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TRIBUNA DO DIREITO
FEVEREIRO DE 2013
JURISPRUDÊNCIA
CLITO FORNACIARI JÚNIOR*
Perito de segunda instância, mas ainda perito
R
eza o artigo 145 do
Código de Processo
Civil que, “quando a
prova do fato depender
de conhecimento técnico ou científico, o juiz
será assistido por perito, segundo o disposto no artigo 421”. O preceito em tela firma,
em primeiro lugar, a imprescindibilidade
de suprir a falta de conhecimento técnico
do juiz com a presença de alguém dotado
deste conhecimento, que possa, portanto,
completar a sua capacidade de entendimento da controvérsia, de forma a viabilizar a prestação da tutela jurisdicional, apesar de o tema sobre que versa não ser daqueles que integram o arcabouço de formação do magistrado.
De outro lado, a regra objetiva garantir
a plena participação das partes na discussão do quanto de técnico existe no processo, de modo a sequer permitir que se valha o julgador de seu conhecimento próprio, alheio ao direito, que possa ter, tanto
que impõe, de modo cogente, que ele “seja
assistido” por perito e não que “possa ser assistido” por perito, o que daria ao problema
conotação diferente. Importante, outrossim,
destacar a preocupação da lei processual, no
sentido de que a assistência prestada ao juiz
se faça “segundo o disposto no artigo 421”,
no qual estão previstos o rito de nomeação
do perito e os direitos e ônus que da nomeação nascem para as partes, representando o
ponto principal de garantia dos litigantes de
participar dessa fase processual.
Recente decisão do TJ-SP julgou apelação interposta contra sentença escorada por
inteiro em prova pericial produzida em primeira instância, consoante as regras norteadoras da perícia (Apelação nº 089199070.1999.8.26.0100, relator Cauduro Padin,
julgamento em 17/10/2012). No acórdão,
são feitas referências, reiteradas vezes, a
“perito contador de 2ª instância”, mas não
se explica como essa novel figura veio a ter
lugar no processo e o que a ela se encomendou. Simplesmente é a mesma citada e,
mais do que isso, é o seu trabalho, em termos de resultado, sufragado, integralmente,
pelo acórdão da apelação, que decidiu
conforme este entendimento.
Houve, então, a oposição de embargos
declaratórios, em cujo acórdão (EDCL.
0891990-70.1999.8.26.0100/50001, relator Cauduro Padin, julgamento em 5/12/
2012) se aponta, no relatório, a alegação
de ofensa ao devido processo legal, pois o
referido perito “não foi devidamente orientado por despacho”, “não foram apresentados quesitos” e “não houve participação
de assistentes”. Todavia, a decisão não
trata do assunto, embora implicitamente
referenda o que foi feito, pois há novas
citações do perito e nulidade não se
decreta, confirmando no geral a decisão embargada.
Transparece do decidido que a questão dependia de conhecimento técnico,
mas não fora o relator do recurso convencido do entendimento externado pelos peritos que funcionaram em primeira instância, de modo que precisou de um novo
vistor (até aí nada de errado), mas que não
foi nomeado nos autos, nem foram observadas as previsões acerca do rito a ser seguido, na linha exigida pelo artigo 421.
Os autos simplesmente foram ter ao “perito contador de 2ª instância” sem qualquer
despacho que justificasse a remessa que
se lhe fez e o trabalho que se lhe pediu.
Com a forma inusitada de nomeação,
“simples remessa”, não se possibilitou a
apresentação de quesitos, dedução de exceção de suspeição ou impedimento, se
fosse o caso, e a participação de assistentes.
É certo que “o juiz não está adstrito ao
laudo pericial”: pode formar sua convicção a partir de outros elementos (artigo
436 do CPC), como também pode determinar, até de ofício, a realização de nova
perícia (artigo 437). Entretanto, não se
pode esquecer de que a realização de
qualquer perícia deve subsumir-se às regras disciplinadas na lei processual, não
sendo dado ao julgador valer-se de sua inteligência sobre o assunto ou, então, consultar in off alguém de sua confiança, pedindo “opinião” sobre a questão debatida
nos autos, sem direito de participação das
partes nesta atividade.
Se assim se procede, ferem-se as disposições atinentes ao rito da perícia e, ainda,
o devido processo legal, que impõe a observância daquele ritual, ao qual, inclusive,
se reporta o próprio artigo 145, que tem
como pedra de toque garantir a participação das partes. Humberto Theodoro Júnior, tratando do devido procedimento legal
aplicado à prova pericial, indica que “as
formalidades legais estabelecidas para a
produção das provas são, portanto, garantia de previsibilidade, participação efetiva
e tratamento isonômico das partes perante
o juiz. Não poderão ser dispensadas e
desrespeitadas sob pena de sua inobservância frustrar a função instrumental do
processo e impedir que se chegue a uma
sentença justa, fundada no conhecimento
efetivo dos fatos controvertidos fruto de
uma instrução processual adequada e em
contraditório”. (“O papel do juiz na instrução do processo que depende de prova
técnica”, Revista Magister de Direito Civil e
Processual Civil, nº 50, paginas 42 e 43).
No caso que aqui se aborda, parece
haver se reconhecido a existência como
que de um perito oficial, que teria condições de avaliar, tal qual o desembargador
em relação ao juiz de primeiro grau, a correção da atividade e dos resultados a que o
primeiro chegara, pois sequer informam os
julgadores o procedimento que adotaram,
referindo-se, apenas e não poucas vezes, a
“novo cálculo” e citando como seu autor
“o perito contador de 2ª instância”. Mais
do que isso, a conclusão do acórdão é feita
exatamente em cima deste trabalho, dizendo, expressamente, na parte dispositiva do
julgado que se “dá provimento parcial ao
recurso do banco-réu para julgar parcialmente procedente a ação, acolhendo-se o
cálculo do contador de 2ª instância, apurando-se saldo credor em favor dos autores...”.
O resultado a que se chegou, de um
lado e em primeiro lugar, revela omissões
e falta de fundamentação, pois teria que se
justificar a razão de se buscar uma nova
perícia, respondendo, ademais, as objeções das partes e a própria crítica ao modo
idealizado para sua realização, prescindindo da atuação de assistentes e, ainda, não
se permitindo a formulação de quesitos,
que seriam de rigor, como igualmente seria
a própria orientação do magistrado acerca
de como deveria proceder o novo vistor,
inclusive apresentando-lhe quesitos.
De outro lado, porém, viola-se, com
consequências mais graves, o devido processo legal, pois são suprimidos direitos
das partes, que se materializam na possibilidade de impugnar o perito, indicar assistentes para funcionar no caso, formular
quesitos e acompanhar a própria elaboração da perícia, tanto em termos de coleta
de dados, como, ainda, na redação do
laudo. Isso é Direito Processual, evidenciando faceta com a qual, dando abrigo às
garantias constitucionais, se preocupa o
legislador, impondo, inclusive, a observância, na segunda perícia, das previsões atinentes à primeira (artigo 439), de modo a
exigir o rito, pois com ele se atende ao
contraditório e se confere a plenitude da
defesa, com os quais não se pode transigir.S
*Advogado em São Paulo e mestre em Direito
pela PUC-SP; jurisdrops.blogspot.com
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