1
Jorge Amaral dos Santos
PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO PÚBLICA
COMPARTIDA: condições e possibilidades das parcerias público-privadas no
sistema prisional brasileiro.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Direito – Mestrado e Doutorado - Área de Concentração em
Demandas Sociais e Políticas Públicas da Universidade de
Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Doutor Rogério Gesta Leal
Santa Cruz do Sul, novembro de 2012
2
À Luana, por dar sentido a minha existência.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador, Professor Doutor Rogério Gesta Leal, por ter me
transmitido parte de seu saber.
Aos professores do Mestrado e Doutorado em Direito da UNISC, pelo
profissionalismo.
Às funcionárias da Secretaria do Programa de Mestrado e Doutorado em
Direito da UNISC, pela disponibilidade e dedicação.
Aos meus colegas de jornada, pelo companheirismo, amizade e compreensão.
4
Não sabendo que era impossível,
ele foi lá e fez.
Jean Cocteau
5
RESUMO
Este trabalho tem por escopo analisar as condições e possibilidades da
utilização do instituto parcerias público-privadas no sistema prisional brasileiro, no
sentido de se verificar a viabilidade da participação ativa de outros atores na relação
Estado/apenado, sob uma ótica de democracia deliberativa. Para tanto, em um
primeiro momento, será efetivada uma análise histórica e política sobre o tema
gestão pública no desenvolvimento do Estado Moderno, o processo histórico de
desenvolvimento do Estado, as reformas no sistema estatal brasileiro, a implantação
do modelo de gestão pública gerencial e a gestão pública compartida, esta como
paradigma de legitimidade dos atos estatais. A seguir, trataremos das parcerias
público-privadas, o que são e quais suas finalidades, seu surgimento no contexto
internacional, sua necessidade e aplicação. Discorreremos então sobre os marcos
legais do instituto parcerias público-privadas, sobre as funções jurisdicionais e o
poder de polícia no âmbito das PPPs, a delegabilidade dos serviços penitenciários e
os seus limites, bem como sobre a polêmica doutrinária acerca dessa temática –
deixar a cargo do setor privado serviços que envolvam a privação de liberdade do
homem. Por fim, trataremos das experiências internacionais no campo da gestão
penitenciária privada, seu surgimento e implantação, os modelos existentes no Brasil
de gestão prisional compartilhada e, derradeiramente, analisaremos a implantação
do instituto das parcerias público-privadas no complexo penitenciário de Itaquitinga,
estado de Pernambuco, como experiência norteadora desse tema polêmico. O
método de abordagem utilizado neste trabalho foi o indutivo-dedutivo, partindo-se de
perspectiva geral para um caso particular (o do Complexo Penitenciário de
Itaquitinga-PE) e a técnica de pesquisa bibliográfica, por meio da consulta a livros,
periódicos e outros materiais disponíveis sobre os assuntos abordados, mormente
consultas no campo da internet. O método de procedimento adotado foi o
monográfico, haja vista, ainda, a análise da documentação pertinente aos contratos
celebrados entre poder público e setor privado.
Palavras-chave: Políticas Públicas; parcerias público-privadas;
penitenciário brasileiro; democracia deliberativa; apenado.
sistema
6
ABSTRACT
This work has the purpose to analyze the conditions and possibilities of the
institute's public-private partnerships in the Brazilian prison system, in order to
verify the feasibility of the active participation of other stakeholders in the State /
convict under a perspective of deliberative democracy. Therefore, at first, will
perform a historical analysis of policy and public management on the topic in
the development of the modern state, the historical process of development of
the state, reforms in the Brazilian state system, the implementation of public
management model and management shared governance, as this paradigm
legitimacy of state acts. We then approach of public-private partnerships, which
are and what their purpose, their emergence in the international context, their
need and application. Discorreremos then on the legal framework of publicprivate institute, about the judicial role and the police power under the PPP, the
delegabilidade prison services and its limits, as well as the doctrinal controversy
about this issue - leave to the private sector services involving the deprivation of
liberty of man. Finally, we will discuss the international experiences in the field
of private prison management, its emergence and deployment, existing models
in Brazil prison management shared and, ultimately, the institute will analyze
the implementation of public-private partnerships in the prison complex
Itaquitinga, state Pernambuco, as experience guiding this controversial topic.
The method of approach used in this work was the inductive-deductive, starting
with overview for a particular case (the Penitentiary Complex Itaquitinga-PE)
and technical literature, by consulting the books, journals and other materials
available about the topics discussed, especially in the field of internet queries.
The method of procedure adopted was the monograph, considering also the
review of documentation pertaining to contracts between government and
private sector.
Key-words: Public Policy; public-private partnerships; Brazilian penitentiary
system; deliberative democracy; inmates.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................09
1 GESTÃO PÚBLICA: OS MODELOS DE GESTÃO PÚBLICA NO
DESENVOLVIMENTO DO ESTADO MODERNO ............................................13
1.1 A formação histórica do Estado moderno....................................................16
1.1.1 O Estado autoritário e patrimonial...........................................................16
1.1.2 Estado liberal e democrático...................................................................19
1.1.3 A reforma burocrática no sistema estatal................................................21
1.1.3.1
A reforma no Brasil.......................................................................22
1.1.5 A transição do paradigma estatal.............................................................23
1.1.6 O Estado social-democrático....................................................................24
1.2 Gestão Pública Gerencial............................................................................29
1.2.1 Desenvolvimento histórico........................................................................30
1.2.2 A necessidade da reforma no aparelho estatal........................................31
1.2.3 O Estado moderno e a globalização........................................................32
1.2.4 O modelo gerencial..................................................................................34
1.2.5 A Reforma do Aparelho do Estado no Brasil............................................38
1.3 Gestão Pública Compartida.........................................................................43
1.3.1 Administração pública e gestão compartida.............................................46
1.3.2 Gestão compartida como pressuposto de cidadania................................47
1.3.3
Gestão
pública
compartida
como
modelo
democrático
emancipador......................................................................................................48
2 AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO BRASIL...................................56
2.1 Legitimidade constitucional das Parcerias Público-Privadas e a Lei Federal
11.079/2004.......................................................................................................56
2.1.1 As parcerias público-privadas no contexto internacional..........................57
2.1.2 As parcerias público-privadas no Brasil....................................................61
2.2 As parcerias público-privadas e a (in)delegabilidade do exercício . atividade
administrativa penitenciária...............................................................................71
2.2.1 A atividade administrativa penitenciária como poder de polícia...............73
8
2.2.2 A privatização penitenciária na realidade brasileira..................................77
2.3 Experiências em parcerias entre o Poder Público e a comunidade:
possibilidades de viabilização da participação ativa da sociedade civil nas
Parcerias Público-Privadas do sistema prisional...............................................83
2.3.1 A participação social na gestão pública como mandamento Constitucional
e Normas infraconstitucionais............................................................................84
2.3.2 As experiências da participação da sociedade na gestão prisional..........90
3 CONDIÇÕES E POSSIBILIDADES DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS
NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.........................................................94
3.1 Experiências Internacionais de parcerias público-privadas em sistemas
penitenciários: Inglaterra, Estados Unidos da América e França......................94
3.1.1 A experiência de parcerias público-privadas em sistemas penitenciários
na Inglaterra.......................................................................................................95
3.1.2 A experiência de parcerias público-privadas em sistemas penitenciários
nos Estados Unidos...........................................................................................97
3.1.3 A experiência de parcerias público-privadas em sistemas penitenciários
na França.........................................................................................................104
3.2 Experiências nacionais em modelos de gestão penitenciária compartilhada:
Paraná, Ceará e Espírito Santo.......................................................................105
3.2.1 O modelo de gestão penitenciária compartilhada no Paraná.................106
3.2.2 O modelo de gestão penitenciária compartilhada no Ceará...................109
3.2.3 O modelo de gestão penitenciária compartilhada no Espírito Santo......112
3.3 Complexo Penitenciário de Itaquitinga-PE................................................114
3.3.1 O projeto do Complexo Penitenciário de Itaquitinga-PE.........................115
3.3.2 Os primeiros efeitos do projeto Complexo Penitenciário de Itaquitinga-PE
e a implantação desse modelo por outros estados.........................................120
CONCLUSÃO..................................................................................................130
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................138
9
INTRODUÇÃO
As questões atinentes à segurança pública, mormente os assuntos
relacionados à temática prisional, são considerados de real importância no
campo político-social brasileiro. A implantação e desenvolvimento de políticas
públicas nessa seara é bastante tímida, inclusive por tratar-se de um campo
que, em uma análise superficial e desatenta, não traz, em um primeiro
momento, resultados mais significativos, visto que o presidiário não desperta
grande interesse social, exceto quando há alguma rebelião em presídios ou
algo que o valha.
A Lei de Execução Penal – Lei 7.210/1984 – normatiza a temática do
cumprimento de pena, entretanto não possui eficácia suficiente quanto à
questão do tratamento dispensado ao apenado, em termos de instalações e
serviços.
O sistema penitenciário brasileiro deixa muito a desejar nesse sentido e
se esse sistema é falho e imperfeito, trata-se de uma obviedade a questão de
que, quando o apenado retornar ao convívio social, ao invés de encontrar-se
pronto para uma readequação na sociedade, volta para a reincidência criminal,
já que o “Sistema” não foi capaz de recuperá-lo, pelo contrário, “piorou o
homem que volta para nos dar o troco daquele tratamento”.
Com exceção das penitenciárias federais, onde estão internados
principalmente presos considerados de alta periculosidade, e de alguns
presídios
recém-inaugurados,
a
realidade
penitenciária
brasileira
é
preocupante. É rotineira a veiculação na mídia de problemas de superlotação,
fugas, juízes interditando presídios em virtude destes não possuírem condições
humanas de internação, revistas de inopino onde são apreendidos um sem
número de aparelhos celulares, drogas, armas artesanais. Outro fator
preponderante é o caso de obras prisionais que são construídas e logo após
sua instalação apresentam problemas de estrutura e funcionamento, pela falta
de fiscalização em sua realização tornando-as inabitáveis.
10
Existem notórios exemplos nesse campo, como o famoso presídio do
Carandirú, inclusive tema de filme. Ainda, o presídio Central em Porto Alegre,
RS, que regularmente sofre interdições judiciais.
Com a Constituição Federal de 1988 o Brasil passou a vivenciar uma
normatização bem mais eficaz quanto à questão dos direitos humanos. Com o
advento da Carta Maior, o país passa a experimentar garantias que deságuam,
em última análise, nos direitos humanos e essas garantias, por óbvio, se
dirigem também ao apenado.
Desse modo, esse estudo se apresenta de elevada importância para a
ciência jurídica, pelo fato de que analisa as condições e possibilidades da
participação de outros atores na relação Estado/apenado que possibilitem
resultar na disponibilização de um tratamento mais digno e adequado a este
último, no sentido de readequação social.
A questão de envolver outros atores nessa temática, que não apenas
Estado/apenado, surge no Brasil com a implantação do sistema de gestão
compartilhada ou co-gestão, que teve início em meados da década de 1990 no
estado do Paraná.
Assim, em um primeiro momento, esse estudo trata dos modelos de
gestão pública no desenvolvimento do Estado Moderno. Inicia com a formação
histórica do Estado Moderno, onde, no Estado autoritário e patrimonial dos
séculos XV a XVII, o poder emana do soberano que o exerce pela vontade de
Deus, o Estado então é tido como propriedade do monarca, e a elite econômica
e política mobília a máquina estatal passando a ser dependente dele. Ainda, o
Estado liberal e democrático, quando o cidadão, dotado de direitos e
obrigações, passa a ter condições de interferir na lei e com isso influenciar em
seu próprio destino social. A reforma burocrática no sistema estatal, na Europa
do século XIX, o Estado passa a assumir um caráter totalmente moderno e
capitalista. A reforma do serviço público no Brasil, a qual se deu no governo
Vargas e o Estado social-democrático, que, após a Segunda Grande Guerra,
11
definiu-se como grande interventor do mercado e garantidor dos direitos sociais
à saúde, educação, renda mínima e emprego.
A gestão pública gerencial, modelo em que o cidadão é visto como um
cliente dos serviços públicos, sendo a satisfação do “cidadão-cliente” um dos
principais objetivos a serem alcançados. O ponto mais relevante desse sistema
se dá com a reforma da administração pública realizada no governo de
Fernando Henrique Cardoso.
A gestão pública compartida, modelo de gestão que traz como
pressuposto a cidadania e que se traduz em um modelo emancipador, no
sentido de que, ao se aplicar a ótica habermasiana de participação políticocidadã na gestão pública, o indivíduo passa a ser construtor das políticas que
têm como alvo ele próprio e que, em última análise, a Administração Pública
voltada para a gestão compartida é o único modelo que se traduz em resposta
à efetivação de um Estado Democrático de Direito.
Em seguida, tratamos das parcerias público-privadas no Brasil, a
utilização destas no contexto internacional, a normatização em âmbito pátrio e
o instituto em aplicação no país. A razão que dá início à implantação desse
modelo de política, quando a escassez de recursos públicos para fazer frente a
importantes investimentos em setores de responsabilidade do poder público,
mormente nas áreas de transportes (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos)
saneamento, presídios, saúde e habitação fez com que o Estado procurasse
novas formas de relacionamento com o setor privado.
Assim, as PPPs se definem como forma de contratação de determinadas
atividades tradicionalmente oferecidas pelo setor público, por meio da qual a
Administração Pública contrata uma ou mais empresas privadas, com a
finalidade de, por exemplo, construir e administrar estradas, presídios,
estações de tratamento de água e esgoto, hospitais, escolas e outros serviços
de utilidade pública. Ao levar em conta as potencialidades de cada um dos
12
parceiros, a estruturação de projetos como PPP’s possibilita a consecução do
objeto do contrato de forma economicamente mais eficiente.
A questão emblemática da (in)delegabilidade do exercício da atividade
administrativa penitenciária, a sua atividade como função de polícia e a
privatização penitenciária na realidade brasileira provoca entendimentos
diversos. Esta temática desperta importantes celeumas, no sentido de se
verificar qual o alcance da utilização do instituto das parcerias público-privadas
no sistema prisional brasileiro. Até onde e quais os serviços, nessa seara,
podem ser alvo de delegação. As opiniões são divergentes e não.
Por conseguinte, tratamos das experiências internacionais de parcerias
público-privadas em sistemas prisionais, onde existem cerca de 200 presídios
privados espalhados pelo Globo. A experiência dos presídios privados da
Inglaterra, que se deu no início da década de 1990, com a implantação da
agenda liberal de Margareth Thatcher. Nos EUA, país mais privatista do
mundo, onde, nos anos 80, o governo de Ronald Reagan pretendia livrar o
setor público das despesas da construção de penitenciárias e imprimir ao setor
carcerário técnicas de gestão empresarial que, por sua vez, garantissem a
eficiência que o setor público era incapaz de dar. Na França, no ano de 2004 o
ministro da Justiça francês lançou editais prevendo uma série de licitações
voltadas
para
o
setor
privado,
com
vistas
à
construção
de
trinta
estabelecimentos penitenciários até 2007, criando assim, 13.200 novas vagas
no complexo penitenciário francês.
A seguir, tratamos da implantação do modelo de gestão compartilhada
em presídios estaduais brasileiros, que tem início com a penitenciária de
Guarapuava em 1995, no Paraná. Esse modelo de participação social na
gestão de estabelecimentos prisionais se traduz na terceirização, pelo Estado
ao parceiro privado, de determinados serviços, tais como fornecimento de
refeições; aquisição de uniformes; serviços de lavanderia, serviços médicos,
odontológicos, psicológicos, de assessoria jurídica, e se espalhou por outros
13
estados brasileiros, tais como Amazonas, Ceará, Bahia, Espírito Santo e Santa
Catarina.
Por fim, o estudo da implantação da parceria público-privada no
Complexo Penitenciário de Itaquitinga, estado de Pernambuco, nos moldes da
Lei federal 11.079/2004. O projeto do Centro Integrado de Ressocialização de
Itaquitinga, PE, prevê que o Centro possa abrigar 3.126 internos, será
composto por duas unidades para regime semiaberto com 600 internos cada
uma e três unidades para regime fechado com 642 internos cada. Os efeitos
econômicos e sociais, já sentidos antes mesmo da conclusão daquele
complexo, na região da cidade de Itaquitinga, Pernambuco, e a explicitação,
em nossa ótica, de quais oportunidades de participação no sistema de gestão
prisional por meio de parcerias público-privadas, terão os atores envolvidos –
Estado, sociedade civil, apenado e iniciativa privada.
Assim, ressalta-se que este trabalho se encaixa na linha de pesquisa
Políticas Públicas de Inclusão Social, do Programa de Pós Graduação em
Direito – Mestrado e Doutorado, da Universidade de Santa Cruz do Sul –
UNISC, onde está presente a necessidade de se verificar a real possibilidade
de as politicas públicas promoverem a inclusão social daquelas camadas da
sociedade órfãs desse tipo de instituto, bem como, ainda, a possibilidade de
que os atores envolvidos no processo detenham capacidade contributiva no
sentido de concretização de tais políticas.
14
1
GESTÃO
PÚBLICA:
OS
MODELOS
DE
GESTÃO
PÚBLICA
NO
DESENVOLVIMENTO DO ESTADO MODERNO
Nas últimas décadas, a temática da gestão pública deixou de ser tratada
e
debatida
somente
no
âmbito
estatal
e
nos
meios
acadêmicos,
experimentando uma participação mais efetiva da sociedade, do homem
enquanto cidadão. Se os estudos, planejamentos e ações, há quarenta anos,
se tornavam efetivos apenas por meio do trabalho de um restrito círculo social,
hoje observamos que essas questões são tratadas tendo uma maior
participação do tecido comunitário. Essa maior participação social fez com que
fossem buscadas, como veremos neste capítulo, outras opções na construção
de diferentes modelos de gestão da coisa pública.
Os modelos de gestão pública, que levaram muitas décadas e até
séculos para serem consolidados, hoje experimentam modificações de forma
consideravelmente rápida.
A gestão pública burocrática, baseada nos princípios da administração
do exército Prussiano, foi implantada nos principais países europeus no final do
século XIX, já nos Estados Unidos se deu no começo do século XX e no Brasil
no ano de 1936, com a reforma administrativa no Estado Novo – era Vargas1.
Na Grécia antiga, os cidadãos organizaram-se em comunidade
executando atividades voltadas para o fim coletivo. Platão expõe que o Estado
se origina a partir do aproveitamento da divisão do trabalho: “um estado
nasce das necessidades dos homens: ninguém basta a si mesmo, mas
todos nós precisamos de muitas coisas.”2
Nesse sentido Hannah Arendt aduz que os homens vivem juntos, pois a
atividade do trabalho não pode ser imaginada fora da sociedade dos homens.
1
Bresser-Pereira, Luiz Carlos; Peters Spink – orgs. Reforma do estado e administração pública
gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. P 241.
2
PLATÃO. A República. Martin Claret, São Paulo, SP. 2005. p. 47.
15
Todas as atividades humanas são condicionadas pelo fato de que os
homens vivem juntos; mas a ação é a única que não pode sequer ser
imaginada fora da sociedade dos homens. A atividade do labor não
requer a presença de outros, mas um ser que laborasse em completa
solidão não seria humano e sim um animal laborans no sentido mais
3
literal da expressão.
Diferenciando pólis de família, Hannah Arendt salienta que naquela
havia a igualdade, enquanto esta era tida como sujeito de desigualdade, de
submissão.
A polis diferenciava-se da família pelo fato de somente conhecer
'iguais’, ao passo que a família era o centro da mais severa
desigualdade. Ser livre significava ao mesmo tempo não estar sujeito
às necessidades da vida nem ao comando de outro e também não
comandar. Não significava domínio, como também não significava
submissão. Assim, dentro da esfera da família, a liberdade não
existia, pois o chefe da família, seu dominante, só era considerado
livre na medida em que tinha a faculdade de deixar o lar e ingressar
4
na esfera política, onde todos eram iguais.
Para Luhmann toda convivência humana é direta ou indiretamente
cunhada pelo Direito e essa convivência sempre está sujeita a normas. Assim,
no ordenamento jurídico reside a complexidade, pois sua função é conter a
totalidade de possibilidades de experiências ou ações, cuja ativação permita o
estabelecimento de uma relação de sentido. O Direito atua, então, conforme a
evolução das sociedades, pois no decorrer do desenvolvimento social em
direção à complexidade mais elevada, (2) deve adquirir uma elasticidade
conceitual-interpretativa para abranger situações heterogêneas, devendo ser
modificável através de decisões (tornar-se positivo).5
3
ARENDT, Hanah. A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposo, posfácio de Celso
Lafer. – 10 Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 31.
4
ARENDT, Hanah. A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposo, posfácio de Celso
Lafer. – 10 Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 41/42.
5
LUHMANNN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. (Introd. E
Cap I). p. 17-35.
16
Bobbio, ao explicar o Estado contemporâneo, afirma que essa definição
envolve numerosos problemas, haja vista as dificuldades em se analisar as
múltiplas relações criadas entre o Estado e o complexo social e, com isso, se
conseguir captar os seus efeitos sobre a racionalidade interna do sistema
político.6
Uma abordagem que se revela particularmente útil na investigação
referente aos problemas subjacentes ao desenvolvimento do Estado
contemporâneo é a da análise da difícil coexistência das formas do
Estado de direito com os conteúdos do Estado social. Os direitos
fundamentais representam a tradicional tutela das liberdades
burguesas: liberdade pessoal, política e econômica. Constituem um
dique contra a intervenção do Estado. Pelo contrário, os direitos
sociais representam direitos de participação no poder político e na
distribuição da riqueza social produzida. A forma do Estado oscila,
7
assim, entre a liberdade e a participação .
O poder político, a sociedade e o governo estão presentes em forma de
organização política – institucionalizada ou não. A sociedade e o Estado
surgem de modo a privilegiar uma classe dominante em detrimento do coletivo.
Em Platão e Sócrates, a sociedade e a política surgem de uma relação de
competências naturais de agir e de obediência a ordens oriundas dos
representantes do povo e/ou de Deus. Para Leal, o poder político e o
ordenamento jurídico refletem sempre o ethos social e político vigente em cada
pólis.
Na verdade, fica patenteado desde o berço de nossa civilização, que
tanto o poder político como as leis que regem as relações sociais, são
forjados pelo espirito objetivo humano – medida de todas as coisas –
(e não por Deus ou seus representantes na terra), que se corporifica,
com o passar dos tempos, na figura do cidadão (ser que vive nos
limites territoriais da cidade/Estado e, dentro dele, tem direitos e
obrigações). De qualquer sorte, o ordenamento jurídico, enquanto
somatório de tradições, usos, costumes, arbítrio deste ou daquele
tirano, exprimirá em certa síntese valorativa, condicionamento de todo
Direito, que, por isso mesmo, se apresenta como variável no espaço
6
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
Tradução Carmen C. Varrialleet al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
401
7
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
Tradução Carmen C. Varrialleet al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
401.
Política.
1998. p.
Política.
1998. p.
17
e no tempo, refletindo sempre o ethos social e político vigente em
8
cada polis.
1.1.
A formação histórica do Estado moderno
Na concepção de Estado moderno, historicamente, tem-se as fases do
Estado autoritário e patrimonial (séculos XVI a XVIII), liberal e democrático
(século XIX e início do século XX) e social-democrático (segunda parte do
século XX).9
1.1.1 O Estado autoritário e patrimonial
Historicamente podemos dividir a trajetória do Estado moderno em três
fases. Nos séculos XVI a XVIII o Estado é autoritário e patrimonial, o poder
emana do soberano, que o exerce pela vontade de Deus, e o Estado é tido
como propriedade do monarca. Torna-se liberal e democrático (século XIX e
início do século XX). Social-democrático na segunda metade do século XX e
almejando, conforme Bresser-Pereira, se tornar social-liberal e republicano no
primeiro quartel deste século.
Ele começou autoritário e patrimonial nos séculos XVI e XVII: era o
Estado absoluto organizando monarquias patrimoniais. No século
XIX, tornou-se liberal e burocrático: o Estado liberal impôs o estado
de direito e garantiu os direitos civis, ou seja, os direitos à vida, à
liberdade e à propriedade privada, mas permaneceu autoritário, pois
os pobres e as mulheres não votavam. Na primeira parte do século
XX, a transição para a democracia estava completada: foi a época do
estado liberal, da democracia elitista ou liberal e, ainda, da
administração burocrática. Na segunda parte deste século, o Estado
se tornou social-democrático, protegendo os direitos sociais e
promovendo o desenvolvimento econômico; a administração
continuou sendo burocrática, mas assumiu um caráter
desenvolvimentista; a democracia passou a ser social ou plural, mais
do que simplesmente liberal. No início do século XXI, o estado almeja
tornar-se social-liberal e republicano; a democracia almeja se tornar
8
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 19.
9
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2009. p. 30/35.
18
participativa ou republicana; e a administração almeja se tornar
10
gerencial, ou inspirada nos princípios da nova gestão pública .
Pode-se dizer que o processo histórico de desenvolvimento do Estado, a
partir da República grega em direção ao Estado moderno, se dá com a
transformação da civitas em sociedade civil. Enquanto aquela, pequena
comunidade de cidadãos da cidade-estado, constitui um governo em si mesma,
a sociedade civil emerge na formação do grande Estado. Esse processo ocorre
em quatro fases.
Num primeiro momento (Grécia antiga), a civitas administra diretamente
a vida dos cidadãos componentes da comunidade na cidade-estado. As
questões importantes são colocadas a eles. Em Atenas, na seara criminal por
exemplo, os crimes mais graves, que eram tidos como crimes públicos, porque
atingiam toda a coletividade, tinham sua repressão feita pela participação direta
dos cidadãos. Esses crimes eram denunciados perante a assembleia do povo
ou o senado, compondo-se então o tribunal popular para o julgamento,
manifestando-se o acusador, com suas provas, e depois a defesa. A decisão
era por maioria de votos11.
Numa segunda fase, com o advento do capitalismo, surgem os grandes
estados-nação, dirigidos pela elite econômica e política. Num terceiro
momento, após a Revolução Gloriosa na Inglaterra e a Revolução Francesa,
surge o liberalismo como regime político. Na quarta fase os estados tornam-se
democráticos na medida em que a sociedade civil, de algum modo, passa a
desempenhar um papel outrora exercido pela civitas da Grécia antiga.
Na Grécia antiga eram os cidadãos os responsáveis diretos pelos
assuntos do governo. Já no Estado moderno há uma clara distinção entre o
privado e o público. A civitas de outrora, hoje sociedade civil, não se ocupa
10
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009. p. 40/45.
11
LAGO, Cristiano Alvares Valladares do. Sistemas Processuais Penais. Disponível em
http://www.viannajr.edu.br/revista/dir/doc/art_30005.pdf Acesso em 10 mar 2012.
19
mais, diretamente, de assuntos governamentais. Há, para essas tarefas,
políticos e administradores. Entretanto, percebe-se que a atuação da
sociedade civil, naqueles assuntos, torna-se mais efetiva.
No estado moderno, agindo como indivíduos privados, os cidadãos
cuidam de seus interesses privados, enquanto contratam políticos
profissionais e burocratas para constituírem a organização do estado
e cuidarem do governo; mas isso não significa que releguem a
política a um papel secundário. Ao contrário, à medida que os
cidadãos atuantes se tornam organizados e debatem na sociedade
12
civil, eles se tornam cada vez mais influentes .
A formação histórica do Estado moderno advém da revolução capitalista
e do sistema de equilíbrio de poderes na Europa do século XVII. Na França,
Luís XIV (reinado de 1643 a 1715) foi o representante mais significativo. O
Estado moderno existia, mas as instituições de poder descentralizado –
domínios e tribunais senhorais, estados provinciais e corporações municipais –
ainda se faziam presentes. A aristocracia francesa, outrora sustentada pelos
rendimentos oriundos da propriedade da terra, alçou cargos na esfera
administrativa real, tornando-se, também, dependente do Estado. E o Estado
francês se torna um Estado patrimonial.
Nesse novo modelo, a elite econômica e política mobília o Estado e
passa a ser dependente, também, das suas receitas.
A emancipação da moeda circulante, atravessando países e
economias até então fechadas, prepara o caminho de uma nova
ordem social, o capitalismo comercial e monárquico, com a presença
de uma oligarquia governante de outro estilo, audaz, empreendedora,
liberta de vínculos conservadores. Torna-se possível ao príncipe a ao
seu estado-maior organizar o Estado como se fosse uma obra de
arte, criação calculada e consciente. As colunas tradicionais, posto
que não anuladas ou destruídas, graças aos ingressos monetários,
ao exército livremente recrutado e aos letrados funcionários da
Coroa, permitem a construção de formas mais flexíveis ação política,
sem rígidos impedimentos ou fronteiras estáveis. É o Estado
12
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 40/45.
20
moderno, precedendo ao capitalismo industrial, que se projeta sobre
13
o ocidente .
Esse Estado absoluto se estende até a Revolução Gloriosa14 na
Inglaterra (1688-1689), quando começa a declinar. A revolução abre caminho
para o Estado inglês se transformar em um verdadeiro Estado moderno. Assim,
o Parlamento inglês começa a desenvolver um Estado forte, onde a burocracia
é essencialmente fiscal e judiciária, tendo por escopo a implementação da lei,
alfândegas e impostos. Os cargos estatais estão no Ministério das Finanças e
nos Correios. Há funcionários em tempo integral, com salários, carreira e uma
pensão ao final desta.
1.1.2 Estado liberal e democrático
Para Hobbes, o Estado absoluto tinha como principal objetivo garantir a
segurança ou estabilidade política dentro de suas fronteiras, e o cidadão, ao
“pactuar” um contrato social, assumia um compromisso onde sopesavam de
um lado a liberdade individual e de outro a segurança social. Assim, quando se
concebe o contrato social, em Hobbes, como um modo de legitimação do poder
do rei e não uma legitimidade real calcada na religião, nasce a base da ideia
dos direitos de cidadania.
Ele plantou a semente ou estabeleceu os fundamentos do estado
liberal – fundamentos a partir dos quais Locke, Montesquieu,
Rousseau e Tocqueville construíram o edifício constitucional e liberal.
Se o indivíduo, por vontade própria, renuncia à liberdade em nome da
ordem social, isso significa que o poder original está com ele, não
15
com Deus .
13
FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder. Formação do Patronato Político Brasileiro. Editora
Globo, 3 ed. Rev. São Paulo, 2001. P. 33.
14
Revolução, em grande parte não-violenta – no reino Unido e que depôs o rei Jaime II,
colocando em seu lugar sua filha, Maria II e o genro, Guilherme. Os conflitos se deram entre
católicos e protestantes e entre direitos da Coroa e do Parlamento. A aprovação pelo
Parlamento da Bill of Rights, circunscreveu os poderes da Coroa, marcando a submissão da
Coroa ante o Parlamento. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado
Republicano. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.
15
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 40/45.
21
Assim, dotado de direitos e obrigações, o cidadão passa a ter condições
de interferir na lei e influenciar, com isso, em seu próprio destino social. Essa
Lei é a forma básica das instituições e o cabedal normativo que rege os direitos
e deveres do cidadão.
Para Bobbio, essa noção de cidadania é construída por meio de conflitos
históricos, onde o cidadão luta na defesa de direitos e constrói proteções
historicamente conquistadas. Discorrendo sobre autocracia, o jurista informa
que a importância dada ao caráter público do poder é um aspecto da polêmica
iluminista contra o Estado absoluto, mais especificamente contra as várias
imagens do soberano pai ou patrão, do monarca por direito divino, ou do
hobbesiano Deus terreno. Conforme Bobbio, um dos eixos do regime
democrático é que todas as decisões e atos dos governantes devem ser
conhecidos pelo povo, mesmo com as mudanças ocorridas no sistema
democrático ao longo dos anos, o caráter público do poder, entendido como
não secreto, como aberto ao público, permaneceu como um dos critérios
fundamentais para distinguir o Estado constitucional do Estado absoluto e para
assinalar o nascimento ou o renascimento do poder público em público.16
O Estado liberal surge em substituição ao Estado absoluto, da luta pelos
direitos de cidadania calcada pela burguesia ou classe média que travam
conflitos visando um Estado de direito e liberdades civis.
As duas mais importantes revoluções do século XVIII, a norteamericana e a francesa, que são muitas vezes chamadas de grandes
revoluções democráticas, são na verdade revoluções liberais. Ambas
precederam a revolução industrial, e particularmente a segunda
representou a transferência de poder político da antiga aristocracia
para a burguesia emergente. Com essas duas revoluções, e com a
precedente Revolução Gloriosa, que em última instância tinha a
17
mesma natureza, o Estado liberal substituiu o Estado absoluto .
16
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política.
Tradução Carmen C. Varrialleet al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p.
319/329.
17
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 40/45.
22
Com isso, parlamentos e constituições tomam importância, então
estabelece-se a liberdade negativa ou liberal, onde surgem os direitos de
propriedade, liberdade de movimento e direito ao respeito individual.18
O século XIX foi o século do liberalismo econômico, do capitalismo
industrial e do Estado liberal, estabelecendo-se o Estado de direito e a
proteção dos direitos civis. Com o capitalismo se firmando como modelo de
produção e o poder político não mais se justificando no divino, e sim no pacto
social do cidadão, a sociedade civil emerge e começa a assentar lugar na
esfera cotidiana.
1.1.3 A reforma burocrática no sistema estatal
Na Europa do século XIX tem lugar, também, a chamada reforma
burocrática, por meio da qual o Estado passa a assumir um caráter totalmente
moderno e capitalista. Tal reforma trouxe como uma das principais mudanças
no modo de gerir a máquina estatal, o fato de o clientelismo não ser mais a
estratégia
política
central
do
modelo,
abandonando
assim
o
modo
patrimonialista de gerir o Estado:
O clientelismo havia sido adotado, primeiramente pelo monarca e
seus ministros e, em seguida, pelos políticos no Parlamento, para
obter o apoio político de suas clientelas ou eleitores. Estes últimos se
tornaram cada vez maiores à medida que uma porcentagem
crescente de indivíduos obtiveram direitos de voto e se tornaram
cidadãos plenos, mas o número de cargos burocráticos não
19
aumentou proporcionalmente .
Dessa forma, a reforma burocrática torna-se essencial para a
modernização do Estado e, também, um advento politicamente inevitável,
abandonando com isso o patrimonialismo histórico dominante no Estado
absolutista como estratégia central de gestão da máquina estatal.
18
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 40/45
19
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 50.
23
Nesse contexto de reforma do serviço público, Bresser-Pereira traz,
inicialmente a reforma na Prússia, que já em 1770, começa com a introdução
de concursos de admissão obrigatórios. Essa reforma levou um longo tempo e
foi resultado de um conflito entre as elites: de um lado a nobreza – patrimonial
e a rural – e de outro a burocracia ascendente, havendo, ainda, em menor
escala, uma burguesia, esta restrita à área econômica.20
1.1.3.1 A reforma no Brasil
No Brasil, a reforma do serviço público deu-se no governo Vargas –
Estado Novo. Essa reforma brasileira foi capitaneada por Mauricio Nabuco e
Luiz Simões Lopes. Mauricio Nabuco (filho do embaixador Joaquim Nabuco),
também seguiu a carreira do pai, embaixador, entrando para a carreira
diplomática em 191321. Luiz Simões Lopes, político brasileiro, foi nomeado por
Getúlio Vargas chefe do Departamento Administrativo do Serviço Público
(DASP), órgão que tinha a função de qualificar o funcionalismo público nacional
e racionalizar e integrar o serviço público nas três esferas (federal, estadual e
municipal). Mais tarde, Lopes tornou-se presidente da Fundação Getúlio
Vargas (FGV), cargo que exerceu por muitos anos22.
O DASP exerceu significativa influência nas políticas governamentais da
era Vargas, tendo sido responsável pela elaboração e controle do orçamento
federal. Essa centralização implantada pelo Estado Novo determinava ainda
que os orçamentos estaduais e municipais fossem supervisionados pela
Comissão de Estudos e Negócios Estaduais, órgão do qual Lopes também
fazia parte23.
20
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 47/63.
21
NABUCO, Mauricio. Reflexões e Reminiscências. Ed. Nova Fronteira, RJ, 2000 22/23.
22
LOPES, Luiz Simões. Fragmentos de memória. CPDC, Editora FGV, RJ, 2006. 32.
23
A era Vargas 2. Fundação Getúlio Vargas – CPDOC. Disponível em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/biografias/luis_simoes_lopes. Acesso em 16
mar 2012.
24
O modelo de administração burocrática vem em substituição à
administração patrimonialista, originária das monarquias absolutas, onde o
patrimônio público era confundido com o privado. Os princípios do modelo
burocrático moderno se embasavam na centralização e estrutura piramidal do
poder, na hierarquia, no sistema meritório, na impessoalidade, em uma
burocracia estatal formada por profissionais, e na separação entre o público e o
privado (Bresser-Pereira, 1998).
A adoção do modelo burocrático se deu porque se tratava de uma
alternativa melhor ao modo patrimonialista de administração estatal. Entretanto,
o pressuposto da eficiência, no qual era embasado, não foi alcançado
satisfatoriamente.
1.1.5 A transição do paradigma estatal
A teoria do contrato social de Rousseau modifica a legitimidade do
poder, transferindo essa legitimidade do rei, a qual advinha diretamente de
Deus, para os dirigentes políticos. E se, em última análise, quem delegava o
poder politico ao dirigente era o povo, logo os súditos transformam-se
gradativamente em cidadãos. Ainda, com as revoluções industrial, liberal e
mercantil o excedente econômico, o lucro, não mais está sob o controle estatal,
e sim do mercado. Com isso, as classes dominantes não mais necessitam de
seu atrelamento ao Estado para sua sobrevivência. Dessa forma, a democracia
se impõe como modelo que melhor atende à estabilidade social.
O Estado liberal não responde satisfatoriamente aos anseios do cidadão
e o sufrágio universal vem para satisfazer essa necessidade social. O Estado
liberal-democrático se impõe no início do século XX, passando por uma fase
consolidatória após a segunda grande guerra, quando Alemanha, Japão e Itália
realizam essa transição, e por outra fase na década de 1980, com a América
Latina, especialmente Brasil e México, realizando suas consolidações
democráticas. Bresser-Pereira adverte que consolidações democráticas não se
25
confundem com transições democráticas, pois estas são artificiais, enquanto
aquelas são concretas.
[...] frequentemente as transições democráticas são artificiais,
concedidas formalmente por elites locais autoritárias, ou impostas por
países estrangeiros, enquanto as consolidações - quando têm de
24
acontecer - são corporificadas no tecido econômico e social .
Desse modo, o modelo social-democrático avança para tomar lugar na
consolidação do Estado Democrático de Direito.
1.1.6 O Estado social-democrático
A Grande Depressão dos anos 1930 assinala a crise do Estado liberaldemocrático. O capitalismo e a democracia liberal entram em declínio e o
Estado passa a intervir mais efetivamente na economia, trazendo uma maior
proteção aos direitos sociais. A democracia deixa de ser uma democracia da
elite, liberal; o Estado passa a fornecer uma proteção social maior e no poder
político a opinião pública passa a ter maior importância. A democracia avança,
pois a igualdade política passa a ter maior relevância, e surge o Estado socialdemocrático. As características desse Estado estão na maior influência do
poder público na administração do sistema econômico; o bem-estar social
consome mais dinheiro público; e a violência do mercado é amenizada.
Nesse sentido, Bresser-Pereira afirma que esse Estado é fruto da
capacidade politica da classe trabalhadora e da classe média.
O Estado social democrático foi um produto da crescente capacidade
política da classe trabalhadora e, em particular, das classes médias.
Organizadas em sindicatos, e tendo voz nos partidos de centroesquerda, elas conseguiam exigir a garantia de seus direitos sociais
25
por meio da proteção social do Estado .
24
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 66.
25
Bresser-Pereira. Burocracia Pública na Construção do Brasil, pg. 44. Disponível em:
http://www.bresserpereira.org.br/BOOKS/Burocracia_Publica_construcao_Brasil.pdf Ao em 26
mar 2012.
26
Após a segunda grande guerra, o Estado social-democrático definiu-se
como grande interventor do mercado e garantidor dos direitos sociais à saúde,
educação, renda mínima e emprego. O número de bens sociais assegurados
potencializou-se na medida em que a igualdade de oportunidades conquistava
uma posição central entre os valores sociais.
Para Bobbio, o Estado do bem-estar (Welfare state)26 é definido como o
Estado que garante “tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação,
educação, assegurados a todo cidadão, não como caridade, mas como direito
político”, e como exemplo cita a política praticada na Grã-Bretanha após a
Segunda Grande Guerra.27
a política posta em prática na Grã-Bretanha a partir da Segunda
Guerra Mundial, quando, a seguir ao debate aberto pela
apresentação do primeiro relatório "Beveridge" (1942), foram
aprovadas providências no campo da saúde e da instrução, para
garantir serviços idênticos a todos os cidadãos, independentemente
da sua renda. Este exemplo leva a vincular o conceito de assistência
pública ao das sociedades de elevado desenvolvimento industrial e
de sistema político de tipo liberaldemocrático. Na realidade, o que
distingue o Estado assistencial de outros tipos de Estado não é tanto
a intervenção direta das estruturas públicas na melhoria do nível de
vida da população quanto o fato de que tal ação é reivindicada pelos
28
cidadãos como um direito .
Surgindo o Estado social-democrático, a democracia liberal transformase em democracia social ou pluralista. Assim, aumentou-se o poder político de
associações representativas de interesses e de sindicatos, a negociação e
compromisso tornam-se a prática política central e a proteção aos direitos
26
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política.
Tradução Carmen C. Varrialleet al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p.
416.
27
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política.
Tradução Carmen C. Varrialleet al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p.
416.
28
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política.
Tradução Carmen C. Varrialleet al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p.
416.
27
sociais passa a ser razoavelmente efetiva. Essa preocupação com os direitos
sociais sinaliza a mudança do Estado liberal para o social.
A preocupação com a proteção dos direitos sociais e, mais
amplamente, dos direitos humanos marcou a transição do Estado
liberal para o Estado social-democrático, e da democracia liberal para
29
a democracia social .
A era moderna é marcada pela racionalidade na organização do poder
político vinculado com o social. Todavia, Hobbes, Locke e Rousseau trazem
novos argumentos filosóficos aos juristas e cientistas sociais. Rousseau traz
seu ideal moral, no qual todo o indivíduo aliena os seus direitos à comunidade.
Há muitas diferenças entre vontade de todos e vontade geral. A vontade de
todos é o somatório das vontades particulares e a vontade geral é a fonte da lei
que não traduz interesses particulares, sendo do povo para o povo. Assim, o
corpo político é constituído por cidadãos, não se admitindo nenhum tipo de
submissão pessoal, isto é, todos participam e todos obedecem.30
Nesse sentido, Leal afirma que em determinada comunidade, seu grupo
social está obrigado a tomar decisões que vinculam todos os seus membros,
com o fulcro de se prover a própria sobrevivência.
[...] entendemos que o grupo social de uma comunidade, ao menos a
partir da Idade Moderna no Ocidente, está obrigado a tomar decisões
que, direta ou indiretamente, vinculam a todos os seus membros, com
o objetivo de prover a própria subsistência; e como estas decisões
grupais são tomadas por indivíduos – por representação ou não -,
para que sejam aceitas como coletivas, mister é que sejam os
indivíduos autorizados a tomas decisões vinculatórias para todos os
31
membros do grupo e quais os procedimentos .
Bobbio, ao dizer que a primeira e mais completa experiência socialdemocrática foi a alemã, afirma que ela pode ser considerada paradigmática.
29
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 85.
30
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 34/39.
31
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 19.
28
A Social-democracia teve a sua origem por volta de 1875, ano em
que foi fundado, no Congresso de Gotha, o partido de inspiração
marxista que lhe havia de dar em todo o continente o impulso, o
32
nome, o modelo ideológico e a organização.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, reuniu os
direitos civis, políticos e sociais sob o nome “direitos humanos” positivando-os
e assegurando-lhes validade universal. Nesse sentido Bresser-Pereira infere
que essa ideia de “direitos humanos” aparece mais acentuadamente na década
de 1970, quando se tem uma reação aos regimes totalitários, especialmente na
América latina.
[...] a ideia de “direitos humanos” aparece nos anos de 1970,
identificada especialmente com os direitos civis, como uma reação
aos regimes totalitários que se tornaram dominantes nos países em
desenvolvimento. [...] nos anos 1960 e 70, quando regimes totalitários
de direita tomaram o poder em um grande número de países,
especialmente na América Latina, e começaram a violar direitos civis
33
e políticos, a esquerda foi forçada a reconsiderar sua posição .
A violência dos regimes totalitários contra os partidos de oposição,
notadamente a esquerda política, fez com que os direitos civis, até então status
das classes alta e média, fossem estendidos também à classe pobre. BresserPereira, ao citar Elisabeth Jelin e Eric Hershberg, infere que a cidadania passa
a ser conceituada não apenas tendo como base os direitos sociais, mas sim
também os direitos civis e políticos.
Embora antes fosse normal distinguir entre direitos civis, políticos e
sociais, e conceituar a cidadania principalmente em termos de direitos
sociais, nos anos 80 os direitos humanos e civis básicos não podiam
mais ser ignorados ou tidos como óbvios. Em vez disso, tornaram-se
34
o centro do ativismo político e da preocupação intelectual .
32
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política.
Tradução Carmen C. Varrialleet al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p.
1189.
33
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 86.
34
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 86.
29
Logo, a ascensão do Estado social-democrático incha em demasia o
aparelho estatal, fazendo com que uma nova burocracia se torne efetiva para
operá-lo. Esse Estado, agora grande, necessita de operacionalidade para se
fazer eficiente. Enquanto o Estado liberal, ao transitar para o Estado liberaldemocrático sofreu reformas, na passagem deste para o estado socialdemocrático não houve grandes mudanças.
Enquanto a transição do Estado liberal para o Estado liberaldemocrático foi marcada pela reforma do serviço público, a transição
do Estado Liberal-democrático para o Estado socialdemocrático
exigiu apenas a criação de novas instituições organizacionais
envolvidas no bem estar social e na administração econômica do
novo Estado. Não foi realizada uma verdadeira reforma porque a
estratégia era, antes, adicionar novas e mais autônomas agências
35
estatais, como as fundações públicas e empresas estatais .
Bresser-Pereira sinaliza, então, que uma das razões pelas quais o
Estado social-democrático não durou muito foi o fato de não ter sido reformado,
e de que acabou sendo sufocado por uma grande burocracia estatal.36
Assim, a primeira grande reforma do Estado moderno foi a reforma
burocrática ocorrida na Europa no século XIX. O Estado liberal, que saía do
absolutismo, apenas garantia os direitos civis ou liberdades individuais.
Entretanto, continuava essencialmente autoritário, pois negava aos pobres o
direito universal ao voto.
Essa reforma, consoante Max Weber, tornou o
serviço público profissional e a dominação, racional legal.
Na primeira metade do século XX o Estado se tornou democrático e na
segunda metade, social. Essa mudança exigia uma transformação do aparelho
do Estado, pois o pressuposto da eficiência estatal não fora alcançado.
No Estado social, a despesa pública passou a representar mais de
40% da produção nacional. Tornava-se, assim, necessário que o
Estado se tornasse além de efetivo, eficiente. Que acompanhasse o
35
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 97.
36
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 40.
30
aumento da produtividade que ocorre no setor privado para que haja
37
desenvolvimento econômico .
Com isso, o modelo estatal necessita transformar-se para atender às
demandas sociais. É necessário que o Estado acompanhe a eficiência do setor
privado, de modo, principalmente, a não se tornar um obstáculo, um entrave ao
desenvolvimento
da
sociedade.
O
modelo
de
administração
pública
burocrática, traduzido na rigidez e no “loteamento38” da máquina pública, não
mais faz frente às necessidades surgidas das novas demandas sociais. O
Estado precisa satisfazer essas demandas.
Dessa necessidade nasce a segunda grande reforma administrativa do
Estado moderno, a reforma gerencial, que no Brasil se traduziu em uma
resposta à grande crise dos anos 80 e à globalização econômica, dois
fenômenos que impuseram a redefinição do Estado, como veremos a seguir.
1.2 GESTÃO PÚBLICA GERENCIAL
O modelo de Estado proveniente das sociedades capitalistas, longe de
amenizar os conflitos sociais inerentes às suas sociedades, os potencializou de
tal forma que, hodiernamente, buscam-se propostas alternativas e esse modelo
paternalista e assistencialista.
O paradigma de gestão centralizada do
aparelho público, tornando-o burocrático e ineficaz, traz a reboque a cultura do
tratamento, da parte do gestor administrativo, do aparelho estatal como
extensão de seu patrimônio privado. Decorrem desse modelo de fenômeno
social a exploração de políticas marginalizantes e discriminatórias, que
desaguam na formação de estruturas sociais profundamente desiguais entre si.
37
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma gerencial do Estado, teoria política e ensino da
administração pública. Revista Gestão & Politicas Públicas, 2011. p 3. Disponível em:
http://www.bresserpereira.org.br/papers/2011/391Ensino_administra%C3%A7%C3%A3o_p%C3%BAblica.pdf acessado em 12 mar 2012.
38
Utilizamos esse termo no sentido de preenchimento de cargos públicos tendo como objetivo
o apoio político.
31
De uma parte a elite formadora e consolidadora do patrimônio decisório
do aparelho estatal e de outra banda o restante da sociedade, alvo de políticas
paliativas, que não resultam em profundas mudanças de seu capital social, pois
têm por objetivo intrínseco a manutenção do status quo social vigente nessa
realidade.
1.2.1 Desenvolvimento histórico
A administração burocrática clássica, implantada na Europa em fins do
século XIX e que era baseada nos princípios da administração do exército
prussiano, foi implantada nos Estados Unidos no início do século XX e no
Brasil, em 1936, com a reforma administrativa promovida por Getúlio Vargas,
durante o Estado Novo. Essa reforma brasileira foi capitaneada por Mauricio
Nabuco e Luiz Simões Lopes. Mauricio Nabuco (filho do embaixador Joaquim
Nabuco), também seguiu a carreira do pai, embaixador, entrando para a
carreira diplomática em 191339. Luiz Simões Lopes, político brasileiro, foi
nomeado chefe do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) por
Getúlio Vargas, sendo o DASP órgão que tinha a função de qualificar o
funcionalismo público nacional e racionalizar e integrar o serviço público nas
três esferas (federal, estadual e municipal). Mais tarde, Simões Lopes tornouse presidente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), cargo que exerceu por
muitos anos40. O DASP exerceu significativa influência nas políticas
governamentais da era Vargas, tendo sido responsável pela elaboração e
controle do orçamento federal41.
A adoção do modelo burocrático se deu porque se tratava de uma
alternativa melhor ao modo patrimonialista de administração estatal. Entretanto,
o pressuposto da eficiência, no qual era embasado, não foi alcançado
satisfatoriamente.
39
NABUCO, Mauricio. Reflexões e Reminiscências. Ed. Nova Fronteira, RJ, 2000. p.11.
LOPES, Luiz Simões. Fragmentos de memória. CPDC, Editora FGV, RJ, 2006. p.14.
41
A era Vargas 2. Fundação Getúlio Vargas – CPDOC. Disponível em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/biografias/luis_simoes_lopes. Acesso em 16
mar 2012.
40
32
1.2.2 A necessidade da reforma no aparelho estatal
Em meados do século passado (logo após a Segunda Grande Guerra)
teve início a influência, no modelo capitalista, da administração de empresas na
esfera pública, ganhando espaço ideias de descentralização e flexibilização
administrativas, mas foi só a partir da década de 1970, quando o Estado entra
em crise, que esse modelo burocrático começa a declinar, pois é a partir daí
que se sente mais acentuadamente a falta de respostas às demandas sociais,
surgindo então a ideia de uma mudança na administração pública. Assim, nos
anos 80, consoante Bresser-Pereira (1998) inicia-se “uma grande revolução na
administração pública dos países centrais em direção a uma administração
pública gerencial”.42
Essa administração pública gerencial, que é influenciada em grande
parte pelo modelo de eficiência em que o setor privado se baseia, surge como
resposta à necessidade de um novo modelo de administração estatal, em
virtude do crescimento dos anseios sociais no mundo ocidental. Os países
onde essa revolução mais se acentuou foram o Reino Unido, a Nova Zelândia
e a Austrália.
Assim, a partir da década de 1970, com a falta de legitimidade da
burocracia frente às demandas da cidadania e em face aos problemas de
crescimento e complexidade da administração pública, a gestão pública
gerencial
ganha
força.
Nesse
sentido,
Bresser-Pereira
aduz
que
a
administração pública burocrática, por ser cara, lenta e muito pouco
direcionada ao social, não possuía mais condições de responder às demandas
do Estado social.
No momento em que o pequeno Estado liberal do século XIX cedeu
definitivamente lugar ao grande Estado social e econômico do século
42
Bresser-Pereira, Luiz Carlos; Peters Spink – orgs. Reforma do estado e administração
pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. P 242.
33
XX, verificou-se que ela não garantia nem rapidez, nem boa
43
qualidade, nem custo baixo para os serviços prestados ao público.
1.2.3 O Estado moderno e a globalização
A globalização é entendida, comumente, em sua dimensão econômica, a
mudança mais importante está no papel dos mercados financeiros globais. A
revolução das telecomunicações e a extensão da tecnologia informática estão
intrinsicamente ligadas ao processo globalizador. Com isso criam-se, também,
novas regiões econômicas e culturais.
Nesse sentido, Giddens afirma que a globalização vai além do campo
econômico, transformando o tempo e o espaço no meio social.
A globalização, como vou concebê-la no que se segue, não diz
respeito em absoluto apenas, ou mesmo basicamente, à
interdependência econômica, mas à transformação do tempo e
espaço em nossas vidas. Eventos distantes, que econômicos ou não,
afetam-nos mais direta e imediatamente que jamais antes.
Inversamente, decisões que tomamos como indivíduos são com
44
frequência globais em suas implicações.
Para Liszt Vieira, a globalização, que tem seu ponto de partida no
processo de internacionalização da economia, ultrapassa os fenômenos
econômicos e deve ser entendido também em suas dimensões políticas,
ecológicas e culturais, além disso, esse processo interfere em todas as esferas,
no trabalho, na educação, lazer, segurança e política.
O ponto de partida da globalização é o processo de
internacionalização da economia, ininterrupta desde a segunda
guerra mundial. Por internacionalização da economia mundial
entende-se um crescimento do comércio e do investimento
internacional mais rápido do que o da produção conjunta dos países,
ampliando as bases internacionais do capitalismo (incorporação de
mais áreas e nações) e unindo progressivamente o conjunto do
43
Bresser-Pereira, Luiz Carlos; Peters Spink – orgs. Reforma do estado e administração
pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. P 241.
44
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da
social-democracia. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 41.
34
mundo num círculo único de reprodução das condições humanas de
45
existência.
Para Milton Santos, que não era contra a globalização e sim contra o
modelo perverso de globalização existente no mundo, o primeiro momento da
globalização se deu com a colonização, onde então é imposto ao colonizado os
hábitos, costumes e a cultura do colonizador. O segundo momento se deu com
a fragmentação territorial.
A primeira globalização do colonialismo se caracterizou pela
ocupação territorial. A segunda globalização começa no final do
século XX, marcada pela fragmentação dos territórios. O século XX
foi o século das revoluções. As revoluções tecnológicas transformam
46
as novas conquistas em sonhos de um mundo melhor.
O processo de globalização econômica mundial traz consigo a
necessidade de formação de uma nova sociedade. Para Bresser Pereira a
crise dos anos 80 se deu pelo endividamento internacional sendo que, a partir
dos anos 90 a prioridade passou a ser a reforma do Estado.
Na década de 80, logo após a eclosão da crise de endividamento
internacional, o tema que prendeu a atenção de políticos e
formuladores de políticas públicas em todo o mundo foi o ajuste
estrutural ou, em termos mais analíticos, o ajuste fiscal e as reformas
orientadas para o mercado. Nos anos 90, embora o ajuste estrutural
continue figurando entre os principais objetivos, a ênfase deslocou-se
para a reforma do Estado. A questão central hoje é como reconstruir
o Estado – como redefinir um novo Estado em um mundo
47
globalizado.
Ainda em Milton Santos, a partir do momento em que o Estado do bemestar social começa a sofrer um desmonte, o humanismo, como motor do
desenvolvimento e do progresso, passa a ser substituído pelo modelo do
consumo voraz.
45
VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 7 ed. Rio de janeiro: Record, 2004. p. 76.
TENDLER, Sílvio. Encontro com Milton Santos: o mundo global visto do lado de cá. Caliban
Produções: Rio de Janeiro, RJ, 2006.
47
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; Peters Spink – orgs. Reforma do estado e administração
pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. p. 21.
46
35
O consumo que é, hoje, o grande fundamentalismo; esse sim, é que é
o grande fundamentalismo! As técnicas são implantadas nas
sociedades e nos territórios a partir de uma política, hoje a política
das empresas globais; amanhã, a partir da política dos Estados,
48
impulsionados pelas nações .
Entendemos que a globalização é uma complexa série de processos,
impulsionados por uma amálgama de fatores políticos e econômicos e onde
estão se transformando as instituições das sociedades em que vivemos.
Porém, o modelo perverso de globalização onde os grandes planejamentos,
tanto empresarias como governamentais, estão voltados para o mercado de
consumo, muito pouco contribuem para a formação do capital social do
indivíduo, alterando apenas a maneira como é efetivada a relação
colonizador/colonizado.
1.2.4 O modelo gerencial
No modelo gerencial o cidadão é visto como um cliente dos serviços
públicos, e a satisfação do “cidadão-cliente” é um dos principais objetivos a
serem alcançados. Para Bresser-Pereira as características básicas da
administração pública gerencial estão voltadas, em última análise, para o
cidadão, dando-se por meio da perseguição a resultados.
É orientada para o cidadão e para a obtenção de resultados;
pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são
merecedores de grau limitado de confiança; como estratégia, servese da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; e
utiliza o contrato de gestão como instrumento de controle dos
49
gestores públicos.
Todavia, não há um rompimento total com o paradigma burocrático, pois
o modelo gerencial se apoia em vários princípios daquele, como a admissão
por mérito (concurso público); um sistema de servidores públicos estruturado
(plano de carreira); o treinamento contínuo e avaliação de desempenho dos
48
TENDLER, Sílvio. Encontro com Milton Santos: o mundo global visto do lado de cá. Caliban
Produções: Rio de Janeiro, RJ, 2006.
49
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; Peters Spink – orgs. Reforma do estado e administração
pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. p. 28.
36
servidores. A profissionalização da administração pública ainda é um ponto em
comum de ambos os modelos (burocrático e gerencial). No modelo gerencial
há os princípios da descentralização de decisões, da confiança no servidor, da
flexibilização de gestão, de estruturas horizontalizadas e incentivos à
criatividade. À avaliação sistemática, permanente capacitação e à gratificação
por desempenho, características do modelo burocrático, somou-se o controle
por resultados e a satisfação do cidadão-cliente, princípios do paradigma
gerencial.
O enfoque gerencial da administração pública emerge na Grã-Bretanha
e nos EUA, após a assunção de governos conservadores, em 1979 (Thatcher)
e com Reagan em 1980 (Bresser-Pereira 1998). Na Grã-Bretanha, uma série
de programas foi implantada (Unidades de Eficiência; Próximo Passo e Direitos
do Cidadão), tornando o serviço público mais flexível, descentralizado, eficiente
e mais voltado para o cidadão, perdendo seus traços burocráticos e ganhando
características gerenciais.
Nos EUA, é estabelecida a meta de reformar a administração pública
norte-americana por critérios gerenciais (em 1992) quando o presidente Clinton
converteu a ideia “reinventar o governo” (reinventing government) em programa
de governo: a National Performace Reiview (Revisão do Desempenho
Nacional). Na França, reformas semelhantes começaram em 1989, no governo
de Michel Roccard (Bresser-Pereira 1998).
De acordo com Bresser-Pereira, a reforma gerencial do Estado tem de
ser compreendida no âmbito de duas grandes forças que moldaram a
sociedade contemporânea do século XX, a globalização e a democracia social.
De um lado, a globalização, o fato de o capitalismo haver-se tornado
dominante em nível mundial, e os mercados terem sido todos abertos
para a competição capitalista. Isto obrigou os países a serem mais
competitivos, e, por isso, contarem com um Estado que além de mais
legítimo, porque democrático, fosse mais eficiente porque gerencial.
De outro lado, a democracia social, o fato de que na segunda metade
do século XX, principalmente na Europa, o Estado passou a garantir
também os direitos sociais. Para isso criou grandes serviços sociais e
científicos de educação, saúde, pesquisa, previdência e assistência
37
social, que exigiram que a administração pública fosse mais do que
simplesmente efetiva, fosse também eficiente, ou, em outras
palavras, que fosse mais do que uma administração pública
50
burocrática: fosse uma administração pública gerencial.
Para Lustosa Costa, o modelo gerencialista não nasce apenas das
cabeças pensantes do neoconservadorismo ou do neoliberalismo que
inspiraram as plataformas políticas do thatcherismo ou da reaganomics nem da
prática dos burocratas a serviço de um e outra, ou dos órgãos internacionais
que seguiram seus preceitos. Ela é fruto de longa maturação de ideias que
germinavam nos meios acadêmicos desde os anos 1950. É a aplicação ao
mundo da gestão pública de “ganhos teóricos” da nova economia política e da
ciência política.51
No Brasil, após o fim da ditadura militar, no governo do presidente
Sarney, foi criada a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), que
tinha o objetivo de formar novos dirigentes públicos. Isso se deu em meio à
reforma denominada Nova República, onde a racionalização da estrutura
administrativa e os gastos com a máquina estatal eram os fins buscados.
Com o advento da Constituição Federal de 1998, algumas normas
referentes ao serviço e administração públicos foram inseridas no texto.
Ficaram explícitos os princípios da administração pública (art. 37 caput), bem
como a obrigatoriedade de concurso público para a investidura em cargo ou
emprego público (art. 37, inc. II). Todavia, a Constituição Federal, na ótica de
Bresser-Pereira,
ignorou
completamente
as
novas
orientações
da
administração pública. Os constituintes perceberam que o Estado havia
adotado políticas descentralizadoras, como a criação de autarquias e
fundações públicas (com o Decreto-Lei nº 200, de fevereiro de 1967), as quais
não eram seguras por não se enquadrarem no modelo burocrático clássico.
50
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma gerencial do Estado, teoria política e ensino da
administração pública. Revista Gestão & Políticas Públicas. 2º semestre de 2011.
51
COSTA, Frederico Lustosa da. Reforma do Estado e contexto brasileiro: crítica do paradigma
gerencialista. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p. 139.
38
Com isso, instauraram o “regime jurídico único” para toda a administração
pública, igualando linearmente vários profissionais.
Assim, decidiram, através da instauração de um “regime jurídico
único” para toda a administração pública, eliminar toda a autonomia
das fundações públicas, e tratar de forma igual militares e
professores, juízes e médicos, promotores e administradores da
cultura, policiais e assistentes sociais; através de uma estabilidade
rígida, ignorar que este instituto foi criado para defender o Estado,
não os seus funcionários; através de um sistema de concursos
públicos ainda mais rígido, inviabilizar que uma parte das novas
52
vagas fossem abertas para funcionários já existentes.
Ainda, na Constituição Federal, houve a transformação de mais de 400
mil funcionários celetistas (das fundações a autarquias) em estatutários,
garantindo a aposentadoria por tempo de serviço e com valor 120 (cento e
vinte) por cento maior que o último salário, agravando a crise fiscal.
Ao tratar da temática sobre periodizações, Lustosa da Costa aduz que,
desde 1930, o Brasil viveu na era Vargas – uma era Vargas com Vargas (19301954) e uma era Vargas sem Vargas (1955-1989). Acrescenta que o Brasil
viveu uma era Vargas contra Vargas a partir de 1990. As grandes reformas
levadas a cabo nos 24 anos de Vargas no poder moldaram a economia, a
sociedade e o Estado brasileiros, embasando reformas subsequentes. A partir
daí, as forças políticas de direita e de esquerda tentam capturar ou renegar sua
herança. 53
A partir de 1990, no governo do presidente Collor, surge um movimento
tendente a romper com a herança varguista, por meio da abertura comercial,
desestatização, desregulamentação socioeconômica, quebra de monopólios,
reformas previdenciária e administrativa. Todavia, essas medidas não se
52
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A Reforma do Aparelho do Estado e a Constituição
Brasileira. Conferência realizada nos seminários patrocinados pela Presidência da República
nos quais os ministros explicaram aos parlamentares dos partidos aliados as emendas
constitucionais que pretendiam enviar ao Congresso. ESAF, Brasília, janeiro de 1995.
Revisada em abril.
53
COSTA, Frederico Lustosa da. Reforma do Estado e contexto brasileiro: crítica do paradigma
gerencialista. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p.78.
39
concretizaram firmemente na estrutura sociopolítica do país, o que define, na
visão de Lustosa da Costa, uma era Vargas contra Vargas.
Em seguida, inicia-se a implantação efetiva da reforma do aparelho do
Estado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
1.2.5 A Reforma do Aparelho do Estado no Brasil
Em 1995, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, é
criado o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – MARE -, e
lançado um planejamento que tinha por objetivo modificar o modelo de
administração pública no Brasil. Desse planejamento constava um plano diretor
e uma emenda constitucional, a de nº 19/1998.54 Aquele Plano Diretor de
Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) era embasado em experiências de
países europeus, principalmente o Reino Unido, e a estratégia usada pelo
então ministro de Estado Luiz Carlos Bresser-Pereira era a de atacar a
administração pública burocrática e ao mesmo tempo defender as carreiras de
Estado e o fortalecimento da capacidade gerencial do Estado.
A Reforma Gerencial de 1995 baseia-se em um modelo que implica
mudanças estruturais e de gestão. A reforma não estava interessada
em discutir o grau de intervenção do Estado na economia, uma vez
que hoje já se chegou a um razoável consenso sobre a inviabilidade
do Estado mínimo e da necessidade da ação reguladora, corretora, e
estimuladora do Estado. Ao invés de insistir nessa questão, a reforma
partiu de uma serie de perguntas de caráter estrutural que tinham
como pressuposto gerencial o fato de que a descentralização, a
consequente autonomia dos gestores, e a sua responsabilização por
resultados torna os gestores e executores mais motivados e as
55
agências mais eficientes.
A reforma na Administração Pública brasileira possuía cinco diretrizes:
54
Emenda constitucional 19, de 04 de junho de 1998 - Modifica o regime e dispõe sobre
princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de
despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras
providências.
Disponível
em:
http://www.bresserpereira.org.br/documents/Mare/emenda/emendaconst19.PDF acessado em
14 mar 2012.
55
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Burocracia Pública na Construção do Brasil. Revista
Sociologia e Política, n. 28, 2008. p. 99.
40
a)
Institucionalização – por meio da reforma da própria constituição;
b)
Racionalização – aumento da eficiência por corte de gastos sem
perda da “produção”, fazer mais com menos;
c)
Flexibilização – maior autonomia aos gestores públicos de
recursos humanos;
d)
Publicização – transferência para organizações públicas não
estatais de serviços não exclusivos do Estado, principalmente na saúde,
educação, cultura, ciência e tecnologia, e meio ambiente;
e)
Desestatização
–
privatização,
terceirização
e
desregulamentação.
Na emenda constitucional a ideia principal era tornar mais flexível o
sistema existente de estabilidade total aos servidores públicos, bem como
eliminar o regime único para a contratação de pessoal do Estado. Assim,
quanto ao pessoal do Estado, a reforma objetivava uma gestão pública mais
eficiente,
motivando
profissionais
competentes
e
punindo
aqueles
“incompetentes”; uma política remuneratória; recrutamento e seleção de
servidores para as “carreiras de Estado”; e a eliminação de privilégios
indevidos.
Quando da implantação de reformas no setor público, os fatores mais
importantes para que o processo se dê o menos traumático possível, na visão
de Richardson (1998), são quatro:56
a)
a coerência da reforma em todo o setor público – todos os
elementos trabalham para reforçar uns aos outros criando uma transformação
mais ampla na cultura;
b)
a importância de dispor de pessoal de alta qualidade em funções-
chave – as reformas fazem com que, inevitavelmente, algumas agências
percam poder, tendo-se pessoal de alta qualidade e com uma visão estratégica
das reformas auxilia na transposição desses bloqueios;
56
Bresser-Pereira, Luiz Carlos; Peters Spink – orgs. Reforma do estado e administração
pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. P 215/235.
41
c)
comunicação de alta qualidade – os trabalhadores públicos têm
de ver o lado positivo da reforma, como uma satisfação laboral e progresso na
carreira;
d)
o apoio de todos os partidos - o ideal é o apoio dos partidos de
oposição, um acordo entre todos os partidos dá à reforma uma maior
durabilidade política e aumenta a confiança no programa como um todo.
Conforme o pensamento de Bresser-Pereira (2009), a reforma deu
ênfase à descentralização da administração, distinguindo significativamente, os
papéis do Estado:
a)
as atividades exclusivas do Estado devem nele permanecer;
b)
serviços sociais e científicos contratados com organizações
públicas não-estatais de serviço;
c)
a produção de bens e serviços para o mercado a cargo da
iniciativa privada.
As análises anteriores referentes ao aparelho do Estado eram
fragmentadas: descrições jurídicas sobre diversos formatos organizacionais
(autarquias, fundações, empresas públicas, administração direta), sem uma
visão estratégica do conjunto. Bresser-Pereira estabeleceu uma visão
abrangente da macroestrutura, sintetizada num único esquema, em torno de
quatro setores do Estado, três formas de propriedade e duas formas de
administração.57
57
NAKARO, Yoshiaki; REGO José Marcio; FURQUIM, Lilian. Org. Em busca do novo: o Brasil e
o desenvolvimento na obra de Bresser-Pereira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 449.
42
MACROESTRUTURA DO ESTADO
Setores do Estado, Formas de Propriedade e de Administração58
FORMAS DE PROPRIEDADE
Estatal
Núcleo estratégico
Legislativo, Judiciário,
Pública
não-estatal
FORMAS DE
ADMINISTRAÇÃO
Privada
Burocrática
X
Gerencial
X
X
Presidência, Cúpula dos
Ministérios, Forças Armadas
Atividades Exclusivas
Controle, Fiscalização
X
X
Subsídios, Seguridade
Atividades não-exclusivas
Universidades, Hospitais,
publicização
X
X
Centros de Pesquisa, Museus
Produção para o Mercado
X
Empresas Estatais
X
privatização
Ainda, a preocupação básica era tornar os administradores públicos
mais autônomos e mais responsáveis, através da criação de agências
executivas e reguladoras, bem como transformando os serviços sociais e
científicos em “organizações sociais”. E por fim, voltar a qualidade do serviço
público não para a burocracia, mas sim para o cidadão-cliente.
Bresser-Pereira não ignorava a globalização, porém sua atenção estava
mais voltada para a crise do Estado desenvolvimentista latino-americano.
58
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Da Administração Pública Burocrática à Gerencial.
Revista do Serviço Público. Janeiro-Abril de 1996. Disponível em:
http://bresserpereira.org.br/papers/1996/95.AdmPublicaBurocraticaAGerencial.pdf acessado
em 08 mar 2012.
43
O desenho da reforma expressa minha insistente crítica às duas
ideologias opostas que dominaram por muito tempo a cena brasileira:
de um lado, as antigas ideias estatistas; de outro, o credo
conservador ultraliberal importado de países desenvolvidos que
59
pregavam, mas não praticavam esse ultraliberalismo.
Iniciada em 1995 a reforma ditou regras e colheu frutos, adotando uma
abordagem gerencial da administração pública e uma abordagem socialdemocrática e social-liberal do papel do Estado.
É gerencial porque adota a autonomia e responsabilização do órgão
público como estratégia de eficiência, e por ser inspirada na gestão de
empresas privadas; é democrática por ter no controle exercido pela sociedade
civil uma importante ferramenta, assim como exige a transparência no serviço
público; tem o Estado como garantidor da proteção aos direitos sociais sendo,
portanto, social-democrática; tem o mercado como alocador de recursos e a
contratação de serviços e competição administrada como ferramentas de
responsabilização, sendo então social-liberal.
Em 2003 o Partido dos Trabalhadores vence as eleições presidenciais
mantendo, no entanto, os princípios básicos da reforma.
Portanto, nas palavras de Bresser-Pereira, a importância da reforma
administrativa está na mudança cultural da sociedade, sendo essa mudança a
mais importante conquista.
As grandes reformas administrativas têm um momento crítico de
mudança institucional e cultural, e um longo e incerto processo de
implementação. O que importa saber é se as novas concepções
foram aceitas e se tornaram dominantes na sociedade e entre os
servidores públicos de alto escalão ou, em outras palavras, se houve
mudança cultural. No caso da reforma da gestão pública de 1995-98,
60
essa mudança foi provavelmente sua mais importante conquista.
59
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 253.
60
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2009, p. 254/255.
44
Nos anos 1950-60 o país enfrentou a luta pela industrialização; nos anos
1970 houve a transição democrática; na década de 1980 foi a vez da luta
contra a alta inflação; nos anos 1990 houve a reforma gerencial do Estado; e,
mais recentemente, a batalha pela revisão da política macroeconômica
brasileira e pela retomada da autonomia nacional. O fio condutor é a luta pelo
desenvolvimento econômico e político do Brasil e da América Latina. 61
A democracia é a melhor alternativa encontrada até hoje como regime
político, haja vista ser o regime que melhor garante a estabilidade social. É o
melhor regime não só pela estabilidade que proporciona, mas por ser o que
mais interessa aos pobres e excluídos. Políticos com espírito republicano
poderão ajudar os pobres nessa luta pela democracia, mas ela terá de ser
necessariamente uma luta dos próprios pobres. Uma luta que não terá muitas
perspectivas enquanto os desníveis de educação continuarem muito grandes.
Na medida, porém, em que o direito à educação se universaliza, essa luta será
cada vez mais viável, trazendo como resultado sociedades não apenas mais
ricas, como também mais livres e mais justas.62
Há em andamento a construção de um modelo de gestão pública voltada
para uma maior participação da sociedade. Trata-se da gestão pública
compartida. Como trataremos seguir, a gestão pública compartida se traduz em
uma alternativa viável ao modelo de gestão pública gerencial, principalmente
em virtude da crise de legitimidade enfrentada pelo Estado contemporâneo.
Com a implantação de ferramentas voltadas para um entendimento racional
das necessidades sociais, ferramentas essas pautadas em um processo
democrático de comunicação política, num modelo de gestão compartilhada, a
legitimidade da Administração Pública no Estado Democrático de Direito aufere
uma maior solidez e efetividade. Assunto que abordaremos a seguir.
61
NAKARO, Yoshiaki; REGO José Marcio; FURQUIM, Lilian. Org. Em busca do novo: o Brasil
e o desenvolvimento na obra de Bresser-Pereira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p.566.
62
NAKARO, Yoshiaki; REGO José Marcio; FURQUIM, Lilian. Org. Em busca do novo: o Brasil
e o desenvolvimento na obra de Bresser-Pereira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p.564.
45
1.3 GESTÃO PÚBLICA COMPARTIDA
No mundo ocidental, a partir do século XVIII o desenvolvimento
econômico torna-se mais importante que o desenvolvimento social sob a ótica
estatal. O Estado, gerido por classes com hegemonia e superioridade
econômica, busca, sob essa ótica, o modelo de gestão que se adequa a essa
finalidade, formulando para isso políticas alinhadas a esse entendimento, tanto
na seara normativa (elaboração de normas cogentes) quanto na face
administrativa estatal.
A crise socioeconômica, oriunda do modelo de reprodução e
acumulação do capital, é concentradora e produtora de desigualdades sociais
viabilizadas pela globalização e, principalmente, pelas relações financeiras e
pelas novas tecnologias que, através da comunicação, potencializam o
aumento do duplicar o capital, tornando-o móvel e livre de controle por parte
dos Estados nacionais. Esta reprodução e acumulação do capital financeiro
seria inviável sem formas agressivas de fomento da produtividade do capital no
âmbito microeconômico a partir da produtividade do trabalho63. Assim, para
seu sucesso, o livre mercado necessita que o capital, ou seja, trabalho morto
mediante o desenvolvimento tecnológico torne desnecessário o trabalho
humano, vivo.64
Pela exploração do mercado mundial a burguesia imprime um caráter
cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. [...] Em
lugar das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais,
nascem novas necessidades, que reclamam para sua satisfação os
produtos das regiões mais longínquas e dos climas mais diversos.
Em lugar do antigo isolamento de regiões e nações que se bastavam
a si próprias, desenvolvem-se um intercâmbio universal, uma
universal interdependência das nações. E isto se refere tanto à
65
produção material como à produção intelectual.
63
CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996. p.124.
MELLO, Alex Fiúza. Marx e a globalização. São Paulo: Boitempo, 1999. p. 87.
65
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. 2 ed. Rio de Janeiro:
Cátedra, 1987, p. 31-32.
64
46
Bauman entende que para que o processo acima funcione é necessário
que o Estado torne-se coadjuvante de sua desconstituição ao eliminar qualquer
forma de proteção social, controlando seus gastos com o setor público,
reduzindo impostos e flexibilizando o mercado de trabalho para que o mercado
possa aplicar sua lógica de manter um mínimo de trabalhadores com o máximo
de produção possível. Esta flexibilidade pode ser entendida tanto para a
procura de mão-de-obra quanto para as fronteiras, que passam a ser voláteis
para o capital, já que “[...] significa liberdade de ir aonde os pastos são verdes,
deixando o lixo espalhado em volta do último acampamento para os moradores
locais limparem [...]”.66 Ocorre, então, um deslocamento entre a relação poder
versus política, já que esta permanece fixa na localidade e o capital se
movimenta.67
Neste contexto é possível visualizar uma crise política diante da
incapacidade do Estado de apresentar soluções para a coletividade, fato que
justifica o desvio do foco das elites políticas para a preocupação com a
segurança pública, com discursos semelhantes entre a “direita” e “esquerda”,
ao preconizarem leis mais rigorosas, construção de prisões e o aumento do
efetivo policial como resposta à insegurança. O triunfo do neoliberalismo,
segundo Bauman, pode ser explicado por suas diretrizes que, na prática,
desarticulam as instituições políticas de resistência ao capital e mercado livres,
disseminando a sensação de insegurança para não enfrentar a natureza dos
problemas, já que “[...] pessoas que se sentem inseguras, preocupadas com o
que lhes reserva o futuro e temendo pela própria incolumidade não podem
realmente assumir os riscos que a ação coletiva exige”. 68
Quanto ao neoliberalismo, Giddens ressalta que há que se destacar o
seu antagonismo ao welfare state como um de seus traços mais
característicos. Para os neoliberais, o welfare state é a fonte de todos os
males, de maneira muito parecida àquela como o capitalismo era visto outrora
66
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1999. p. 64.
67
BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 43.
68
BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 75.
47
pela esquerda revolucionária, o que justifica a opção norte-americana pela
redução do Estado social.69
Conforme esse pensamento, Neves aduz que a sociedade e seus
problemas, reconhecendo-se que estejam relacionados de forma sistêmica,
não admite visões ou análises parciais, como geralmente ocorre tratando-se da
mídia movida por interesses.
[...] a teoria luhmanniana nega um espaço privilegiado de observação
a partir do qual se possa refletir abrangentemente sobre a sociedade.
Toda e qualquer observação é parcial. A diferença entre sistema e
ambiente apresenta-se nos diversos sistemas sociais autopoiéticos,
cada um dos quais com uma perspectiva própria do mundo e da
sociedade. É nesse sentido que se define a sociedade moderna como
70
multicêntrica e policontextural.
Nesta seara se proliferam as violações de direitos humanos contra
aqueles mais vulneráveis na sociedade, ou seja, os pobres, negros e
imigrantes que, tornados a personificação do mal a ser curado, tornam-se
também objeto da solução repressora e simbólica do direito penal.
Traçada essa realidade social, e após termos discorrido sobre o Estado
moderno e os modelos de gestão pública, burocrática e gerencial,
discorreremos sobre gestão pública compartida, um outro paradigma de gestão
da máquina pública.
1.3.1 Administração pública e gestão compartida
Hodiernamente, o conceito de administração pública é entendido como
um conjunto de ações e regras jurídicas inerentes à realização dos fins que o
Estado objetiva. Ainda, como nos ensina Leal:
69
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da
social-democracia. Rio de Janeiro: Record, 1999.
70
NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o Estado Democrático de Direito
a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 67.
48
De certa forma, o conceito de Administração Pública, assim, tem-se
sintetizado como um conjunto harmônico e sistêmico de princípios,
regras e ações jurídicas que regem os órgãos, os agentes e as
atividades públicas, tendentes a realizar concreta, direta e
71
imediatamente os fins desejados pelo Estado.
Assim, o conceito de administração pública não pode ser centrado
fundamentalmente
no
Estado,
nem
em
pressupostos
filosóficos
e
epistemológicos de exercício do poder, mas a partir de outros paradigmas, tais
como o de uma filosofia e epistemologia pautadas numa racionalidade
emancipatória e comunicativa, na busca do entendimento/consenso através de
pactos de civilidade.
1.3.2 Gestão compartida como pressuposto de cidadania72
Consoante o entendimento de Leal a compreensão do perfil social do
povo brasileiro, a partir da constituição de 1988, é essencial para pensarmos
qualquer forma de Administração Pública Democrática de Direito que se
pretenda
legítima
e
eficaz,
na
modalidade
de
compartilhamento
de
competências, deveres e direitos. Pode-se afirmar, portanto, que a Carta
Política de 1988 e a partir dela, tem-se um redesenho mais saliente para um
modelo de gestão compartida onde, fundamentadamente, o papel que a
sociedade assume nessa questão é deveras importante, tanto na direção de
uma participação ativa – aqui no sentido de obrigações e direitos, onde o
conceito de “obrigação” é bem mais saliente do que o até então existente –
quanto no sentido de sujeito de direitos.73
A Constituição de 1988 traz em seu bojo a previsão de uma participação
mais efetiva do corpo social. Se de um lado, já em seu artigo primeiro, traz
como fundamentos do Estado Democrático de Direito a cidadania - status do
71
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 38.
72
Aqui o significado do termo cidadania por nós empregado é no sentido não apenas de sujeito
de direitos fundamentais constitucionalmente positivados, mas ainda no sentido de sujeito de
direitos a uma participação ativa na gestão pública.
73
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 42.
49
ser humano, apresentando-se, simultaneamente, como objeto e direito
fundamental das pessoas74 - e a dignidade da pessoa humana - valor espiritual
e moral inerente à pessoa
-, que se manifesta singularmente na
autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo
a pretensão ao respeito pelas demais pessoas75, de outra parte obrigações de
participação mais ativa, como bem ilustram a temática da educação e da
criança e adolescente - art. 205 e 227:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho; Art. 227. É
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
Cidadão, conforme a Constituição de 1988, não se resume a ter direitos
reconhecidos pelo Estado, mas também com práticas sociais e culturais que
dão sentido à cidadania. Em apertada síntese, a proposta é pensar em gestão
pública com bases de sustentação (epistemológica): um novo conceito de
sociedade (com direitos e deveres) e um novo conceito de Estado
(democrático). Gestão pública compartida traduz supor modos de participação
social nas ações estatais, mormente no aspecto decisório sobre as diversas
questões inerentes ao público.76
Para tanto, é imprescindível construir pactos de comunicação no sentido
de alcançar um entendimento sobre o futuro social. Sustenta-se a ideia de uma
Administração Pública que parte da teoria de ação comunicativa de Habermas
e fundamenta-se em bases filosóficas e operacionais que precisam ser
pensadas e estudadas.
74
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada, atlas, 2007, p. 60/62.
MORAES, Alexandre de, Constituição do Brasil interpretada, atlas, 2007, p. 60/62.
76
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 46/48.
75
50
1.3.3 Gestão pública compartida como modelo democrático emancipador
Os modelos de democracia representativa ou participativa institucionais
não mais satisfazem às demandas pelas respostas às necessidades de
participação social na administração da coisa pública. Conforme Leal primeiro
porque não contam com um adequado diagnóstico do fenômeno político das
relações sociais contemporâneas (desconsiderando a complexidade dos
múltiplos aspectos de sua configuração) e segundo, porque carecem de uma
teoria filosófica e política de base capaz de alcançar o maior número de
variáveis que estão presentes na formatação de tais relações.77
O sistema de representação político-institucional, tanto no Brasil como
na maioria dos países de democracia liberal, vive uma crise de legitimidade.
Essa crise se dá em virtude de várias causas, entre as quais: administração
pública burocratizada e autoritária; inexistência de ferramentas de controle, por
parte do cidadão, sobre o político eleito; sistema eleitoral desvirtuado da
vontade do eleitor; a prática do eleito não coaduna com seu discurso de
campanha; trocas de partido, ao abrigo da lei; sistemas eleitorais como
instrumento de desigualdade e exploração social.
Essa crise de legitimidade pode ser atribuída ao modelo de
administração pública pautado pela ótica da razão instrumental, desvirtuado e
utilizado pelas elites que se apoderaram do Estado e passaram a geri-lo como
extensão de seu patrimônio privado.
A soberania popular, positivada no Ordenamento Jurídico Máximo do
país, não encontra, com algumas exceções, oportunidade de exercício além
dos pleitos eleitorais periódicos, o que, sabe-se, em virtude da normatividade
eleitoral afeta à nação, serve apenas para aprofundamento da exclusão social
vivida em nossa sociedade contemporânea.
77
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 37/55.
51
Ao explicar a ótica habermasiana de modelo de participação políticocidadã, Leal observa que, para Habermas, o conhecimento deve estar a
serviço da emancipação humana:
[...] todas as formas de conhecimento devem estar a serviço de um
interesse fundamental à espécie humana: o da sua emancipação,
pois, enquanto o conhecimento instrumental permite ao homem
satisfazer as suas necessidades, ajudando-o a libertar-se da natureza
exterior (por meio da produção), o conhecimento comunicativo (que o
filósofo vai desenvolver mais tarde) o impele a emancipar-se de todas
as formas de repressão social (ou de seus representantes
intrapsíquicos), transformando-o em um ser mais autônomo e
78
consciente.
A gestão pública é, notoriamente, voltada muito mais ao interesse
privado que ao público. Os interesses defendidos nos corredores do poder
estão mais voltados aos projetos privados.
Não é, todavia, essa a Administração Pública que consegue atender
o algo grau de complexidade das demandas sociais que se
avolumam nos dias atuais, eis que, cerrada dentro de suas teias
tecno-burocráticas, está muito mais preocupada em desenvolver
estratégias de gestão concentrada nos corredores do poder e em
projetos privados transformados em públicos, do que propriamente
atender os reclamos oriundos da matriz associativa que deu causa à
79
sua própria existência.
Os interesses de grandes corporações e grupos econômicos, que
impõem ao planeta uma globalização perversa, muito mais sentida, em sua
face mais negativa, nas nações ditas subdesenvolvidas, se traduzem em
políticas de exclusão social, repressivas e controladoras, principalmente no
âmbito normativo, conforme o pensamento de Milton Santos, gerando, em uma
análise mais profunda, uma carência de legitimidade estatal.
Além das múltiplas formas com que, no período histórico atual, o
discurso da globalização serve às ações hegemônicas dos Estados,
78
LEAL, Rogério Gesta. Jüngen Habermas: verbete. 2001. Disponível em:
http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigo-jurgen-habermas-verbete.html
Acesso
em 07 mar 2012.
79
LEAL, Rogério Gesta. Gestão pública compartida e organizações sociais: um novo
paradigma à administração pública. http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigogestao-publica-compartida-e.html Acesso em 08 mar 2012, p. 3.
52
das empresas e das instituições internacionais [...]. A reconstrução
vertical do mundo, tal como a atual globalização perversa está
realizando, pretende impor a todos os países normas comuns de
80
existência e, se possível, ao mesmo tempo e rapidamente.
Esse contexto político-social traduz uma crise de legitimidade estatal,
onde o Estado está voltado, em última análise, à persecução dos interesses
privados, o que pode ser cristalizado, nos interesses dos grandes grupos
econômicos, que, em proveito dessa globalização perversa, impõe a
concretização de seus interesses em detrimento daqueles mais importantes ao
corpo social.
Ao lado da crise de legitimação, apresentam-se no mínimo duas
outras crises, a de identidade e a de eficácia, correlatas da primeira,
eis que, em nível de identidade, o Estado passa não mais a distinguir
quais suas funções originárias e efetivamente públicas, servindo
como mero instrumento de assalto ao poder por interesses e
corporações pouco representativas da sociedade como um todo; em
nível de eficácia, o Estado, por ter perdido sua legitimidade e sua
identidade, não consegue – e sequer prioriza – atender as demandas
81
efetivas e operacionais da comunidade que representa oficialmente.
Como resposta alternativa ao modelo contemporâneo de gestão pública
se nos apresenta a gestão compartida, onde a participação social tem um viés
mais significativo, corporificada através de subsistemas privados, traduzidos
em associações, organizações civis e toda espécie de representação popular,
pautadas por interesses comunitários que desaguam no efetivo cumprimento
dos anseios sociais.
Para a construção dessa efetiva participação popular se faz necessário o
estabelecimento de entes sociais representativos dos interesses públicos,
diversos das entidades estatais, que trabalhem na busca da concretização dos
anseios representativos dos diferentes setores sociais, como assevera Vieira.
80
SANTOS, Milton: Por uma outra globalização. São Paulo, Editora Record, 2000, p. 11 e 17.
LEAL, Rogério Gesta. Gestão pública compartida e organizações sociais: um novo
paradigma à administração pública. http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigogestao-publica-compartida-e.html Acesso em 08 mar 2012, p. 9.
81
53
A construção dessa esfera social-pública, enquanto participação
social e política dos cidadãos, passa pela existência de entidades e
movimentos não-governamentais, nãomercantis, não-corporativos e
não partidários. Tais entidades e movimentos são privados por sua
origem, mas público por sua finalidade. Eles promovem a articulação
entre esfera pública e âmbito privado como nova forma de
representação,
buscando
alternativas
de
desenvolvimento
82
democrático para a sociedade.
Nessa direção Leal, ao citar Modesto e Carvalho, afirma que as
organizações sociais definem-se como instituições do terceiro setor, parceiras
do Estado na persecução do fim social.
[...] no aspecto da parceria, as organizações sociais definem-se como
instituições do terceiro setor (pessoas privadas de fins públicos, sem
finalidade lucrativa, constituídas voluntariamente por particulares,
auxiliares do Estado na persecução de atividades de relevante
interesse coletivo), pois possuem o mesmo substrato material e
formal das tradicionais pessoas jurídicas privadas de utilidade
pública, com a diferença fundamental de possuir um título jurídico
especial, conferido pelo Poder Público, em vista do atendimento de
requisitos gerais de constituição e funcionamento previstos
83
expressamente em lei.
Ao se estabelecerem ferramentas voltadas à construção de um espaço
democrático de comunicação política, aqui corporificadas na existência de
entidades da sociedade civil organizada e na concepção de políticas públicas
voltadas para a implantação de uma efetiva participação social na esfera
decisória do Estado, traduz-se a efetivação de uma maior legitimidade estatal,
consoante assevera Leal:
Tal perspectiva condiciona a legitimidade da Administração Pública
no Estado Democrático de Direito, à existência de um processo
democrático de comunicação política, que institui um espaço
permanente de construção de entendimentos racionais sobre o que
se pretende em termos de sociedade e governo, a partir da
organização de mecanismos e instrumentos de co-gestão que
garantam a visibilidade, compreensão e debate das questões
comunitárias relevantes (inclusive na definição de quais sejam), para
82
VIEIRA, Liszt. Cidadania e controle social. In: GRAU, N.C.;PEREIRA, L.C.B (Org.). O público
não estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 238.
83
LEAL, Rogério Gesta. Gestão pública compartida e organizações sociais: um novo
paradigma à administração pública. http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigogestao-publica-compartida-e.html Acesso em 08 mar 2012, p.15.
54
sem seguida passar ao nível dos seus dimensionamentos em
84
políticas públicas efetivadoras das demandas que elas representam.
Assim, por meio de uma participação social de maior efetividade na
esfera decisória do poder público, o cidadão passa a contemplar uma resposta
mais significativa para seus anseios. Estando a administração pública
notadamente voltada para os interesses da sociedade, esse agir comunicativo
do cidadão transforma-se em politicas concretas, legitimando, de forma
democrática, o agir do Estado.
No sistema da administração pública concentra-se um poder que
precisa ser regenerado a cada passo a partir do poder comunicativo.
Por esta razão, o direito não é apenas constitutivo para o código do
poder que dirige o processo de administração. Ele forma
simultaneamente o médium para a transformação do poder
comunicativo em administrativo. Por isso, é possível desenvolver a
ideia de Estado de direito com o auxílio de princípios segundo os
quais o direito legítimo é produzido a partir do poder comunicativo e
este último é transformado em poder administrativo pelo caminho do
85
direito legitimamente normatizado.
Essa democracia participativa, que estabelece a legitimidade do agir
estatal a partir da elaboração de políticas públicas motivadas, sendo essas
motivações pautadas no acordo racional de cidadãos que, estando sujeitos
àquelas políticas, participam ativamente da elaboração das mesmas, se traduz
na construção do modelo de gestão compartida pautada na ética discursiva
habermasiana, como sugere Leal:
Estamos falando, por certo, de uma Democracia Comunicativa,
fundada numa ética discursiva habermasiana, que estabelece a
justificação das normas de conduta da vida dos cidadãos e do Estado
a partir do acordo racional daqueles que estão sujeitos a elas, eis que
o igual respeito pelos indivíduos se reflete na liberdade de cada
participante para admitir ou rechaçar razões oferecidas por via de
justificação, enquanto que o interesse pelo bem comum funda-se no
sentido de exigir que cada participante leve em consideração as
84
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 40.
85
HABERMAS, Jüngen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade. Vol I, tradução
Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 155/159.
55
necessidades, interesses e sentimentos de todos os demais e lhes
86
conceda igual peso que aos seus próprios.
Leal citando PONT infere que “a democracia participativa por seu
potencial mobilizador e conscientizador, permite aos cidadãos desvendar o
Estado, geri-lo e estabelecer um efeito demonstração para outros setores da
sociedade.” 87
A democracia democratizada por meio da participação efetiva da
sociedade, tanto no processo decisório quanto no âmbito do desenvolvimento
de determinada política pública, desenvolvimento esse efetivado em qualquer
instância do procedimento, em nossa ótica, é o modelo mais eficaz a ser
buscado na luta pela alteração do atual paradigma de gestão da coisa pública.
As formas tradicionais de democracia já não convencem os mais pobres,
conforme ressalta Galeano.
Você dizia qual será o destino da América Latina? Eu não sei, mas
sei qual é o desafio. O desafio é: vamos nos converter na triste
caricatura do norte? Vamos ser como eles? Repetiremos os horrores
da sociedade de consumo que está devorando o planeta? Vamos ser
violentos? E crer que estamos condenados à guerra incessante? Ou
vamos gerar outro mundo diferente? Vamos oferecer ao mundo um
mundo diferente? Esse é o desafio que temos apresentado. Hoje
somos, na verdade, caricaturas bastante tristes de modos de vida que
nos impõem de fora. E estamos governados por sistemas de poder
que cada dia nos convencem de que não há virtude maior do que a
virtude do papagaio. Que não há habilidade comparável à habilidade
do macaco. O papagaio, o macaco, os que imitam, os ecos de vozes
88
alheias.
No âmbito da legislação pátria e por iniciativa de alguns governos, temos
vários instrumentos jurídicos e políticos que traduzem o modelo de gestão
compartida no Brasil.
86
LEAL, Rogério Gesta. Gestão pública compartida e organizações sociais: um novo
paradigma à administração pública. http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigogestao-publica-compartida-e.html acessado em 08 mar 2012, p.26.
87
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 33.
88
TENDLER, Sílvio. Encontro com Milton Santos: o mundo global visto do lado de cá. Caliban
Produções: Rio de Janeiro, RJ, 2006.
56
No âmbito normativo tem-se a lei Federal 8.987/95, que traz a
participação do usuário no que se refere à concessão de serviços públicos.
Ainda, os instrumentos de consulta pública e audiência pública tratados nas
Leis Federais 9.427/96 (setor elétrico), 9.472/97 (Telecomunicações), Lei
9.478/97 (Agência Nacional do Petróleo) e Lei 20.257/2001 (Estatuto da
Cidade). Quanto às experiências políticas, citamos o orçamento participativo,
na cidade de Porto Alegre, que se traduz em um modelo de política pública
voltada para a inclusão social, e os Conselhos Municipais, implantados na
cidade já no ano de 197289, onde, a partir de 1992, passaram a ser
considerados como órgãos de participação direta da comunidade na
Administração Pública.
Nas palavras de Leal, a Administração Pública voltada para a gestão
compartida é o único modelo que se traduz em resposta à efetivação de um
Estado Democrático de Direito.
Entendemos, por fim, que a Administração Pública, vista como
instrumento de gestão compartida no âmbito dos interesses públicos,
tem, sim, um estatuto e finalidades dogmaticamente estabelecidas
pelo sistema jurídico pátrio, em especial, na sua forma fundamentalconstitucional, a serem perseguidas, não facultativamente, mas,
como única possibilidade de se efetivar o Estado Democrático de
90
Direito anunciado.
Em nosso ver, essa proposta de redefinição do espaço público traz um
compartilhamento de responsabilidades, onde os atores sociais, traduzidos nas
entidades da sociedade civil organizada, no cidadão enquanto participante
individual e na Administração Pública como propositora e executora de políticas
públicas, trabalham na busca de uma maior legitimidade do Estado, que
desagua, por derradeiro, na efetiva construção de uma Sociedade Democrática
de Direito.
89
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 160.
90
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre. Livraria do Advogado, 2006. p. 100.
57
Sob o mantra da escassez de recursos públicos para fazer frente a
investimentos em setores de responsabilidade do poder público, mormente nas
áreas de transportes (rodovias, ferrovias, portos e aeroportos) saneamento
(água e esgotos), sistema penitenciário e setor energético, o Estado vem
procurando novas formas de relacionamento entre os setores público e privado.
Diversos países têm buscado modelos de gestão, onde a participação do setor
privado em investimentos de grande interesse público e social tende a se tornar
mais ativa. No Brasil, as parcerias público-privadas foram normatizadas em
nível federal com a Lei nº 11.079/2004, que instituiu as normas gerais para
licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração
Pública. No capítulo seguinte trataremos da importância desse instituto, na
tentativa de se estabelecer condições e possibilidades para uma efetiva
utilização de parceria público-privada no complexo prisional brasileiro, objeto
último desse trabalho.
58
2 AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO BRASIL.
2.1 Legitimidade Constitucional das Parcerias Público-Privadas e a Lei
Federal 11.079/2004
A escassez de recursos públicos (ou sob essa argumentação) para fazer
frente a importantes investimentos em setores de responsabilidade do poder
público, mormente nas áreas de transportes (rodovias, ferrovias, portos,
aeroportos) saneamento, presídios, saúde e habitação fez com que o Estado
procurasse novas formas de relacionamento com o setor privado.
Nesse sentido, ao conceituar serviço público, Leal infere que a
concepção de serviço público vem de uma formação cultural de espaço público
e espaço privado, onde o privado detém preponderância em virtude do
surgimento de um novo sujeito social – emergente da idade moderna – qual
seja o mercado:
Neste particular, temos que a concepção de serviço público no
próprio Ocidente vem marcada pelas contingências de formação de
uma cultura de espaço público e de espaço privado específica, que
discrimina significativamente o primeiro em favor do segundo, o que é
perfeitamente compreensível, haja vista que tais conceitos são
forjados a partir da Idade Moderna, numa tentativa de reconfiguração
das ambiências de poder político vigente, principalmente na Europa
Central, reduzindo a influência dos Governos (aqui confundidos com
o Estado) e ampliando a autonomia do novo sujeito social emergente:
91
o mercado.
Ainda em Leal, ao nos explicar esse contexto, diz que ao Estado
administrador cabe a função de ratificador do projeto de crescimento social
pautado pelo mercado:
Isto significa que o Estado Administrador passa a ter uma função
meramente ratificadora do projeto de crescimento social pautado
pelas leis do mercado, organizando suas atividades e competências
de maneira a gestar os problemas causados por este modelo, bem
como intervindo somente em setores que são estratégicos para
91
LEAL, Rogério Gesta. O controle social dos serviços públicos no Brasil como condição de
sua possibilidade. Disponível em: http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigo-ocontrole-social-dos-servicos.html. Acesso em 20 jun. 2012.
59
alavancá-lo,
tais
como
políticas
educacionais
técnicas
retroalimentadoras da mão de obra demandada por aquele modelo;
políticas de saúde meramente curativas, suficientes para reabilitar os
trabalhadores à produção; políticas de fomento e subsídios para
setores que se encontram alinhados mercadologicamente, deixando
ao largo as suas funções de gestor preventivo e acautelador das
92
garantias e direitos fundamentais.
Daí porque, da necessidade de o Estado buscar parceiros para
investimentos no desenvolvimento de infraestrutura e serviços públicos, para o
atendimento das demandas sociais, é que surgem as parcerias públicoprivadas.
2.1.1 As parcerias público-privadas no contexto internacional
No contexto internacional, as parcerias público-privadas têm início ao
final do século passado, se desenvolvendo no Reino Unido, na França, nos
Estados Unidos, Portugal, Itália, Holanda e Chile.
No Reino Unido as PPPs surgem em 1992, com a política liberal de
Margareth Thatcher. Para Coutinho, essa política tinha por objetivo estimular
empreendimentos conjuntos nos setores público e privado:
A versão inglesa das PPPs – a private finance initiative (PFI) –
nasceu em 1992 por iniciativa do gabinete conservador de John Major
com o objetivo de estimular empreendimentos conjuntos envolvendo
os setores público e privado em um contexto de implementação da
agenda liberal de Margareth Thatcher. A PFI foi, àquela altura,
definida como um conjunto de ações para aumentar a participação do
93
capital privado na prestação de serviços públicos.
Freitas aduz que, no Reino Unido, as PPPs unem, a longo termo, setor
público e setor privado para mútuos benefícios.
92
LEAL, Rogério Gesta. O controle social dos serviços públicos no Brasil como condição de
sua possibilidade. Disponível em: http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigo-ocontrole-social-dos-servicos.html. Acesso em 20 jun. 2012.
93
COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias público-privadas: relatos de algumas experiências
internacionais. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo:
Malheiros Editores. 2005. p. 50.
60
Tome-se o exemplo matricial do Reino Unido, cujo entendimento
dominante sobre PPPs é assaz pragmático, adaptando vetusto
conceito que vem do Direito Privado dos fins do século XIX: as PPPs
unem, a longo termo, setores público e privado para mútuos
benefícios, abarcando as concessões, ao lado de várias figuras.
Portanto, no sistema britânico, as concessões são espécies de
94
PPPs.
Freitas assevera que no Reino Unido, as PPPs existem nos mais
diversos segmentos, sejam hospitalares, de defesa, escolas ou prisões e que a
preocupação existente é no sentido de que os diversos projetos de PPPs
gerem benefícios sociais e econômicos maiores que aqueles advindos
diretamente da Administração Pública.
De fato, observa-se que, superados dogmas ideológicos, ali são
admitidas PPPs para investimentos os mais variados, seja em
instalações hospitalares, passando por escolas, prisões e até
contratos de defesa, na maior parte das vezes com economia
considerável (‘value for money”), todavia sem modelo rígido,
admitindo-se, para ilustrar, PFI (iniciativas de financiamento privado),
“joint ventures” e as referidas concessões. Constata-se, ainda,
preocupação acentuada de cobrar que as várias espécies de PPPs
gerem benefícios sociais e econômicos mais efetivos do que aqueles
trazidos pelo investimento estatal direto. Útil notar, também, que as
PPPs, no Reino Unido, significam recusa da privatização pura e
simples, justamente pelo reconhecimento da necessidade de
regência dos serviços universais pelo Direito Administrativo, seja no
desenho institucional das contratações, seja na busca da regulação
compatível, sólida e contínua.
Ainda Coutinho, ao se referir às PPPs nos Estados Unidos, diz que elas
são uma característica básica da política e do sistema de bem-estar norteamericano:
As PPPs nos Estados Unidos da América encarnam uma espécie
de modus vivendi em torno do qual se articulam o Poder Público em
diferentes níveis, as empresas privadas e o setor não lucrativo. [...]
diferentemente do caso inglês, nos Estados Unidos da América há
(desde há muito) subjacente à ideia de PPP na prestação (e não
somente na construção de infra-estruturas) de serviços sociais –
educação e saúde, por exemplo - a participação bastante
94
FREITAS, Juarez. O novo modelo de parcerias publico-privadas (pps) no Brasil:
características e regulação. Disponível em: http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/2406/1/AD9-21.pdf acesso em 30 jul. 2012.
61
expressiva de
95
lucrativas.
organizações
não-governamentais
ou
não-
Rocha e Horta aduzem que, na América Latina, o Chile inicia sua
experiência com as PPPs implantando cerca de vinte e quatro projetos, em
diversas áreas:
Na América Latina, destaca-se a experiência de sucesso do Chile na
implementação de projetos de PPP que, em 2004, acumulavam
investimentos da ordem de US$ 5,5 bilhões, segundo estudos
realizados pelo Fundo Monetário Internacional - FMI. Até aquela data,
já havia 24 projetos em andamento no setor de transportes, 9
aeroportos, 2 penitenciárias e um reservatório de água, sendo que 20
96
desses projetos já se encontravam em fase operacional.
Conforme Coutinho, a preocupação com a implantação de uma política
de parcerias público-privadas no Chile se deu em virtude de o rápido
crescimento econômico chileno ter tornado a infraestrutura do país insuficiente
para atender às demandas sociais:
A preocupação com as PPPs teve início com a percepção de que o
rápido crescimento econômico pelo qual passou o Chile por mais de
uma década tornaria a infra-estrutura existente insuficiente para
atender os fluxos econômicos crescentes. Não tardou até que os
déficits se tornassem uma ameaça à continuidade do crescimento da
economia. No início da década de 90 do século passado, assim, uma
decisão política foi tomada no sentido de buscar-se a introdução de
capital privado no setor de infra-estrutura, de modo a propiciar a
97
construção e operação de estradas, pontes, túneis e aeroportos.
Ainda Rocha e Horta, ao tratarem das PPPs no continente americano,
inferem que o México vem implementando grandes projetos com esse modelo
de gestão. Ali os acordos firmados com a iniciativa privada estabelecem
particularidades tais como a aquisição do complexo objeto do contrato pela
Administração Pública, ou a delegação de serviços públicos ao parceiro
privado:
95
COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias público-privadas: relatos de algumas experiências
internacionais. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo:
Malheiros Editores. 2005. p. 58.
96
ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias
público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev.
atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p. 66.
97
COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias público-privadas: relatos de algumas experiências
internacionais. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo:
Malheiros Editores. 2005. p. 67.
62
Também o México, desde a metade da década de 90, vem
implementando grandes projetos de infra-estrutura com a participação
conjunta de empresas privadas e do governo. Os projetos têm sido
estruturados de duas formas distintas. Na primeira, o governo obrigase contratualmente a adquirir do parceiro privado um ativo após a sua
compleição. O parceiro privado é quem arca com o financiamento de
longo prazo dos custos de construção, financiamento esse que pode
ou não ser assumido pelo governo a partir da data da compra do
ativo. Na segunda, o parceiro público delega a exploração de um
serviço público ao parceiro privado, geralmente antecedida da
construção ou ampliação de ativos. Tais ativos só se tornam
propriedade do parceiro público na hipótese de quebra do contrato ou
98
em casos excepcionais de força maior.
A Argentina, Peru, Bolívia, Equador, Colômbia e Costa Rica já possuem
algum tipo de experiência na implantação de projetos de PPP.
Consoante estudo realizado por Rocha e Horta, em março de 2005, o
quadro de projetos utilizando como modelo as parcerias público-privadas no
mundo era:99
98
Região
Número de Projetos
Valor dos Investimentos
América do Norte
396
US$ 93 bilhões
América Latina
474
US$ 125 bilhões
Europa
371
US$ 216 bilhões
África e Oriente Médio
125
US$ 40 bilhões
Ásia
732
US$ 433 bilhões
Total
2.098
US$ 907 bilhões
ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias
público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev.
atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p. 66.
99
ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias
público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev.
atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p.67.
63
Na opinião daqueles autores, ao analisar-se projetos de PPPs
implantados em sede de União Europeia, concluíram pela obtenção de
vantagens, tais como aceleração do fornecimento de infraestrutura, rapidez na
implantação de projetos, redução de custos, etc.:
Analisando historicamente os projetos de PPP no âmbito da União
Européia, as Diretrizes da UE apontam as seguintes vantagens:
Aceleração do fornecimento de infra-estrutura. Implementação rápida
dos projetos. Custos reduzidos na duração total do projeto. Melhor
alocação de riscos. Melhor qualidade dos serviços. Aprimoramento da
administração pública, já que pode focalizar em seus papéis
100
fundamentais.
Vê-se, assim, a implementação desse instituto como um novo
instrumento posto à disposição da Administração Pública, no sentido de se
atender às demandas sociais impostas pelo progresso dos povos e, ainda,
alavancar o progresso das sociedades. É o Estado lançando mão da iniciativa
privada com vistas à persecução de seus objetivos sociais.
2.1.2 As parcerias público-privadas no Brasil
Assim, o marco normativo das parcerias público-privadas e que as
definem no Brasil, junto com o amplo debate doutrinário que anima tal
discussão, encontra definição no art. 2º da lei 11.079/2004, onde Parceria
público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade
patrocinada ou administrativa. Conforme asseveram Rocha; Horta, o objetivo é
tornar um determinado projeto economicamente mais eficiente:
Parceria Público-Privada é uma forma de contratação de
determinadas atividades tradicionalmente oferecidas pelo setor
público, por meio da qual a Administração Pública contrata uma ou
mais empresas privadas, com a finalidade de, por exemplo, construir
e administrar estradas, presídios, estações de tratamento de água e
esgoto, hospitais, escolas e outros serviços de utilidade pública. Ao
levar em conta as potencialidades de cada um dos parceiros, a
100
ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias
público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev.
atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p.67.
64
estruturação de projetos como PPP’s possibilita a consecução do
101
objeto do contrato de forma economicamente mais eficiente.
No contexto brasileiro, esse princípio da eficiência acima citado foi
inserido na Constituição Federal de 1988 por meio da emenda constitucional
n.º 19, de 04/06/1998, e trouxe, ainda, um alinhamento do Poder Público
Administrador à nova ordem econômica internacional, consoante assevera
Leal:
O que ocorre, é que a mesma emenda não indicou quais os critérios
e indicadores para aferir tal eficiência, mas, por certo, eles serão
fornecidos pela iniciativa privada, com o explícito intento de instituir
um discurso de fragilização ainda maior da máquina estatal e justificar
102
o projeto de privatização do espaço público.
Rocha e Horta reafirmam que essa incapacidade do Estado em fazer
frente a grandes projetos, essenciais às demandas da sociedade, fez com que
se buscasse o apoio do setor privado:
O Estado incapaz de realizar sozinho, os investimentos necessários à
implementação de grandes projetos, essenciais ao cumprimento de
sua finalidade, requer o auxílio do setor privado, abrindo a este,
possibilidades de negócios tornados economicamente atrativos em
103
razão da participação do próprio Estado.
Sundfeld nos diz que o tema das PPPs surge no Brasil com a
implantação do programa de Reforma do Estado desenvolvido nos anos 1990,
no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (e o então ministro de
Estado Bresser-Pereira, conforme tratamos no primeiro capítulo deste
trabalho), com a política de privatizações, a flexibilização dos monopólios
públicos e políticas de estímulos ao terceiro setor:
101
ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias
público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev.
atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p. 18.
102
LEAL, Rogério Gesta. Administração Pública e Constituição no Brasil. Disponível em:
http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigo-administracao-publica-e.html acesso em
10 jul. 2012.
103
ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias
público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev.
atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p. 18.
65
O tema surgiu com o programa de Reforma do Estado desenvolvido
no Brasil a partir do início da década de 90 do século passado e que
teve seu ápice no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso
(1994-2002), com a privatização de grandes empresas federais, a
flexibilização de monopólios de serviços públicos e o estímulo ao
104
Terceiro Setor.
Ao definir parceria público-privada, Justen Filho aduz que trata-se de
uma relação organizacional efetivada entre o Estado e o setor privado, com
características diferenciadas, em relação aos outros modos de contratações
públicas:
parceria público-privada é um contrato organizacional, de longo prazo
de duração, por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever
de executar obra pública e (ou) prestar serviço público, com ou sem
direito à remuneração, por meio da exploração da infra-estrutura, mas
mediante uma garantia especial e reforçada prestada pelo Poder
Público, utilizável para a obtenção de recursos no mercado
105
financeiro .
Para Meirelles, as PPPs surgem como uma nova forma de participação
do setor privado nas áreas de infraestrutura do país:
É uma nova forma de participação do setor privado na implantação,
melhoria e gestão da infra-estrutura pública, principalmente nos
setores de rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, energias etc., como
alternativa à falta de recursos estatais para investimentos nessas
106
áreas.
Na esteira de diversos outros países, o Brasil regulamentou, então, o
instituto das parcerias público-privadas. Nesse sentido, assevera Di Pietro que,
seguindo o Direito europeu, nosso país normatizou o assunto:
Mais uma vez sob inspiração do direito estrangeiro, em especial do
direito comunitário europeu, o direito brasileiro, pela Lei nº 11.079, de
30.12.2004, cria novas modalidades de contratos administrativos, a
concessão patrocinada e a concessão administrativa – sob o título de
parcerias público-privadas – PPP. Pela justificativa que acompanhou
o projeto de lei ao Congresso Nacional, verifica-se que os objetivos
são o de suprir a falta de disponibilidade de recursos financeiros,
aproveitar a eficiência do setor privado, obter investimentos que
104
SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: Parcerias públicoprivadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 15/16.
105
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 549
106
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed. São Paulo - Malheiros:
2006.
66
supram as demandas desde as áreas de segurança pública,
107
saneamento básico até as de infra-estrutura viária ou elétrica.
Conforme Freitas, as PPPs surgiram como alternativas válidas, em
resposta ao esgotamento da infraestrutura brasileira:
No contexto brasileiro, - sem prejuízo de imprescindíveis ajustes
normativos e dos novos passos na redefinição do ambiente
regulatório-, as parcerias público-privadas (PPPs) surgem como
alternativas válidas para a congestionada infra-estrutura, uma vez
que a economia corre riscos se alcançar o crescimento robusto do
qual o país carece. As PPPs brasileiras configuram modalidades
peculiares de ajuste do Poder Público, mas, devidamente
observadas, são versões “blindadas” dos contratos administrativos já
conhecidos. Teria sido juridicamente viável, embora menos
impactante na esfera política, realizar ajustes e retoques às atuais
108
Leis de Concessões e de Licitações.
Entretanto, as parcerias público-privadas no Brasil, antes de serem
disciplinadas em nível federal já haviam sido normatizadas no âmbito de alguns
estados, como Minas Gerais (o pioneiro nesse aspecto), Santa Catarina,
Paraná, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e
Amazonas. Sundfeld relata que teve intensa participação no processo de
criação do marco legal das PPPs no Brasil:
No segundo semestre de 2002 o autor estudou, para o Ministério do
Planejamento, quais as possíveis dificuldades dos programas de PPP
no Brasil. Sua conclusão foi no sentido de que, embora muitas formas
de parcerias já fossem juridicamente viáveis, havia necessidade de
uma nova lei nacional, que complementasse a Lei de Concessões,
bem como de criar uma estrutura orgânica da Administração Federal
para cuidar do programa. Então, apresentou para debates a primeira
proposta de texto normativo, que deu início à consideração do
assunto pelo Governo Federal. Em seguida o autor elaborou para o
Estado de Minas Gerais, já sob o comando do governador Aécio
Neves, a proposta para a lei mineira de PPP, assessorando as
negociações que permitiram sua aprovação. Por fim, no segundo
semestre de 2004, tendo analisado os substitutivos ao projeto de lei
federal sob consideração do Senado, o autor formulou incisiva crítica.
[...] Suas ponderações e sugestões acabaram aceitas e serviram de
107
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Reflexões sobre as Parcerias Público-Privadas. Carta
Forense.
20/10/2009.
Disponível
em:
http://www.azevedosette.com.br/ppp/artigos/exibir/reflexoes_sobre_as_parcerias_publicoprivadas/6. Acesso em 01 jun. 2012.
108
FREITAS, Juarez. O novo modelo de parcerias publico-privadas (pps) no Brasil:
características e regulação. Disponível em: http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/2406/1/AD9-21.pdf acesso em 30 jul 2012.
67
base para a elaboração de um novo texto, que também incorporou
outras preocupações, tanto do Governo quanto da Oposição, [...].
109
Assim se chegou à Lei 11.079/2004 – a Lei das PPPs.
Quanto à questão da legitimidade constitucional da normatização das
PPPs pelos estados e municípios, Mukai é taxativo ao afirmar que tais normas
são constitucionais:
Não temos, de nossa parte, dúvida nenhuma em afirmar a
constitucionalidade dessas leis. Em primeiro lugar, porque se trata de
matéria de direito administrativo e, portanto, o tema recai sobre a
competência privativa de cada ente federativo. Destarte, as leis
estaduais que criaram as PPPs são constitucionais, posto que podem
e têm fundamento no art. 25, que dá competência aos Estadosmembros para atuar (e legislar) em tudo que não lhes seja vedado
pela Constituição (1º). Os Municípios, se quiserem, podem instituir as
110
PPPs com fundamento no art. 30 da CF, em especial incs. I e II.
Em 2004 foi publicada a Lei federal nº 11.079111, que instituiu as normas
gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da
Administração Pública. Essa Lei prevê duas modalidades de concessão: a
patrocinada e a administrativa.
Conforme Di Pietro, a justificativa que acompanhou o projeto de lei no
Congresso tinha por objetivos suprir a falta de recursos financeiros estatais.
Entretanto, em uma das modalidades (concessão patrocinada), a contribuição
do poder público ao setor privado pode chegar a 70% da remuneração total,
podendo ainda superar esse percentual se houver autorização legislativa:
Esses objetivos podem ser verdadeiros, mas são desmentidos pelo
fato de que a lei aprovada prevê duas modalidades de parceria em
109
SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: Parcerias públicoprivadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 17.
110
MUKAI, Toshio; Sylvio Thoshiro Mukai...[et al.]. Parcerias público-privadas: comentários à
Lei Federal nº 11.079/04, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo,
Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e à Lei Municipal de Vitória/ES. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 01.
111
Ao final de dezembro de 2004, após amplos debates, inclusive em virtude de que vários
estados já haviam normatizado o assunto, o Congresso Nacional aprovou a Lei das PPPs. O
processo legislativo só deslanchou quando o próprio governo viabilizou apresentação de um
novo texto, no âmbito da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Aí, o assunto foi
rapidamente votado no Senado e na Câmara dos Deputados, e surgiu, em 30.12.2004, a lei
das PPPs. SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: Parcerias
público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005.p.16.
68
que a forma de remuneração abrange, total ou parcialmente, a
contribuição pecuniária do poder público. Na concessão patrocinada,
essa contribuição, que pode chegar a 70% da remuneração total
garantida ao parceiro privado (podendo superar esse montante se
houver autorização legislativa) soma-se à tarifa cobrada do usuário.
112
Em pensamento diverso, Rocha;Horta entendem que sem a participação
do poder público não haveria interesse do parceiro privado:
As PPP’s servem primordialmente para a contratação de projetos de
grande porte, em que haja a necessidade de investimentos
consideráveis (que não podem ser suportados exclusivamente pelo
Estado) e que, em contrapartida, não geram, por si só, receitas
suficientes para torná-los atrativos à iniciativa privada sem a atuação
113
do Estado.
Averbuch corrobora esse pensamento ao inferir que as vantagens em se
utilizar as PPPs seriam as de se viabilizar projetos que não sejam atrativos pela
ótica privada, onde então o Estado efetiva também sua participação; a
reavaliação dos projetos no surgimento de problemas ainda na fase
preparatória também é uma ferramenta positiva; a transparência dos trabalhos
vem ao encontro das linhas gerais da Administração Pública; o alívio nas
contas públicas e a previsibilidade dos gastos também são aspectos
importantes, e a gestão do serviço a cargo do parceiro privado, ficando à
Administração Pública o encargo da fiscalização dessa gestão:
Vantagens das PPPS: viabilizar projetos que financeiramente não são
atrativos sob o enfoque privado, mas são economicamente viáveis
sob a ótica pública; antecipação e correção de problemas durante a
modelagem do projeto; transparência nas contratações e na
prestação dos serviços (divisão de riscos); o alívio nas contas
114
públicas; a previsibilidade dos gastos e a gestão.
112
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Reflexões sobre as Parcerias Público-Privadas. Carta
Forense.
20/10/2009.
Disponível
em:
http://www.azevedosette.com.br/ppp/artigos/exibir/reflexoes_sobre_as_parcerias_publicoprivadas/6. Acesso em 01 jun. 2012.
113
ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias
público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev.
atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p. 18.
114
AVERBUCH, Isaac Pinto. Parcerias Público-Privadas Conceito e Aplicações. Fortaleza:
2009.
Disponível
em:
69
A Constituição Federal, em seu art. 24, prevê as regras de competência
concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal, estabelecendo quais as
matérias que deverão ser regulamentadas de forma geral pela União e de
maneira específica pelos estados e DF. Dentre as matérias, o inciso I do art. 24
da Carta Magna estabelece a competência concorrente para legislar sobre
Direito penitenciário. Nesse diapasão está também o princípio da eficiência da
Administração Pública o qual, agregado à legalidade, vem insculpido no art. 37
da Carta Maior. Desta forma, as Assembléias Legislativas de diversos Estados
brasileiros editaram normas referentes às parcerias público-privadas como, por
exemplo, a lei nº 12.234/2005 do Rio Grande do Sul, a lei nº 9.290/2004 da
Bahia, a lei nº 14.868/2003 de Minas Gerais (nesta vem explicitado em seu §
1º, art. 5º a autorização para contratos de parcerias público-privadas na área
do sistema penitenciário), entre outras.115
A Lei 11.079/2004 não previu quais áreas estariam sujeitas às PPPs,
bem como não determinou nenhuma proibição no sentido de especificar quais
campos não poderiam ser objeto daqueles contratos. Antes da normatização
federal, a legislação de Minas Gerais, que data de 2003, especificou
claramente que a área penitenciária poderia ser objeto de contratação pelo
instituto das parcerias público-privadas:
Lei 14.868, de 16 de dezembro de 2003. Art. 5º. – Podem ser objeto
de parceria público-privada: II – A construção, a ampliação, a
manutenção, a reforma e a gestão de instalações de uso público em
geral, bem como de terminais estaduais e de vias públicas, incluídas
as recebidas em delegação da União; § 1º - As atividades descritas
nos incisos do caput deste artigo poderão ser desenvolvidas nas
seguintes áreas: IV – De segurança, sistema penitenciário, defesa e
116
justiça .
http://congressocgp2009.seplag.ce.gov.br/categoria1/download/download-arqs/20out%20%20Isaac%20Averbuch%20-%20Conceitos%20Gerais%20em%20PPP.pdf/view acessado em
13 jun. 2012.
115
SANTOS, Jorge Amaral dos. A utilização das parcerias público-privadas pelo sistema
prisional brasileiro em busca da ressocialização do preso. Uma perspectiva possível.
Disponível
em:
http://jus.com.br/revista/texto/13906/a-utilizacao-das-parcerias-publicoprivadas-pelo-sistema-prisional-brasileiro-em-busca-da-ressocializacao-do-preso Acesso em 04
jul. 2012.
116
Lei Estadual n.º 14.868/2003 – Estado de Minas Gerais. Disponível em:
https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:QsYjQdFYqw0J:portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/fil
es.do?evento%3Ddownload%26urlArqPlc%3DLei_Estadual_14868.pdf+lei+14868+mg&hl=pt-
70
Dessa forma, a Lei federal nº 11.079/2004 instituiu as normas gerais
para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da
Administração Pública, prevendo, em seu art. 2º, duas modalidades de
concessão: a patrocinada e a administrativa.
Quanto às funções jurisdicionais e do poder de polícia, o art. 4º, inc. III
da referida Lei é claro no sentido de explicitar a indelegabilidade das funções
de regulação, jurisdicional, do poder de polícia e de outras atividades
exclusivas do Estado. Todavia, Mukai entende que “a expressão ‘e de outras
atividades exclusivas do Estado’, nos tempos atuais, em que se pretende, no
Brasil, o desmonte do Estado, é, no mínimo, inócua.”117
Assim, ambas as concessões – patrocinada e administrativa - têm o
mesmo objeto, qual seja, a prestação de serviços públicos pelo concessionário
ao administrado. A grande diferença dessas “novas” concessões para a
concessão dita comum está na forma de remuneração. Na concessão comum
o concessionário recebe a remuneração por meio de tarifas advindas do
usuário, como a exemplo, as praças de pedágios nas rodovias, e,
eventualmente, receitas alternativas não oriundas dos cofres públicos, ao
passo que nas concessões patrocinada e administrativa a remuneração inclui
um adicional de tarifa que é arcado pela Administração Pública.
A concessão patrocinada é, em linhas gerais, semelhante ao regime
contratual das concessões comuns (art. 3º, § 1º da lei das PPPs)118, quanto ao
BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESg9lMoon3yoQw597a2WATDDqNasFUNxz6PbZOTm5ZX5jzAHQLo7c2vbgqzla2k8igzUrB0rTyU30LvdJO
pNJoqRn5a81bYMo3AYF-I5NxQjJ1H__9n7GnmNaHO2aZlOLmVV1S&sig=AHIEtbTmrGOlc7byk9PpTgKZJl7PDM2SwA acesso em 29
jun. 2012.
117
MUKAI, Toshio; Sylvio Thoshiro Mukai...[et al.]. Parcerias público-privadas: comentários à Lei
Federal nº 11.079/04, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito
Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e à Lei Municipal de Vitória/ES. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 08.
118
o
Lei 11.079/2004. Art. 3º, § 1º- § 1 As concessões patrocinadas regem-se por esta Lei,
o
aplicando-se-lhes subsidiariamente o disposto na Lei n 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e
71
teor do contrato, encargos de concedente e concessionário, bem como a
intervenção e extinção do contrato. Porém, traz algumas diferenças com
relação à concessão comum, como as previstas no art. 5º da lei das PPPs. 119
Assim, são elas, as previstas no inc. I (prazos mínimo e máximo de
vigência) e V (relativo à inadimplência pecuniária do concedente), e o § 1º do
art. 5º que cria para o concessionário um direito à homologação tácita do
reajuste ou correção do preço, o qual não existe nas outras modalidades de
contratos administrativos. Já o § 2º do art. 5º autoriza a inserção de cláusulas
contratuais para proteger os agentes financeiros que tenham contratado, com o
concessionário, o financiamento do projeto. Sundfeld diz que esse parágrafo
serve para defender os interesses estatais:
Na realidade brasileira, o preceito tende a defender, sobretudo, os
interesses de uma entidade estatal, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é o grande
financiador desse tipo de projetos. As medidas podem incluir a
assunção do controle societário do concessionário diretamente pelo
Banco, para promover a reestruturação do negócio (art. 5º, § 2º, I),
bem como o pagamento diretamente a ele, pelo concedente ou
entidade garantidora, tanto de faturas de serviços (art. 5º, § 2º, II)
como de indenizações pela extinção antecipada (art. 5º, § 2º, III),
nas leis que lhe são correlatas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2004/lei/l11079.htm acessado em 06 jul. 2012.
119
o
Art. 5 As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art.
o
23 da Lei n 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: I – o
prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados,
não inferior a 05 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual
prorrogação; [...] V – os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos
o
serviços; [...] § 1 As cláusulas contratuais de atualização automática de valores baseadas em
índices e fórmulas matemáticas, quando houver, serão aplicadas sem necessidade de
homologação pela Administração Pública, exceto se esta publicar, na imprensa oficial, onde
houver, até o prazo de 15 (quinze) dias após apresentação da fatura, razões fundamentadas
o
nesta Lei ou no contrato para a rejeição da atualização. § 2 Os contratos poderão prever
adicionalmente: I – os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a
transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com
o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da
prestação dos serviços, não se aplicando para este efeito o previsto no inciso I do parágrafo
o
único do art. 27 da Lei n 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; II – a possibilidade de emissão de
empenho em nome dos financiadores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da
Administração Pública; III – a legitimidade dos financiadores do projeto para receber
indenizações por extinção antecipada do contrato, bem como pagamentos efetuados pelos
fundos e empresas estatais garantidores de parcerias público-privadas. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm acessado em 06 jul.
2012.
72
servindo tais pagamentos à quitação, parcial ou total, das
120
obrigações financeiras do concessionário com o Banco.
Outra diferença quanto às concessões comuns diz respeito às garantias
de adimplemento das obrigações pecuniárias do concedente, previstas no art.
6º da lei das PPPs.
o
Art. 6 A contraprestação da Administração Pública nos contratos de
parceria público-privada poderá ser feita por: I – ordem bancária; II –
cessão de créditos não tributários; III – outorga de direitos em face da
Administração Pública; IV – outorga de direitos sobre bens públicos
dominicais; V – outros meios admitidos em lei. Parágrafo único. O
contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de
remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme
metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no
121
contrato.
Ao final, a previsão de que a concessão patrocinada só poderá ser
outorgada para entidades tipo “sociedade de propósito específico”, isto é,
aquela criada exclusivamente para o fim a que se destina, conforme o art. 9º da
lei das PPPs.
Quanto à concessão administrativa, esta se submete ao mesmo regime
das concessões patrocinadas, havendo diferenças quanto à matéria tarifária, a
qual não existe neste tipo de concessão, pois aqui o concessionário não recebe
tarifas dos usuários e sim remuneração do parceiro público.
No que se refere às atividades estatais indelegáveis e que, por isso, não
podem ser objeto de PPPs, conforme o art. 4º, III, da lei das PPPs 122, não
podem ser atribuídas ao parceiro privado as “funções de regulação,
jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas
120
SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: Parcerias públicoprivadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 37.
121
Lei 11.079/2004.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2004/lei/l11079.htm acesso em 17 jul. 2012.
122
o
Lei 11.079/2004. Art. 4 Na contratação de parceria público-privada serão observadas as
seguintes diretrizes: [...] III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do
exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm acessado em 06 jul.
2012.
73
do Estado”. Entretanto, consoante o pensamento de Sundfeld, a expressão
“poder de polícia” é muito imprecisa em seu sentido jurídico, dando margem a
vários entendimentos:
Há, porém, larga margem para discussão quanto ao sentido da
expressão “exercício do poder de polícia”, que é tudo menos precisa
na linguagem jurídica. A melhor tendência é a de interpretá-la como
sinônimo de “exercício do poder de autoridade”, isto é, de coação
(exemplo: o de apreender veículos irregulares nas estradas).
Ademais, a indelegabilidade também ficou vinculada a um conceito
em branco (“outras atividades exclusivas do Estado”), cujo
preenchimento depende de categorias – de resto, bastante polêmicas
123
– que não se encontram na Lei das PPPs).
Quanto às características dos contratos das PPPs brasileiras, entre
outras, Freitas aduz que: o parceiro privado visa lucro; os riscos são
compartilhados; há o oferecimento de garantias ao parceiro privado; prazos
mais longos que os contratos comuns; valores altos.124
Verificamos, ainda, que a indelegabilidade de determinadas atividades
estatais, no concernente às parcerias público-privadas, é tema de amplos
debates e de opiniões diversas, devido à complexidade e profundidade do
assunto, o que trataremos a seguir.
2.2 As parcerias público-privadas e a (in)delegabilidade do exercício da
atividade administrativa penitenciária
A delegabilidade de serviços penitenciários, como objeto de parceira
público-privada, é tema controverso, despertando opiniões das mais diversas
123
SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: Parcerias públicoprivadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 38.
124
(a) a PPP e um contrato entre parceiros público e privado, no qual necessariamente o último
visa a obtenção de lucro, de modo que estão afastadas desse regime as parcerias (em sentido
amplo) estabelecidas, por exemplo, com o denominado terceiro setor, tais como os termos
celebrados com as organizações da sociedade civil de interesse público. [...] (z) a PPP
apresenta determinados limites variando, ao menos em alguns casos, conforme o IDH.
FREITAS, Juarez. O novo modelo de parcerias publico-privadas (pps) no Brasil: características
e regulação. Disponível em: http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/2406/1/AD-9-21.pdf
acesso em 30 jul. 2012.
74
acerca do assunto. Há entendimentos no sentido favorável e em contrário. O
objeto do trabalho aqui, não se faz na intenção de exaurir o tema e sim no
intuito de provocar o debate no sentido de se sugerir um caminho que traga
ganhos à sociedade.
No contexto internacional, a administração privada de estabelecimentos
penitenciários é uma realidade rotineira. Inglaterra, França, Estados Unidos,
Chile e Austrália são exemplos dessa constante.
Existem cerca de 200 presídios privados no mundo, sendo a metade
deles nos Estados Unidos. O início da experiência americana com a
privatização de presídios se deu na década de 1980, sendo que hoje esse
modelo penitenciário atende 7% dos condenados. Já na Inglaterra 10% da
população carcerária está em penitenciárias com administração terceirizada.
Na Austrália, que é a recordista mundial, esse percentual sobe para 17%.
África do Sul, Canadá, Bélgica e Chile também aderiram à privatização. Um
levantamento do governo australiano mostra que um preso em regime
privatizado pode custar menos que na cadeia pública – na primeira o custo cai
de US$ 55 mil para US$ 34 mil.125
Para os donos dos presídios, os números da privatização nos Estados
Unidos sugerem que o negócio não é ruim. O valor de mercado da Correction
Corporation of America, a maior empresa do ramo, saltou de US$ 200 milhões
para US$ 1 bilhão em cinco anos.126
Nos EUA o processo é realizado com a contratação de parceiros
privados para a construção e a administração empresarial de complexos
penitenciários, e o Estado efetiva a remuneração, ao parceiro privado, pelo
número de presos ou vagas contratadas. Já na Inglaterra, as PPPs prisionais
foram adotadas em resposta ao colapso enfrentado pelo setor ao final da
125
SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário
brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro Acesso em 02 jul. 2012.
126
Idem.
75
década de 1980, quando então, por meio de consórcios com empresas
privadas, foram construídas nove penitenciárias, albergando assim 15 mil
presos em uma população carcerária de 65 mil apenados.127
No Brasil, com o advento da reforma administrativa realizada na década
de 1990, sob a égide do neoliberalismo que pregava a redução do aparelho do
Estado tido como inoperante e ineficiente, nas mais diversas atividades, a
polícia administrativa será afetada pelo ímpeto privatizante da celebração e
expansão das parcerias com o setor privado.128
Na realidade brasileira, então, existem os modelos de gestão
compartilhada - aquele onde o Estado terceiriza determinados serviços no
ambiente prisional, como os de manutenção do sistema, a exemplo de
fornecimento de refeições (cozinhas), uniformes, e os de prestação de serviços
como ensino, saúde, de profissionais jurídicos e ainda em matéria trabalhista; e
o modelo de parcerias público-privadas, onde existem dois projetos em
andamento (complexo penitenciário de Ribeirão das Neves – MG e complexo
prisional de Itaquitinga – PE), ambos ainda em fase de implantação.
2.2.1 A atividade administrativa penitenciária como poder de polícia
Para Sundfeld a celeuma reside em se saber quais tarefas não podem
ser objeto de concessão ao parceiro privado, já que a Lei das PPPs (art. 4º, III)
ao regulamentar expressamente as funções estatais indelegáveis, utilizou-se
de alguns conceitos abertos: “indelegabilidade das funções de regulação,
jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas
do Estado”:
Ademais, a indelegabilidade também ficou vinculada a um conceito
em branco (“outras atividades exclusivas do Estado”), cujo
preenchimento depende de categorias – de resto, bastante polêmicas
127
Ibidem.
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Parcerias público-privadas: indelegabilidade no exercício
da atividade administrativa de polícia e na atividade administrativa penitenciária. In: Parcerias
público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p.
412.
128
76
– que não se encontram na Lei das PPPs. Hipótese a respeito da
qual os debates têm sido intensos é a PPP para serviços
penitenciários. Em tese, estes podem ser contratados por meio de
concessão administrativa. Mas quais tarefas podem ser cometidas ao
concessionário? Embora os termos da lei não resolvam as dúvidas,
parece que eles excluem a possibilidade de a concessão envolver
tanto o policiamento das muralhas como a direção da disciplina do
129
presídio.
Nesse sentido, conforme o art.4º, III, da Lei das PPPs, a atuação relativa
às funções de regulação, jurisdicional, do poder de polícia e outras exclusivas
do Estado são indelegáveis à iniciativa privada. Tais competências são típicas
estatais, consoante o pensamento de Guimarães:
A questão é clássica. Referidas competências caracterizam-se, desde
sempre, como funções típicas estatais indelegáveis à gestão privada,
por traduzirem atividades que pressupõem o exercício do poder
estatal destinado à realização de valores fundamentais. A orientação
pressupõe o conteúdo do princípio da República, que impõe a reserva
de poderes instrumentais à satisfação do interesse do povo nas mãos
130
do Estado.
As atividades de aplicação do Direito, do uso da força e da manifestação
de tributos, ou seja, aquelas que manifestam o poder de império do Estado são
por si só, indelegáveis. Logo, a possibilidade da implantação de parcerias
público-privadas em atividades administrativas de condicionamento de direitos
fundamentais, tradicionalmente denominadas sob o rótulo “de poder de
polícia”,131 não pode ser efetivada.
129
SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: Parcerias públicoprivadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 38.
130
GUIMARÃES, Fernando Vernalha. As parcerias público-privadas e a transferência de
atividades de suporte ao poder de polícia – em especial, a questão dos contratos de gestão
privada de serviços em estabelecimentos prisionais.
In: Parcerias público-privadas.
Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 386.
131
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Parcerias público-privadas: indelegabilidade no exercício
da atividade administrativa de polícia e na atividade administrativa penitenciária. In: Parcerias
público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p.
407.
77
Já Mukai, ao comentar a Lei das PPPs infere que “a expressão ‘e de
outras atividades exclusivas do Estado’, nos tempos atuais, em que se
pretende, no Brasil, o desmonte do Estado, é, no mínimo, inócua”.132
Ademais, conforme o entendimento de Guimarães, a indelegabilidade de
determinadas atividades se concerne àquelas funções que se traduzem em
competências decisórias voltadas à ordem pública, onde se admite e se aceita
o uso da força:
No campo das atividades administrativas essa limitação alcança as
competências decisórias vocacionadas à disciplina e manutenção da
ordem pública, que se servem do uso da força para impor (dentro dos
parâmetros normativamente estabelecidos) condicionamentos e
restrições à propriedade e liberdade privados. São competências que
133
decorrem da chamada “função de polícia”.
A atividade do “poder de polícia” se traduz, suscintamente, naquela em
que o Estado, utilizando-se de seus poderes imperativos e coercitivos voltados
à manutenção da ordem pública, a qual se justifica, em última análise, na
persecução do “bem comum” da sociedade não está autorizado a delegar ao
setor privado, pois aquela atividade está justificada em decorrência da
legitimidade do poder público. O Estado detém o monopólio da violência e só
por ele esta é justificável.
Guimarães bem traduz essa concepção com a justificativa de que o
poder de polícia e, em derradeira análise, o uso da violência como ferramenta
de uso consequente e não causal, é utilizado na busca do atendimento dos
interesses da sociedade, portanto não pode se fazer objeto de delegação:
132
MUKAI, Toshio; Sylvio Thoshiro Mukai...[et al.]. Parcerias público-privadas: comentários à
Lei Federal nº 11.079/04, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo,
Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e à Lei Municipal de Vitória/ES. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 8.
133
GUIMARÃES, Fernando Vernalha. As parcerias público-privadas e a transferência de
atividades de suporte ao poder de polícia – em especial, a questão dos contratos de gestão
privada de serviços em estabelecimentos prisionais.
In: Parcerias público-privadas.
Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 387-388.
78
Considere-se, ainda, que, como instrumento para a melhor realização
desse poder à luz do atendimento a valores fundamentais, o Estado
monopoliza a violência. Esta tem caráter instrumental àquele; será
sempre sua consequência, nunca sua causa. [...] Uma das atribuições
do Poder, portanto, está em decidir acerca do uso (instrumental) da
violência. [...] Portanto, só o Estado poderá decidir acerca do uso da
134
violência.
Ve-se que, como a violência é monopólio estatal, o exercício desta por
particulares transformar-se-ia em um desequilíbrio das relações privadas entre
cidadãos, o que redundaria em desigualdade social.
Oliveira entende que o sistema penitenciário não compõe o conjunto de
atividades de ordenação administrativa de direitos fundamentais, perfazendose, então, a possibilidade de se tornar objeto de contratação de ente privado:
Na espécie, o aparelho administrativo cumpre uma atividade
administrativa, como qualquer outra, imposta por lei, com a
especificidade de estar diretamente vinculada à execução penal, ou
seja, execução de provimentos editados no exercício do poder
jurisdicional na área criminal, conforme deixa claro o art. 1º da Lei de
Execução Penal – Lei 7.210/1984 -, fazendo-se através dos
estabelecimentos penais, supervisionados pelos Departamentos
Penitenciários, considerados órgãos da execução penal (art. 61 da
135
Lei 7.210/1984) e integrantes d organização administrativa.
Dessa forma, os limites dessa delegabilidade ao parceiro privado se
estabelecem ao se verificar a delimitação das atividades vinculadas à execução
penal, sendo esta o resultado do exercício da função jurisdicional criminal.136
Nesse contexto, tratar de contratação administrativa pressupõe a
nítida separação de atos de jurisdição em face dos atos de
134
GUIMARÃES, Fernando Vernalha. As parcerias público-privadas e a transferência de
atividades de suporte ao poder de polícia – em especial, a questão dos contratos de gestão
privada de serviços em estabelecimentos prisionais.
In: Parcerias público-privadas.
Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 389.
135
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Parcerias público-privadas: indelegabilidade no exercício
da atividade administrativa de polícia e na atividade administrativa penitenciária. In: Parcerias
público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p.
426-427.
136
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Parcerias público-privadas: indelegabilidade no exercício
da atividade administrativa de polícia e na atividade administrativa penitenciária. In: Parcerias
público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p.
426-427.
79
administração. Acantonados estes atos, a análise seguinte envolve
necessariamente a distinção, dentro da atividade administrativa, da
parcela da função administrativa prisional que afeta o direito de
liberdade do preso, na qual a administração atua mediante coerção
137
na produção de atos jurídicos e materiais.
Nesse diapasão, Oliveira infere que a irremissível presença da coerção
sobre a liberdade, além de demonstrar caráter restritivo de direitos
fundamentais, aproxima a atividade administrativa prisional da atividade de
ordenação de direitos, abrangente do poder de polícia.
Seguindo esse raciocínio, tem-se que a função administrativa prisional
abarca atos materiais, estando estes divididos em atos que incidem
diretamente sobre o apenado, como a exemplo dos atos disciplinares (art. 53
da Lei 7.210/1984 - Lei de Execução Penal) e atos de gestão penitenciária,
como assistência material ao apenado (alimentação, vestuário, instalações,
saúde, assistência jurídica e social, assistência ao egresso e oferta de trabalho
- art. 12, 14, 15, 22, 25 e 28 da Lei 7.210/1985 – Lei de Execução Penal).
Dessa forma, Oliveira afirma que somente as atividades materiais de
gestão podem ser objeto de concretização via parceria público-privada, pois
nesta seara administrativa da persecução penal são essas as atividades que
não estão diretamente ligadas à função jurisdicional ou ao poder de polícia do
Estado.
Como apenas as atividades materiais de gestão não se concretizam
via atos jurídicos e atos materiais coercitivos relativamente à esfera
jurídica titularizada pelos presos, somente elas podem ser
legitimamente objeto de contratação de prestação de serviços com
entes privados, além da construção da obra do próprio
138
estabelecimento penal.
137
Idem.
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Parcerias público-privadas: indelegabilidade no exercício
da atividade administrativa de polícia e na atividade administrativa penitenciária. In: Parcerias
público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p.
429.
138
80
Ainda, albergado no art. 4º, II, da própria Lei 11.079/2004, que expressa
a observância do respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos
serviços, Oliveira assevera que, no sistema penitenciário, o direito público
subjetivo do preso de não se submeter a qualquer tipo de coação privada
ilegítima não pode ser desconhecido.139
Outros pressupostos a serem observados no tocante à contratação de
PPPs referem-se ao princípio da economicidade, insculpido no art. 70 da
Constituição Federal, mandamento intrínseco do princípio da eficiência (art. 37,
CF), e que vem expresso no art. 4º, VII, da Lei das PPPs140, quando esta
estabelece como diretriz das PPPs a sustentabilidade financeira, e ainda a
demonstração das vantagens sócio-econômicas dos projetos de parceria.
2.2.2 A privatização penitenciária na realidade brasileira
O Brasil vem experimentando modelos de gestão compartilhada de
presídios em diversos estados, trazendo essas experiências resultados
positivos e negativos.
O pioneiro na implantação desse sistema foi o estado do Paraná, com a
Penitenciária Industrial de Guarapuava, em 1999. Esse estabelecimento
prisional, com capacidade para 240 presos, tinha o objetivo de cumprir as
metas de ressocialização do interno e a interiorização das unidades penais
(preso próximo da família e local de origem), proporcionando ao preso trabalho
e profissionalização, viabilizando, além de melhores condições para sua
reintegração à sociedade, o benefício da redução da pena (remição). No
barracão da fábrica na área da penitenciária trabalhavam 70% dos internos,
que recebiam como remuneração 75% do salário-mínimo. Os custodiados que
139
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Parcerias público-privadas: indelegabilidade no exercício
da atividade administrativa de polícia e na atividade administrativa penitenciária. In: Parcerias
público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p.
431.
140
o
Art. 4 Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes:
VII – sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm acesso
em 17 jul. 2012.
81
não estavam implantados no canteiro da fábrica trabalhavam em outros locais,
tais como: faxina, cozinha, lavanderia e embalagens de produtos. Esses
canteiros funcionavam em 03 turnos de 6 horas, possibilitando que todo o
tratamento penal (atendimento jurídico, psicológico, médico, serviço social,
odontológico, escola, atividade recreativa) fosse executado no horário em que
o interno não estivesse trabalhando.141
Nesse modelo de co-gestão o Estado terceiriza alguns serviços ao
parceiro privado, tais como: refeições, uniformes, lavanderia, parcerias para
emprego de detentos (regime semi-aberto), entre outros.
As
experiências
nacionais
de
co-gestão
estão
em
algumas
penitenciárias do Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo e Santa Catarina. O
Estado contrata com a iniciativa privada, por um período de até cinco anos, a
gestão de serviços prisionais para a empresa privada realizar a administração
interna, da cozinha aos agentes penitenciários.142
D’Urso enfatiza que a privatização de penitenciárias é um caminho viável
ante a realidade prisional brasileira, tendo como exemplo o modelo francês de
gestão prisional:
Registro que sou amplamente favorável à privatização, no modelo
francês e as duas experiências brasileiras, uma no Paraná há um ano
e outra no Ceará, há dois meses, há de se reconhecer que são um
sucesso, não registram uma rebelião ou fuga e todos que orbitam em
torno dessas unidades, revelam que a ‘utopia’ de tratar o preso
adequadamente pode se transformar em realidade no Brasil. [...] Das
modalidades que o mundo conhece, a aplicada pela França é a que
tem obtido melhores resultados e testemunho que, em visita oficial
aos estabelecimentos franceses, o que vi foi animador.[...]De minha
parte, não me acomodo e continuo a defender essa experiência no
141
SANTOS, Jorge Amaral dos. A utilização das parcerias público-privadas pelo sistema
prisional brasileiro em busca da ressocialização do preso. Uma perspectiva possível.
Disponível
em:
http://jus.com.br/revista/texto/13906/a-utilizacao-das-parcerias-publicoprivadas-pelo-sistema-prisional-brasileiro-em-busca-da-ressocializacao-do-preso Acesso em 04
jul. 2012.
142
SANTOS, Jorge Amaral dos. A utilização das parcerias público-privadas pelo sistema
prisional brasileiro em busca da ressocialização do preso. Uma perspectiva possível.
Disponível
em:
http://jus.com.br/revista/texto/13906/a-utilizacao-das-parcerias-publicoprivadas-pelo-sistema-prisional-brasileiro-em-busca-da-ressocializacao-do-preso Acesso em 04
jul. 2012.
82
Brasil, até porque não admito que a situação atual se perpetue,
gerando mais criminalidade, sugando nossos preciosos recursos,
143
para piorar o homem preso que retornará, para nos dar o troco!”
Esse modelo francês de privatização do sistema prisional teve início em
2004,
com
uma
série
de
licitações
voltadas
à
construção
de
30
estabelecimentos, criando assim 13.200 novas vagas. O projeto foi orçado em
1,4 bilhão de euros e houve a implantação de um sistema de co-gestão, onde o
Estado e o grupo privado realizam o gerenciamento e a administração
conjuntos do complexo penitenciário. Nesse modelo o Estado indica o DiretorGeral do estabelecimento, a quem compete o relacionamento com o juízo da
execução penal e a responsabilidade pela segurança interna e externa da
prisão. A empresa privada encarrega-se de promover o trabalho, a educação, o
transporte, a alimentação, o lazer, bem como a assistência social, jurídica,
espiritual e a saúde física e mental do preso, vindo então a receber do Estado
uma quantia por preso/dia para a execução desses serviços.144
Sussekind, ao tratar do tema como secretária nacional de Justiça, refere
que os presídios privados são mais eficazes, principalmente quanto à questão
mais neural do sistema, qual seja, a ressocialização do apenado:
Um agente penitenciário corrupto, se for público, no máximo é
transferido. Se for privado, é demitido na hora. [...] Fui secretária e
cansei de entregar alvará de soltura a quem ficou preso por quatro
anos e saiu da cadeia sem saber assinar o nome. Eles colocavam a
145
digital no alvará porque o Estado foi incapaz de alfabetizá-los.
Ainda, Gomes declara que a terceirização é eficaz, no sentido se
privatizar apenas alguns setores, permanecendo o poder de polícia sob a
alçada estatal:
143
D’URSO, Luíz Flávio Borges. Pração Das Prisões Mais Uma Vez A Polêmica. Disponível
em: http://www.oabms.org.br/noticias/lernoticia.php?noti_id=137 Acesso em 03 jul. 2012.
144
SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário
brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro acesso em 02 jul. 2012.
145
Revista
Época,
Privatizar
Resolve?
Disponível
em:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG76972-6009,00PRIVATIZAR+RESOLVE.html Acesso em 03 jul. 2012.
83
Sou contrário a uma privatização total e absoluta dos presídios. Mas,
temos duas experiências no país de terceirização, terceirizou-se
apenas alguns setores, algumas tarefas. Essas experiências foram no
Paraná e no Ceará, experiências muito positivas. [...] Há uma
empresa cuidando da alimentação de todos, dando trabalho e
remunerando nesses presídios, que possuem cerca de 250 presos
cada um. O preso está se sentindo mais humano, está fazendo
pecúlio, mandando para a família e então está se sentindo útil,
humano. Óbvio que este é o caminho. Sou favorável à terceirização
146
dos presídios.
Para Capez a situação da realidade prisional brasileira não deixa
margem a escolhas, entendendo que o caminho da privatização é o mais
viável, tornando-se, por conseguinte, uma necessidade social:
É melhor que esse lixo que existe hoje. Nós temos depósitos
humanos, escolas de crime, fábrica de rebeliões. O estado não tem
recursos para gerir, para construir os presídios. A privatização deve
ser enfrentada não do ponto de vista ideológico ou jurídico, se sou a
favor ou contra. Tem que ser enfrentada como uma necessidade
absolutamente insuperável. Ou privatizamos os presídios;
aumentamos o número de presídios; melhoramos as condições de
vida e da readaptação social do preso sem necessidade do
investimento do Estado, ou vamos continuar assistindo essas cenas
que envergonham nossa nação perante o mundo. Portanto, a
privatização não é a questão de escolha, mas uma necessidade
147
indiscutível, é um fato.
Em estudo recente sobre o tema das privatizações de penitenciárias, ao
comparar os indicadores de desempenho de prisões públicas e terceirizadas
dos Estados da Bahia e do Paraná, Cabral e Lazarini são categóricos ao
afirmar que os serviços prisionais oriundos de modelos híbridos (público e
privado) auferem resultados mais positivos sob a ótica social:
Nossos resultados apontam que as formas híbridas de provisão de
serviços prisionais apresentam não apenas melhores custos, mas
também melhores indicadores de qualidade em termos de segurança,
ordem e nível de serviço oferecido aos detentos. A chave está na
146
GOMES, Luiz Flávio. Direito Público Em Pauta. Entrevistas por Vilbégina Monteiro.
DATAVENI@-Entrevistas-Ano
VI-Nº
55-março
de
2002.
Disponível
em:
http://www.datavenia.net/entrevistas/000012032002.htm Acesso em 03 jul. 2012.
147
CAPEZ, Fernando. Direito Público Em Pauta. Entrevistas por Vilbégina Monteiro.
DATAVENI@-Entrevistas-Ano
VI-Nº
55-março
de
2002.
Disponível
em:
http://www.datavenia.net/entrevistas/000012032002.htm Acesso em 03 jul. 2012.
84
presença do supervisor público, cujo papel é garantir um nível
adequado de serviço. Nesse caso, a supervisão pública exercida
pelos diretores do presídio inibe eventuais condutas autointeressadas dos operadores privados, evitando a redução dos
148
padrões de qualidade dos serviços acordados.
Para Minhoto a terceirização prisional não é o caminho mais adequado
na persecução da recuperação do apenado. Assevera que não há estudos
comprobatórios de grandes melhorias nesse aspecto, inferindo inclusive que
existe uma piora na qualidade dos serviços penitenciários:
A grande promessa dos advogados da privatização no Brasil é
justamente essa (diminuir custos). A ideia é de que a iniciativa
privada, mais eficiente, adote programas de qualidade e de gestão.
Dizem que ela já teria sido, em tese, comprovada nos países onde
houve implementação do sistema. Digo sinceramente: não há
qualquer estudo que comprove isso, aqui ou lá. Reduções de custo,
quando existem, são mínimas se comparadas aos gastos dos
estabelecimentos públicos. E, em muitas situações, o que parece é
que essa diminuição do preço por detento aparece devido à piora na
qualidade dos serviços penitenciários. Justamente no que seria o
diferencial: na ressocialização, educação, trabalho, saúde e
acompanhamento do preso. São tarefas que sofrem piora em função
do corte de custos. Os presídios privados são a Gol (empresa de
aviação brasileira que barateia passagens e oferece serviço de bordo
149
mais modesto) do setor.
No sentido de preservação do poder executório estatal, Damásio
observa que determinadas tarefas no ambiente prisional podem ser objeto de
delegabilidade, aduzindo, entretanto, certa cautela no sentido de se observar a
questão da corrupção nesse tipo de serviço público.
A privatização é conveniente desde que o poder de execução
permaneça com o Estado. O que é possível é o poder público
terceirizar determinadas tarefas, de modo que aqueles que trabalham
nas penitenciárias não sejam necessariamente funcionários públicos.
148
CABRAL, Sandro e LAZZARINI, Sérgio. Gestão Privada Com Supervisão Pública.
Disponível
em:
http://www.sergiolazzarini.ibmecsp.edu.br/Gest%C3%A3o%20privada%20com%20supervis%C
3%A3o%20p%C3%BAblica.pdf Acesso em 04 jun. 2012.
149
MINHOTO, Laurindo Dias. A Privatização de Presídios. Entrevista concedida ao jornal A
Tribuna, Santos – SP. Disponível em: http://bellatryx.blogs.ie/laurindo-minhoto/ Acesso em 14
jun. 2012.
85
Mas advirto: se fizermos isso, não se abriria caminho para
150
acorrupção?
Ainda Minhoto, ao sintetizar o processo de privatização prisional posto
em andamento a partir de meados da década de 1980 no mundo, assevera
que, além de ser um excelente negócio posto à disposição do capitalismo
mundial, se traduz, também, em mais uma demonstração de imposição da
força violenta do Estado:
A expansão dos presídios privados é mais do que um bom negócio,
como nos EUA e na Grã-Bretanha. No contexto brasileiro significa a
extensão e reposição, no âmbito do capitalismo global, de um
processo histórico preexistente marcado pela violência do Estado e
151
pela barbárie.
Ao tratar da questão prisional, Bortolotto assevera que a penitenciária
tem de ser um espaço onde o apenado deva fazer o resgate de sua dignidade:
O presídio precisa ser um lugar civilizado, como do lado de fora. Ser
morto, esquartejado ou morrer de tuberculose não faz parte da pena.
Dessa maneira, apenas se reforça o perfil delinquente do apenado. O
152
presídio precisa servir para resgatar a dignidade dessas pessoas.
Krischke153 afirma que a segurança pública, questão neural em se
tratando de políticas de Estado, se ampara em uma esfera tridimensional, na
qual estão estruturadas a polícia, o judiciário e o sistema prisional do país,
alertando que na falha de uma dessas estruturas todo o sistema estará
comprometido.
150
JESUS, Damásio de. Maioridade penal: Entrevista à revista Problemas Brasileiros. n.º 383
Set/Out
2007,
Portal
do
SESC
SP.
Disponível
em:
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=287&breadcrumb=1&Arti
go_ID=4514&IDCategoria=5141&reftype=1 Acesso em 11 jun. 2012.
151
MINHOTO,
Laurindo
Dias.
As
prisões
do
mercado.
Disponível
em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452002000100006 Acessado
em 10 jun. 2012.
152
BORTOLOTTO, Gilmar. Detentos de facções rivais usavam instituto penal como cemitério.
Jornal
Zero
Hora,
edição
de
04/08/2012.
Disponível
em:
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/policia/noticia/2012/08/detentos-de-faccoes-rivais-usavaminstituto-penal-como-cemiterio-3843099.html Acesso em 04 ago. 2012.
153
KRISCHKE, Jair. Detentos de facções rivais usavam instituto penal como cemitério. Jornal
Zero
Hora,
edição
de
04/08/2012.
Disponível
em:
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/policia/noticia/2012/08/detentos-de-faccoes-rivais-usavaminstituto-penal-como-cemiterio-3843099.html Acesso em 04 ago. 2012.
86
Contudo, há certa positividade acerca da aceitação de parte da Doutrina
quanto à instituição das parcerias público-privadas no sistema penitenciário
brasileiro. Seja pela situação de abandono do atual complexo prisional do país,
o que reflete diretamente na condição do apenado, seja pelas experiências
realizadas em âmbito internacional, onde há certos fatores e resultados que
tornaram esses empreendimentos positivos sob a ótica do tratamento
dispensado ao preso.
As parcerias entre o Poder Público e a comunidade são inerentes ao
convívio no tecido social. A sociedade civil organizada possui diversas
ferramentas e detém possibilidades no sentido de participação na esfera
decisória governamental. Nesse sentido, analisamos a seguir as condições e
possibilidades da participação ativa da sociedade civil nas Parcerias PúblicoPrivadas do sistema prisional.
2.3 Experiências em parcerias entre o Poder Público e a comunidade:
possibilidades de viabilização da participação ativa da sociedade civil nas
Parcerias Público-Privadas do sistema prisional.
As parcerias público-privadas se traduzem em algo maior que a mera
participação da iniciativa privada em ações de interesse público. Consoante o
pensamento de Câmara, a expressão “PPPs” busca exprimir uma nova
definição dos papéis desempenhados pelos citados personagens (Estado e
particulares).154Logo, modelo das PPPs surge como uma alternativa, ou uma
ferramenta posta à disposição do administrador público, cuja implementação se
restringe às particularidades de cada projeto.
Para Leal, a prestação de serviço público decorre do próprio texto
constitucional, onde o Estado, que detém a obrigatoriedade e titularidade da
efetivação do serviço, o faz diretamente ou por meio de concessão ou
permissão (art. 175 C.F.):
154
CÂMARA, Jacintho Arruda. A experiência brasileira nas concessões de serviço público e as
parcerias público-privadas. In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld.
São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 165.
87
Neste particular, se o serviço público se afigura como toda atividade
cujo desempenho deve ser regulado, assegurado e controlado pelo
Poder Público, porque o desempenho dessa atividade é
indispensável à realização da interdependência social e de tal
natureza que não pode ser assumido senão pela intervenção da força
da Administração, assim também ocorre com as formas delegativas
da execução destes serviços, e veja-se, tão somente as atividades
executórias dos serviços, uma vez que a tarefa de conceber os
princípios, objetivos, finalidades e critérios de qualificação e
quantificação prévio e permanente do seu oferecimento, pertence
155
sempre ao Estado.
Como forma de se operacionalizar os princípios insculpidos no Corpo
Constitucional, ao se verificar que a regulamentação normativa dada às
parcerias público-privadas (Lei 11.079/2004 e normas correlatas estaduais e
municipais) confere instrumentos de participação e controle do serviço a ser
prestado, tanto na esfera estatal quanto na seara privada, trataremos das
possibilidades de efetivação da participação da sociedade civil organizada nas
parcerias público-privadas inerentes ao sistema prisional brasileiro.
2.3.1 A participação social na gestão pública como mandamento
Constitucional e Normas infraconstitucionais.
O espírito constitucional de 1988 está, notadamente, voltado para os
direitos da cidadania e, no dizer de Leal, reconhecendo-a como centro neural
de toda ordem social, política, econômica e jurídica156; a prova disso está nos
diversos artigos da Carta Maior que tratam dessa temática157.
155
LEAL, Rogério Gesta. O controle social dos serviços públicos no Brasil como condição de
sua possibilidade. Disponível em: http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigo-ocontrole-social-dos-servicos.html. Acesso em 20 jun. 2012.
156
Idem
157
Leal trata acerca dos dispositivos constitucionais que comprovam, por si só, a ampla
proteção dada pelo constituinte à cidadania. Nesse sentido assevera: (a) o fato do Judiciário
apreciar não mais apenas a lesão, mas também qualquer ameaça a direito (com o que se dá
berço constitucional ao mandado de segurança preventivo e às ações cautelares em geral) –
CF, art.5º, XXXV; (b) o fato das entidades associativas poderem representar seus filiados
(judicial e extrajudicialmente) – CF, art 5º, XXI; (c) o reconhecimento jurídico do fenômeno da
legitimação coletiva (direta ou substitutiva, conforme o caso), não só no caso do mandado de
segurança (CF, art. 5º, LXX), mas também nos pleitos em defesa de direitos e interesses
coletivos ou individuais das categorias profissionais (CF, art.8º, III); (d) o fato de elegermos um
vetor axiológico da moralidade, no exercício da atividade administrativa, e este ter o controle de
sua observância depositado nas mãos do cidadão, que conta, para tanto e
exemplificativamente, com o eficaz instrumento da ação popular, ampliada em seu escopo
88
A Constituição Federal, ao normatizar a prestação de serviço público
(art. 175 C.F.158) nos faz remeter diretamente às leis 8.666/1993 – Lei das
licitações e contratos – e 8.978/1995 – Lei das concessões. Essas legislações
trazem em seu bojo vários dispositivos que se traduzem em ferramentas para,
em última análise, se fazer respeitar o espírito cidadão inerente à prestação de
serviço público e inserido no texto constitucional.
Leal aduz que a norma infraconstitucional ampliou as possibilidades de
participação do usuário do serviço público na efetivação dos serviços:
Em verdade, esta Lei nº 8.987/95 ampliou normativamente as
possibilidades de participação efetiva do usuário do serviço público
no âmbito de sua concessão ou permissão, fazendo corresponder
aos direitos de certidão, petição, reclamação e sugestão (incisos, II,
IV, V e VI, do art. 7º, deste diploma), os deveres listados no seu art.
159
29, incisos I, VI, VII e XII.
Entretanto,
concessionário
a
(setor
relação
privado)
entre
Poder
normatizada,
concedente
(Estado)
principalmente,
pelas
e
o
leis
8.666/1993 – Lei das licitações e contratos – e 8.978/1995 – Lei das
concessões -, se revela em uma relação de verticalidade bastante acentuada,
onde o Estado, que em derradeira síntese, representa os interesses sociais,
detém preponderância sobre o ente particular advindo daquelas relações. A
prova dessa relação de verticalidade está, explicitamente, elencada nas
denominadas “cláusulas de privilégio” previstas na Norma, as quais, no dizer
pelos termos do art.5º, LXXIII, da Constituição vigente, assim como da ação civil pública; (e) o
próprio direito de petição (art.5º, XXXIV, “a”), valioso meio de contraste da atuação
administrativa. Isto porque, exercitando-se ele por meio de um processo administrativo, irá
diretamente beneficiar-se da extensão, a este conferida, das clássicas e fundamentais
garantias do processo judicial: publicidade, contraditório, ampla defesa (CF, art.5º, LV). Ibidem.
158
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e
permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação,
bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II
- os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm
Acessado em 06 jul. 2012.
159
LEAL, Rogério Gesta. O controle social dos serviços públicos no Brasil como condição de
sua possibilidade. Disponível em: http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigo-ocontrole-social-dos-servicos.html. Acesso em 20 jun. 2012.
89
de Carvalho Filho, são as prerrogativas especiais conferidas à Administração
na relação de contrato administrativo em virtude de sua posição de supremacia
em relação à parte contratada.160
Tais
cláusulas,
inerentes
aos
contratos
administrativos,
seriam
consideradas irregulares em uma relação contratual entre particulares.
Entretanto, como tais instrumentos têm por objeto a contratação de prestação
de serviço público, por revelarem uma posição de superioridade contratual da
Administração pública, são considerados legais.
Ainda conforme o pensamento de Carvalho Filho, tais normas são
verdadeiros
princípios
de
Direito
público,
estando
elencadas
como
“prerrogativas” no art. 58 da Lei 8.666/1993 (Lei das licitações e contratos) 161,
traduzindo-se nos princípios da alteração unilateral do contrato; da rescisão
unilateral; da fiscalização da execução do contrato; da aplicação de sanções; e
da ocupação provisória de bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados
ao objeto do contrato, quando o ajuste visa à prestação de serviços essenciais.
Já a Lei das PPPs – 11.079/2004 - insere em seu bojo diferentes
possibilidades de relações entre o Poder concedente e o concessionário.
Conforme Justino de Oliveira, essa lei traz noções como:
(a) alta complexidade do objeto, execução e acompanhamento do
ajuste; (b) elevado nível de riscos a serem enfrentados pelos
parceiros, em função do montante dos recursos financeiros
160
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, 2008. p. 176.
161
Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à
Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: I - modificá-los, unilateralmente, para
melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;
II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; III fiscalizar-lhes a execução; IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do
ajuste; V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis,
pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar
apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de
o
rescisão do contrato administrativo. § 1 As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos
contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.
o
§ 2 Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato
deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.
90
envolvidos, das incertezas sobre os custos de construção e de
operação e das dúvidas atinentes aos rendimentos a serem
alcançados; (c) estabelecimento de garantias especiais conferidas
pelo parceiro público ao parceiro privado, destinadas a assegurar o
cumprimento das obrigações assumidas pela Administração; e (d)
dificuldade em atingir-se – em sede contratual – a ótima
regulamentação dos interesses em jogo, quais sejam, os do parceiro
162
público, do parceiro privado e da coletividade em geral.
Em estudo analítico sobre o tema, Justino de Oliveira afirma que,
diversamente das Leis 8.666/1993 e 8.987/1995, a lei das PPPs não contém as
chamadas cláusulas exorbitantes, o que confere uma ampliação das bases
negociais das cláusulas contratuais que irão estabelecer a regulamentação dos
interesses dos parceiros, ensejando assim uma nova forma de administrar.163
Assiste-se atualmente a uma acentuada divergência quanto a
diversos aspectos desse novo contrato da Administração Pública
Brasileira. Com efeito, está-se diante de uma nova figura a ser
empregada pelo setor público no campo negocial, a qual visa a
instituir e formalizar uma relação jurídica entre a Administração
Pública e os particulares em bases normativas diversas daquelas
representadas pelas disposições inseridas nas Leis federais
164
8.888/1993 e 8.987/1995.
Nos contratos de PPPs, os parceiros, logicamente, têm por escopo obter
benefícios daquela relação. Dessa forma, há pontos convergentes (sucesso do
empreendimento) e pontos divergentes (assunção dos riscos e divisão dos
lucros) estabelecidos no contrato. Nesse sentido, assevera Justino de Oliveira,
as negociações ocorrem com o fulcro de proporcionar um equilíbrio de todos os
interesses “com vistas a alcançar os compromissos mais justos e eficazes
possíveis dentre as perspectivas de ganhos, custos a serem arcados e dos
riscos a serem corridos”.165
162
JUSTINO DE OLIVEIRA, Gustavo Henrique. A arbitragem e as parcerias público-privadas.
In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros
Editores. 2005. p. 572.
163
JUSTINO DE OLIVEIRA, Gustavo Henrique. A arbitragem e as parcerias público-privadas.
In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros
Editores. 2005. p. 570
164
Idem.
165
JUSTINO DE OLIVEIRA, Gustavo Henrique. A arbitragem e as parcerias público-privadas.
In: Parcerias público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros
Editores. 2005. p. 572.
91
Com efeito, nas PPPs, os parceiros detêm ambas as posições - credor e
devedor - havendo um regime de interdependência recíproca, onde a obrigação
de um corresponde ao direito do outro e vice-versa.
Seguindo essa ideia, pode-se afirmar que há um equilíbrio, uma
significativa correlação, entre direitos e obrigações de ambos os parceiros, o
que, em última análise traz uma significativa diferença quando comparados aos
contratos administrativos tradicionais, onde as relações jurídicas daqui
advindas possuem um caráter bem mais verticalizado, no qual a Administração
Pública tem preponderância sobre o entre privado.
Dessa forma, na ótica de Justino de Oliveira, surge um novo paradigma do
Estado, qual seja:
O fortalecimento da negociação, na esfera da Administração Pública,
expressada por via de acordos, em que passam ao primeiro plano a
negociação em lugar do procedimento, a liberdade das formas em
166
lugar da tipicidade, a permuta em lugar da ponderação.
A exemplo deste “abrandamento” no sentido de um novo paradigma
contratual na Administração Pública, onde inclusive se denota a participação da
sociedade civil nessas relações contratuais administrativas, tem-se a previsão,
na Lei 11.079/2004, da submissão à consulta pública da minuta editalícia e do
contrato, com a intenção de se receber sugestões da sociedade.167
166
Idem.
Lei 11.079/2004. Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de
licitação na modalidade de concorrência, estando a abertura do processo licitatório
condicionada a: VI – submissão da minuta de edital e de contrato à consulta pública, mediante
publicação na imprensa oficial, em jornais de grande circulação e por meio eletrônico, que
deverá informar a justificativa para a contratação, a identificação do objeto, o prazo de duração
do contrato, seu valor estimado, fixando-se prazo mínimo de 30 (trinta) dias para recebimento
de sugestões, cujo termo dar-se-á pelo menos 7 (sete) dias antes da data prevista para a
publicação do edital; Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2004/lei/l11079.htm acessado em 06 jul. 2012.
167
92
Típico exemplo que encontra eco na clarividência168 de Leal, quando aduz
que uma constituição racional da vontade, do Estado e da cidadania, só se
concretiza na medida em que a sociedade civil organizada se deixa penetrar
pelos valores e significados atinentes à realidade social que a envolve.
Veja-se que os procedimentos administrativos contemporâneos,
assim, nominados de democráticos ( e juridicamente estabelecidos),
só podem conduzir a uma constituição racional da vontade (do
Estado e da cidadania) na medida em que a formação organizada da
sociedade, geradora de decisões responsáveis no marco dos órgãos
estatais, mantém-se permeável diante dos valores, temas e
argumentos que eclodem na comunicação política de seu entorno
que, como tal e em seu conjunto, não pode ser somente
169
institucional .
Como o mesmo sentido o art. 6º, § 3º da Lei 12.234/2005 170 do estado do
Rio Grande do Sul, que determina os projetos de PPPs serem objeto de
consulta pública, consoante o entendimento de Mukai:
As consultas públicas, refletindo a participação popular, não estão
dispostas como diretrizes das PPPs, porém são essências para a
execução de projetos de parcerias público-privadas (art. 6º, § 3º),
ficando claro que os editais e contratos deverão ser precedidos
171
delas.
168
Aqui entendida pela ótica de Milton Santos que nos diz: “A clarividência é uma virtude que
se adquire pela intuição, mas sobretudo, pelo estudo, e quer dizer: tentar ver, a partir do
presente, o que se projeta no futuro.” TENDLER, Sílvio. Encontro com Milton Santos: o mundo
global visto do lado de cá. Caliban Produções: Rio de Janeiro, RJ, 2006.
169
Leal, Rogério Gesta. A ação social constitutiva do direito fundamental de participação na
administração
pública
brasileira.
Disponível
em:
http://rogeriogestaleal.blogspot.com.br/2011/09/artigo-acao-social-constitutiva-do.html
acessado em 07 jul. 2012.
170
Lei estadual 12.234/2005. Art. 6º - A contratação de parceria público-privada deve ser
precedida de licitação, na modalidade de concorrência, observado o seguinte: § 3º - O projeto
de parceria público-privada será objeto de audiência pública, com antecedência mínima de
trinta dias da publicação do edital da respectiva licitação, mediante a publicação de aviso na
imprensa oficial, em jornais de grande circulação e por meio eletrônico, no qual serão
informadas a justificativa para a contratação, a identificação do objeto, o prazo de duração do
contrato e seu valor estimado, fixando-se prazo para oferecimento de sugestões, cujo termo
dar-se-á pelo menos uma semana antes da data em que for publicado o edital. Disponível em:
http://www.investimentos.ppp.rs.gov.br/portal/index.php?menu=texto&item_submenu=20
acessado em 02 jul. 2012.
171
MUKAI, Toshio; Sylvio Thoshiro Mukai...[et al.]. Parcerias público-privadas: comentários à
Lei Federal nº 11.079/04, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo,
Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e à Lei Municipal de Vitória/ES. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 169.
93
Ainda, a questão elencada no art. 4º, II da Lei das PPPs172, quanto ao
respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços, onde se
entende que o destinatário final do serviço a ser prestado seja o preso. Assim,
questões como, por exemplo, em caso de superlotação de celas ou da falta de
determinado serviço estabelecido contratualmente, qualquer cidadão pode
proceder a denúncias nesse sentido, impondo ao parceiro privado penalidades
pecuniárias, entre outras.
2.3.2 As experiências da participação da sociedade na gestão prisional.
No Brasil, não se tem experiências práticas de participação da
sociedade na gestão prisional em complexos implantados seguindo o modelo
da Lei das PPPs, haja vista que dos dois projetos em andamento no país,
complexo penitenciário de Ribeirão das Neves – MG e complexo penitenciário
de Itaquitinga – PE, nenhum deles ainda se estabeleceu por completo, isto é,
as empresas responsáveis por tais projetos ainda não terminaram os trabalhos
de construção e implantação das obras.
Nesse sentido, se faz ressalva quanto à consulta pública que determina
a Lei devam ser submetidos os projetos de PPPs, porém, logicamente, essa
participação popular é realizada em momento anterior à colocação em prática
de tais projetos.
As experiências de participação social na gestão de estabelecimentos
prisionais se situam no campo daqueles modelos desenvolvidos sob o
paradigma da gestão compartilhada.
A Gestão Compartilhada é um modelo de administração penitenciária no
qual cada parceiro mantém sua identidade institucional e programática dirigindo
172
o
Lei 11.079/2004. Art. 4 Na contratação de parceria público-privada serão observadas as
seguintes diretrizes: II – respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos
entes
privados
incumbidos
da
sua
execução;
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm acessado em 06 jul.
2012.
94
pessoas, esforços e recursos para fins comuns e integrados. No tocante à
utilização desse tipo de sistema o Estado terceiriza alguns serviços ao parceiro
privado, tais como: fornecimento de refeições; aquisição de uniformes; serviços
de lavanderia, serviços médicos, odontológicos, psicológicos, de assessoria
jurídica, entre outros.173
As experiências nacionais estão em penitenciárias de alguns estados
brasileiros. São eles Amazonas, Ceará, Bahia, Espírito Santo e Santa Catarina
(o Paraná, que foi o pioneiro na implantação desse sistema, retomou
totalmente a administração de seus presídios em 2005).
O Estado efetua um contrato, por um período de um a cinco anos, com
uma empresa privada que fica responsável por toda administração interna de
uma penitenciária, da cozinha aos agentes penitenciários. O primeiro presídio
gerido dessa forma foi o de Guarapuava, no Paraná, em 1999.174
Consoante estudo realizado por Osório; Vizzotto, a penitenciária de
Guarapuava contava com 237 (duzentos e trinta e sete) apenados quando se
encontrava sob o regime de gestão compartilhada. Destes, grande parte havia
praticado delitos de maior potencial ofensivo, como homicídio (35% do total),
tráfico de entorpecentes (21% do total), latrocínio (20% do total) e estupro (15%
do total). Para os demais crimes, restavam apenas 9% dos presos. Dos
presidiários daquele estabelecimento criminal, 181 (cento e oitenta e um) eram
primários e 58 (cinquenta e oito) eram reincidentes. A média de idade
concentrava-se entre 21 e 35 anos, abarcando 145 (cento e quarenta e cinco)
detentos (60% do total). Ainda, no tocante à reincidência criminal, destaca-se
que com os egressos do presídio de Guarapuava – em torno de 6% em 2005.
Em Maringá, no mesmo Estado, esse índice alcançava 30%.175
173
SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário
brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro Acesso em 02 jul. 2012.
174
Idem.
175
OSÓRIO, Fábio Medina. VIZZOTTO, Vinicius Diniz. Sistema penitenciário e parcerias
público-privadas. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/7643/sistema-penitenciario-eparcerias-publico-privadas acesso em 26 jun. 2012.
95
O
estado do Ceará
também
implantou
o modelo
de
gestão
compartilhada prisional no ano de 2000, na Penitenciária Industrial Regional do
Cariri, no município de Juazeiro do Norte. Ali havia 66 (sessenta e seis) celas
coletivas, com lotação de cinco presos em cada uma, e 117 (cento e
dezessete) celas com capacidade para dois presos em cada uma delas. Essa
co-gestão foi implementada com a Humanitas Administração Prisional S/C, a
qual geria a atividade administrativa interna do presídio. Havia ênfase quanto
ao trabalho do preso, executado na própria prisão. A empresa responsável pela
penitenciária realizava parcerias com algumas empresas da região, como a
“Criativa Joias”, onde então 150 (cento e cinquenta) detentos fabricavam joias
folheadas, obtendo uma produção de 250 mil peças/mês. Cada preso recebia
cerca de 75% do salário mínimo por mês e remição da pena.176
No Espírito Santo, o modelo de co-gestão implantado pelo governo
estadual estava na Penitenciária de Segurança Média de Colatina, em
Colatina, e na Penitenciária de Segurança Máxima localizada no município de
Viana. A penitenciária de Colatina, com capacidade para 300 vagas, sendo 24
delas destinadas à ala feminina, possuía uma parceria com o Instituto Nacional
de Administração Prisional Ltda (INAP). Essa empresa, além de arcar com os
custos para aquisição, instalação e manutenção de equipamentos de
segurança, uniformes (agentes, internos e funcionários), também era
responsável pelo fornecimento de colchões, roupas de cama, kits de higiene,
alimentação e serviços de apoio à cozinha, instalação de uma estrutura para
atendimento médico, odontológico e enfermaria, oferecendo, ainda, trabalho e
educação para os presos.177
Nesse sentido, a empresa oferecia aos internos serviços ocupacionais,
mantendo um setor de seleção e ocupação, sob supervisão da direção, com as
176
SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário
brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro Acesso em 02 jul. 2012.
177
SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário
brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro Acesso em 02 jul. 2012.
96
atribuições de selecionar os internos para as atividades nos canteiros de
trabalho, elaboração de relatório de frequência dos internos ao trabalho, para
efeito de remuneração e emissão de atestado de trabalho com vistas à remição
da pena. O presídio dispunha de salas específicas para o desenvolvimento de
atividades voltadas para o trabalho dos internos. Além do trabalho, a empresa
mantinha salas específicas para estudos. Nesses locais os internos
frequentavam aulas do ensino básico e fundamental.178
Assim, demonstra-se que essa ferramenta (gestão compartilhada) nos
parece trazer resultados positivos quanto à participação da sociedade na
questão da gestão prisional, ainda que se refira a uma atividade empresarial,
pois, em se efetuando comparações com estabelecimentos totalmente geridos
pelo Estado, a exemplo do Presídio Central de Porto Alegre, RS, ou ainda a
Penitenciária Industrial de Caxias do Sul, RS, verifica-se que o sistema de
gestão compartilhada produz melhores resultados para a sociedade.
Como afirmamos ao início, o Brasil ainda não possui nenhuma
experiência efetiva de PPPs no sistema prisional, com os dois complexos –
Ribeirão das Neves, MG e Itaquitinga, PE, ainda em fase de implantação.
O novo complexo prisional de Itaquitinga, PE, terá um total de 3.126
vagas e será composto por dois blocos para regime semi-aberto (1200 vagas),
três blocos para regime fechado (1926 vagas) e uma unidade para
administração do Centro Integrado de Ressocialização (CIR), além de cozinha,
lavanderia, padaria, canil e granja. Ocupará uma área de 100 hectares e todas
as unidades do complexo irão funcionar de modo independente. O apenado
será individualizado de acordo com a pena e o perfil criminológico, atendendo a
Lei de Execução Penal (LEP). O CIR terá apenas dois tipos de cela: individual
e coletiva, esta com, no máximo, quatro presos. Conforme a minuta do contrato
administrativo, caberá à concessionária, entre outros compromissos, dotar a
unidade prisional dos seguintes profissionais: advogado, assistente social,
médico, psicólogo, terapeuta educacional, dentista, enfermeiro, professores de
178
Idem.
97
educação física, de ensino fundamental e ensino médio e instrutor de
informática. O objetivo é a prestação de serviços assistenciais à população
carcerária, tendo por fim harmonizar a convivência entre os internos e o seu
futuro retorno à sociedade, além de proporcionar as condições físicas e
psicológicas para o cumprimento da pena que lhes foi imposta, através da
assistência material à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.179
Esse complexo penitenciário será objeto de nossa análise no próximo
capítulo.
179
SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário
brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro Acesso em 02 jul. 2012.
98
3 CONDIÇÕES E POSSIBILIDADES DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS
NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
3.1
Experiências
Internacionais
de
parcerias
público-privadas
em
sistemas penitenciários: Inglaterra, Estados Unidos da América e França.
No contexto internacional, a administração privada de estabelecimentos
penitenciários se faz presente já há algumas décadas. Esse modelo de gestão
prisional está presente em vários países, como Inglaterra, Estados Unidos da
América, França, Chile e Austrália.
Atualmente existem cerca de 200 presídios privados espalhados pelos
continentes e a metade deles está concentrada nos Estados Unidos. O início
da experiência americana com a privatização de presídios se deu na década de
1980 e hoje esse modelo penitenciário atende 7% da população penitenciária
naquele país. Já na Inglaterra, esse índice é maior, pois cerca de 10% da
população carcerária está em penitenciárias com administração terceirizada.
Na Austrália, que é a recordista mundial na implantação desse modelo de
sistema prisional, o percentual sobe para 17%. África do Sul, Canadá, Bélgica
e Chile também aderiram à privatização dos serviços prisionais. Um
levantamento do governo australiano mostra que um preso em regime
privatizado pode custar menos que em uma cadeia pública daquele país - lá o
custo anual de um preso albergado em uma penitenciária pública é de US$ 55
mil, ao passo que em um presídio administrado por empresa privada esse
custo cai para US$ 34 mil.180
Nos EUA, o processo é realizado com a contratação de parceiros
privados para a construção e a administração empresarial de complexos
penitenciários, sendo que o Estado efetiva a remuneração pelo número de
presos ou vagas contratadas. Já na Inglaterra, as PPPs prisionais foram
adotadas em resposta ao colapso enfrentado pelo setor ao final da década de
180
SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias público-privadas.1ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2005.
99
1980, quando então, por meio de consórcios com empresas privadas, foram
construídas nove penitenciárias, albergando assim 15 mil presos em uma
população carcerária de 65 mil apenados.181
3.1.1
A
experiência
de
parcerias
público-privadas
em
sistemas
penitenciários na Inglaterra
Na Inglaterra, o entendimento doutrinário sobre parceria público-privada
concentrava-se como sendo um conjunto de regras e diretrizes, o qual
determinava que projetos – como a construção de estradas, presídios e
hospitais – deveriam estar sob a responsabilidade do setor público e, caso
houvesse participação privada, a cobertura dos investimentos se daria pelo
Estado. Essas regras tinham por objetivo regulamentar o modo como o
investimento privado ocorreria nas empresas nacionalizadas daquele país.182
Ao fim da década de 1980, o governo inglês deu fim a esse
ordenamento legal, donde então nasceu, já em 1992, a Private Finance
Initiative – PFI. Esse dispositivo legal vem à lume no governo do conservador
John Major onde a intenção era estimular empreendimentos conjuntos entre os
setores público e privado, consoante um contexto de implantação da agenda
liberal de Margareth Thatcher. Essa Private Finance Initiative foi definida como
um conjunto de ações que tinha por objetivo potencializar a participação do
setor privado na prestação de serviços públicos, agora voltada para a questão
da privação de liberdade.183
Consoante inferem Rocha e Horta, a Inglaterra foi um dos primeiros
países a concretizar esse modelo de gestão.
181
SILVA, Alessandra Priscila Moura; JUNIOR, Jorge J. de Araújo. Privatização pode ser a
solução para a decadência do sistema penitenciário? DireitoNet. 31/12/2003. disponível em:
http://www.direitonet.com.br/textos/x/52/55/525/ Acesso em 02 jul. 2012.
182
SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias público-privadas. 1ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2005, p.
50.
183
SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias público-privadas. 1ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2005, p.
50.
100
A Inglaterra foi um dos primeiros países a regular e colocar em
prática projetos de PPP. Hoje, a União Europeia destaca-se por sua
experiência na implementação de PPP´s em diversos setores,
especialmente os de transporte, educação, saúde e segurança
184
pública.
Assim, os setores ingleses que mais se utilizam desse modelo de gestão
em parcerias público-privadas são os de defesa, transporte, habitação,
educação, lazer, penitenciárias, saúde, meio ambiente e desenvolvimento
tecnológico. Ao fim 2003, a quantidade de projetos que possuíam o modelo das
Private Finance Initiative girava em torno de seiscentos, tendo um capital em
torno de 50 bilhões de Euros. O projeto individual mais importante na Inglaterra
foi a concepção da linha de trem que atravessa o Canal da Mancha (braço de
mar que é parte do Oceano Atlântico e que separa a ilha da Grã-Bretanha do
norte da França e une o Mar do Norte ao Atlântico), e dispendeu um valor de
mais de 4 bilhões de Euros.185
Ao término da década de 1980, o sistema penitenciário inglês atingiu um
quadro extremo de superlotação o que, somado ao alto custo de manutenção
daquele sistema, levou a Inglaterra a adotar um modelo prisional em parceria
com o setor privado. A escassez do número de vagas nas penitenciárias
inglesas foi um dos vários problemas enfrentados pela Inglaterra e País de
Gales, resolvido com o apoio da iniciativa privada. O governo inglês assinou
contratos com consórcios de empresas privadas para a construção de nove
complexos penitenciários. Atualmente, dos 138 presídios existentes na
Inglaterra, nove são estabelecimentos privados.
Com a assinatura de contratos com o governo Inglês, as empresas
privadas passaram a construir as penitenciárias e tiveram como retorno
financeiro o recebimento de valores do parceiro público por períodos,
geralmente, em torno de 25 anos. As penitenciárias privatizadas começaram a
184
ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias
público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev.
atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p. 66.
185
SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias público-privadas. 1ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2005, p.
57.
101
ser construídas em 1992. As empresas são responsáveis por todos os setores
do presídio, com exceção do transporte de presidiários para audiências
judiciais ou julgamentos. Esses transportes são efetivados por outras empresas
privadas de segurança, que não aquela responsável pelo sistema prisional. Os
guardas não usam armas, não há cercas elétricas nem guaritas. Nos anos de
1999 e 2000 não aconteceram fugas ou qualquer espécie de resgate no
sistema penitenciário de regime fechado. Os presídios são monitorados,
externa e internamente, por câmeras de TV móveis. Nas penitenciárias, entre o
alambrado e a muralha, existe no solo um sistema de alarme com fibras ópticas
que não permite ao preso a escavação de túneis.
Na configuração interna desses estabelecimentos prisionais, as celas
abrigam dois detentos na maioria dos presídios. Os apenados em situação
primária não são encarcerados na mesma cela que os detentos que possuem
situações de reincidência criminal.
A população carcerária da Inglaterra alcança 65 mil apenados, destes
mais de 15 mil condenados cumprem penas alternativas, as quais são
fiscalizadas, orientadas e supervisionadas por comissões específicas. Esses
estabelecimentos prisionais possuem dispositivos de segurança como
detectores de metais, sendo a revista pessoal feita em todas as autoridades
inclusive nos advogados (no Reino Unido apenas a Família Real está isenta da
revista pessoal ao entrar num presídio).186
As Private Finance Initiative voltadas para o setor penitenciário inglês
são diferentes do modelo norte–americano. Na versão inglesa o poder está
centralizado pelas ações estatais e o financiamento dos empreendimentos
pode se dar com o dinheiro arrecadado através de impostos ou de
empréstimos ao mercado, diferentemente do que acontece no modelo adotado
pelos Estados Unidos. Aqui as receitas utilizadas nos financiamentos para
construção de penitenciárias são financiadas com títulos públicos que
186
SILVA, Alessandra Priscila Moura; JUNIOR, Jorge J. de Araújo. Privatização pode ser a
solução para a decadência do sistema penitenciário? DireitoNet. 31/12/2003. Disponível em:
http://www.direitonet.com.br/textos/x/52/55/525/. Acessado em 02 set. 2012.
102
necessitam de aprovação legislativa para serem emitidos e possuem uma
limitação no que tange ao valor a ser empregado.187
3.1.2
A
experiência
de
parcerias
público-privadas
em
sistemas
penitenciários nos Estados Unidos
A experiência norte-americana em parcerias do Estado com o particular
remonta de uma época mais longínqua que a inglesa, não estando atrelada a
um projeto, mas originando-se de uma ocorrência natural, onde a
Administração Pública buscou, em diferentes níveis, com empresas privadas e
o
setor
não
lucrativo,
parcerias
na
prestação
de
serviços
sociais,
principalmente em nível local. Na prestação de serviços sociais, o Governo
americano é muito dependente da sua sociedade, pois esses serviços são, na
sua maioria, ofertados por terceiros que estão em situação de cooperação com
o setor público. Nos campos da educação e da saúde, a participação de
organizações não governamentais é bastante significativa, chegando a
responder, até o ano de 2005, por metade dos hospitais, escolas e
universidades do país e cerca de 60% das agências de serviços sociais, além
da
maior
parte
das
organizações
cívicas
e
organizações
não
governamentais.188
A ideia de privatização de prisões surgiu nos anos 80, no governo do
presidente Ronald Reagan. Pretendia livrar o setor público das despesas da
construção de penitenciárias e imprimir ao setor carcerário técnicas de gestão
empresarial que, por sua vez, garantissem a eficiência que o setor público era
incapaz de dar. De quebra, proporcionaria bons lucros para as empresas que
tocassem o negócio. Nos Estados Unidos, há cerca de 150 prisões de
administração privatizada em 28 Estados. A súmula 1981 da Suprema Corte
dos Estados Unidos determina que “não há obstáculo constitucional para
impedir a implantação de prisões privadas, cabendo a cada Estado avaliar as
187
SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias público-privadas. 1ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2005, p.
52.
188
59.
SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias público-privadas. 1ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2005, p.
103
vantagens advindas dessas experiências, em termos de qualidade e
segurança, nos domínios da execução penal”.189
Nos Estados Unidos, há mais de dois milhões de pessoas cumprindo
pena em presídios, sendo que mais de 400 mil trabalham neles.190
No dizer de Grabianowski, as prisões norte-americanas são divididas em
mínima, média e máxima quanto ao nível de segurança:
As prisões dos EUA são compostas de três níveis básicos de
segurança: máxima, média e mínima. As prisões de segurança
mínima frequentemente se parecem com acampamentos ou campus
de universidades. Elas são reservadas para infratores não violentos e
com fichas criminais relativamente limpas, ou para presos que
passaram a maior parte do tempo em uma prisão de segurança
máxima e apresentaram comportamento exemplar. Uma prisão de
segurança média restringe bastante os movimentos diários dos
internos, mas em vez de celas eles costumam ter dormitórios.
Normalmente, possui cercas farpadas em toda sua extensão. As
pessoas costumam pensar em prisões de segurança máxima quando
pensam em como seria a prisão. No entanto, apenas um quarto de
todos os presidiários dos Estados Unidos está em presídios de
segurança máxima. Esse tipo de prisão é reservada para infratores
violentos, para quem já fugiu (ou tentou fugir) ou para presos que
podem causar problemas em prisões de menor segurança. Elas são
rodeadas por muros altos e cercas farpadas. Guardas armados em
torres de observação atiram em qualquer um que tente "pular o
muro". Vamos descrever a vida em prisões de segurança máxima
191
mais detalhadamente na próxima seção.
De acordo com o Departamento de Justiça americano, a economia para
o governo com um presídio privado é de apenas 1% em relação a um presídio
mantido pelo Estado. Opositores da privatização também afirmam que os
administradores
das
cadeias
fazem
lobby
por
leis
mais
duras
e
encarceramentos mais longos. Entretanto, o principal ponto positivo do
exemplo americano é de que, quando a gestão é privada, a implantação de
189
MING, Celso. Prisões Privatizadas. Ministério do Planejamento. Disponível em:
http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=268654. Acesso em 27 ago. 2012.
190
Grabianowski, Ed. Como funcionam os presídios nos Estados Unidos. HowStuffWorks
Brasil. Disponível em: http://pessoas.hsw.uol.com.br/presidios.htm. Acesso em 29 ago. 2012.
191
Grabianowski, Ed. Como funcionam os presídios nos Estados Unidos. HowStuffWorks
Brasil. Disponível em: http://pessoas.hsw.uol.com.br/presidios.htm. Acesso em 29 ago. 2012.
104
novas unidades custa menos e é mais rápida. Uma unidade privada de 350
vagas é entregue em cinco meses a um custo de US$ 14 mil por vaga. Pela
mesma obra, o governo gasta quase o dobro, US$ 26 mil, e o prazo de entrega
é de dois anos. Trata-se de uma preciosa lição para países com déficit de
vagas.192
Antes de efetivada a privatização nos Estados Unidos, o marketing das
prisões privadas foi feito, por mais de 15 anos, com base nas premissas de que
os estabelecimentos prisionais privados poderiam fornecer serviços de alta
qualidade e a preços mais baixos.
Por sua vez, esse processo de privatização de quase 10% das cadeias
americanas é suspeito de engordar os lucros de empresários, pois há suspeitas
de que tenha se transformado em uma indústria de criar presos. Hoje, por
causa do lobby dessas empresas junto ao Congresso norte-americano para
alongar penas e tornar mais rígidas as punições aos delinquentes, o número de
presidiários supera os dois milhões, sendo que cerca de 80% desses
presidiários são pobres, negros ou latinos.
Nos Estados Unidos, de cada
quatro habitantes negros, um já foi preso.
Pelo trabalho que realizam, os presos recebem apenas US$ 0,28 por
hora, enquanto o salário-mínimo no país é superior a US$ 5 por hora. Boa
parte dessa diferença vai para o caixa das companhias. Dois estados, Texas e
Califórnia, concentram quase 40% das 160 cadeias privadas e já gastam com a
manutenção das prisões — incluindo as que administram diretamente — mais
do que aplicam em educação. No Texas, em 1980, cada preso custava US$ 13
por dia. Hoje, esse gasto chega a US$ 45. Na Califórnia, foram desembolsados
US$ 5,3 bilhões na última década para a construção e renovação de celas. No
total, os Estados Unidos dispendem aproximadamente US$ 40 bilhões por ano
192
SILVA, Alessandra Priscila Moura; JUNIOR, Jorge J. de Araújo. Privatização pode ser a
solução para a decadência do sistema penitenciário? DireitoNet. 31/12/2003. Disponível em:
http://www.direitonet.com.br/textos/x/52/55/525/. Acesso em 03 set. 2012.
105
para manter todos seus presídios, orçamento que tende a crescer por causa do
endurecimento das leis anti-drogas.193
A privatização dos presídios também criou distorções nesse mercado.
Apesar de 12 empresas estarem operando nos Estados Unidos, duas delas —
a Corrections Corporations of America (CCA) e a Wackenhut Corrections
Corporations — controlam dois terços das cadeias privadas do país. Juntas,
faturam quase US$ 900 milhões por ano e, com 110 presídios, têm sob seu
controle 103 mil presos.
Nos últimos anos, com a imagem de eficiência
vendida pelo governo americano, a CCA conseguiu contratos para administrar
prisões em Porto Rico, Grã-Bretanha e Austrália. Por conta dessa expansão,
nos últimos cinco anos, o valor de mercado dessa empresa passou de US$ 200
milhões para mais de US$ 1 bilhão na Bolsa de Valores de Nova York. Um
pouco menor que a CCA, porém mais lucrativa, a Wackenhut atua na GrãBretanha, África do Sul, Nova Zelândia, Curaçao e Canadá.194
Os Estados Unidos é o exemplo mais contundente do modelo de Estado
no qual há uma expansão do Estado penal em detrimento do Estado social,
com sua política de segurança pública guiada por uma cabeça liberal sobre um
corpo autoritário, o Estado-centauro. Desta forma, utiliza a estratégia de
contenção das classes consideradas “perigosas”, geradas pela exclusão social,
pelo trabalho precário, desemprego em massa e pela ausência do Estado na
proteção social, através da sua política de criminalização dos pobres,
acarretando um verdadeiro encarceramento em massa e, consequentemente, o
crescimento
da
população
carcerária
inédito
para
uma
sociedade
195
democrática.
193
NUNES, Vicente. As penitenciárias privadas norte-americanas são acusadas por
sindicalistas de usar os seus internos em trabalho escravo. Disponível em:
http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-05-13/mat_38088.htm. Acesso em 03 ago. 2012.
194
NUNES, Vicente. As penitenciárias privadas norte-americanas são acusadas por
sindicalistas de usar os seus internos em trabalho escravo. Disponível em:
http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-05-13/mat_38088.htm. Acesso em 03 ago. 2012.
195
WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de
Janeiro: Revan, 2003. p. 24-30.
106
Esta constatação é alarmante quando se verifica seu potencial de
mascarar outros dados significativos e que são capazes de passar a falsa
imagem de sucesso desta política, como o fato de que nos anos 90 o índice de
desemprego americano dos anos 90 ser inferior ao dos países europeus devido
a um elevado índice de encarceramento e não pelo dinamismo de sua
economia e sua não intervenção no mercado de trabalho, como atribuído por
alguns economistas.196 Este equívoco também é abordado por Christie ao
garantir que sem o auxílio da indústria de controle do crime o mercado de
trabalho não seria tão otimista, apontando ainda que enquanto os custos de
guerras externas caem, as despesas contra os inimigos internos crescem.197
O giro decididamente punitivo que tomaram as políticas penais nos
países avançados no final do século XX não pertence ao simples dito
“crime e castigo”. Anuncia ao estabelecimento de um novo governo
de inseguridade social, em sentido amplo de técnicas e
procedimentos destinados a estabelecer a conduta dos homens e das
mulheres atrapalhados pela turbulência da desregulação econômica a
conversão do bem estar em um trampolim de empenho precário, um
propósito organizacional dentro do qual o cárcere assume um papel
importante que se traduz para os grupos que residem nas zonas
inferiores do espaço social, na imposição de uma supervisão severa e
198
altiva.
O intervencionismo do Estado de caráter liberal e repressivo norteamericano encontra-se atualmente disseminado na Europa e na América
Latina, regiões em que a “tolerância zero” é amplamente defendida por
dirigentes políticos como solução para a violência criminal. O discurso da lei e
da ordem defende a aplicação inflexível da lei sobre delitos considerados
menores, como atentados aos costumes, embriaguez, mendicância e
comportamentos geralmente associados às condutas de pessoas desprovidas
de moradia, tendo ainda como alvo o subproletariado, com o objetivo de retirar
estas pessoas do espaço público para a comodidade daqueles cidadãos e
196
BECKETT, K.; HARDING, D.; WESTERN, B. Sistema penal e mercado de trabalho nos
Estados Unidos. In: BORDIEU, Pierre (Org.). De l’État social à l’État penal. Discursos
Sediciosos: crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 43.
197
CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime: a caminhos dos GULAGs em estilo
ocidental. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
198
WACQUANT, Loïc. Castigar a los pobres: El gobierno neoliberal de la inseguridad social.
Barcelona: Gedisa, 2009. p. 40-41.
107
consumidores. No entanto, tanto a mídia internacional e nacional quanto
políticos norte-americanos que atribuem a queda dos índices de criminalidade
na cidade de Nova York à aplicação da “tolerância zero” silenciam quanto ao
fato de que outras cidades sem esta política também diminuíram seus índices,
o que prova a ausência de relação com tal medida.199
Quando há algum incidente em penitenciária de segurança máxima, nos
Estados Unidos, o regime de tratamento dos internos é endurecido. Há, nas
prisões norte-americanas, locais próprios para esse tipo de tratamento.
Quando um incidente ocorre em prisões de segurança máxima, todos
os internos são presos em suas celas por vários dias, com
absolutamente nenhuma liberdade. Isso é chamado de lockdown.
Em 1983, dois guardas foram assassinados em incidentes que
aconteceram no mesmo dia em uma prisão federal em Marion,
Illinois. Essa prisão entrou em lockdown permanente. Desde então,
várias prisões foram construídas e funcionam em lockdown
permanente. Elas são conhecidas como prisões SuperMax. A maioria
das prisões de segurança máxima tem uma unidade de SuperMax,
em que os internos ficam presos permanentemente. É oficialmente
conhecida como Security Housing Unit (SHU) (Unidade de
Segurança), mas os presidiários a chamam simplesmente de "O
200
Buraco".
Assim, salienta-se que o aumento da população carcerária é devido à
alteração de atitude do poder público em relação à população pobre e não ao
aumento da criminalidade, já que os pobres passaram a ser considerados
como núcleo da criminalidade e aqueles que devem ser o objeto da moralidade
através do trabalho, quando este e sua precarização, na verdade, aliados à
ausência de políticas sociais causam o caos nas vidas das populares
marginalizadas. A destruição do Estado social aliada à desregulamentação da
economia são as responsáveis pela produção das desigualdades sociais que
por sua vez, na lógica norte-americana, exigem a ampliação do Estado penal
com vistas a normalizar o mercado do trabalho precário.201
199
WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
p. 26-29.
200
Grabianowski, Ed. Como funcionam os presídios nos Estados Unidos. HowStuffWorks
Brasil. Disponível em: http://pessoas.hsw.uol.com.br/presidios.htm. Acesso em 29 ago. 2012.
201
WACQUANT, Loïc. A ascensão do Estado penal nos EUA. In: BORDIEU, Pierre (Org.). De
l’État social à l’État penal. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 20.
108
Nos países em que as desigualdades sociais e a pobreza, além
daqueles em que a tradição democrática é frágil, os resultados desta política
punitiva são mais cruéis e sentidos com maior intensidade tanto econômica
quanto penalmente, salientando-se que nos países latino-americanos a
segurança pública tornou-se a principal bandeira de candidatos a cargos
públicos nos últimos anos, utilizando-se ainda a defesa da utilização de
suplícios202 em seus discursos de forma despudorada.203
Através destas defesas é possível verificar o discurso de Foucault no
tocante à “verdade nos seus efeitos de poder” e do “poder nos seus discursos
de verdade”, já que a mesma não existe fora do poder ou sem poder, sendo
produzida graças a diversas coerções e produzindo efeitos regulamentados de
poder.
Para o autor, cada “sociedade tem o seu regime de verdade, sua
política geral de verdade, isto é, os tipos de discursos que ela acolhe e faz
funcionar como verdadeiro [...] o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer
que funciona como verdadeiro”.204
3.1.3
A
experiência
de
parcerias
público-privadas
em
sistemas
penitenciários na França
O modelo francês do sistema de privatização prisional, apesar de ter
como inspiração o modelo americano, foi implantado com várias diferenciações
deste. No ano de 2004 o ministro da Justiça francês, Dominique Perben, lançou
editais prevendo uma série de licitações voltadas para o setor privado, com
vistas à construção de trinta estabelecimentos penitenciários até 2007, criando
assim, 13.200 novas vagas no complexo penitenciário francês. O projeto foi
orçado em 1,4 bilhão de euros, sendo que faziam parte desse complexo os
202
Eduardo Galeano expõe algumas destas defesas em eleições na Argentina e no Brasil: “[...]
na Argentina, [...] a candidata Norma Miralles proclama-se partidária da pena de morte, mas
com sofrimento prévio: ‘Matar um condenado é pouco, porque não sofre’. Pouco antes, o
prefeito do Rio de Janeiro, Luiz Paulo Conde, dissera que preferia a prisão perpétua ou os
trabalhos forçados, porque a pena de morte tem o inconveniente de ser ‘uma coisa muito
rápida’.” GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar. 6. ed. Porto Alegre: L&PM, 1999, p. 88.
203
GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Porto Alegre: L &PM,
1999. p. 88.
204
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. p.12.
109
grupos privados como Eiffage (ex-Fougerolles) e Bouygues. O setor designado
como "hotelaria" (restaurante, lavanderia, etc.) também estava voltado à
privatização.205
Desse modo, houve a implantação de um sistema de co-gestão ou
gestão compartilhada, onde o Estado e o grupo privado realizam um
gerenciamento e a administração conjuntos, de forma sintonizada, do
estabelecimento penitenciário objeto do contrato. Nesse sistema o Estado
indica o Diretor-Geral do presídio, a quem compete a comunicação e a
efetivação de entendimentos com o juízo da execução penal e, ainda, a
responsabilidade pela segurança interna e externa da penitenciária. A empresa
privada está responsável por promover, no estabelecimento penitenciário, a
educação, o trabalho, o lazer, o transporte, a assistência social, a alimentação,
a assistência jurídica, espiritual, e a saúde física e mental do apenado,
recebendo assim, do Estado, uma remuneração por preso/dia para a
persecução desses serviços. 206
Nesse contexto, as prisões tornaram-se um mercado atraente para
investidores dos grupos privados, posto que a população carcerária caminha
na direção do crescimento.
A política e o modo de vida liberal do norte americano traduzem-se em
crescentes recordes nesse sentido. Nos EUA, em 2003, a taxa de
encarceramento de era de 686 para 100.000 habitantes. Na Holanda, 93 para
100.000 habitantes; Na Grã-Bretanha, havia 135 detentos para 100.000
habitantes. Em Portugal esse nível era semelhante; na Itália, 100 para 100.000
habitantes; na Bélgica, 85 para 100.000 habitantes; na Espanha, chegava a
125 presidiários para 100.000 habitantes. Contudo na França essa proporção
esteja entre as mais baixas (99 para 100.000 habitantes em 2003), o número
de presos aumentou em 32% desde 1990. Em 1° de julho de 2003, esse
205
MING, Celso. Prisões Privatizadas. Ministério do Planejamento. Disponível em:
http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=268654. Acesso em 27 ago 2012.
206
ASSIS, Rafael Damasceno de. Privatização de Prisões e Adoção de Um Modelo de Gestão
Privada. Disponível em: http://www.trinolex.com/artigos_view.asp?icaso=artigos&id=3477.
Acesso em 02 set. 2012.
110
número era de 63.652, ou seja, 2.689 a mais que um ano antes, sem que tenha
havido aumento no número de vagas (48.600) em estabelecimentos prisionais.
Nunca a taxa média de ocupação foi tão alta: 128,3 %.207 Na França, 6% da
população carcerária está cumprindo pena em presídios terceirizados.208
3.2
Experiências
nacionais
em
modelos
de
gestão
penitenciária
compartilhada: Paraná, Ceará e Espírito Santo.
No Brasil, as experiências de participação social na gestão de
estabelecimentos
prisionais
estão
situadas
na
seara
dos
modelos
desenvolvidos sob o paradigma da gestão compartilhada.
A Gestão Compartilhada é um modelo de administração penitenciária no
qual cada parceiro mantém sua identidade institucional e programática dirigindo
pessoas, esforços e recursos para fins comuns e integrados. No tocante à
utilização desse tipo de sistema o Estado terceiriza alguns serviços ao parceiro
privado, tais como: fornecimento de refeições; aquisição de uniformes; serviços
de lavanderia, serviços médicos, odontológicos, psicológicos, de assessoria
jurídica, entre outros.209
Nesse sentido, as experiências nacionais estão em penitenciárias de
alguns estados brasileiros. São eles o Amazonas, Ceará, Bahia, Espírito Santo
e Santa Catarina (o Paraná, que foi o pioneiro na implantação desse modelo de
gestão, retomou totalmente a administração de seus presídios em 2005).
Por meio desse sistema de gestão, o Estado realiza um contrato, por um
período de um a cinco anos, com uma empresa privada que fica responsável
207
WACQUANT, Loïc. A Privatização Dos Presídios. Lê Monde. Tradução de Maria MarquesLloret. Disponível em: http://diplo.uol.com.br/2004-09,a989. Acesso em 12 ago. 2012.
208
PAUL, Gustavo. Para Enfrentar a Situação Caótica das Penitenciárias, a Saída é Diminuir o
Papel
do
Estado
no
Sistema.
Disponível
em:
http://contasabertas.uol.com.br/midia/detalhes_noticias.asp?auto=214. Acesso em 11 ago.
2012.
209
SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário
brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro. Acesso em 02 jul. 2012.
111
por toda administração interna de uma penitenciária, da cozinha aos agentes
penitenciários. O primeiro presídio gerido dessa forma foi o de Guarapuava, no
Paraná, em 1999.210
Até o ano de 2010, havia dezesseis penitenciárias que adotavam esse
modelo de gestão, perfazendo um total de 7.346 apenados albergados sob os
moldes da gestão compartilhada.211
3.2.1 O modelo de gestão penitenciária compartilhada no Paraná
O Paraná é o estado pioneiro em matéria de gestão compartilhada em
estabelecimentos penitenciários. A primeira penitenciária industrial do Brasil
destinada a presos masculinos condenados para o cumprimento de pena em
regime fechado foi inaugurada em 12 de novembro de 1999, no Município de
Guarapuava, distante 265 km de Curitiba. Possuía uma capacidade para
abrigar até 240 pessoas. A Penitenciária Industrial de Guarapuava foi
construída com recursos dos Governos Federal e Estadual. O custo total
incluindo projeto, obra e circuito de TV atingiu o de valor de R$ 5.323.360,00,
onde 80% do valor foram provenientes de Convênio com o Ministério da Justiça
e 20% vieram do Estado do Paraná.
A unidade foi concebida e projetada objetivando o cumprimento das
metas de ressocialização do interno e a interiorização das unidades penais
(preso próximo da família e local de origem), política esta adotada pelo governo
do estado do Paraná, que buscava oferecer novas alternativas para os
apenados, proporcionando-lhes profissionalização e trabalho, viabilizando,
além de melhores condições para sua reintegração à sociedade, o benefício da
remição da pena. O projeto arquitetônico do complexo penitenciário privilegiava
210
MEDINA OSÓRIO, Fábio; VIZZOTTO, Vinicius Diniz. Sistema Penitenciário e Parcerias
Público-Privadas:
Novos
Horizontes.
Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7643>. Acesso em 02 jul. 2012.
211
MEDINA OSÓRIO, Fábio; VIZZOTTO, Vinicius Diniz. Sistema Penitenciário e Parcerias
Público-Privadas:
Novos
Horizontes.
Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7643>. Acesso em 02 jul. 2012.
112
uma área para indústria em torno de 1.800m². Na penitenciária, no barracão da
fábrica trabalhavam 70% dos internos da unidade, perfazendo 3 turnos de 6
horas cada e recebendo como pagamento pelo labor a renumeração de 75%
do salário-mínimo; os outros 25%do valor salarial eram repassados ao Fundo
Penitenciário do Paraná, como taxa de administração, revertendo então esses
recursos para melhoria das condições de vida do preso. Esse complexo
penitenciário dispunha de um sistema de monitoramento dos setores, por meio
de circuito fechado de vídeo o qual permitia a observação da movimentação
dos presos no interior da unidade e, na parte externa, no acesso de veículos e
pessoas.
Contava,
também,
com
portões
automatizados,
quadrantes
suspensos, sistemas detectores de metais e sistemas de rádios.212
Os apenados que não estavam lotados no campo de trabalho da fábrica
existente naquela unidade prisional trabalhavam em outros canteiros, tais
como: faxina, cozinha, lavanderia e embalagens de produtos. Todos recebiam
a remuneração de 75% do valor do salário-mínimo e o benefício da remição de
pena (1 dia remido a cada 3 dias trabalhados). Os canteiros de trabalho
funcionavam em 3 turnos de 6 horas, possibilitando que todo o tratamento
penal rotineiro (atendimento jurídico, médico, psicológico, odontológico, serviço
social, escola e atividade recreativa) fosse executado no horário em que o
interno não estivesse trabalhando.213
Esse modelo de sistema de gestão compartilhada, que é diferente do
sistema das parcerias público-privadas prisionais, iniciou-se no ano de 1999,
quando então o governo do estado do Paraná concedeu à empresa Humanitas
Administração Prisional S/C o contrato de co-gestão. A empresa tinha por
responsabilidade o fornecimento de alimentação, das necessidades rotineiras
no âmbito penitenciário, e de assistência médica, psicológica e jurídica dos
presidiários, ficando o governo daquele estado com os encargos da nomeação
212
MEDINA OSÓRIO, Fábio; VIZZOTTO, Vinicius Diniz. Sistema Penitenciário e Parcerias
Público-Privadas:
Novos
Horizontes.
Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7643>. Acesso em 02 jul. 2012.
213
Departamento
Penitenciário
do
Paraná.
Disponível
em:
http://www.depen.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=36. Acesso em 03 set.
2012.
113
do diretor, do vice-diretor e do diretor de disciplina do estabelecimento, tendo
estes a tarefa de supervisionar a qualidade de trabalho da empresa contratada
bem como do cumprimento da Lei de Execuções Penais. O estado do Paraná,
durante o período de vigência do contrato com a empresa Humanitas (2005),
arcava com o pagamento mensal equivalente a R$ 1.200,00 (mil e duzentos
reais) por preso.214
Parcela significativa – maioria - dos presidiários que cumpriam pena na
penitenciária Guarapuava, no ano de 2005, havia praticado delitos de maior
potencial ofensivo, como homicídio (35% do total), latrocínio (20% do total),
tráfico de entorpecentes (21% do total) e estupro (15% do total). Dos apenados
que ingressavam no estabelecimento criminal, 181 presos (cento e oitenta e
um) eram primários, e 58 reclusos (cinquenta e oito) eram classificados como
reincidentes criminais. A média de idade concentrava-se entre 21 e 35 anos,
abarcando 145 (cento e quarenta e cinco) detentos (60% do total).215
Esse modelo de gestão penitenciária, então, estendeu-se para a Casa
de Custódia de Curitiba, a Casa de Custódia de Londrina, a prisão de
Piraquara e a prisão de Foz do Iguaçu, todos no Paraná. Entretanto, o governo
paranaense finalizou os contratos de co-gestão dos serviços nos presídios do
Estado no ano de 2005, durante o governado Roberto Requião.
Ainda, quanto à questão de reincidência criminal, destaca-se que com os
egressos do presídio de Guarapuava - em 2005 – essa taxa era de 6%216. Em
214
SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário
brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro. Acesso em 02 jul. 2012.
215
MEDINA OSÓRIO, Fábio; VIZZOTTO, Vinicius Diniz. Sistema Penitenciário e Parcerias
Público-Privadas:
Novos
Horizontes.
Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7643>. Acesso em 03 set. 2012.
216
MEDINA OSÓRIO, Fábio; VIZZOTTO, Vinicius Diniz. Sistema Penitenciário e Parcerias
Público-Privadas:
Novos
Horizontes.
Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7643>. Acesso em 03 set. 2012.
114
Maringá, no mesmo Estado, tal índice alcançava 30%. A média nacional de
reincidência criminal, em 2011, era da ordem de 70%.217
3.2.2 O modelo de gestão penitenciária compartilhada no Ceará
A gestão compartilhada em presídios cearenses iniciou-se ao fim do ano
de 2000, quando o governo do Estado adotou esse modelo na Penitenciária
Industrial Regional do Cariri, no município de Juazeiro do Norte. Destinada aos
presos
do
regime
fechado,
a
PIRC
possuía
capacidade
para
549
presidiários.218
Na descrição desse complexo prisional, que tem uma área de 15.000
m2, possui 66 celas coletivas para cinco presos cada uma e 117 celas para
dois presos cada. Tem ainda 12 “quartos de convivência familiar”; sala de
controle por 64 câmaras de circuito interno; cercas eletrificadas (com ouriços e
sensores de movimento) sobre muralhas de 7m de altura; 17 guaritas; cozinha
industrial; auditório com salão de artes e eventos; cinco quadras poliesportivas;
cabines telefônicas, campo de futebol; painéis, orações e mensagens bíblicas
abertos em paredes; fábricas de velas, calçados e bijuteiras e uma padaria, 4
salas de aula, biblioteca e administração, lanchonete, consultórios médicoodontológicos, enfermaria, farmácia, lavanderia, 5 refeitórios para detentos e 4
para a administração.219
No ano de 2001 começou a funcionar, naquela penitenciária, um Núcleo
de Ressocialização naquela penitenciária com o fim de preparar o preso para
enfrentar a discriminação ou as reservas da população com ex-presidiários.
217
VALOR ECONÔMICO. Índice de reincidência criminal no país é de 70%, diz Peluso.
Disponível em http://www.valor.com.br/legislacao/998962/indice-de-reincidencia-criminal-nopais-e-de-70-diz-peluso. Acesso em 03 set. 2012.
218
Secretaria
de
Justiça
e
Cidadania
do
Ceará;
disponível
em:
http://www.sejus.ce.gov.br/index.php?cdP=1&cdS=28. Acesso em 10 ago. 2012.
219
MEDINA OSÓRIO, Fábio; VIZZOTTO, Vinicius Diniz. Sistema Penitenciário e Parcerias
Público-Privadas:
Novos
Horizontes.
Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7643>. Acesso em 02 jul. 2012.
115
Para tanto, além do trabalho, dos exercícios físicos e da recreação, o preso
recebia aulas e palestras de psicólogos.220
Essa parceria em gestão compartilhada foi efetivada com a Companhia
Nacional de Administração Prisional (CONAP). A empresa realizava a
contratação de recursos humanos necessários para o pleno desenvolvimento
da Penitenciária Industrial do Cariri.
Quanto à execução penal frente aos presidiários, a paenitenciária
permanece sob o albergue estatal, consoante afirmação do juiz da execução
penal da Comarca de Juazeiro do Norte, José Josival da Silva:
[...] nossa penitenciária é terceirizada. Então, essa
limpeza, alimentação e outros serviços que englobam
atividade-meio, é uma empresa que cuida. A parte
administração da pena, à execução mesma da pena,
221
competência.
questão de
a chamada
referente à
é da nossa
O então diretor de recursos humanos da CONAP, Sr. Marcos Prado,
afirmava que execução penal na Penitenciaria do Cariri estava completamente
voltada à ressocialização do preso:
[...] você não pode comparar o que estamos fazendo aqui com uma
simples detenção, uma simples cadeia. Aqui existe toda uma
infraestrutura visando ao atendimento da lei de execução penal, e
obviamente, à ressocialização do preso. O nosso maior desafio é
provar tanto para o governo quanto para a sociedade, que essa
222
experiência dá certo.
220
Dados colhidos no site: JUAZEIRO PORTAL DO NORDESTE; disponível em
http://www.juazeiro.com.br/juace/hoje.htm. Acesso em 11 ago. 2012.
221
SILVA, Cosmo Sobral da; BEZERRA, Everaldo Batista. A Terceirização de Presídios a Partir
do
Estudo
de
Uma
Penitenciária
do
Ceará.
Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6541>. Acesso em: 17 set. 2012.
222
SILVA, Cosmo Sobral da; BEZERRA, Everaldo Batista. A Terceirização de Presídios a
Partir
do
Estudo
de
Uma
Penitenciária
do
Ceará.
Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6541>. Acesso em: 17 set. 2012.
116
Quanto à questão da remição penal, a CONAP, empresa administradora
do presídio, e algumas empresas da região efetivaram parcerias no sentido de
promover o trabalho aos internos. Nas palavras do próprio juiz José Josival:
"[...] a importância central aqui é recuperar o homem pelo trabalho”.223
Nessa penitenciária, através de parceria com a empresa Criativa Joias,
150 presidiários fabricam folheados, com uma produção de 250 mil peças/mês.
Cada preso recebe cerca de 75% do salário mínimo por mês e redução da
pena.224
No tocante à individualização da pena, os serviços de assistência
psicológica, de orientação social e sexual, tanto ao interno quanto ao egresso,
são efetuados por um quadro de funcionários próprio da CONAP. Já a
assistência jurídica é prestada na PIRC por um quadro composto por 04
(quatro) advogados contratados e auxiliados por estagiários que prestam a
referidas assistência aos internos que não possuem defensores. A assistência
religiosa, concebida como o direito de acesso à religião, é efetivada através de
diferentes cultos religiosos. No que se refere à saúde dos presos, o
atendimento é prestado por uma equipe composta por um médico, um
psiquiatra, dois psicólogos, um dentista, dois enfermeiros e três assistentes
sociais. A infraestrutura física é dotada de um núcleo de saúde, em que são
prestados atendimentos ambulatoriais, uma enfermaria e um centro cirúrgico
no qual são feitos procedimentos cirúrgicos de baixa e média complexidade. A
assistência educacional do preso se dá através de uma escola de ensino
fundamental e médio na qual os internos recebem a instrução escolar. No
tocante à superlotação penitenciária, ressalta-se que a PIRC não possui esse
grave problema, sendo que a lotação máxima alcançada foi de 520 internos
223
SILVA, Cosmo Sobral da; BEZERRA, Everaldo Batista. A Terceirização de Presídios a Partir
do
Estudo
de
Uma
Penitenciária
do
Ceará.
Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6541>. Acesso em: 17 set. 2012.
224
Dados
do
site
Agência
SEBRAE
de
Notícias;
disponível
em
http://asn.interjornal.com.br/noticia.kmf?noticia=1621368&canal=40&assunto=abelha&tipo_ass
unto=2&ignora_acentos=1. Acesso em 13 set. 2012.
117
(dados de 2005). Ainda com relação à assistência ao egresso, uma equipe de
assistentes sociais dos quadros da própria CONAP realiza esse trabalho.225
No ano de 2002, com apoio do Ministério da Justiça, o governo do Ceará
levou adiante a política de terceirização dos estabelecimentos penais,
inaugurando a Penitenciária Industrial Regional de Sobral – PIRS e o Instituto
Presídio Professor Olavo Oliveira II.
À administradora (Companhia Nacional de Administração Prisional CONAP) cabe prover a alimentação, a manutenção e limpeza, vestuário e
material de higiene para os presos. É ainda responsável pelo pessoal da área
de segurança nas atividades de monitoramento das áreas de vivência, bem
como o atendimento médico, odontológico, psicológico, social e jurídico. A
supervisão das rotinas internas das oficinas de trabalho e as atividades de
educação física dos detentos são igualmente atribuições da empresa
administradora.226
No ano de 2007 o Ministério Público Federal contestou a privatização
dos presídios no Ceará - Penitenciária Industrial Regional do Cariri (PIRC),
Penitenciária Industrial Regional de Sobral (PIRS) e Instituto Presídio Professor
Olavo Oliveira II (IPPOO II). Para o MPF, o sistema de privatização das
penitenciárias no Ceará teria ocorrido com dispensas de licitação sucessivas e
elevadíssimos custos para o erário, de contratos de terceirização ou co-gestão
prisional, sem qualquer respaldo legal. O custo médio por preso administrado
pela CONAP era de R$ 920,00, entretanto, nos outros dez presídios cearenses
esse valor ficava em R$ 650,00.227 Todavia, em 2010 o Tribunal Regional
225
SILVA, Cosmo Sobral da; BEZERRA, Everaldo Batista. A terceirização de presídios a partir
do
estudo
de
uma
penitenciária
do
Ceará.
Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6541>. Acesso em 03 set. 2012.
226
Governo do Estado do Ceará. Governo Inaugura Novo Presídio. Disponível em:
http://www25.ceara.gov.br/noticias/noticias_detalhes.asp?nCodigoNoticia=7259. Acesso em 08
set. 2012.
227
Procuradoria da República no Ceará. Ação MPF/CE questiona privatização dos presídios no
estado. Disponível em:
http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/geral/mpf-ce-acao-contra-privatizacao-dospresidios-sera-intensificada-com-completa-investigacao/. Acesso 03 set. 2012.
118
Federal da 5ª Região decidiu, por unanimidade, conhecer do agravo de
instrumento interposto pelo Estado do Ceará, e reconhecer a ilegitimidade ativa
do MPF e da OAB/CE para a causa e a incompetência da Justiça Federal para
conhecimento da mesma, indeferindo a petição inicial daquela ação civil
pública.
3.2.3 O modelo de gestão penitenciária compartilhada no Espírito Santo
O modelo de gestão compartilhada prisional, no estado do Espírito
Santo, foi implantado com o governo estadual em duas penitenciarias, a
Penitenciária de Segurança Máxima (PSMA) localizada no município de Viana
e a Penitenciária de Segurança Média de Colatina, em Colatina.
No ano de 2005 foi inaugurada a penitenciária de Colatina, com
capacidade para 300 vagas (24 para a ala feminina). O governo estadual
realizou uma parceria com o Instituto Nacional de Administração Prisional Ltda
(INAP). A empresa privada, além de arcar com os custos para aquisição,
instalação e manutenção de equipamentos de segurança, uniformes (agentes,
internos e funcionários), roupas de cama, colchões, kits de higiene para os
presidiários, alimentação e serviços de apoio à cozinha, instalação de uma
estrutura para atendimento médico, odontológico e enfermaria, proporcionava,
ainda, trabalho e educação para os presidiários.
A empresa contratada oferece aos internos serviços ocupacionais,
mantendo um setor de seleção e ocupação, sob supervisão da direção da
penitenciária, com as atribuições de selecionar os internos para as atividades
nos canteiros de trabalho, elaboração de relatórios de frequência dos internos
ao trabalho, para fins de remuneração e emissão de atestado de trabalho para
remição da pena. O presídio dispõe de mais 06 salas específicas para o
desenvolvimento de atividades voltadas para o trabalho dos internos. Além do
trabalho, a empresa mantém salas específicas para estudos dos presos.
Nestes locais, os internos frequentam aulas do ensino básico e fundamental. E
119
todas as alas do presídio são monitoradas por um sistema de câmaras,
inclusive na portaria.228
Em 2006, a penitenciária de Colatina teve um foco de rebelião em uma
de suas alas (cerca de 53 internos) devido à reivindicação dos presos contra a
proibição da entrada de malotes na penitenciária. O presídio não estava
superlotado (possuía cerca de 300 presos) e possuía todas as assistências
necessárias garantidas, incluindo quatro alimentações diárias e atendimentos
médicos. A reivindicação dos presos não foi atendida e, após 11 horas de
protesto, a penitenciária voltou à normalidade.229
A Penitenciária de Segurança Máxima, localizada no município de Viana,
também adotou, em 2007, o sistema de Gestão compartilhada com o Instituto
Nacional de Administração Prisional Ltda (INAP). Com capacidade para 500
vagas, foi totalmente reformada com recursos próprios do Estado, com gastos
no valor de R$ 6,7 milhões, no início do ano passado. A PSMA conta com
circuito interno de TV com 64 câmeras, espaços e salas para a administração,
alojamento para agentes, ambulatório com consultório médico, psicológico e
atendimento odontológico, pessoal técnico da unidade e área de segurança,
quatro salas para fins pedagógicos e educacionais, uma sala de múltiplo uso e
uma biblioteca, salas para assistência social e jurídica, defensoria pública e
assistência psicológica, além de áreas de visitas para familiares e seis quartos
para encontros íntimos cada ala.230
228
Assessoria de Comunicação da Secretaria de Estado da Justiça. Trabalho e Educação para
Internos
da
Nova
Penitenciária
de
Colatina.
Disponível
em:http://www.es.gov.br/site/noticias/show.aspx?noticiaId=99647500. Acesso em 02 set. 2012.
229
SANTOS, Jorge Amaral dos. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário
brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13521/as-parcerias-publico-privadas-nosistema-penitenciario-brasileiro. Acesso em 02 jul. 2012.
230
Governo do Espírito Santo. Ministro da Justiça visita novas unidades do Complexo
Penitenciário
de
Viana.
Disponível
em:
http://www.es.gov.br/site/noticias/show.aspx?noticiaId=99666035. Acesso em 10 set. 2012.
120
3.3 O Complexo Penitenciário de Itaquitinga-PE
Em 2004, foi publicada a Lei federal n.º 11.079231, que instituiu as
normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no
âmbito da Administração Pública. Essa Lei prevê duas modalidades de
concessão: a patrocinada e a administrativa. No modelo de concessão
administrativa tem-se a possibilidade de empreendimentos no campo
penitenciário, fazendo com que os estados de Pernambuco e Minas Gerais
iniciassem processos visando à concretização de projetos prisionais.
Atualmente ainda não se tem concretizada nenhuma experiência de
contrato de gestão de presídios nos moldes da lei das parcerias públicoprivadas, porém, Minas Gerais (que, em 2008, colocou em consulta pública a
PPP de uma prisão para 3 mil detentos, orçada em 200 milhões de reais) e
Pernambuco (que submeteu à consulta pública uma PPP visando a construção
e gestão de um Centro Integrado de Ressocialização) já estão na fase final dos
projetos.232
3.3.1 O projeto do Complexo Penitenciário de Itaquitinga-PE
Em 11 de janeiro de 2008, o estado de Pernambuco colocou em
consulta pública um projeto para a construção de um presídio por meio de
parceria público-privada (PPP).
231
Ao final de dezembro de 2004, após amplos debates, inclusive em virtude de que vários
estados já haviam normatizado o assunto, o Congresso Nacional aprovou a Lei das PPPs. O
processo legislativo só deslanchou quando o próprio governo viabilizou apresentação de um
novo texto, no âmbito da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Aí, o assunto foi
rapidamente votado no Senado e na Câmara dos Deputados, e surgiu, em 30.12.2004, a lei
das PPPs. SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: Parcerias
público-privadas. Coordenador Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros Editores. 2005.p.16.
232
AZEVEDO
Sette;
Primeiro
passo
para
parcerias.
disponível
em:
http://www.azevedosette.com.br/ppp/noticias/2008-01-17_05.html Acesso em 10 ago 2012.
121
O objetivo é a exploração, precedida da execução de obras, do Centro
Integrado de Ressocialização de Itaquitinga – CIR ITAQUITINGA. O valor a ser
gasto será de R$ 287,4 milhões.233
O Centro terá capacidade para 3.126 internos, sendo composto por duas
unidades para regime semiaberto com 600 internos cada uma e três unidades
para regime fechado com 642 internos cada.
O prazo para exploração da
parceria público-privada será de 33 anos, onde 3 anos serão utilizados para a
construção da obra e os 30 anos restantes para explorar os serviços. Admitese prorrogação do prazo, respeitado o limite legal de 35 anos. Os integrantes
da parceria público-privada são o Consórcio Reintegra Brasil, formado pelas
empresas
Advance
Construções
e
Participações
Ltda.
e
Yumatã
Empreendimentos e Serviços de Manutenção Ltda.
O tipo de contrato administrativo será por Concessão Administrativa.
Quanto à alocação dos riscos, o parceiro privado é responsável, por exemplo,
pelos riscos operacionais e financeiros, enquanto o parceiro público responde
pelos riscos políticos e regulatórios, sendo compartilhados os riscos de caso
fortuito e força maior, entre outros.
A contraprestação pecuniária, neste
contrato, foi batizada de “CCR – Contraprestação da Concedente para
Ressocialização”, devendo a mesma ser proporcional ao desempenho do
Parceiro Privado, conforme aferido pela nota do QID – Quadro de Indicadores
de Desempenho.
O Centro Integrado de Ressocialização de Itaquitinga será construído no
município de Itaquitinga, localizado na Zona da Mata, norte do estado de
Pernambuco, numa área de 98 hectares, localizada a 16,7 quilômetros do
centro urbano de Itaquitinga e a 18,0 quilômetros do centro urbano de
Araçoiaba. O projeto contempla módulos com funcionamento independente, de
modo a otimizar os trabalhos técnicos e permitir a classificação dos internos e
233
ROCHA, Gustavo Eugenio Maciel; HORTA, João Carlos Mascarenhas. PPP. Parcerias
público-privadas. Guia legal para empresários, executivos e agentes do governo. 3ª ed. rev.
atual. Belo Horizonte: Editora Prax. 2010. p. 66.
122
individualização da pena em função do perfil criminológico e do regime de
atividades a que serão submetidos, observando-se a Lei de Execução Penal.
No projeto está prevista a construção de cinco salas exclusivas para
visitas íntimas, um parlatório (recinto onde o preso se comunica por telefones),
padaria, capacitação profissional, além de contar com moderno sistema de
segurança (com uso de raio "X" e várias áreas de revista). Ainda, haverá uma
câmera de vídeo para cada três detentos, sendo mais de mil câmeras
distribuídas por todo o Centro. Alambrados de 5 metros de altura, cães de
guarda e sensores de movimento. Todo o sistema de construção da unidade foi
realizado visando a não recepção de sinais de telefone celular. Segundo o
secretário de ressocialização, a nova unidade cumpre todos os requisitos da
Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984).234
Cada preso terá um custo de, aproximadamente, R$ 2,4 mil por mês.
Atualmente os gastos estaduais com apenados giram em torno de R$ 1,4 mil
por preso/mês.235 Todavia, há que se raciocinar no sentido de que, no caso da
penitenciária pública, não raro há casos de superlotação prisional, falta de
serviços básicos como assistência médica, educação, trabalho, assistência
jurídica e outros. Assim, verifica-se que a contabilização do valor gasto pelo
estado por preso/mês pode estar contaminada pela não efetivação daqueles
gastos necessários e que, no caso do serviço a ser prestado pelo parceiro
privado, os valores estão computados.
O Centro Integrado de Ressocialização de Itaquitinga contará com
cozinha, lavanderia, padaria, canil e granja, ocupando uma área de 100
hectares, num terreno da Usina São José. Todas as unidades do complexo irão
funcionar independentes. O apenado será individualizado de acordo com a
234
Instalações do Centro Integrado de Ressocialização (CIR) de Itaquitinga. Reportagem
exibida na última sexta-feira (03 ago. 2012) pelo programa Plantão 190 da TV Jornal
acompanha ritmo das obras e futuras instalações do Centro Integrado de Ressocialização
(CIR) de Itaquitinga, na Zona da Mata Norte de Pernambuco. Disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=5uk8Rxuttjk. Acesso em 18 set. 2012.
235
Secretaria do Planejamento e Gestão de Pernambuco. Itaquitinga Vai Abrigar Presídio
Disponível em: http://www.ppp.seplan.pe.gov.br/noticias.php?id=36. Acesso em 09 set. 2012.
123
pena e o perfil criminológico atendendo a Lei de Execução Penal (LEP). O
Centro terá apenas dois tipos de cela: individual e coletiva, no máximo, com
quatro presos, devendo receber os detentos dos três presídios existentes na
Ilha de Itamaracá.
De acordo com Bompastor, gerente-geral de PPP da Secretaria de
Planejamento do Estado, "escolhemos o sistema de PPP por saber que o
Estado não tem recursos para construir um presídio".236
Conforme a minuta do contrato administrativo prevista no edital de
abertura da licitação, caberá à concessionária, entre outros compromissos,
dotar a unidade prisional dos seguintes profissionais: advogado, assistente
social, médico clínico, médico psiquiatra, psicólogo, terapeuta educacional,
odontólogo, enfermeiro, professores de educação física, ensino fundamental e
ensino médio e instrutor de informática. O objetivo é a prestação de serviços
assistenciais à população carcerária, tendo por fim harmonizar a convivência
entre os internos e o seu futuro retorno à sociedade, proporcionando as
condições físicas e psicológicas para o cumprimento da pena que lhes foi
imposta, através da assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social
e religiosa.237
Os cargos de diretor geral, diretor adjunto e coordenador de segurança e
disciplina serão ocupados por servidores públicos do Estado de Pernambuco.
Ao diretor geral caberá, entre outras responsabilidades, a de garantir a
vedação contratual à ultrapassagem do limite nominal de capacidade do Centro
de Integração de Ressocialização de 3.126 internos, o limite de cada unidade
de regime fechado de 642 internos e o limite de cada unidade de regime
semiaberto de 600 internos. Desse modo, de pronto verifica-se que, em caso
236
Secretaria do Planejamento e Gestão de Pernambuco. Itaquitinga Vai Abrigar Presídio
Disponível em: http://www.ppp.seplan.pe.gov.br/noticias.php?id=36. Acesso em 09 set. 2012.
237
Governo de Pernambuco. Minuta de edital de contrato de Parceria Público-Privada.
Disponível em: http://www.ppp.seplan.pe.gov.br/comunicados_oficiais.php?menus=4. Acesso
em 06 set. 2012.
124
de superlotação de celas, a responsabilidade direta está vinculada ao diretor
geral do estabelecimento.
À polícia militar do estado de Pernambuco caberá a função de
manutenção dos serviços de policiamento e vigilância externa na unidade
prisional, nos vários postos de segurança, bem como o acompanhamento em
escoltas para hospitais, fórum e outros locais, dentro e fora dos limites do
município, e ainda a intervenção na área interna das unidades, neste último
caso, por solicitação da direção geral da penitenciária.
O projeto de ressocialização, de responsabilidade da concessionária,
englobará os procedimentos para reinserção dos internos à sociedade,
descrevendo os projetos que deverão ser implantados com o propósito de
possibilitar a educação e a qualificação profissional, bem como a possibilidade
de trabalho e sua respectiva remuneração e também o resgate da cidadania.
A concessionária, observado o disposto em legislação de execução
penal e correlata, e sob a supervisão, coordenação e fiscalização da direção da
unidade, será responsável pela seleção, alocação e/ou retirada dos
sentenciados aos/dos postos de trabalho e, entre outras responsabilidades, a
supervisão dos sentenciados em regime semiaberto durante a realização de
trabalho externo.
Será possível haver, consoante o previsto no contrato de concessão,
duas configurações para o trabalho dos sentenciados, sendo que em ambas a
tomadora do trabalho não poderá ser a própria concessionária, quais sejam:
- trabalho preferencialmente de natureza industrial, rural ou agrícola e de
serviços, cujo tomador seja uma pessoa jurídica terceira, formalizada por meio
de instrumento jurídico hábil entre o contratante e o tomador, sendo necessária
prévia anuência da Concessionária que figurará com interveniente-anuente. O
tomador poderá ser órgão ou ente da esfera pública;
125
- trabalho referente a serviços gerais e de manutenção da Unidade.
Quanto à remuneração da concessionária, verifica-se que o “quadro de
indicadores de desempenho” influencia diretamente nos valores a serem
pagos.
Assim, conforme os critérios de gestão pré-estabelecidos em contrato,
quanto mais pontos (de 0 a 100) tiver o “desempenho” da concessionária,
maior será o valor mensal a ser recebido por ela, quanto menos pontos, menor
o valor. Citamos um exemplo: no atendimento do serviço social há previsão de
atendimento de 13% dos presidiários/mês, no atendimento médico, 6,5% dos
internos/mês, serviço de advocacia 13% dos internos por mês, se cumpridas
essa metas a concessionária terá 2 pontos positivos em cada uma. Caso
ocorra fuga de internos (nível de tolerância máxima de 1 fuga/semestre), ou
rebelião (nível de tolerância máxima 1/ano) serão computados 10 pontos
negativos. Isso se dá em todos os setores do programa de reintegração
(serviço social, psicologia, advocacia, educacional, lazer, saúde, odontologia,
etc...); do programa de alimentação; de higiene do recinto; das normas para
internos; da sociedade; dos funcionários; e das instalações físicas e instalações
de segurança.238
Ainda, caso seja aferido que a concessionária apresentou NQID (nota do
quadro de indicadores de desempenho) abaixo de 07 (sete) e não sanar todos
os problemas de qualidade encontrados, terá uma redução de 5% na
contraprestação do governo, até que volte a apresentar nota superior a 7
(sete).239
Além do fator financeiro, outro fator relevante que integra a punibilidade
do parceiro privado (em caso de má gestão do presídio) é se for declarada a
238
Governo de Pernambuco. Minuta de edital de contrato de Parceria Público-Privada.
Disponível em: http://www.ppp.seplan.pe.gov.br/comunicados_oficiais.php?menus=4. Acesso
em 27 ago. 2012.
239
Governo de Pernambuco. Minuta de edital de contrato de Parceria Público-Privada.
Disponível em: http://www.ppp.seplan.pe.gov.br/comunicados_oficiais.php?menus=4. Acesso
em 27 ago. 2012.
126
caducidade da concessão administrativa. Esta caducidade pode acontecer
quando houver, entre outras ocorrências: serviço prestado inadequada ou
deficientemente (de acordo com o Quando de Indicadores de Desempenho);
reiterada oposição ao exercício da fiscalização, não acatamento de
determinações ou sistemática desobediência às normas de operação; se a
concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos prazos
estabelecidos;
se
obtiver
notas
de
desempenho
que
caracterizem
“desempenho geral nulo” na prestação do serviço, por 2 (dois) trimestres
consecutivos, em virtude do descumprimento das metas estabelecidas no
Quadro de Indicadores de Desempenho. Se a concessionária, no prazo que lhe
for fixado pelo governo, não corrigir as falhas e transgressões apontadas, este
instaurará
o
competente
processo
administrativo
para
configurar
a
inadimplência da concessionária e, consequentemente, a retomada da
administração prisional.240
Dessa forma, percebe-se que a Administração Pública estará equipada
com ferramentas eficazes para o fiel cumprimento das obrigações contratuais
por parte do parceiro privado, tanto no campo financeiro (onde quanto melhor
for o desempenho da concessionária maior será o seu retorno financeiro)
quanto no campo administrativo (em caso de má gestão do contrato, pela
concessionária, poderá ser declarada a caducidade do contrato e a
consequente retomada do serviço pelo parceiro público). Essas ferramentas
(cláusulas contratuais que penalizam o parceiro privado em caso de não
cumprimento de suas obrigações) não só estarão à disposição da
Administração
Pública
como
também
de
outros
personagens,
como
representantes da sociedade civil organizada, Ministério Público, Defensor
específico do apenado e o próprio presidiário em questão.
240
Governo de Pernambuco. Minuta de edital de contrato de Parceria Público-Privada.
Disponível em: http://www.ppp.seplan.pe.gov.br/comunicados_oficiais.php?menus=4. Acesso
em 27 ago. 2012.
127
3.3.2 Os primeiros efeitos do projeto Complexo Penitenciário de
Itaquitinga-PE e a implantação desse modelo por outros estados
A concretização da obra do Complexo Penitenciário de Itaquitinga
emprega, entre outras, a mão de obra de aproximadamente 2000 operários. 241
Consoante o cronograma de execução da obra, previsto em contrato242, o
prazo para a conclusão do projeto era outubro de 2012. Entretanto, em virtude
de parcial paralização dos operários, haja vista questões trabalhistas, o
Governo pernambucano flexibilizou esse prazo.243
Em agosto de 2012, a prefeitura municipal de Itaquitinga veiculou a
oferta de vagas de emprego, nas mais diversas áreas, para o Centro Integrado
de Ressocialização, onde são oferecidos em torno de 949 empregos diretos:
CONFIRA AS VAGAS DE EMPREGO OFERECIDAS PELO CIR: Está
aberto o cadastramento de profissionais que estão interessados em
trabalhar no Centro Integrado de Ressocialização – CIR. O processo
de cadastramento será feito somente através da internet, para
interessados de Itaquitinga e cidades vizinhas. [..] AUXILIAR DE
ENFERMAGEM – 20 Vagas; ALMOXARIFE – 5 Vagas;
ARQUIVISTA/CRV – 5 Vagas; ASSISTENTE ADMINISTRATIVO – 34
Vagas; AUXILIAR DE SERVIÇOS GERAIS (ASSISTENTE DE
ODONTOLOGIA) – 05 Vagas; AUXILIAR DE SERVIÇOS GERAIS –
35 Vagas; AGENTE DE CONTROLE – 659 Vagas; ADVOGADO – 10
Vagas; ASSISTENTE SOCIAL – 11 Vagas; CHEFE DE RH; CHEFE
DE LOGISTICA; CHEFE DE COMPRAS; CHEFE DE FINANÇAS;
CINÓFILO
–
56
vagas;
ENCARREGADO
FINACEIRO;
241
6 Tribunal Regional do Trabalho. Coordenação de Comunicação Social. Obra enfrenta
paralisação.
Disponível
em:
http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=operarios%20cir%20itaquitinga&source=web&cd=4
&cad=rja&ved=0CDMQFjAD&url=http%3A%2F%2Fwww.trt6.gov.br%2Fportal%2Fcontent%2Fi
mprensa%2Fclipping%2F2012%2Fjun%2Fclipping_14_jun_2012.doc&ei=RR1bUMpB4O09QSo_YHICg&usg=AFQjCNHH70hiEbkWJ97nzHQft5Nny-UPww. Acesso em 17 set.
2012.
242
Governo de Pernambuco. Minuta de edital de contrato de Parceria Público-Privada.
Disponível em: http://www.ppp.seplan.pe.gov.br/comunicados_oficiais.php?menus=4. Acesso
em 27 ago. 2012.
243
12/09/2012 - 17:48h. Nota de esclarecimento - CIR Itaquitinga. Em resposta ao texto
"Prisioneiros de dívidas", publicado hoje, na coluna Diário Econômico, a Secretaria do Governo
(Segov) esclarece: A Secretaria do Governo tem conhecimento da paralisação das obras no
Centro Integrado de Ressocialização de Itaquitinga por parte dos empregados da Advance. Os
operários terceirizados seguem trabalhando no canteiro de obras. Porém, devido a queda no
quantitativo de trabalhadores, a Segov esclarece que está em processo um levantamento de
dados para reavaliar os prazos para a inauguração da unidade em questão. Disponível em:
http://www.segov.pe.gov.br/?q=node/207. Acesso em 20 set. 2012.
128
ENCARREGADO
DE
PESSOAL;
ENCARREGADO
DE
TRANSPORTES; ENFERMEIRO – 10 VAGAS; ESTOQUISTA – 2
VAGAS; FARMACÊUTICO; GERENTE TÉCNICO / MÉDICO
PSQUIATRA; INSTRUTOR DE OFICINA – 05 VAGAS; MOTORISTA
– 15 VAGAS; MÉDICO CLÍNICO – 10 VAGAS; NUTRICIONISTA – 02
VAGAS; ODONTÓLOGO – 10 VAGAS; PROFESSOR EM
EDUCAÇÃO FÍSICA – 08 VAGAS; PROFESSOR DE ENSINO
FUNDAMENTAL DE MÉDIO – 24 VAGAS; PSICÓLOGO – 10
VAGAS; TERAPEUTA OCUPACIONAL – 13 VAGAS; TECNICO EM
244
SEGURANÇA DO TRABALHO – 02 VAGAS.
Assim, é inegável a conclusão de que, na pequena cidade de Itaquitinga,
cuja população era, em 2010, de aproximadamente 15 mil habitantes, 245 e que
está a uma distância de 70 km da capital Recife,246 a oferta 2000 mil empregos
de mão de obra operária para a construção do complexo (situação provisória
até o término das obras) e de quase mil oportunidades de empregos diretos
(empregabilidade permanente), em virtude de um empreendimento dessa
envergadura, se traduz na geração de significativo progresso social para
aquela comunidade.
Nas palavras de D’Urso, quando se manifestou favorável à implantação
de presídios privados no país:
Registro que sou amplamente favorável à privatização, no modelo
francês e as duas experiências brasileiras, uma no Paraná há um ano
e outra no Ceará, há dois meses, há de se reconhecer que são um
sucesso, não registram uma rebelião ou fuga e todos que orbitam em
torno dessas unidades, revelam que a ‘utopia’ de tratar o preso
adequadamente pode se transformar em realidade no Brasil. [...] Das
modalidades que o mundo conhece, a aplicada pela França é a que
tem obtido melhores resultados e testemunho que, em visita oficial
aos estabelecimentos franceses, o que vi foi animador.[...] De minha
parte, não me acomodo e continuo a defender essa experiência no
Brasil, até porque não admito que a situação atual se perpetue,
244
Confira as vagas de emprego oferecidas pelo CIR. Disponível em:
http://www.itaquitinga.pe.gov.br/conteudo.php?cont=111&modulo=3. Acesso em 04 set. 2012.
245
IBGE
censo
2010.
Município
de
Itaquitinga,
PE.
Disponível
em:
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acesso em 18 set. 2012.
246
Consulta
a
distâncias
no
Google
maps.
Disponível
em:
http://maps.google.com.br/maps?hl=ptBR&cp=14&gs_id=2dk&xhr=t&q=itaquitinga+pe&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.r_qf.&biw=1366&bih=6
01&um=1&ie=UTF-8&sa=N&tab=wl. Acesso em 15 set. 2012.
129
gerando mais criminalidade, sugando nossos preciosos recursos,
247
para piorar o homem preso que retornará, para nos dar o troco!
Por outro lado, não se pode deixar de dar ouvidos e atentar para o
pensamento de Boaventura de Souza Santos, quando esse cientista social
afirma que “A crise é uma grande oportunidade para o capital financeiro pedir a
privatização dos espaços”.248
De qualquer sorte, verifica-se que, com advento da Lei 11.079/2004,
está regulamentada a participação privada na consecução de projetos
prisionais no Brasil. Dois grandes empreendimentos já estão em fase final de
conclusão (Minas Gerais com previsão de 3 mil vagas e Pernambuco com
3.126 vagas).
O estado de São Paulo iniciou chamamento público para estudo sobre
unidades prisionais, e esse tema já desperta polêmica. De um lado, a pastoral
carcerária infere que esse não é o melhor caminho; de outra face, o Ministério
Público estadual se posiciona favoravelmente:
Rodolfo Valente, advogado da Pastoral Carcerária paulista, criticou e
afirmou que construir presídios e cuidar dos presos é obrigação do
Estado. Valente acredita que as empresas vão buscar o lucro a todo
custo e diz que teme até mesmo uma exploração dos presos.
Já o promotor da vara das execuções penais, Pedro Juliot, elogiou a
proposta do governo paulista. Para ele, o Estado sozinho não
consegue resolver esse problema e a parceria com a iniciativa
249
privada tende a ser uma solução.
247
D’URSO, Luíz Flávio Borges. Privatização Das Prisões Mais Uma Vez A Polêmica.
Disponível em: http://www.oabms.org.br/noticias/lernoticia.php?noti_id=137. Acesso em 03 set.
2012.
248
Prosperidade não é sinônimo de crescimento econômico. Entrevista concedida pelo
cientista social Boaventura de Sousa Santos, ao jornalista Marcelo Lins, para o programa
Milênio, da Globo News. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-ago-31/ideias-milenioboaventura-sousa-santos-cientista-politico. Acesso em 10 set. 2012.
249
SP vai construir três presídios no sistema de PPP e essa ideia já causa polêmicas.
Disponível
em:
http://jovempan.uol.com.br/noticias/saopaulo/2012/05/sp-vai-construir-trespresidios-no-sistema-de-ppp-e-essa-ideia-ja-causa-polemicas.html. Acesso em 20 set. 2012.
130
Em Goiás o Governo estadual publicou chamamento público para a
construção e operação de um complexo penal.
O Estado de Goiás, por intermédio da Agência Goiana do Sistema de
Execução Penal (AGSEP), publicou o Chamamento Público 01/2012,
com o objetivo de obter manifestações de interesse para "estudos e
modelagem do Projeto de Parceria Público-Privada - PPP visando à
construção, equipagem e operação do Complexo Penal Odenir
Guimarães no Município de Aparecida de Goiânia, com capacidade
250
para 1.600 presos condenados”.
No estado do Mato Grosso, o governo publicou chamamento para
empresas interessadas em gerir um complexo penitenciário para 3 mil vagas,
nos moldes das PPPs.
O governador Silval Barbosa (PMDB) realizou, na manhã desta terça
(31) o chamamento para empresas interessadas em Parceria Público
Privada (PPP) com o Estado. Além da conclusão do Hospital Central,
cujas obras estão paralisadas há mais de 27 anos, o governador
propôs a construção de um complexo penitenciário com vagas para 3
mil detentos. As empresas interessadas em projetar, executar,
operacionalizar e gerenciar o novo presídio tem até 6 meses para se
manifestar e, a partir da definição do projeto, a proposta vencedora
terá prazo de 18 meses para a conclusão das obras.O complexo
penitenciário deve contar com 5 unidades penais, sendo 3 destinadas
ao regime fechado. O investimento estimado é de R$ 182,9 milhões,
sendo R$ 161,9 milhões para a construção e cerca de R$ 21 milhões
251
para compra de equipamentos.
Nessa esteira, segue também o estado de Alagoas, que em 2012
publicou, dentro de procedimento de manifestação de interesse, o nome de três
empresas autorizadas a desenvolver estudos sobre a viabilidade de PPPs na
área prisional:
O Estado de Alagoas publicou os nomes das empresas autorizadas a
desenvolver estudos de viabilidade para futura PPP no setor de
gestão penitenciária. O objeto dos estudos envolve: "(...) desenvolver,
250
Estado de Goiás publica PMI para construção e operação de presídio. Disponível em:
http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/estado-de-goi%C3%A1s-publica-pmi-paraconstru%C3%A7%C3%A3o-e-opera%C3%A7%C3%A3o-de-pres%C3%ADdio. Acesso em 20
set. 2012.
251
Governador propõe PPP para construção de presídio em MT. Disponível em:
http://www.grupogazeta.com.br/conteudo/show/secao/10/materia/311629. Acesso em 20 set.
2012.
131
por sua conta e risco, Projeto Básico e Estudos de Viabilidade de
empreendimento na área de segurança pública, visando à
construção, manutenção, conservação, operação e gestão de um
Centro Integrado de Ressocialização – CIR, compreendendo 03 (três)
unidades penais, sendo duas em Regime Fechado e uma no Regime
252
Semiaberto, contendo 600 (seiscentas) vagas cada".
No Rio Grande do Sul, em 2011, o novo Governo desistiu da
implantação de um complexo penitenciário na região de Canoas, nos moldes
das parcerias público-privadas. Entretanto, em abril de 2012 foi designado o
Conselho Gestor das Parcerias Público-Privadas,253 o que talvez possa
sinalizar uma disposição governamental no sentido de aplicação desse instituto
no campo penitenciário.254
Por certo é que, com a iminente entrada em funcionamento do
Complexo Penitenciário de Itaquitinga-PE, e logo em seguida o projeto de
Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, em médio prazo se poderá proceder à
avaliação de resultados palpáveis acerca de, se esse modelo de tratamento
penal pode ser uma alternativa mais viável e mais eficaz, do ponto de vista da
readequação social do egresso, do que o tratamento disponibilizado,
hodiernamente, pelo Poder Público.
Os modelos de gestão compartilhada implantados na seara prisional
brasileira e que tiveram início com a experiência da penitenciária de
Guarapuava, no Paraná em 1999, trazem uma mudança de paradigma na
relação Estado/Apenado, no sentido de que outros atores são envolvidos nesse
campo.
252
Alagoas autoriza 3 consórcios em PMI envolvendo PPP em presídios. Disponível em:
http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/alagoas-autoriza-3-cons%C3%B3rcios-em-pmienvolvendo-ppp-em-pres%C3%ADdios. Acesso em 20 set. 2012.
253
O atual Conselho Gestor, órgão superior, de caráter normativo e deliberativo, ligado ao
Gabinete do Governador foi esignado em 17 de abril de 2012. Cabe ao Conselho Gestor definir
condições para inclusão de projetos no Programa PPP/RS, aprová-los, bem como deliberar
sobre qualquer alteração, revisão, rescisão, prorrogação ou renovação de contrato de parceira
público-privada. O Conselho Gestor é presido pelo Governador. Disponível em:
http://www.investimentos.ppp.rs.gov.br/portal/index.php?menu=texto&item_submenu=34.
Acesso em 20 set. 2012.
254
Conselho
Gestor
–
SEPLAG/RS.
Disponível
em:
http://www.seplag.rs.gov.br/conteudo_puro.asp?cod_menu_pai=&cod_tipo_conteudo=&cod_m
enu=531. Acesso em 20 set. 2012.
132
A “normalidade” dessa relação, conhecida até então, era a de que
aquele indivíduo com a liberdade restringida, em virtude do cometimento de
algum ilícito (penal ou até mesmo civil, já que a restrição de liberdade pelo
cometimento de faltas militares é cumprida em locais próprios) se via numa
relação dual de Estado/presidiário, onde ele, o apenado, permanecia por
completo sob a égide do controle estatal em penitenciária pública.
Assim, naquele modelo de co-gestão implantado no Paraná, com a
introdução de novos atores no processo, a exemplo do empresário que oferece
o trabalho nas diversas fábricas; da sociedade civil que fiscaliza as condições
de cumprimento de pena a que o preso está submetido; da iniciativa privada
que administra o complexo prisional e possui, como direito, o pagamento pelos
serviços prestados e, como dever, a prestação do serviço adequado; e do
Estado que fiscaliza o cumprimento do acordo e aplica as sanções pertinentes
quando necessário, nasce uma experiência inovadora e viável, no sentido de
melhor tratamento dispensado ao apenado, alvo primeiro de toda aquela
complexa estrutura.
A discussão se dá no campo do cumprimento de pena pelo presidiário. A
este cabe o direito a um ambiente digno (salubre, com espaço, condições de
sobrevivência, serviços de alimentação, saúde, educação, trabalho e de
defensoria judicial, etc.) e a possibilidade de ser reclamante em caso de falta
ou desvio na prestação daqueles serviços.
A voz ativa do apenado, cremos que se dê nesse sentido, já que sua
condição é a de “cumpridor” de pena privativa de liberdade em virtude do
cometimento de ilícito perante a sociedade em que está inserto. Não há, em
nossa ótica, um espaço maior para “deliberações” de parte dessa personagem,
sendo, nesse relacionamento, a figura com o comportamento mais passivo
dentre os atores envolvidos nesse do processo.
Nesse modelo o Estado deixa de ser o ator principal, até mesmo em
virtude das notórias deficiências existentes no sistema prisional público atual,
133
passando a exercer um papel de “fiscalizador” da prestação do serviço pelo
parceiro privado. Nessa relação minoritária, Estado/iniciativa privada, ao
parceiro público cabe, em última análise, a fiscalização contratual da prestação
dos serviços e, em caso de descumprimento, a aplicação de sanções,
mormente pecuniárias, nessa relação concessionária. Ainda, há a obrigação de
efetivar o retorno financeiro ao parceiro privado, haja vista a prestação dos
serviços.
No plano político-legislativo o Estado brasileiro vem implementando
medidas no
sentido de fomentar a educação em âmbito prisional.
Recentemente o Legislativo brasileiro aprovou a Lei 12.433/2011, a qual
possibilita a remição de pena pelo estudo e, ainda, altera o cálculo da
diminuição da pena. Pelo dispositivo anterior, o tempo remido era computado
no cálculo da pena apenas para o livramento condicional e o indulto (art. 128
da Lei 7.210/1984 – LEP). Com a nova redação do referido artigo255 o tempo
remido passa a ser computado como pena cumprida, para todos os efeitos.
No campo administrativo, o Departamento Penitenciário Nacional
implantou, por meio da Portaria Conjunta 276, de 20/06/2012, o projeto
“Remição pela Leitura”. Essa Norma estabelece que o apenado, sendo
voluntário a fazer parte do projeto, deverá realizar a leitura de obra literária,
clássica, científica ou filosófica, dentre outras e, ao final do período de 21 a 30
dias, apresentar uma resenha, onde então serão avaliados diversos critérios.
Em resumo, ao preso que cumprir as premissas estabelecidas pelo “Projeto
Remição pela Leitura” será possível diminuir quatro dias de pena a cada
publicação lida, perfazendo a possibilidade de remir até quarenta e oito dias a
cada doze meses de cumprimento de pena.256
255
Lei 7.210 de 11 de julho de 1994. Lei de Execução Penal. Art. 128. O tempo remido será
computado
como
pena
cumprida,
para
todos
os
efeitos.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm Acesso em 30/10/2012.
256
Departamento Penitenciário Nacional. Portaria Conjunta nº 276, de 20 de junho de 2012.
Disciplina o Projeto de Remição pela Leitura no Sistema Penitenciário Federal. Disponível em:
http://www.stj.jus.br/internet_docs/biblioteca/clippinglegislacao/POC_276_2012_DPE.pdf
acesso em 28/10/2012.
134
Tal mecanismo também encontra disposição de ser instalado em nível
estadual, pois já existem planejamentos no sentido de se implementar esse
incentivo nos presídios estaduais257.
Quanto à sociedade civil, estamos diante de dois momentos em que é
possível efetivar deliberações acerca da relação público-privada em sistemas
penitenciários. O primeiro deles se dá quando a Administração Pública
submete à consulta pública a implantação desse modelo na seara
penitenciária. Ali está o momento em que a sociedade tem condições de
deliberar, não apenas no sentido da aprovação ou não aprovação da
implantação daquele sistema mas, ainda e principalmente, no sentido de
deliberar acerca da implantação de dispositivos orientadores daquela relação,
e que salta à importância o insculpido no artigo 1º da Lei de Execução Penal,
“proporcionar condições para a harmônica integração social do apenado”258.
Desse modo, a sociedade possui condições de deliberar acerca da
orientação principiológica daquela relação Estado/parceiro privado, onde
constem contratualmente as observações quanto à prestação dos serviços pelo
parceiro privado. É nesse momento que a sociedade delibera sobre os
dispositivos norteadores do contrato administrativo a ser firmado pela
Administração Pública e iniciativa privada. Aqui não se trata daqueles princípios
inerentes ao Direito administrativo, mas sim àqueles outros referentes à
dignidade da pessoa humana, ao trabalho, educação, saúde do presidiário. A
exemplo, pode-se citar a deliberação da sociedade no sentido de que, quando
da colocação em consulta pública da PPP prisional, o complexo penitenciário
em questão seja dotado de biblioteca adequada àquela regulamentação federal
257
Susepe planeja implementar sistema nos presídios gaúchos. A Superintendência dos
Serviços Penitenciários (Susepe) planeja implementar o sistema também nos presídios
gaúchos. Conforme a vice-diretora do Departamento de Tratamento Penal da Susepe, Liliane
Terhorst, a portaria do Depen, voltada às cadeias federais, serve de incentivo para a criação de
um
modelo
no
Estado.
Disponível
em:
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/policia/noticia/2012/06/leitura-de-livros-reduzira-pena-depresos-em-cadeias-federais-3799332.html acesso em 28/10/2012.
258
Lei 7.210 de 11 de julho de 1994. Lei de Execução Penal. Art. 1º A execução penal tem por
objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para
a harmônica integração social do condenado e do internado. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm Acesso em 30/10/2012.
135
– “Projeto Remição pela Leitura”, a fim de que o apenado tenha condição de
usufruir do benefício.
Isto posto, o segundo momento onde se possibilita a participação da
sociedade civil, nesse contexto, é aquele em que o preso se encontra recolhido
ao estabelecimento prisional. É nessa instância que a sociedade, possuidora
do poder/dever de fiscalizar a execução dos serviços prestados pelo parceiro
privado, tem condições de, em caso de desacordo na prestação de algum
serviço, por exemplo, a superlotação carcerária, informar à autoridade
competente para que tome as providências adequadas, a fim de que seja
estabelecida a devida sanção, quer seja pecuniária quer seja administrativa, e
o serviço possa ser readequado.
Quanto ao parceiro privado, como em qualquer ramo da iniciativa
privada, a intenção é a de auferir lucratividade. Assim, sua participação pode
ser resumida na prestação do serviço adequado e o consequente recebimento
dos valores atinentes ao contrato. Resta claro, ainda, que esse parceiro passa
a ser, sob a ótica social, o principal ator desse processo, pois o seu serviço
está na base primeira da efetiva readequação social do indivíduo colocado sob
sua égide protecional. É dele que a sociedade, o Estado e o próprio apenado
esperam a maior participação. É, principalmente, do resultado de seu trabalho
que se possibilitará ao egresso um adequado retorno ao tecido social, onde
então se pressupõe que o agora ex-apenado detenha um capital social maior
do que aquele que possuía quando de seu recolhimento ao sistema
penitenciário.
136
CONCLUSÃO
O tema Políticas Públicas de Inclusão Social pode se traduzir como uma
intervenção do Poder Público com a finalidade de implantação de ações
consideradas prioritárias a determinado segmento social. É uma intervenção do
Estado visando à efetivação de políticas no sentido de proporcionar um maior
grau de cidadania ao homem, cidadania aqui entendida enquanto dignidade no
existir.
As políticas públicas ganham forte relevo com o advento da Constituição
Federal de 1988, pois é a partir da real democratização da sociedade que se
verifica a necessidade da construção de espaços sociais mais eficazes, no
sentido de resgate da dignidade.
Dessa forma, podemos verificar que nas últimas décadas a temática da
gestão pública deixou de ser tratada e debatida somente no âmbito estatal e
nos meios acadêmicos, experimentando uma participação mais efetiva da
sociedade. Essa maior participação social fez com que se buscassem outras
opções na construção de diferentes modelos de gestão da coisa pública.
No tocante à segurança pública, questão neural em se tratando de
políticas de Estado, e que se ampara em uma esfera tridimensional na qual,
estão estruturadas a polícia, o judiciário e o sistema prisional do país,
ocorrendo uma falha em uma dessas estruturas todo o sistema estará
comprometido.
Principalmente quanto à questão prisional, sabe-se que é um tema
deveras delicado e complexo. Delicado por abranger, do ponto de vista social,
assunto atinente ao dia a dia do homem enquanto cidadão e a segurança que o
Estado, além de deter a necessária competência, tem o dever de assegurar.
Complexo no sentido de que se trata de uma temática em que diversos atores
se veem envolvidos e assim busca-se a atuação de cada um destes, bem
como, ainda, traduzir-se na privação de liberdade do indivíduo, e o necessário
137
resgate dessa pessoa, com a finalidade de que detenha um retorno ao tecido
social pautado por uma conduta adequada a esse convívio.
Assim, a finalidade primordial aqui e o objeto deste trabalho foi, em
última análise, verificar a possibilidade de as parcerias público-privadas
aplicadas ao âmbito prisional, tendo por base a participação efetiva dos atores
envolvidos nesse processo, quais sejam, o Estado, o apenado, a sociedade
civil e a iniciativa privada, possuírem condições de proporcionar ao preso,
enquanto agente cumpridor de pena, um ambiente e serviços dignos que lhe
possibilitem, ao final daquele tempo, a reinserção ao convívio social dentro da
legalidade.
Desse modo, em um primeiro momento este estudo dedicou-se a tratar
dos modelos de gestão pública no desenvolvimento do Estado Moderno.
Pode-se dizer que o processo histórico de desenvolvimento do Estado, a
partir da República grega em direção ao Estado moderno, se dá com a
transformação da civitas em sociedade civil.
Vimos que no Estado autoritário e patrimonial dos séculos XV a XVII, o
poder emana do soberano que o exerce pela vontade de Deus, e o Estado é
tido como propriedade do monarca.
A seguir, estudamos que o Estado torna-se liberal e democrático,
quando o cidadão, dotado de direitos e obrigações, passa a ter condições de
interferir na lei e com isso influenciar em seu próprio destino social. Vimos,
ainda, o Estado social-democrático, que tem suas raízes fincadas na Grande
Depressão de 1930, quando o capitalismo e a democracia liberal entram em
declínio e o Estado passa a intervir mais efetivamente na economia, trazendo
uma maior proteção aos direitos sociais.
138
Passamos, então, a verificar a reforma burocrática no sistema estatal na
Europa do século XIX, onde o Estado passa a assumir um caráter totalmente
moderno e capitalista.
Estudamos a reforma do serviço público no Brasil, a qual se deu no
governo Vargas em 1936, com a reforma administrativa promovida durante o
Estado Novo.
Após, verificamos que depois da Segunda Grande Guerra teve início a
influência, no modelo capitalista, da administração de empresas na esfera
pública, ganhando espaço ideias de descentralização e flexibilização
administrativas, e a partir da década de 1970, quando o Estado entra em crise,
o modelo burocrático começa a declinar, pois é a partir daí que se sente mais
acentuadamente a falta de respostas às demandas sociais, surgindo então a
ideia de uma mudança na administração pública. Dessa forma, nos anos 1980
inicia-se uma grande revolução na administração pública dos países centrais
em direção a uma administração pública gerencial.
Então, já no governo de Fernando Henrique Cardoso tem início a
segunda reforma administrativa do Brasil (a primeira foi a reforma de 1936).
Essa reforma, capitaneada por Bresser Pereira, adotando um modelo de
gestão pública gerencial, tem como fim tornar a Administração Pública
eficiente. Nesse modelo o cidadão é visto como um cliente dos serviços
públicos e a satisfação do “cidadão-cliente” é um dos principais objetivos a
serem alcançados.
Vimos que o enfoque gerencial da administração pública emerge na GrãBretanha e nos EUA, após a assunção de governos conservadores, em 1979
(Thatcher) e com Reagan em 1980.
A seguir tratamos da gestão pública compartida, onde verificamos que a
compreensão do perfil social do povo brasileiro, a partir da constituição de
139
1988, é essencial para pensarmos qualquer forma de Administração Pública
Democrática de Direito que se pretenda legítima e eficaz, na modalidade de
compartilhamento de competências, deveres e direitos. Vimos que o cidadão
não se resume a ter direitos reconhecidos pelo Estado, mas também com
práticas sociais e culturais que dão sentido à cidadania. Assim, gestão pública
compartida traduz supor modos de participação social nas ações estatais,
mormente no aspecto decisório sobre as diversas questões inerentes ao
público. Para tanto, é imprescindível construir pactos de comunicação no
sentido de alcançar um entendimento sobre o futuro social. Sustenta-se a ideia
de uma Administração Pública que parte da teoria de ação comunicativa de
Habermas e fundamenta-se em bases filosóficas e operacionais que precisam
ser pensadas e estudadas.
Ao se estabelecerem ferramentas voltadas à construção de um espaço
democrático de comunicação política, corporificadas aqui na existência de
entidades da sociedade civil organizada e na concepção de políticas públicas
voltadas para a implantação de uma efetiva participação social na esfera
decisória do Estado, traduz-se a efetivação de uma maior legitimidade estatal.
Em um segundo momento deste trabalho, estudamos as parcerias
público-privadas. A questão de que a escassez de recursos públicos para fazer
frente a importantes investimentos em setores de responsabilidade do poder
público fez com que o Estado procurasse novas formas de relacionamento com
o setor privado.
Estudamos que as parcerias público-privadas no contexto internacional,
surgem na Grã-Bretanha em 1992, com a política liberal de Margareth Thatcher
e estão presentes nos mais diversos segmentos. Nos Estados Unidos, diz-se
que elas são uma característica básica da política e do sistema de bem-estar
norte-americano.
Vimos que, por PPP se entende o contrato administrativo de concessão,
na modalidade patrocinada ou administrativa, e que no Brasil a Lei federal n.º
140
11.079/2004 instituiu as normas gerais para licitação e contratação de parceria
público-privada no âmbito da Administração Pública. Assim, as PPPs são uma
forma de contratação de determinadas atividades tradicionalmente oferecidas
pelo setor público, por meio da qual a Administração Pública contrata uma ou
mais empresas privadas, com a finalidade de, por exemplo, construir e
administrar estradas, presídios, estações de tratamento de água e esgoto,
hospitais, escolas e outros serviços de utilidade pública.
Tratamos então das funções jurisdicionais e do poder de polícia no
âmbito das PPPs, aonde vimos a indelegabilidade das funções de regulação,
jurisdicional, do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado.
A seguir, estudamos a delegabilidade de serviços penitenciários, como
objeto de parceira público-privada e verificamos que a celeuma reside em se
saber quais tarefas não podem ser objeto de concessão ao parceiro privado, já
que a Lei das PPPs ao regulamentar, expressamente, as funções estatais
indelegáveis, utilizou-se de conceitos abertos: “indelegabilidade das funções de
regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades
exclusivas do Estado”.
Para tanto, verificamos que os limites dessa delegabilidade ao parceiro
privado se estabelecem ao se verificar a delimitação das atividades vinculadas
à execução penal, sendo esta o resultado do exercício da função jurisdicional
criminal. Assim, tem-se que a função administrativa prisional abarca atos
materiais, estando estes divididos em atos que incidem diretamente sobre o
apenado, como a exemplo dos atos disciplinares (art. 53 da Lei 7.210/1984 Lei de Execução Penal) e atos de gestão penitenciária, como a exemplo da
assistência material (alimentação, vestuário, instalações, saúde, assistência
jurídica e social, assistência ao egresso e oferta de trabalho) estabelecida nos
artigos 12, 14, 15, 22, 25 e 28 da Lei 7.210/1985 (Lei de Execução Penal).
No terceiro momento deste estudo, tratamos das experiências
internacionais de parcerias público-privadas em sistemas penitenciários, na
141
Inglaterra, Estados Unidos da América e França. Vimos que no contexto
internacional a administração privada de estabelecimentos penitenciários é
uma realidade rotineira, onde existem cerca de 200 presídios privados.
Em continuidade, tratamos da gestão compartilhada em presídios
brasileiros. Verificamos que por meio desse sistema de gestão, o Estado
realiza um contrato, por um período de um a cinco anos, com uma empresa
privada que fica responsável por toda administração interna de uma
penitenciária, da cozinha aos agentes penitenciários. Até o ano de 2010 havia
dezesseis penitenciárias que adotavam esse modelo de gestão, perfazendo um
total de 7.346 apenados albergados sob os moldes da gestão compartilhada.
Em seguida, realizamos estudo sobre a implantação, nos moldes das
parcerias público-privadas, do Complexo Penitenciário de Itaquitinga, em
Pernambuco. O Centro terá capacidade para 3.126 internos. O prazo para
exploração da parceria público-privada será de 33 anos e valor a ser gasto será
de R$ 287,4 milhões. Cada preso custará, aproximadamente, R$ 2,4 mil por
mês ao estado. Atualmente os gastos estaduais com apenados giram em torno
de R$ 1,4 mil por preso/mês.
O apenado será individualizado de acordo com a pena e o perfil
criminológico atendendo a Lei de Execução Penal (LEP). O Centro terá apenas
dois tipos de cela: individual e coletiva, no máximo, com quatro presos. Caberá
à concessionária, entre outros compromissos, dotar a unidade prisional dos
seguintes profissionais: advogado, assistente social, médico clínico, médico
psiquiatra,
psicólogo,
terapeuta
educacional,
odontólogo,
enfermeiro,
professores de educação física, ensino fundamental e ensino médio e instrutor
de informática. O objetivo é a prestação de serviços assistenciais à população
carcerária, tendo por fim harmonizar a convivência entre os internos e o seu
futuro retorno à sociedade e proporcionar as condições físicas e psicológicas
para o cumprimento da pena que lhes foi imposta, através da assistência
material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Já os cargos de
diretor geral, diretor adjunto e coordenador de segurança e disciplina serão
142
ocupados por servidores públicos do Estado de Pernambuco. À polícia militar
caberá a função de manutenção dos serviços de policiamento e vigilância
externa na unidade prisional, bem como o acompanhamento em escoltas
externas.
Quanto à remuneração da concessionária, verifica-se que o “quadro de
indicadores de desempenho” influencia diretamente nos valores a serem
pagos. Além do fator financeiro, outro fator relevante que integra a punibilidade
do parceiro privado (em caso de má gestão do presídio) é a possibilidade de
ser declarada a caducidade da concessão administrativa.
Vimos que com advento da Lei 11.079/2004, está regulamentada a
participação privada na consecução de projetos prisionais no Brasil. Dois
grandes empreendimentos já estão em fase final de conclusão (Minas Gerais
com previsão de 3 mil vagas e Pernambuco com 3.126 vagas). Os estados de
São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Alagoas já deram início a procedimentos no
sentido de implantação de PPPs prisionais.
A discussão se dá no campo do cumprimento de pena pelo presidiário. A
este cabe o direito a um ambiente digno (salubre, com espaço, condições de
sobrevivência, serviços de alimentação, saúde, educação, trabalho e de
defensoria judicial, etc.) e a possibilidade de ser reclamante efetivo em caso de
falta ou desvio na prestação daqueles serviços.
Nesse modelo o Estado exerce um papel de “fiscalizador” da prestação
do serviço pelo parceiro privado e, em caso de descumprimento de algum
compromisso, a aplicação de sanções, mormente pecuniárias, nessa relação
concessionária. Ainda, há a obrigação de efetivar o retorno financeiro ao
parceiro privado, haja vista a prestação dos serviços.
Quanto à sociedade civil, vimos que ela detém a possibilidade de
efetivar deliberações acerca da relação
público-privada
em
sistemas
penitenciários, quando a Administração Pública submete à consulta pública
143
editalícia a implantação das PPPs prisionais. Já em um segundo momento está
a fiscalização da prestação do serviço e, em caso de desacordo, como por
exemplo, da superlotação carcerária, efetivar a comunicação aos Órgãos
competentes.
Ao parceiro privado a participação pode ser resumida na prestação do
serviço adequado e o consequente recebimento dos valores atinentes ao
contrato. Resta ainda claro que esse parceiro passa a ser, sob a ótica social, o
principal ator desse processo, pois o seu serviço está na base primeira da
efetiva readequação social do individuo colocado sob sua égide protecional.
Verificamos que a inserção de outros atores na relação Estado/apenado
tem início com a implantação, em algumas penitenciárias brasileiras, do
sistema de gestão compartilhada. Agora, em fase de conclusão nos moldes
das PPPs temos dois complexos: Itaquitininga, PE, objeto deste trabalho, e
Ribeirão das Neves, MG. Sob a ótica de um tratamento mais digno ao
apenado, que aquele concebido em um presídio público, entendemos que as
PPPs prisionais possuem condições de prestar uma colaboração social
competente.
Acreditamos que as PPPs Prisionais, através da implantação do
complexo penitenciário de Itaquitinga, objeto deste estudo, do complexo
penitenciário de Ribeirão das Neves, MG, e de outros empreendimentos nessa
seara cujos governos estaduais já sinalizam com futuros projetos, possuirão
condições de realizar um trabalho onde a participação social se torne mais
efetiva e concreta, no sentido de envolvimento de vários atores nesse contexto,
de forma a se dar um importante passo para uma maior participação social no
Estado Democrático. Cremos que a participação popular, calcada em um
modelo de gestão compartida consoante a ótica habermasiana, possuirá
importantes instrumentos à disposição para viabilizar essa participação social
nessa temática de suma importância, a segurança pública, cujo ponto neural
passa, obrigatoriamente, pelo sistema penitenciário brasileiro e o tratamento
dispensado ao apenado.
144
Assim, como esse estudo se pautou em uma ótica visando esclarecer
se, sob o ponto de vista do tratamento dispensado ao apenado enquanto
cumpridor de pena, as PPPs prisionais geridas conforme as expectativas da
sociedade têm condições de proporcionar ao presidiário a oportunidade de
auferir um capital social mais eficaz, de modo a sair do estabelecimento
prisional com condições de se reinserir na sociedade, somos otimistas em
afirmar que sim. Cremos que, desse modo a reincidência criminal do egresso
estará na sua exclusiva esfera decisional, já que os outros atores envolvidos no
processo – Estado, sociedade civil e iniciativa privada – em tese, cumpriram
efetivamente com seus compromissos.
145
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