14 TRIBUNA DO DIREITO FEVEREIRO DE 2013 JURISPRUDÊNCIA CLITO FORNACIARI JÚNIOR* Perito de segunda instância, mas ainda perito R eza o artigo 145 do Código de Processo Civil que, “quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto no artigo 421”. O preceito em tela firma, em primeiro lugar, a imprescindibilidade de suprir a falta de conhecimento técnico do juiz com a presença de alguém dotado deste conhecimento, que possa, portanto, completar a sua capacidade de entendimento da controvérsia, de forma a viabilizar a prestação da tutela jurisdicional, apesar de o tema sobre que versa não ser daqueles que integram o arcabouço de formação do magistrado. De outro lado, a regra objetiva garantir a plena participação das partes na discussão do quanto de técnico existe no processo, de modo a sequer permitir que se valha o julgador de seu conhecimento próprio, alheio ao direito, que possa ter, tanto que impõe, de modo cogente, que ele “seja assistido” por perito e não que “possa ser assistido” por perito, o que daria ao problema conotação diferente. Importante, outrossim, destacar a preocupação da lei processual, no sentido de que a assistência prestada ao juiz se faça “segundo o disposto no artigo 421”, no qual estão previstos o rito de nomeação do perito e os direitos e ônus que da nomeação nascem para as partes, representando o ponto principal de garantia dos litigantes de participar dessa fase processual. Recente decisão do TJ-SP julgou apelação interposta contra sentença escorada por inteiro em prova pericial produzida em primeira instância, consoante as regras norteadoras da perícia (Apelação nº 089199070.1999.8.26.0100, relator Cauduro Padin, julgamento em 17/10/2012). No acórdão, são feitas referências, reiteradas vezes, a “perito contador de 2ª instância”, mas não se explica como essa novel figura veio a ter lugar no processo e o que a ela se encomendou. Simplesmente é a mesma citada e, mais do que isso, é o seu trabalho, em termos de resultado, sufragado, integralmente, pelo acórdão da apelação, que decidiu conforme este entendimento. Houve, então, a oposição de embargos declaratórios, em cujo acórdão (EDCL. 0891990-70.1999.8.26.0100/50001, relator Cauduro Padin, julgamento em 5/12/ 2012) se aponta, no relatório, a alegação de ofensa ao devido processo legal, pois o referido perito “não foi devidamente orientado por despacho”, “não foram apresentados quesitos” e “não houve participação de assistentes”. Todavia, a decisão não trata do assunto, embora implicitamente referenda o que foi feito, pois há novas citações do perito e nulidade não se decreta, confirmando no geral a decisão embargada. Transparece do decidido que a questão dependia de conhecimento técnico, mas não fora o relator do recurso convencido do entendimento externado pelos peritos que funcionaram em primeira instância, de modo que precisou de um novo vistor (até aí nada de errado), mas que não foi nomeado nos autos, nem foram observadas as previsões acerca do rito a ser seguido, na linha exigida pelo artigo 421. Os autos simplesmente foram ter ao “perito contador de 2ª instância” sem qualquer despacho que justificasse a remessa que se lhe fez e o trabalho que se lhe pediu. Com a forma inusitada de nomeação, “simples remessa”, não se possibilitou a apresentação de quesitos, dedução de exceção de suspeição ou impedimento, se fosse o caso, e a participação de assistentes. É certo que “o juiz não está adstrito ao laudo pericial”: pode formar sua convicção a partir de outros elementos (artigo 436 do CPC), como também pode determinar, até de ofício, a realização de nova perícia (artigo 437). Entretanto, não se pode esquecer de que a realização de qualquer perícia deve subsumir-se às regras disciplinadas na lei processual, não sendo dado ao julgador valer-se de sua inteligência sobre o assunto ou, então, consultar in off alguém de sua confiança, pedindo “opinião” sobre a questão debatida nos autos, sem direito de participação das partes nesta atividade. Se assim se procede, ferem-se as disposições atinentes ao rito da perícia e, ainda, o devido processo legal, que impõe a observância daquele ritual, ao qual, inclusive, se reporta o próprio artigo 145, que tem como pedra de toque garantir a participação das partes. Humberto Theodoro Júnior, tratando do devido procedimento legal aplicado à prova pericial, indica que “as formalidades legais estabelecidas para a produção das provas são, portanto, garantia de previsibilidade, participação efetiva e tratamento isonômico das partes perante o juiz. Não poderão ser dispensadas e desrespeitadas sob pena de sua inobservância frustrar a função instrumental do processo e impedir que se chegue a uma sentença justa, fundada no conhecimento efetivo dos fatos controvertidos fruto de uma instrução processual adequada e em contraditório”. (“O papel do juiz na instrução do processo que depende de prova técnica”, Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, nº 50, paginas 42 e 43). No caso que aqui se aborda, parece haver se reconhecido a existência como que de um perito oficial, que teria condições de avaliar, tal qual o desembargador em relação ao juiz de primeiro grau, a correção da atividade e dos resultados a que o primeiro chegara, pois sequer informam os julgadores o procedimento que adotaram, referindo-se, apenas e não poucas vezes, a “novo cálculo” e citando como seu autor “o perito contador de 2ª instância”. Mais do que isso, a conclusão do acórdão é feita exatamente em cima deste trabalho, dizendo, expressamente, na parte dispositiva do julgado que se “dá provimento parcial ao recurso do banco-réu para julgar parcialmente procedente a ação, acolhendo-se o cálculo do contador de 2ª instância, apurando-se saldo credor em favor dos autores...”. O resultado a que se chegou, de um lado e em primeiro lugar, revela omissões e falta de fundamentação, pois teria que se justificar a razão de se buscar uma nova perícia, respondendo, ademais, as objeções das partes e a própria crítica ao modo idealizado para sua realização, prescindindo da atuação de assistentes e, ainda, não se permitindo a formulação de quesitos, que seriam de rigor, como igualmente seria a própria orientação do magistrado acerca de como deveria proceder o novo vistor, inclusive apresentando-lhe quesitos. De outro lado, porém, viola-se, com consequências mais graves, o devido processo legal, pois são suprimidos direitos das partes, que se materializam na possibilidade de impugnar o perito, indicar assistentes para funcionar no caso, formular quesitos e acompanhar a própria elaboração da perícia, tanto em termos de coleta de dados, como, ainda, na redação do laudo. Isso é Direito Processual, evidenciando faceta com a qual, dando abrigo às garantias constitucionais, se preocupa o legislador, impondo, inclusive, a observância, na segunda perícia, das previsões atinentes à primeira (artigo 439), de modo a exigir o rito, pois com ele se atende ao contraditório e se confere a plenitude da defesa, com os quais não se pode transigir.S *Advogado em São Paulo e mestre em Direito pela PUC-SP; jurisdrops.blogspot.com