugurada a penitenciária de Colatina, com capacidade para 300 vagas (24 para a ala feminina). O governo estadual realizou uma parceria com o Instituto Nacional de Administração Prisional Ltda (INAP). A empresa privada, além de arcar com os custos para aquisição, instalação e manutenção de equipamentos de segurança, uniformes (agentes, internos e funcionários), roupas de cama, colchões, kits de higiene para os presidiários, alimentação e serviços de apoio à cozinha, instalação de uma estrutura para atendimento médico, odontológico e enfermaria, proporcionava, ainda, trabalho e educação para os presidiários. A empresa contratada oferece aos internos serviços ocupacionais, mantendo um setor de seleção e ocupação, sob supervisão da direção da penitenciária, com as atribuições de selecionar os internos para as atividades nos canteiros de trabalho, elaboração de relatórios de frequência dos internos ao trabalho, para fins de remuneração e emissão de atestado de trabalho para remição da pena. O presídio dispõe de mais 06 salas específicas para o desenvolvimento de atividades voltadas para o trabalho dos internos. Além do trabalho, a empresa mantém salas específicas para estudos dos presos. Nestes locais, os internos frequentam aulas do ensino básico e fundamental. E 119 todas as alas do presídio são monitoradas por um sistema de câmaras, inclusive na portaria.228 Em 2006, a penitenciária de Colatina teve um foco de rebelião em uma de suas alas (cerca de 53 internos) devido à reivindicação dos presos contra a proibição da entrada de malotes na penitenciária. O presídio não estava superlotado (possuía cerca de 300 presos) e possuía todas as assistências necessárias garantidas, incluindo quatro alimentações diárias e atendimentos médicos. A reivindicação dos presos não foi atendida e, após 11 horas de protesto, a penitenciária voltou à normalidade.229 A Penitenciária de Segurança Máxima, localizada no município de Viana, também adotou, em 2007, o sistema de Gestão compartilhada com o Instituto Nacional de Administração Prisional Ltda (INAP). Com capacidade para 500 vagas, foi totalmente reformada com recursos próprios do Estado, com gastos no valor de R$ 6,7 milhões, no início do ano passado. A PSMA conta com circuito interno de TV com 64 câmeras, espaços e salas para a administração, alojamento para agentes, ambulatório com consultório médico, psicológico e atendimento odontológico, pessoal técnico da unidade e área de segurança, quatro salas para fins pedagógicos e educacionais, uma sala de múltiplo uso e uma biblioteca, salas para assistência social e jurídica, defensoria pública e assistência psicológica, além de áreas de visitas para familiares e seis quartos para encontros íntimos cada ala.230 228 Assessoria de Comunicação da Secretaria de Estado da Justiça. Trabalho e Educação para Internos da Nova Penitenciária de Colatina. Disponível em:http://www.es.gov.br/site/noticias/show.aspx?noticiaId=99647500. Acesso em 02 set. 2012. 229 SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro. Acesso em 02 jul. 2012. 230 Governo do Espírito Santo. Ministro da Justiça visita novas unidades do Complexo Penitenciário de Viana. Disponível em: http://www.es.gov.br/site/noticias/show.aspx?noticiaId=99666035. Acesso em 10 set. 2012. 120 3.3 O Complexo Penitenciário de Itaquitinga-PE Em 2004, foi publicada a Lei federal n.º 11.079231, que instituiu as normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pública. Essa Lei prevê duas modalidades de concessão: a patrocinada e a administrativa. No modelo de concessão administrativa tem-se a possibilidade de empreendimentos no campo penitenciário, fazendo com que os estados de Pernambuco e Minas Gerais iniciassem processos visando à concretização de projetos prisionais. Atualmente ainda não se tem concretizada nenhuma experiência de contrato de gestão de presídios nos moldes da lei das parcerias públicoprivadas, porém, Minas Gerais (que, em 2008, colocou em consulta pública a PPP de uma prisão para 3 mil detentos, orçada em 200 milhões de reais) e Pernambuco (que submeteu à consulta pública uma PPP visando a construção e gestão de um Centro Integrado de Ressocialização) já estão na fase final dos projetos.232 3.3.1 O projeto do Complexo Penitenciário de Itaquitinga-PE Em 11 de janeiro de 2008, o estado de Pernambuco colocou em consulta pública um projeto para a construção de um presídio por meio de parceria público-privada (PPP). 231 Ao final de dezembro de 2004, após amplos debates, inclusive em virtude de que vários estados já haviam normatizado o assunto, o Congresso Nacional aprovou a Lei das PPPs. O processo legislativo só deslanchou quando o próprio governo viabilizou apresentação de um novo texto, no âmbito da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Aí, o assunto foi rapidamente votado no Senado e na Câmara dos Deputados, e surgiu, em 30.12.2004, a lei das PPPs. SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005.p.16. 232 AZEVEDO Sette; Primeiro passo para parcerias. disponível em: http://www.azevedosette.com.br/ppp/noticias/2008-01-17_05.html Acesso em 10 ago 2012. 121 O objetivo é a exploração, precedida da execução de obras, do Centro Integrado de Ressocialização de Itaquitinga – CIR ITAQUITINGA. O valor a ser gasto será de R$ 287,4 milhões.233 O Centro terá capacidade para 3.126 internos, sendo composto por duas unidades para regime semiaberto com 600 internos cada uma e três unidades para regime fechado com 642 internos cada. O prazo para exploração da parceria público-privada será de 33 anos, onde 3 anos serão utilizados para a construção da obra e os 30 anos restantes para explorar os serviços. Admitese prorrogação do prazo, respeitado o limite legal de 35 anos. Os integrantes da parceria público-privada são o Consórcio Reintegra Brasil, formado pelas empresas Advance Construções e Participações Ltda. e Yumatã Empreendimentos e Serviços de Manutenção Ltda. O tipo de contrato administrativo será por Concessão Administrativa. Quanto à alocação dos riscos, o parceiro privado é responsável, por exemplo, pelos riscos operacionais e financeiros, enquanto o parceiro público responde pelos riscos políticos e regulatórios, sendo compartilhados os riscos de caso fortuito e força maior, entre outros. A contraprestação pecuniária, neste contrato, foi batizada de “CCR – Contraprestação da Concedente para Ressocialização”, devendo a mesma ser proporcional ao desempenho do Parceiro Privado, conforme aferido pela nota do QID – Quadro de Indicadores de Desempenho. O Centro Integrado de Ressocialização de Itaquitinga será construído no município de Itaquitinga, localizado na Zona da Mata, norte do estado de Pernambuco, numa área de 98 hectares, localizada a 16,7 quilômetros do centro urbano de Itaquitinga e a 18,0 quilômetros do centro urbano de Araçoiaba. O projeto contempla módulos com funcionamento independente, de modo a otimizar os trabalhos técnicos e permitir a classificação dos internos e 233 ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev. atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p. 66. 122 individualização da pena em função do perfil criminológico e do regime de atividades a que serão submetidos, observando-se a Lei de Execução Penal. No projeto está prevista a construção de cinco salas exclusivas para visitas íntimas, um parlatório (recinto onde o preso se comunica por telefones), padaria, capacitação profissional, além de contar com moderno sistema de segurança (com uso de raio "X" e várias áreas de revista). Ainda, haverá uma câmera de vídeo para cada três detentos, sendo mais de mil câmeras distribuídas por todo o Centro. Alambrados de 5 metros de altura, cães de guarda e sensores de movimento. Todo o sistema de construção da unidade foi realizado visando a não recepção de sinais de telefone celular. Segundo o secretário de ressocialização, a nova unidade cumpre todos os requisitos da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984).234 Cada preso terá um custo de, aproximadamente, R$ 2,4 mil por mês. Atualmente os gastos estaduais com apenados giram em torno de R$ 1,4 mil por preso/mês.235 Todavia, há que se raciocinar no sentido de que, no caso da penitenciária pública, não raro há casos de superlotação prisional, falta de serviços básicos como assistência médica, educação, trabalho, assistência jurídica e outros. Assim, verifica-se que a contabilização do valor gasto pelo estado por preso/mês pode estar contaminada pela não efetivação daqueles gastos necessários e que, no caso do serviço a ser prestado pelo parceiro privado, os valores estão computados. O Centro Integrado de Ressocialização de Itaquitinga contará com cozinha, lavanderia, padaria, canil e granja, ocupando uma área de 100 hectares, num terreno da Usina São José. Todas as unidades do complexo irão funcionar independentes. O apenado será individualizado de acordo com a 234 Instalações do Centro Integrado de Ressocialização (CIR) de Itaquitinga. Reportagem exibida na última sexta-feira (03 ago. 2012) pelo programa Plantão 190 da TV Jornal acompanha ritmo das obras e futuras instalações do Centro Integrado de Ressocialização (CIR) de Itaquitinga, na Zona da Mata Norte de Pernambuco. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=5uk8Rxuttjk. Acesso em 18 set. 2012. 235 Secretaria do Planejamento e Gestão de Pernambuco. Itaquitinga Vai Abrigar Presídio Disponível em: http://www.ppp.seplan.pe.gov.br/noticias.php?id=36. Acesso em 09 set. 2012. 123 pena e o perfil criminológico atendendo a Lei de Execução Penal (LEP). O Centro terá apenas dois tipos de cela: individual e coletiva, no máximo, com quatro presos, devendo receber os detentos dos três presídios existentes na Ilha de Itamaracá. De acordo com Bompastor, gerente-geral de PPP da Secretaria de Planejamento do Estado, "escolhemos o sistema de PPP por saber que o Estado não tem recursos para construir um presídio".236 Conforme a minuta do contrato administrativo prevista no edital de abertura da licitação, caberá à concessionária, entre outros compromissos, dotar a unidade prisional dos seguintes profissionais: advogado, assistente social, médico clínico, médico psiquiatra, psicólogo, terapeuta educacional, odontólogo, enfermeiro, professores de educação física, ensino fundamental e ensino médio e instrutor de informática. O objetivo é a prestação de serviços assistenciais à população carcerária, tendo por fim harmonizar a convivência entre os internos e o seu futuro retorno à sociedade, proporcionando as condições físicas e psicológicas para o cumprimento da pena que lhes foi imposta, através da assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.237 Os cargos de diretor geral, diretor adjunto e coordenador de segurança e disciplina serão ocupados por servidores públicos do Estado de Pernambuco. Ao diretor geral caberá, entre outras responsabilidades, a de garantir a vedação contratual à ultrapassagem do limite nominal de capacidade do Centro de Integração de Ressocialização de 3.126 internos, o limite de cada unidade de regime fechado de 642 internos e o limite de cada unidade de regime semiaberto de 600 internos. Desse modo, de pronto verifica-se que, em caso 236 Secretaria do Planejamento e Gestão de Pernambuco. Itaquitinga Vai Abrigar Presídio Disponível em: http://www.ppp.seplan.pe.gov.br/noticias.php?id=36. Acesso em 09 set. 2012. 237 Governo de Pernambuco. Minuta de edital de contrato de Parceria Público-Privada. Disponível em: http://www.ppp.seplan.pe.gov.br/comunicados_oficiais.php?menus=4. Acesso em 06 set. 2012. 124 de superlotação de celas, a responsabilidade direta está vinculada ao diretor geral do estabelecimento. À polícia militar do estado de Pernambuco caberá a função de manutenção dos serviços de policiamento e vigilância externa na unidade prisional, nos vários postos de segurança, bem como o acompanhamento em escoltas para hospitais, fórum e outros locais, dentro e fora dos limites do município, e ainda a intervenção na área interna das unidades, neste último caso, por solicitação da direção geral da penitenciária. O projeto de ressocialização, de responsabilidade da concessionária, englobará os procedimentos para reinserção dos internos à sociedade, descrevendo os projetos que deverão ser implantados com o propósito de possibilitar a educação e a qualificação profissional, bem como a possibilidade de trabalho e sua respectiva remuneração e também o resgate da cidadania. A concessionária, observado o disposto em legislação de execução penal e correlata, e sob a supervisão, coordenação e fiscalização da direção da unidade, será responsável pela seleção, alocação e/ou retirada dos sentenciados aos/dos postos de trabalho e, entre outras responsabilidades, a supervisão dos sentenciados em regime semiaberto durante a realização de trabalho externo. Será possível haver, consoante o previsto no contrato de concessão, duas configurações para o trabalho dos sentenciados, sendo que em ambas a tomadora do trabalho não poderá ser a própria concessionária, quais sejam: - trabalho preferencialmente de natureza industrial, rural ou agrícola e de serviços, cujo tomador seja uma pessoa jurídica terceira, formalizada por meio de instrumento jurídico hábil entre o contratante e o tomador, sendo necessária prévia anuência da Concessionária que figurará com interveniente-anuente. O tomador poderá ser órgão ou ente da esfera pública; 125 - trabalho referente a serviços gerais e de manutenção da Unidade. Quanto à remuneração da concessionária, verifica-se que o “quadro de indicadores de desempenho” influencia diretamente nos valores a serem pagos. Assim, conforme os critérios de gestão pré-estabelecidos em contrato, quanto mais pontos (de 0 a 100) tiver o “desempenho” da concessionária, maior será o valor mensal a ser recebido por ela, quanto menos pontos, menor o valor. Citamos um exemplo: no atendimento do serviço social há previsão de atendimento de 13% dos presidiários/mês, no atendimento médico, 6,5% dos internos/mês, serviço de advocacia 13% dos internos por mês, se cumpridas essa metas a concessionária terá 2 pontos positivos em cada uma. Caso ocorra fuga de internos (nível de tolerância máxima de 1 fuga/semestre), ou rebelião (nível de tolerância máxima 1/ano) serão computados 10 pontos negativos. Isso se dá em todos os setores do programa de reintegração (serviço social, psicologia, advocacia, educacional, lazer, saúde, odontologia, etc...); do programa de alimentação; de higiene do recinto; das normas para internos; da sociedade; dos funcionários; e das instalações físicas e instalações de segurança.238 Ainda, caso seja aferido que a concessionária apresentou NQID (nota do quadro de indicadores de desempenho) abaixo de 07 (sete) e não sanar todos os problemas de qualidade encontrados, terá uma redução de 5% na contraprestação do governo, até que volte a apresentar nota superior a 7 (sete).239 Além do fator financeiro, outro fator relevante que integra a punibilidade do parceiro privado (em caso de má gestão do presídio) é se for declarada a 238 Governo de Pernambuco. Minuta de edital de contrato de Parceria Público-Privada. Disponível em: http://www.ppp.seplan.pe.gov.br/comunicados_oficiais.php?menus=4. Acesso em 27 ago. 2012. 239 Governo de Pernambuco. Minuta de edital de contrato de Parceria Público-Privada. Disponível em: http://www.ppp.seplan.pe.gov.br/comunicados_oficiais.php?menus=4. Acesso em 27 ago. 2012. 126 caducidade da concessão administrativa. Esta caducidade pode acontecer quando houver, entre outras ocorrências: serviço prestado inadequada ou deficientemente (de acordo com o Quando de Indicadores de Desempenho); reiterada oposição ao exercício da fiscalização, não acatamento de determinações ou sistemática desobediência às normas de operação; se a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos prazos estabelecidos; se obtiver notas de desempenho que caracterizem “desempenho geral nulo” na prestação do serviço, por 2 (dois) trimestres consecutivos, em virtude do descumprimento das metas estabelecidas no Quadro de Indicadores de Desempenho. Se a concessionária, no prazo que lhe for fixado pelo governo, não corrigir as falhas e transgressões apontadas, este instaurará o competente processo administrativo para configurar a inadimplência da concessionária e, consequentemente, a retomada da administração prisional.240 Dessa forma, percebe-se que a Administração Pública estará equipada com ferramentas eficazes para o fiel cumprimento das obrigações contratuais por parte do parceiro privado, tanto no campo financeiro (onde quanto melhor for o desempenho da concessionária maior será o seu retorno financeiro) quanto no campo administrativo (em caso de má gestão do contrato, pela concessionária, poderá ser declarada a caducidade do contrato e a consequente retomada do serviço pelo parceiro público). Essas ferramentas (cláusulas contratuais que penalizam o parceiro privado em caso de não cumprimento de suas obrigações) não só estarão à disposição da Administração Pública como também de outros personagens, como representantes da sociedade civil organizada, Ministério Público, Defensor específico do apenado e o próprio presidiário em questão. 240 Governo de Pernambuco. Minuta de edital de contrato de Parceria Público-Privada. Disponível em: http://www.ppp.seplan.pe.gov.br/comunicados_oficiais.php?menus=4. Acesso em 27 ago. 2012. 127 3.3.2 Os primeiros efeitos do projeto Complexo Penitenciário de Itaquitinga-PE e a implantação desse modelo por outros estados A concretização da obra do Complexo Penitenciário de Itaquitinga emprega, entre outras, a mão de obra de aproximadamente 2000 operários. 241 Consoante o cronograma de execução da obra, previsto em contrato242, o prazo para a conclusão do projeto era outubro de 2012. Entretanto, em virtude de parcial paralização dos operários, haja vista questões trabalhistas, o Governo pernambucano flexibilizou esse prazo.243 Em agosto de 2012, a prefeitura municipal de Itaquitinga veiculou a oferta de vagas de emprego, nas mais diversas áreas, para o Centro Integrado de Ressocialização, onde são oferecidos em torno de 949 empregos diretos: CONFIRA AS VAGAS DE EMPREGO OFERECIDAS PELO CIR: Está aberto o cadastramento de profissionais que estão interessados em trabalhar no Centro Integrado de Ressocialização – CIR. O processo de cadastramento será feito somente através da internet, para interessados de Itaquitinga e cidades vizinhas. [..] AUXILIAR DE ENFERMAGEM – 20 Vagas; ALMOXARIFE – 5 Vagas; ARQUIVISTA/CRV – 5 Vagas; ASSISTENTE ADMINISTRATIVO – 34 Vagas; AUXILIAR DE SERVIÇOS GERAIS (ASSISTENTE DE ODONTOLOGIA) – 05 Vagas; AUXILIAR DE SERVIÇOS GERAIS – 35 Vagas; AGENTE DE CONTROLE – 659 Vagas; ADVOGADO – 10 Vagas; ASSISTENTE SOCIAL – 11 Vagas; CHEFE DE RH; CHEFE DE LOGISTICA; CHEFE DE COMPRAS; CHEFE DE FINANÇAS; CINÓFILO – 56 vagas; ENCARREGADO FINACEIRO; 241 6 Tribunal Regional do Trabalho. Coordenação de Comunicação Social. Obra enfrenta paralisação. Disponível em: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=operarios%20cir%20itaquitinga&source=web&cd=4 &cad=rja&ved=0CDMQFjAD&url=http%3A%2F%2Fwww.trt6.gov.br%2Fportal%2Fcontent%2Fi mprensa%2Fclipping%2F2012%2Fjun%2Fclipping_14_jun_2012.doc&ei=RR1bUMpB4O09QSo_YHICg&usg=AFQjCNHH70hiEbkWJ97nzHQft5Nny-UPww. Acesso em 17 set. 2012. 242 Governo de Pernambuco. Minuta de edital de contrato de Parceria Público-Privada. Disponível em: http://www.ppp.seplan.pe.gov.br/comunicados_oficiais.php?menus=4. Acesso em 27 ago. 2012. 243 12/09/2012 - 17:48h. Nota de esclarecimento - CIR Itaquitinga. Em resposta ao texto "Prisioneiros de dívidas", publicado hoje, na coluna Diário Econômico, a Secretaria do Governo (Segov) esclarece: A Secretaria do Governo tem conhecimento da paralisação das obras no Centro Integrado de Ressocialização de Itaquitinga por parte dos empregados da Advance. Os operários terceirizados seguem trabalhando no canteiro de obras. Porém, devido a queda no quantitativo de trabalhadores, a Segov esclarece que está em processo um levantamento de dados para reavaliar os prazos para a inauguração da unidade em questão. Disponível em: http://www.segov.pe.gov.br/?q=node/207. Acesso em 20 set. 2012. 128 ENCARREGADO DE PESSOAL; ENCARREGADO DE TRANSPORTES; ENFERMEIRO – 10 VAGAS; ESTOQUISTA – 2 VAGAS; FARMACÊUTICO; GERENTE TÉCNICO / MÉDICO PSQUIATRA; INSTRUTOR DE OFICINA – 05 VAGAS; MOTORISTA – 15 VAGAS; MÉDICO CLÍNICO – 10 VAGAS; NUTRICIONISTA – 02 VAGAS; ODONTÓLOGO – 10 VAGAS; PROFESSOR EM EDUCAÇÃO FÍSICA – 08 VAGAS; PROFESSOR DE ENSINO FUNDAMENTAL DE MÉDIO – 24 VAGAS; PSICÓLOGO – 10 VAGAS; TERAPEUTA OCUPACIONAL – 13 VAGAS; TECNICO EM 244 SEGURANÇA DO TRABALHO – 02 VAGAS. Assim, é inegável a conclusão de que, na pequena cidade de Itaquitinga, cuja população era, em 2010, de aproximadamente 15 mil habitantes, 245 e que está a uma distância de 70 km da capital Recife,246 a oferta 2000 mil empregos de mão de obra operária para a construção do complexo (situação provisória até o término das obras) e de quase mil oportunidades de empregos diretos (empregabilidade permanente), em virtude de um empreendimento dessa envergadura, se traduz na geração de significativo progresso social para aquela comunidade. Nas palavras de D’Urso, quando se manifestou favorável à implantação de presídios privados no país: Registro que sou amplamente favorável à privatização, no modelo francês e as duas experiências brasileiras, uma no Paraná há um ano e outra no Ceará, há dois meses, há de se reconhecer que são um sucesso, não registram uma rebelião ou fuga e todos que orbitam em torno dessas unidades, revelam que a ‘utopia’ de tratar o preso adequadamente pode se transformar em realidade no Brasil. [...] Das modalidades que o mundo conhece, a aplicada pela França é a que tem obtido melhores resultados e testemunho que, em visita oficial aos estabelecimentos franceses, o que vi foi animador.[...] De minha parte, não me acomodo e continuo a defender essa experiência no Brasil, até porque não admito que a situação atual se perpetue, 244 Confira as vagas de emprego oferecidas pelo CIR. Disponível em: http://www.itaquitinga.pe.gov.br/conteudo.php?cont=111&modulo=3. Acesso em 04 set. 2012. 245 IBGE censo 2010. Município de Itaquitinga, PE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acesso em 18 set. 2012. 246 Consulta a distâncias no Google maps. Disponível em: http://maps.google.com.br/maps?hl=ptBR&cp=14&gs_id=2dk&xhr=t&q=itaquitinga+pe&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.r_qf.&biw=1366&bih=6 01&um=1&ie=UTF-8&sa=N&tab=wl. Acesso em 15 set. 2012. 129 gerando mais criminalidade, sugando nossos preciosos recursos, 247 para piorar o homem preso que retornará, para nos dar o troco! Por outro lado, não se pode deixar de dar ouvidos e atentar para o pensamento de Boaventura de Souza Santos, quando esse cientista social afirma que “A crise é uma grande oportunidade para o capital financeiro pedir a privatização dos espaços”.248 De qualquer sorte, verifica-se que, com advento da Lei 11.079/2004, está regulamentada a participação privada na consecução de projetos prisionais no Brasil. Dois grandes empreendimentos já estão em fase final de conclusão (Minas Gerais com previsão de 3 mil vagas e Pernambuco com 3.126 vagas). O estado de São Paulo iniciou chamamento público para estudo sobre unidades prisionais, e esse tema já desperta polêmica. De um lado, a pastoral carcerária infere que esse não é o melhor caminho; de outra face, o Ministério Público estadual se posiciona favoravelmente: Rodolfo Valente, advogado da Pastoral Carcerária paulista, criticou e afirmou que construir presídios e cuidar dos presos é obrigação do Estado. Valente acredita que as empresas vão buscar o lucro a todo custo e diz que teme até mesmo uma exploração dos presos. Já o promotor da vara das execuções penais, Pedro Juliot, elogiou a proposta do governo paulista. Para ele, o Estado sozinho não consegue resolver esse problema e a parceria com a iniciativa 249 privada tende a ser uma solução. 247 D’URSO, Luíz Flávio Borges. Privatização Das Prisões Mais Uma Vez A Polêmica. Disponível em: http://www.oabms.org.br/noticias/lernoticia.php?noti_id=137. Acesso em 03 set. 2012. 248 Prosperidade não é sinônimo de crescimento econômico. Entrevista concedida pelo cientista social Boaventura de Sousa Santos, ao jornalista Marcelo Lins, para o programa Milênio, da Globo News. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-ago-31/ideias-milenioboaventura-sousa-santos-cientista-politico. Acesso em 10 set. 2012. 249 SP vai construir três presídios no sistema de PPP e essa ideia já causa polêmicas. Disponível em: http://jovempan.uol.com.br/noticias/saopaulo/2012/05/sp-vai-construir-trespresidios-no-sistema-de-ppp-e-essa-ideia-ja-causa-polemicas.html. Acesso em 20 set. 2012. 130 Em Goiás o Governo estadual publicou chamamento público para a construção e operação de um complexo penal. O Estado de Goiás, por intermédio da Agência Goiana do Sistema de Execução Penal (AGSEP), publicou o Chamamento Público 01/2012, com o objetivo de obter manifestações de interesse para "estudos e modelagem do Projeto de Parceria Público-Privada - PPP visando à construção, equipagem e operação do Complexo Penal Odenir Guimarães no Município de Aparecida de Goiânia, com capacidade 250 para 1.600 presos condenados”. No estado do Mato Grosso, o governo publicou chamamento para empresas interessadas em gerir um complexo penitenciário para 3 mil vagas, nos moldes das PPPs. O governador Silval Barbosa (PMDB) realizou, na manhã desta terça (31) o chamamento para empresas interessadas em Parceria Público Privada (PPP) com o Estado. Além da conclusão do Hospital Central, cujas obras estão paralisadas há mais de 27 anos, o governador propôs a construção de um complexo penitenciário com vagas para 3 mil detentos. As empresas interessadas em projetar, executar, operacionalizar e gerenciar o novo presídio tem até 6 meses para se manifestar e, a partir da definição do projeto, a proposta vencedora terá prazo de 18 meses para a conclusão das obras.O complexo penitenciário deve contar com 5 unidades penais, sendo 3 destinadas ao regime fechado. O investimento estimado é de R$ 182,9 milhões, sendo R$ 161,9 milhões para a construção e cerca de R$ 21 milhões 251 para compra de equipamentos. Nessa esteira, segue também o estado de Alagoas, que em 2012 publicou, dentro de procedimento de manifestação de interesse, o nome de três empresas autorizadas a desenvolver estudos sobre a viabilidade de PPPs na área prisional: O Estado de Alagoas publicou os nomes das empresas autorizadas a desenvolver estudos de viabilidade para futura PPP no setor de gestão penitenciária. O objeto dos estudos envolve: "(...) desenvolver, 250 Estado de Goiás publica PMI para construção e operação de presídio. Disponível em: http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/estado-de-goi%C3%A1s-publica-pmi-paraconstru%C3%A7%C3%A3o-e-opera%C3%A7%C3%A3o-de-pres%C3%ADdio. Acesso em 20 set. 2012. 251 Governador propõe PPP para construção de presídio em MT. Disponível em: http://www.grupogazeta.com.br/conteudo/show/secao/10/materia/311629. Acesso em 20 set. 2012. 131 por sua conta e risco, Projeto Básico e Estudos de Viabilidade de empreendimento na área de segurança pública, visando à construção, manutenção, conservação, operação e gestão de um Centro Integrado de Ressocialização – CIR, compreendendo 03 (três) unidades penais, sendo duas em Regime Fechado e uma no Regime 252 Semiaberto, contendo 600 (seiscentas) vagas cada". No Rio Grande do Sul, em 2011, o novo Governo desistiu da implantação de um complexo penitenciário na região de Canoas, nos moldes das parcerias público-privadas. Entretanto, em abril de 2012 foi designado o Conselho Gestor das Parcerias Público-Privadas,253 o que talvez possa sinalizar uma disposição governamental no sentido de aplicação desse instituto no campo penitenciário.254 Por certo é que, com a iminente entrada em funcionamento do Complexo Penitenciário de Itaquitinga-PE, e logo em seguida o projeto de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, em médio prazo se poderá proceder à avaliação de resultados palpáveis acerca de, se esse modelo de tratamento penal pode ser uma alternativa mais viável e mais eficaz, do ponto de vista da readequação social do egresso, do que o tratamento disponibilizado, hodiernamente, pelo Poder Público. Os modelos de gestão compartilhada implantados na seara prisional brasileira e que tiveram início com a experiência da penitenciária de Guarapuava, no Paraná em 1999, trazem uma mudança de paradigma na relação Estado/Apenado, no sentido de que outros atores são envolvidos nesse campo. 252 Alagoas autoriza 3 consórcios em PMI envolvendo PPP em presídios. Disponível em: http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/alagoas-autoriza-3-cons%C3%B3rcios-em-pmienvolvendo-ppp-em-pres%C3%ADdios. Acesso em 20 set. 2012. 253 O atual Conselho Gestor, órgão superior, de caráter normativo e deliberativo, ligado ao Gabinete do Governador foi esignado em 17 de abril de 2012. Cabe ao Conselho Gestor definir condições para inclusão de projetos no Programa PPP/RS, aprová-los, bem como deliberar sobre qualquer alteração, revisão, rescisão, prorrogação ou renovação de contrato de parceira público-privada. O Conselho Gestor é presido pelo Governador. Disponível em: http://www.investimentos.ppp.rs.gov.br/portal/index.php?menu=texto&item_submenu=34. Acesso em 20 set. 2012. 254 Conselho Gestor – SEPLAG/RS. Disponível em: http://www.seplag.rs.gov.br/conteudo_puro.asp?cod_menu_pai=&cod_tipo_conteudo=&cod_m enu=531. Acesso em 20 set. 2012. 132 A “normalidade” dessa relação, conhecida até então, era a de que aquele indivíduo com a liberdade restringida, em virtude do cometimento de algum ilícito (penal ou até mesmo civil, já que a restrição de liberdade pelo cometimento de faltas militares é cumprida em locais próprios) se via numa relação dual de Estado/presidiário, onde ele, o apenado, permanecia por completo sob a égide do controle estatal em penitenciária pública. Assim, naquele modelo de co-gestão implantado no Paraná, com a introdução de novos atores no processo, a exemplo do empresário que oferece o trabalho nas diversas fábricas; da sociedade civil que fiscaliza as condições de cumprimento de pena a que o preso está submetido; da iniciativa privada que administra o complexo prisional e possui, como direito, o pagamento pelos serviços prestados e, como dever, a prestação do serviço adequado; e do Estado que fiscaliza o cumprimento do acordo e aplica as sanções pertinentes quando necessário, nasce uma experiência inovadora e viável, no sentido de melhor tratamento dispensado ao apenado, alvo primeiro de toda aquela complexa estrutura. A discussão se dá no campo do cumprimento de pena pelo presidiário. A este cabe o direito a um ambiente digno (salubre, com espaço, condições de sobrevivência, serviços de alimentação, saúde, educação, trabalho e de defensoria judicial, etc.) e a possibilidade de ser reclamante em caso de falta ou desvio na prestação daqueles serviços. A voz ativa do apenado, cremos que se dê nesse sentido, já que sua condição é a de “cumpridor” de pena privativa de liberdade em virtude do cometimento de ilícito perante a sociedade em que está inserto. Não há, em nossa ótica, um espaço maior para “deliberações” de parte dessa personagem, sendo, nesse relacionamento, a figura com o comportamento mais passivo dentre os atores envolvidos nesse do processo. Nesse modelo o Estado deixa de ser o ator principal, até mesmo em virtude das notórias deficiências existentes no sistema prisional público atual, 133 passando a exercer um papel de “fiscalizador” da prestação do serviço pelo parceiro privado. Nessa relação minoritária, Estado/iniciativa privada, ao parceiro público cabe, em última análise, a fiscalização contratual da prestação dos serviços e, em caso de descumprimento, a aplicação de sanções, mormente pecuniárias, nessa relação concessionária. Ainda, há a obrigação de efetivar o retorno financeiro ao parceiro privado, haja vista a prestação dos serviços. No plano político-legislativo o Estado brasileiro vem implementando medidas no sentido de fomentar a educação em âmbito prisional. Recentemente o Legislativo brasileiro aprovou a Lei 12.433/2011, a qual possibilita a remição de pena pelo estudo e, ainda, altera o cálculo da diminuição da pena. Pelo dispositivo anterior, o tempo remido era computado no cálculo da pena apenas para o livramento condicional e o indulto (art. 128 da Lei 7.210/1984 – LEP). Com a nova redação do referido artigo255 o tempo remido passa a ser computado como pena cumprida, para todos os efeitos. No campo administrativo, o Departamento Penitenciário Nacional implantou, por meio da Portaria Conjunta 276, de 20/06/2012, o projeto “Remição pela Leitura”. Essa Norma estabelece que o apenado, sendo voluntário a fazer parte do projeto, deverá realizar a leitura de obra literária, clássica, científica ou filosófica, dentre outras e, ao final do período de 21 a 30 dias, apresentar uma resenha, onde então serão avaliados diversos critérios. Em resumo, ao preso que cumprir as premissas estabelecidas pelo “Projeto Remição pela Leitura” será possível diminuir quatro dias de pena a cada publicação lida, perfazendo a possibilidade de remir até quarenta e oito dias a cada doze meses de cumprimento de pena.256 255 Lei 7.210 de 11 de julho de 1994. Lei de Execução Penal. Art. 128. O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm Acesso em 30/10/2012. 256 Departamento Penitenciário Nacional. Portaria Conjunta nº 276, de 20 de junho de 2012. Disciplina o Projeto de Remição pela Leitura no Sistema Penitenciário Federal. Disponível em: http://www.stj.jus.br/internet_docs/biblioteca/clippinglegislacao/POC_276_2012_DPE.pdf acesso em 28/10/2012. 134 Tal mecanismo também encontra disposição de ser instalado em nível estadual, pois já existem planejamentos no sentido de se implementar esse incentivo nos presídios estaduais257. Quanto à sociedade civil, estamos diante de dois momentos em que é possível efetivar deliberações acerca da relação público-privada em sistemas penitenciários. O primeiro deles se dá quando a Administração Pública submete à consulta pública a implantação desse modelo na seara penitenciária. Ali está o momento em que a sociedade tem condições de deliberar, não apenas no sentido da aprovação ou não aprovação da implantação daquele sistema mas, ainda e principalmente, no sentido de deliberar acerca da implantação de dispositivos orientadores daquela relação, e que salta à importância o insculpido no artigo 1º da Lei de Execução Penal, “proporcionar condições para a harmônica integração social do apenado”258. Desse modo, a sociedade possui condições de deliberar acerca da orientação principiológica daquela relação Estado/parceiro privado, onde constem contratualmente as observações quanto à prestação dos serviços pelo parceiro privado. É nesse momento que a sociedade delibera sobre os dispositivos norteadores do contrato administrativo a ser firmado pela Administração Pública e iniciativa privada. Aqui não se trata daqueles princípios inerentes ao Direito administrativo, mas sim àqueles outros referentes à dignidade da pessoa humana, ao trabalho, educação, saúde do presidiário. A exemplo, pode-se citar a deliberação da sociedade no sentido de que, quando da colocação em consulta pública da PPP prisional, o complexo penitenciário em questão seja dotado de biblioteca adequada àquela regulamentação federal 257 Susepe planeja implementar sistema nos presídios gaúchos. A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) planeja implementar o sistema também nos presídios gaúchos. Conforme a vice-diretora do Departamento de Tratamento Penal da Susepe, Liliane Terhorst, a portaria do Depen, voltada às cadeias federais, serve de incentivo para a criação de um modelo no Estado. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/policia/noticia/2012/06/leitura-de-livros-reduzira-pena-depresos-em-cadeias-federais-3799332.html acesso em 28/10/2012. 258 Lei 7.210 de 11 de julho de 1994. Lei de Execução Penal. Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm Acesso em 30/10/2012. 135 – “Projeto Remição pela Leitura”, a fim de que o apenado tenha condição de usufruir do benefício. Isto posto, o segundo momento onde se possibilita a participação da sociedade civil, nesse contexto, é aquele em que o preso se encontra recolhido ao estabelecimento prisional. É nessa instância que a sociedade, possuidora do poder/dever de fiscalizar a execução dos serviços prestados pelo parceiro privado, tem condições de, em caso de desacordo na prestação de algum serviço, por exemplo, a superlotação carcerária, informar à autoridade competente para que tome as providências adequadas, a fim de que seja estabelecida a devida sanção, quer seja pecuniária quer seja administrativa, e o serviço possa ser readequado. Quanto ao parceiro privado, como em qualquer ramo da iniciativa privada, a intenção é a de auferir lucratividade. Assim, sua participação pode ser resumida na prestação do serviço adequado e o consequente recebimento dos valores atinentes ao contrato. Resta claro, ainda, que esse parceiro passa a ser, sob a ótica social, o principal ator desse processo, pois o seu serviço está na base primeira da efetiva readequação social do indivíduo colocado sob sua égide protecional. É dele que a sociedade, o Estado e o próprio apenado esperam a maior participação. É, principalmente, do resultado de seu trabalho que se possibilitará ao egresso um adequado retorno ao tecido social, onde então se pressupõe que o agora ex-apenado detenha um capital social maior do que aquele que possuía quando de seu recolhimento ao sistema penitenciário. 136 CONCLUSÃO O tema Políticas Públicas de Inclusão Social pode se traduzir como uma intervenção do Poder Público com a finalidade de implantação de ações consideradas prioritárias a determinado segmento social. É uma intervenção do Estado visando à efetivação de políticas no sentido de proporcionar um maior grau de cidadania ao homem, cidadania aqui entendida enquanto dignidade no existir. As políticas públicas ganham forte relevo com o advento da Constituição Federal de 1988, pois é a partir da real democratização da sociedade que se verifica a necessidade da construção de espaços sociais mais eficazes, no sentido de resgate da dignidade. Dessa forma, podemos verificar que nas últimas décadas a temática da gestão pública deixou de ser tratada e debatida somente no âmbito estatal e nos meios acadêmicos, experimentando uma participação mais efetiva da sociedade. Essa maior participação social fez com que se buscassem outras opções na construção de diferentes modelos de gestão da coisa pública. No tocante à segurança pública, questão neural em se tratando de políticas de Estado, e que se ampara em uma esfera tridimensional na qual, estão estruturadas a polícia, o judiciário e o sistema prisional do país, ocorrendo uma falha em uma dessas estruturas todo o sistema estará comprometido. Principalmente quanto à questão prisional, sabe-se que é um tema deveras delicado e complexo. Delicado por abranger, do ponto de vista social, assunto atinente ao dia a dia do homem enquanto cidadão e a segurança que o Estado, além de deter a necessária competência, tem o dever de assegurar. Complexo no sentido de que se trata de uma temática em que diversos atores se veem envolvidos e assim busca-se a atuação de cada um destes, bem como, ainda, traduzir-se na privação de liberdade do indivíduo, e o necessário 137 resgate dessa pessoa, com a finalidade de que detenha um retorno ao tecido social pautado por uma conduta adequada a esse convívio. Assim, a finalidade primordial aqui e o objeto deste trabalho foi, em última análise, verificar a possibilidade de as parcerias público-privadas aplicadas ao âmbito prisional, tendo por base a participação efetiva dos atores envolvidos nesse processo, quais sejam, o Estado, o apenado, a sociedade civil e a iniciativa privada, possuírem condições de proporcionar ao preso, enquanto agente cumpridor de pena, um ambiente e serviços dignos que lhe possibilitem, ao final daquele tempo, a reinserção ao convívio social dentro da legalidade. Desse modo, em um primeiro momento este estudo dedicou-se a tratar dos modelos de gestão pública no desenvolvimento do Estado Moderno. Pode-se dizer que o processo histórico de desenvolvimento do Estado, a partir da República grega em direção ao Estado moderno, se dá com a transformação da civitas em sociedade civil. Vimos que no Estado autoritário e patrimonial dos séculos XV a XVII, o poder emana do soberano que o exerce pela vontade de Deus, e o Estado é tido como propriedade do monarca. A seguir, estudamos que o Estado torna-se liberal e democrático, quando o cidadão, dotado de direitos e obrigações, passa a ter condições de interferir na lei e com isso influenciar em seu próprio destino social. Vimos, ainda, o Estado social-democrático, que tem suas raízes fincadas na Grande Depressão de 1930, quando o capitalismo e a democracia liberal entram em declínio e o Estado passa a intervir mais efetivamente na economia, trazendo uma maior proteção aos direitos sociais. 138 Passamos, então, a verificar a reforma burocrática no sistema estatal na Europa do século XIX, onde o Estado passa a assumir um caráter totalmente moderno e capitalista. Estudamos a reforma do serviço público no Brasil, a qual se deu no governo Vargas em 1936, com a reforma administrativa promovida durante o Estado Novo. Após, verificamos que depois da Segunda Grande Guerra teve início a influência, no modelo capitalista, da administração de empresas na esfera pública, ganhando espaço ideias de descentralização e flexibilização administrativas, e a partir da década de 1970, quando o Estado entra em crise, o modelo burocrático começa a declinar, pois é a partir daí que se sente mais acentuadamente a falta de respostas às demandas sociais, surgindo então a ideia de uma mudança na administração pública. Dessa forma, nos anos 1980 inicia-se uma grande revolução na administração pública dos países centrais em direção a uma administração pública gerencial. Então, já no governo de Fernando Henrique Cardoso tem início a segunda reforma administrativa do Brasil (a primeira foi a reforma de 1936). Essa reforma, capitaneada por Bresser Pereira, adotando um modelo de gestão pública gerencial, tem como fim tornar a Administração Pública eficiente. Nesse modelo o cidadão é visto como um cliente dos serviços públicos e a satisfação do “cidadão-cliente” é um dos principais objetivos a serem alcançados. Vimos que o enfoque gerencial da administração pública emerge na GrãBretanha e nos EUA, após a assunção de governos conservadores, em 1979 (Thatcher) e com Reagan em 1980. A seguir tratamos da gestão pública compartida, onde verificamos que a compreensão do perfil social do povo brasileiro, a partir da constituição de 139 1988, é essencial para pensarmos qualquer forma de Administração Pública Democrática de Direito que se pretenda legítima e eficaz, na modalidade de compartilhamento de competências, deveres e direitos. Vimos que o cidadão não se resume a ter direitos reconhecidos pelo Estado, mas também com práticas sociais e culturais que dão sentido à cidadania. Assim, gestão pública compartida traduz supor modos de participação social nas ações estatais, mormente no aspecto decisório sobre as diversas questões inerentes ao público. Para tanto, é imprescindível construir pactos de comunicação no sentido de alcançar um entendimento sobre o futuro social. Sustenta-se a ideia de uma Administração Pública que parte da teoria de ação comunicativa de Habermas e fundamenta-se em bases filosóficas e operacionais que precisam ser pensadas e estudadas. Ao se estabelecerem ferramentas voltadas à construção de um espaço democrático de comunicação política, corporificadas aqui na existência de entidades da sociedade civil organizada e na concepção de políticas públicas voltadas para a implantação de uma efetiva participação social na esfera decisória do Estado, traduz-se a efetivação de uma maior legitimidade estatal. Em um segundo momento deste trabalho, estudamos as parcerias público-privadas. A questão de que a escassez de recursos públicos para fazer frente a importantes investimentos em setores de responsabilidade do poder público fez com que o Estado procurasse novas formas de relacionamento com o setor privado. Estudamos que as parcerias público-privadas no contexto internacional, surgem na Grã-Bretanha em 1992, com a política liberal de Margareth Thatcher e estão presentes nos mais diversos segmentos. Nos Estados Unidos, diz-se que elas são uma característica básica da política e do sistema de bem-estar norte-americano. Vimos que, por PPP se entende o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa, e que no Brasil a Lei federal n.º 140 11.079/2004 instituiu as normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pública. Assim, as PPPs são uma forma de contratação de determinadas atividades tradicionalmente oferecidas pelo setor público, por meio da qual a Administração Pública contrata uma ou mais empresas privadas, com a finalidade de, por exemplo, construir e administrar estradas, presídios, estações de tratamento de água e esgoto, hospitais, escolas e outros serviços de utilidade pública. Tratamos então das funções jurisdicionais e do poder de polícia no âmbito das PPPs, aonde vimos a indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado. A seguir, estudamos a delegabilidade de serviços penitenciários, como objeto de parceira público-privada e verificamos que a celeuma reside em se saber quais tarefas não podem ser objeto de concessão ao parceiro privado, já que a Lei das PPPs ao regulamentar, expressamente, as funções estatais indelegáveis, utilizou-se de conceitos abertos: “indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado”. Para tanto, verificamos que os limites dessa delegabilidade ao parceiro privado se estabelecem ao se verificar a delimitação das atividades vinculadas à execução penal, sendo esta o resultado do exercício da função jurisdicional criminal. Assim, tem-se que a função administrativa prisional abarca atos materiais, estando estes divididos em atos que incidem diretamente sobre o apenado, como a exemplo dos atos disciplinares (art. 53 da Lei 7.210/1984 Lei de Execução Penal) e atos de gestão penitenciária, como a exemplo da assistência material (alimentação, vestuário, instalações, saúde, assistência jurídica e social, assistência ao egresso e oferta de trabalho) estabelecida nos artigos 12, 14, 15, 22, 25 e 28 da Lei 7.210/1985 (Lei de Execução Penal). No terceiro momento deste estudo, tratamos das experiências internacionais de parcerias público-privadas em sistemas penitenciários, na 141 Inglaterra, Estados Unidos da América e França. Vimos que no contexto internacional a administração privada de estabelecimentos penitenciários é uma realidade rotineira, onde existem cerca de 200 presídios privados. Em continuidade, tratamos da gestão compartilhada em presídios brasileiros. Verificamos que por meio desse sistema de gestão, o Estado realiza um contrato, por um período de um a cinco anos, com uma empresa privada que fica responsável por toda administração interna de uma penitenciária, da cozinha aos agentes penitenciários. Até o ano de 2010 havia dezesseis penitenciárias que adotavam esse modelo de gestão, perfazendo um total de 7.346 apenados albergados sob os moldes da gestão compartilhada. Em seguida, realizamos estudo sobre a implantação, nos moldes das parcerias público-privadas, do Complexo Penitenciário de Itaquitinga, em Pernambuco. O Centro terá capacidade para 3.126 internos. O prazo para exploração da parceria público-privada será de 33 anos e valor a ser gasto será de R$ 287,4 milhões. Cada preso custará, aproximadamente, R$ 2,4 mil por mês ao estado. Atualmente os gastos estaduais com apenados giram em torno de R$ 1,4 mil por preso/mês. O apenado será individualizado de acordo com a pena e o perfil criminológico atendendo a Lei de Execução Penal (LEP). O Centro terá apenas dois tipos de cela: individual e coletiva, no máximo, com quatro presos. Caberá à concessionária, entre outros compromissos, dotar a unidade prisional dos seguintes profissionais: advogado, assistente social, médico clínico, médico psiquiatra, psicólogo, terapeuta educacional, odontólogo, enfermeiro, professores de educação física, ensino fundamental e ensino médio e instrutor de informática. O objetivo é a prestação de serviços assistenciais à população carcerária, tendo por fim harmonizar a convivência entre os internos e o seu futuro retorno à sociedade e proporcionar as condições físicas e psicológicas para o cumprimento da pena que lhes foi imposta, através da assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Já os cargos de diretor geral, diretor adjunto e coordenador de segurança e disciplina serão 142 ocupados por servidores públicos do Estado de Pernambuco. À polícia militar caberá a função de manutenção dos serviços de policiamento e vigilância externa na unidade prisional, bem como o acompanhamento em escoltas externas. Quanto à remuneração da concessionária, verifica-se que o “quadro de indicadores de desempenho” influencia diretamente nos valores a serem pagos. Além do fator financeiro, outro fator relevante que integra a punibilidade do parceiro privado (em caso de má gestão do presídio) é a possibilidade de ser declarada a caducidade da concessão administrativa. Vimos que com advento da Lei 11.079/2004, está regulamentada a participação privada na consecução de projetos prisionais no Brasil. Dois grandes empreendimentos já estão em fase final de conclusão (Minas Gerais com previsão de 3 mil vagas e Pernambuco com 3.126 vagas). Os estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Alagoas já deram início a procedimentos no sentido de implantação de PPPs prisionais. A discussão se dá no campo do cumprimento de pena pelo presidiário. A este cabe o direito a um ambiente digno (salubre, com espaço, condições de sobrevivência, serviços de alimentação, saúde, educação, trabalho e de defensoria judicial, etc.) e a possibilidade de ser reclamante efetivo em caso de falta ou desvio na prestação daqueles serviços. Nesse modelo o Estado exerce um papel de “fiscalizador” da prestação do serviço pelo parceiro privado e, em caso de descumprimento de algum compromisso, a aplicação de sanções, mormente pecuniárias, nessa relação concessionária. Ainda, há a obrigação de efetivar o retorno financeiro ao parceiro privado, haja vista a prestação dos serviços. Quanto à sociedade civil, vimos que ela detém a possibilidade de efetivar deliberações acerca da relação público-privada em sistemas penitenciários, quando a Administração Pública submete à consulta pública 143 editalícia a implantação das PPPs prisionais. Já em um segundo momento está a fiscalização da prestação do serviço e, em caso de desacordo, como por exemplo, da superlotação carcerária, efetivar a comunicação aos Órgãos competentes. Ao parceiro privado a participação pode ser resumida na prestação do serviço adequado e o consequente recebimento dos valores atinentes ao contrato. Resta ainda claro que esse parceiro passa a ser, sob a ótica social, o principal ator desse processo, pois o seu serviço está na base primeira da efetiva readequação social do individuo colocado sob sua égide protecional. Verificamos que a inserção de outros atores na relação Estado/apenado tem início com a implantação, em algumas penitenciárias brasileiras, do sistema de gestão compartilhada. Agora, em fase de conclusão nos moldes das PPPs temos dois complexos: Itaquitininga, PE, objeto deste trabalho, e Ribeirão das Neves, MG. Sob a ótica de um tratamento mais digno ao apenado, que aquele concebido em um presídio público, entendemos que as PPPs prisionais possuem condições de prestar uma colaboração social competente. Acreditamos que as PPPs Prisionais, através da implantação do complexo penitenciário de Itaquitinga, objeto deste estudo, do complexo penitenciário de Ribeirão das Neves, MG, e de outros empreendimentos nessa seara cujos governos estaduais já sinalizam com futuros projetos, possuirão condições de realizar um trabalho onde a participação social se torne mais efetiva e concreta, no sentido de envolvimento de vários atores nesse contexto, de forma a se dar um importante passo para uma maior participação social no Estado Democrático. Cremos que a participação popular, calcada em um modelo de gestão compartida consoante a ótica habermasiana, possuirá importantes instrumentos à disposição para viabilizar essa participação social nessa temática de suma importância, a segurança pública, cujo ponto neural passa, obrigatoriamente, pelo sistema penitenciário brasileiro e o tratamento dispensado ao apenado. 144 Assim, como esse estudo se pautou em uma ótica visando esclarecer se, sob o ponto de vista do tratamento dispensado ao apenado enquanto cumpridor de pena, as PPPs prisionais geridas conforme as expectativas da sociedade têm condições de proporcionar ao presidiário a oportunidade de auferir um capital social mais eficaz, de modo a sair do estabelecimento prisional com condições de se reinserir na sociedade, somos otimistas em afirmar que sim. Cremos que, desse modo a reincidência criminal do egresso estará na sua exclusiva esfera decisional, já que os outros atores envolvidos no processo – Estado, sociedade civil e iniciativa privada – em tese, cumpriram efetivamente com seus compromissos. 145 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A era Vargas 2. Fundação Getúlio Vargas – CPDOC. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/biografias/luis_simoes_lopes Acesso em 16 mar 2012. ARENDT, Hanah. A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposo, posfácio de Celso Lafer. – 10 Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. ASSIS, Rafael Damasceno de. Privatização de Prisões e Adoção de Um Modelo de Gestão Privada. Disponível em: http://www.trinolex.com/artigos_view.asp?icaso=artigos&id=3477. Acesso em 02 set. 2012. AVERBUCH, Isaac Pinto. Parcerias Público-Privadas Conceito e Aplicações. Fortaleza: 2009. 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