UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – FHS CURSO DE PSICOLOGIA Adriano Aparecido de Oliveira PEDOFILIA: a distinção entre o abusador preferencial e o oportuno Governador Valadares 2009 ADRIANO APARECIDO DE OLIVEIRA PEDOFILIA: a distinção entre o abusador preferencial e o oportuno Monografia para obtenção do grau de Bacharel em Psicologia, apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce. Orientador: Roberto Jório Filho Governador Valadares 2009 ADRIANO APARECIDO DE OLIVEIRA PEDOFILIA: a distinção entre o abusador preferencial e o oportuno Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Psicologia, pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce. Governador Valadares, 03 de junho de 2009. Banca Examinadora: ____________________________________________ Professora Kelly Prata Silva Universidade Vale do Rio Doce _____________________________________________ Professora Valéria Chequer de Miranda Trindade Universidade Vale do Rio Doce Dedico esse trabalho ao Mestre Roberto Jório Filho, pela simples amizade, pelos meus valores que sempre aumenta, por minha fé que alimenta, pela presença nesse grande momento, por repreender-me quando estou errado, por tudo isso e muito mais eu te agradeço e te digo, Deus te abençoe amigo, a cada instante. AGRADECIMENTOS A presente conquista não é resultado apenas dos últimos cinco anos de dedicação acadêmica, mas do imprescindível esforço de meus pais, por toda uma vida, que com perseverança, coragem e fé, conduziram minha educação. Por isso agradeço a Deus pelas suas vidas e pela enorme felicidade de poder concluir essa etapa. Meu carinho aos meus irmãos, que contribuíram de forma efetiva para essa vitória, em especial à minha irmã Sueli que mesmo de longe se fez presente. Obrigado por estarem do meu lado em todos os momentos! A felicidade aparece para aqueles que choram, para aqueles que se machucam, para aqueles que buscam, para aqueles que tentam sempre e para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passaram por suas vidas. Neste percurso encontrei força e fé bastantes para fazer das adversidades momentos doces, dificuldades para tornar-me mais forte, tristezas para fazer-me mais humano, perseverança e resignação para seguir em frente e esperança suficiente para realizar um sonho. Agradeço aos Mestres por compartilhar o seu conhecimento, pela dedicação, persistência e paciência no exercício da arte de educar, em especial aos professores Roberto Jório, Kelly Prata e Valéria Chequer. RESUMO Segundo a literatura revisada, um indivíduo que tenha cometido crime sexual contra criança para ter o diagnóstico de pedófilo, deve preencher os critérios previstos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV-TR (2000) e na Classificação Internacional de Doenças, CID 10 (1983). Sendo assim, nem todo indivíduo que comete crimes sexuais contra menores de idade é pedófilo, pois os crimes sexuais podem ser situacionais ou preferenciais e nem todo pedófilo é necessariamente criminoso, pois ele pode desenvolver o transtorno e contudo não passar ao ato, sendo necessário portanto que se façam as devidas distinções. Tratase de um tema relevante para a sociedade, pois poderá contribuir com legisladores na elaboração de leis específicas para cada caso e por colocar o conhecimento produzido pela psicologia e psiquiatria como ferramentas para identificar estas diferenças e fornecer os indicativos necessários à justiça para uma punição adequada, bem como estabelecer os melhores critérios para o tratamento do abusador. Além de esclarecer sobre o transtorno parafílico do tipo pedofilia, justificase perante a generalização produzida através dos meios de comunicação do conceito de pedofilia, ao cunhar este conceito simplesmente por nomear quaisquer “crimes contra os costumes” que envolvam menores de idade, de pedofilia. Através do presente trabalho de pesquisa bibliográfica, pretende-se conceituar as parafilias e caracterizá-las dando ênfase à parafilia do tipo pedofilia, com o objetivo de distinguir o abusador pedófilo (preferencial), do abusador oportuno (situacional). A Monografia encontra-se nas áreas da Psicologia, da Psiquiatria e do Direito, organizada através dos fundamentos metodológicos da revisão bibliográfica, que utilizou os diversos desdobramentos do problema, para proporcionar uma melhor resposta à mesma. Palavras-chave: Pedofilia. Crime Sexual. Psicologia. Direito. ABSTRACT According to the literature review, an individual who has committed sexual crimes against children to have the diagnosis of pedophilia must meet the criteria of Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM-IV-TR (2000) and the International Classification of Diseases, CID 10 (1983). Therefore, not all individuals who commit sexual crimes against children under age is pedophile, because the sexual crimes can be situational or preferential child molester and not all necessarily be criminal, he may develop the disorder and it does not pass the act, and therefore need that will be necessary distinctions. This is an issue relevant to society, it could help with legislators in the drafting of laws specific to each case and to put the knowledge produced by psychology and psychiatry as tools to identify these differences and provide the indicators needed to justice for punishment appropriate and establish the best criteria for the treatment of the abuser. In addition to clarifying the type of paraphilias disorder pedophilia, it is produced before the general through the media of the concept of pedophilia, to coin this concept by simply appoint any "crimes against the customs" involving children under age of pedophilia . Through this work of literature is to conceptualize the paraphilias and characterize them emphasizing the type of paraphilias pedophilia, with the aim of distinguishing the abuser pedophile (preferred), the abuser appropriate (situational). The monograph is in the areas of Psychology, Psychiatry and the Law, organized by the methodological foundations of the literature review, using the various ramifications of the problem, to provide a better response to it. Keywords: Pedophilia. Sexual Crime. Psychology. Law. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 8 2 CONCEITUAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO NOSOLÓGICA DAS PARAFILIAS .......... 13 2.1 CONCEITUAÇÃO DAS PARAFILIAS .......................................................................... 13 2.2 CLASSIFICAÇÃO NOSOLÓGICA DAS PARAFILIAS .............................................. 17 3 CARACTERIZAÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA PARAFILIA DO TIPO PEDOFILIA ............................................................................................................................. 21 3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PARAFILIA DO TIPO PEDOFILIA ................................... 21 3.2 CONTEXTO HISTÓRICO DA PARAFILIA DO TIPO PEDOFILIA .......................... 26 4 PEDOFILIA ENQUANTO TRANSTORNO E CRIME ................................................... 30 4.1 PEDOFILIA ENQUANTO TRANSTORNO .................................................................. 30 4.2 PEDOFILIA ENQUANTO CRIME ................................................................................. 33 5 POSSÍVEIS CAUSAS E SUGESTÕES TERAPÊUTICAS PARA O TRATAMENTO DO TRANSTORNO PARAFÍLICO DO TIPO PEDOFILIA ............................................. 39 5.1 POSSÍVEIS CAUSAS DO TRANSTORNO PARAFÍLICO DO TIPO PEDOFILIA 39 5.2 SUGESTÕES TERAPÊUTICAS PARA O TRANSTORNO PARAFÍLICO DO TIPO PEDOFILIA ............................................................................................................................. 42 8 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho de pesquisa bibliográfica, pretende caracterizar a parafilia do tipo pedofilia com o objetivo de distinguir o abusador pedófilo (preferencial), do abusador oportuno (situacional). Esclarecer sobre o transtorno parafílico do tipo pedofilia, justifica-se perante a generalização produzida através dos meios de comunicação do termo pedofilia, ao cunhar este conceito simplesmente por nomear quaisquer crimes sexuais que envolvam menores de idade, de pedofilia. Trata-se de um tema relevante para a sociedade, pois poderá contribuir com legisladores na elaboração de leis específicas para cada caso e por colocar o conhecimento produzido pela psicologia e psiquiatria como ferramentas para identificar estas diferenças fornecendo assim os indicativos necessários à justiça para uma punição adequada, bem como estabelecer os melhores critérios para o tratamento do indivíduo abusador. O tema em questão merece amplitude no seu debate por ter emergido de modo significativo após a democratização e acesso aos meios de comunicação e a facilidade e velocidade das notícias, não se mantendo restrito a pequenos grupos e seguimentos. O termo parafilia surge com a psiquiatria em substituição à expressão “perversão sexual”. O conceito “perversão” aparece pela primeira vez em Freud, nos “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade” (1980). Esse conceito será explicitado no decorrer do trabalho para melhor compreensão do leitor. De acordo com a Classificação Internacional de Doenças, CID 10 (1983), as parafilias (pedofilia, urofilia, coprofilia, necrofilia, sadismo, masoquismo, etc.), se caracterizam por impulsos sexuais intensos e recorrentes, modulados por fantasias e padrões de comportamento não convencionais que podem provocar alterações desfavoráveis na vida social, familiar e ocupacional da pessoa, sendo este um comportamento que se caracteriza pela repetição, como em um quadro compulsivo. De acordo com Meyer (1999), o fato de um indivíduo mostrar preferências por determinadas partes do corpo, acessórios e objetos, não necessariamente caracteriza uma parafilia e em muitos casos não existe risco para que possa determinar uma conduta criminosa. 9 O termo “pedofilia” nas suas origens designava o amor de um adulto pelas crianças (do grego antigo paidophilos: pais = criança e phileo = amar). No entanto, a palavra tomou outro sentido sendo designada para caracterizar uma parafilia, qual seja a atração sexual preferencial de adultos para crianças em idade pré - puberal, ou seja, crianças que ainda não adquiriram os caracteres sexuais secundários. A pedofilia segundo a Classificação Internacional de Doenças, CID 10 (1983), é definida como Preferência sexual por crianças, meninos ou meninas, geralmente pré-púberes. O DSM-IV-TR (2000), conceitua pedofilia como uma desordem psicológica, na qual há preferência sexual por crianças pré-púberes e para que se configure o transtorno pedofílico, o indivíduo deve preencher determinados critérios diagnósticos. Além da pedofilia, um número significativo de pedófilos encontra-se concomitantemente envolvido, ou já esteve, com exibicionismo, voyerismo ou estupro. Embora não seja classificado como uma perversão no sentido estrito, o incesto está superficialmente relacionado à pedofilia, pela frequente seleção de uma criança imatura como objeto sexual, pelo componente sutil ou declarado de coerção e, ocasionalmente, pela natureza preferencial da ligação adulto-criança (KAPLAN, 1993, p. 471). Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a pedofilia é classificada como uma desordem mental e de personalidade do adulto e também como desvio sexual. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças aprovada em 1989 pela Assembléia Geral das Nações Unidas no seu artigo19, define que os países signatários devem tomar todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas adequadas à proteção da criança, inclusive no que se refere à violência sexual. O contexto histórico da parafilia do tipo pedofilia encontra no antigo Egito relatos de envolvimento entre faraós e infantes. Na Grécia antiga cabia ao chefe da família conduzir os jovens à iniciação sexual, desenvolvendo-se a partir daí a prática da relação sexual entre homens e a pedofilia. Existem também relatos do envolvimento de adultos com crianças nas Sociedades Romanas, no Mundo Árabe no Extremo Oriente e na Europa. A partir do século XVIII importantes transformações ocorreram. As crianças passaram a ser vistas como indivíduos com características específicas para sua etapa de desenvolvimento. 10 O século XIX é marcado por um avanço significativo das ciências. Desde então os desvios sexuais passaram a ser tema de estudos da medicina, da psicologia e das outras ciências. Os crimes sexuais de acordo com o Código Penal Brasileiro (2006), são definidos como “crimes contra os costumes”, dos artigos de 213 a 224 e de 233 a 234 que incluem estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude, corrupção de menores, rapto violento ou mediante fraude, rapto consensual, presunção de violência e outros. Neste mote o indivíduo que comete crime sexual contra menores de idade não necessariamente é pedófilo, pois a motivação para o crime poderá ser situacional e não preferencial. É erroneamente diagnosticado como pedófilo todo aquele que abusa sexualmente de crianças, pois esta parafilia implica, como dito anteriormente, a preferência sexual por crianças. Diversas situações e estados mentais podem contribuir para o abuso sem que o indivíduo possa ser caracterizado como pedófilo. Mesmo o comportamento pedofílico pode variar conforme a idade e os estressores, apesar do curso ser geralmente crônico. Uma forma muito difundida atualmente é a pornografia infantil pela internet, situação em que o sentimento de anonimato pode estar revelando tendências que de outro modo ficariam reprimidas. Nesses casos, é importante a distinção entre os verdadeiros pedófilos, os consumidores de pornografia em geral, os curiosos e os que procuram satisfazê-los por interesse pecuniário (DUQUE 2000, p. 300). No Código Penal Brasileiro (2006), não existe “Crime de Pedofilia”, sendo a pedofilia o transtorno parafílico e não o crime. O que configura crime é a prática da parafilia pedofílica envolvendo menores de idade. Os pedófilos que passam ao ato podem ser acusados e sentenciados por crimes que variam de atentado violento ao pudor a estupro, agravados pela presunção de violência e seus atos são considerados crimes hediondos pela lei 8.072/90. Existem no momento projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, que objetivam tipificar os crimes sexuais cometidos por pedófilos, a fim de aumentar a pena para quem os comete, tentar inibir tais práticas e assim proteger os menores de idade contra este tipo de abuso. Segundo Duque (2000), é necessário ressaltar que a pedofilia enquanto desejo, tendência ou preferência não é crime, que nem todos os diagnosticados com o transtorno de pedofilia passam ao ato e que alguns procuram situações que os coloquem em contato com crianças como escolas e creches, não apenas para satisfazer os desejos e sim para mediante mecanismo de sublimação, poder controlá-lo e evitar sua atuação. 11 O autor acima citado ressalta ainda que as causas do comportamento pedófilo são desconhecidas e diferentes estudos têm sido realizados no sentido de definir relações causais deste tipo de comportamento. Pensava-se que o histórico de abuso sexual na infância era um fator importante para determinar a causa da pedofilia, porém pesquisas recentes não encontraram relação causal, uma vez que a maioria dos infratores adultos relata não ter sido vítima de abusos sexuais na infância. Percebe-se assim, que a respeito das possíveis causas para a pedofilia não há concordância entre os pesquisadores, pois segundo Looman apud Serafim (2007), as possíveis causas destes comportamentos estão associadas à história de abuso físico, sexual, exposição à violência familiar durante a infância e uso de álcool e outras drogas durante a adolescência. De acordo com a presente pesquisa bibliográfica, verificou-se que diversos estudos têm sido realizados em centros de referência e universidades na busca de explicação para o comportamento pedófilo, além de estudos que visam encontrar o mais adequado modo de tratamento, o que será melhor explicitado posteriormente para facilitar o entendimento do leitor. Os parafílicos raramente procuram tratamento por conta própria, uma vez que a parafilia é vivida como uma tentativa de solução dos conflitos internos, especialmente a dificuldade de satisfação por outros meios, o que justificaria o recrudescimento dos sintomas em períodos especialmente estressantes (DUQUE 2000, p. 308). Sendo assim, o objetivo desta pesquisa bibliográfica, é esclarecer o transtorno pedofílico a fim de responder ao seguinte problema: Como fazer a distinção entre o abusador preferencial e o oportuno? O debate amplia-se para as áreas do direito penal, da psiquiatria e da psicologia. O Congresso Brasileiro tem discutido o tema através da instituída Comissão Parlamentar de Inquérito, CPI da Pedofilia. Trata-se de um tema relevante que merece amplitude no seu debate, visto que tal fenômeno apresenta-se com freqüência significativa na atualidade. A Monografia encontra-se nas áreas da Psicologia, da Psiquiatria e do Direito, organizada através dos fundamentos da metodologia do tipo revisão bibliográfica. 12 Assim, buscou-se correlacionar o entendimento dos diversos autores pesquisados, a fim de entender o transtorno parafílico do tipo pedofilia e seus desdobramentos na sociedade atual. O primeiro capítulo deste trabalho de revisão bibliográfica terá como objetivo conceituar as parafilias de acordo com o entendimento médico-psiquiátrico e classificá-las nosologicamente através da Classificação Internacional de Doenças, CID 10 (1983), do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-IVTR (2000) e de conceitos da psicologia, dando ênfase à parafilia do tipo pedofilia. No segundo capítulo, será caracterizada a parafilia do tipo pedofilia de acordo com os conceitos obtidos através dos diversos autores estudados. Além dos conceitos serão evidenciados os aspectos históricos e culturais que envolvem a pedofilia, entendida em determinadas épocas e locais como uma normalidade. O terceiro capítulo versará sobre os aspectos legais referentes aos crimes sexuais, fazendo a distinção entre o criminoso sexual preferencial e o criminoso sexual situacional, além de esclarecer aspectos importantes como por exemplo, o pedófilo que não passa ao ato portanto não comete crime, e o criminoso sexual que tenha abusado de crianças e não necessariamente é pedófilo. No quarto e último capítulo serão elencadas as possíveis causas da pedofilia e as diversas sugestões terapêuticas para o tratamento do pedófilo, segundo estudos da psiquiatria e da psicologia. 13 2 CONCEITUAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO NOSOLÓGICA DAS PARAFILIAS 2.1 CONCEITUAÇÃO DAS PARAFILIAS Na atualidade, segundo classificação de Holmes (2001), que segue os padrões do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-IV- TR (2000) existem três tipos de transtornos relacionados ao sexo: a) As denominadas disfunções sexuais que envolvem desejo ou estimulação insuficientes e problemas com o prazer (orgasmo); b) As parafilias, gênero daqueles que buscam a satisfação de estímulos sexuais através de meios inapropriados, dentre as quais se encontram práticas como o exibicionismo, fetichismo, necrofilia, coprofilia, masoquismo, sadismo, pedofilia e outros; c) Os transtornos de identidade de gênero. Dentre os três tipos de transtornos acima citados relacionados ao sexo, nos deteremos aos transtornos denominados “parafilias”. Entende-se por parafilia, um conjunto de transtornos relacionados à sexualidade humana anteriormente referidos como perversões, conceito este que aparece pela primeira vez em Freud, nos “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade” (1980). De acordo com Corrêa (2006), a palavra perversão em sua origem está carregada de juízo de valor. Segundo o autor, o substantivo perverso já nomeia adjetivando, pois este “Verso” é de verter, verter para o caminho errado, sair do que é direito e bom. Literalmente, o perverso é contrário aos padrões aceitos, ou o que é ainda mais forte, contrário à direção do juízo ou à lei. De acordo com o DSM-IV-TR (2000), quando o comportamento individual de excitação sexual somente se dá em resposta à objetos ou situações diferentes das tidas como normais e quando esse comportamento interfere na capacidade do indivíduo de ter relações sexuais e/ou afetivas tidas como normais, dá-se o nome a essa disfunção de parafilia. As parafilias, (assim como os transtornos da identidade de gênero), eram chamadas “perversões sexuais”, termo que tende a ser abandonado, já que 14 na linguagem leiga a palavra “perversão” é rapidamente assimilada à “maldade”, “ruindade”, “erro moral (DALGALARRONDO, 2000, p. 221). A etimologia da palavra “parafilia” segundo Corrêa (2006), diz respeito à “para” de paralelo, ao lado de, e “filia” de amor à, apego à. Portanto, para estabelecer-se uma parafilia está implícito reconhecer aquilo que é convencional, para em seguida detectar-se o que estaria “ao lado“ deste convencional. Culturalmente se reconhece o sexo convencional como sendo heterossexual, coital, com finalidade prazerosa e/ou procriativa. Pelo exposto no DSM-IV-TR (2000), o diagnóstico de Parafilias entre as várias culturas ou religiões é complicado pelo fato de que aquilo que é considerado um desvio em um contexto cultural, pode ser mais aceitável em outro. O que foge ou extrapola o convencional pode ser considerado parafilia desde que preencha determinados critérios. As características essenciais de uma parafilia consistem de fantasias, anseios sexuais ou comportamentos recorrentes, intensos e sexualmente excitantes, em geral envolvendo: a) Objetos não humanos; b) Sofrimento ou humilhação próprios ou do parceiro; c) Crianças ou outras pessoas sem o consentimento, ocorrendo durante um período mínimo de seis meses (critério A). Em alguns indivíduos, as fantasias ou estímulos parafílicos são obrigatórios para a excitação erótica e sempre incluídos na atividade sexual. Em outros casos as preferências parafílicas ocorrem apenas episodicamente, como por exemplo durante período de estresse, ao passo que em outros momentos o indivíduo é capaz de funcionar sexualmente sem fantasias ou estímulos parafílicos. O comportamento, os anseios sexuais ou as fantasias causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo do funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo (critério B). Portanto, somente está configurada a parafilia quando há necessidade de se substituir a atitude sexual convencional por qualquer outro tipo de expressão sexual, sendo este substitutivo a preferida ou a única maneira da pessoa conseguir excitar-se. Tanto no DSM IV, quanto na CID 10 (Classificação Internacional de Doenças-Organização Mundial da Saúde, 1993), as parafilias (fetichismo, transvestismo fetichista, exibicionismo, voyerismo, necrofilia, pedofilia, etc.), se configuram como uma sexualidade caracterizada por impulsos sexuais 15 intensos e recorrentes, modulados por fantasias e manifestações de comportamentos não convencionais, provocando alterações desfavoráveis na vida familiar, ocupacional e social da pessoa por ser um padrão de comportamento caracterizado pela repetição como um quadro compulsivo. As fantasias geralmente compreendem desejos sexuais ou comportamentos recorrentes, intensos e sexualmente excitantes, podendo envolver objetos não-humanos, sofrimento ou humilhação próprios ou do parceiro, crianças ou outras pessoas sem o seu consentimento (MEYERS e BLASHFIELD, 1997, apud SERAFIM, 2007 p.1). Para Meyer, apud Serafim (2007), o fato de um indivíduo apresentar preferências por determinadas partes do corpo, objetos e acessórios, não representa necessariamente uma parafilia e em muitos casos não há risco para condutas sexuais criminosas. Segundo esse autor, para que este funcionamento preencha critérios para uma parafilia deve-se considerar no seu portador os seguintes aspectos: a) Caráter opressor, com perda de liberdade de opções e alternativas. O parafílico não consegue deixar de atuar dessa maneira; b) Caráter rígido, significando que a excitação sexual só se consegue em determinadas situações e circunstâncias estabelecidas pelo padrão de conduta parafílica; c) Caráter impulsivo, que se reflete na necessidade imperiosa de repetição da experiência. Os aspectos acima segundo afirma o autor, evidenciam a marcante presença de um quadro compulsivo. Os indivíduos que não dispõem de um parceiro consensual com quem possam atuar suas fantasias, podem recorrer aos serviços de prostituição ou atuar suas fantasias contra a vontade de suas vítimas. Os indivíduos com uma parafilia podem escolher uma profissão ou desenvolver um passatempo ou trabalho voluntário que os coloque em contato com o estímulo desejado, por exemplo vender sapatos ou roupas íntimas femininas [fetichismo], trabalhar com crianças [pedofilia], ou dirigir uma ambulância [sadismo sexual]. Eles podem ver, ler, comprar ou colecionar seletivamente fotografias, filmes e textos que enfocam seu tipo preferido de estímulo parafílico (DSM-IV-TR, 2000, p. 496). Segundo o DSM-IV-TR (2000), alguns indivíduos relatam que seu comportamento parafílico não lhes causa sofrimento e que seu único problema decorre da disfunção sexual resultante da reação de outras pessoas a seu comportamento. Outros relatam extrema culpa, vergonha e depressão pela necessidade de se envolverem em uma atividade sexual incomum que é 16 socialmente inaceitável ou que eles próprios consideram imoral. Existe o prejuízo por não ter uma atividade sexual recíproca e afetuosa, podendo ocorrer distúrbios sexuais. Distúrbios de personalidade também são freqüentes, podendo ser suficientemente severos para indicar um diagnóstico de Transtorno de Personalidade. Sintomas depressivos podem desenvolver-se em indivíduos com parafilias, podendo acompanhar-se da freqüência e intensidade do comportamento parafílico. A prevalência das parafilias pelo exposto no DSM-IV-TR (2000), encontra suporte no amplo mercado da pornografia e da indústria dos objetos parafílicos. Os problemas apresentados com maior freqüência em clínicas especializadas no tratamento de parafilias são: pedofilia, voyerismo e exibicionismo. O masoquismo sexual e o sadismo sexual são vistos com uma freqüência muito menor. Aproximadamente metade dos indivíduos com parafilias vistos em clínicas, são casados. Para se fazer o diagnóstico diferencial, deve-se considerar o uso não patológico de fantasias sexuais, comportamentos ou objetos como estímulo para a excitação sexual em indivíduos sem parafilia. Fantasias e objetos são parafílicos, apenas quando levam à prejuízos e sofrimentos clinicamente significativos. Para Kaplan (1993), definir a sexualidade normal é difícil e não é prática em termos clínicos. Mais fácil seria definir a sexualidade anormal. No caso das parafilias as fronteiras entre o normal e o patológico são bastante arbitrárias, uma vez que entre o gostar e integrar determinada fantasia ou prática em meio à atividade sexual geral, e o fixar-se de forma intensa a um padrão sexual exclusivo e potencialmente lesivo para si e para os outros, nem sempre é fácil a discriminação. Em casos de retardo mental, demência, alteração da personalidade devido a uma condição médica geral, intoxicação com substância, episódio maníaco ou esquizofrenia, pode haver redução do julgamento, habilidades sociais ou controle de impulsos que, em casos raros leva a um comportamento sexual incomum. Estes casos específicos podem ser diferenciados de uma parafilia por serem atos isolados, quando não são o padrão preferido ou obrigatório das práticas sexuais daquele indivíduo (DSM-IV-TR, 2000, p. 497). Pelo exposto no DSM-IV-TR (2000), o curso de alguns dos transtornos de ordem sexual podem se iniciar na infância ou nos primeiros anos da adolescência, mas tornam-se mais definidos e elaborados durante a adolescência e início da idade 17 adulta. A elaboração e a revisão das fantasias parafílicas podem continuar ao longo de toda a vida do indivíduo. Há uma tendência à diminuição das fantasias com o avanço da idade, porém os comportamentos poderão aumentar em resposta a estressores psicossociais, em relação a outros transtornos mentais ou com o aumento das oportunidades de envolvimento na parafilia. Sendo assim, na parafilia os meios se transformam em fins e de maneira repetitiva, configurando um padrão de conduta rígido no qual na maioria das vezes, acaba por se transformar numa compulsão opressiva que impede outras atividades sexuais, podendo causar prejuízos significativos para o indivíduo ou para os outros. 2.2 CLASSIFICAÇÃO NOSOLÓGICA DAS PARAFILIAS O quadro abaixo demonstra a classificação nosológica dos transtornos de ordem sexual, com base nas informações contidas no DSM-IV-TR (2000) e CID 10. Segundo o DSM-IV-TR (2000), as parafilias são diferenciadas com base no foco parafílico característico. Se as preferências sexuais de um indivíduo satisfizerem os critérios para mais de uma parafilia, todas deverão ser diagnosticadas. Os códigos e termos diagnósticos são os seguintes: DSM-IV-TR (2000) 302.4 Exibicionismo, OMS- CID-10 (1993) F65.0 Fetichismo 302.81 Fetichismo, F65.1 Transvestismo Fetichista, 302.89 Frotteurismo 302.2 Pedofilia 302.83 Masoquismo Sexual 302.84 Sadismo Sexual F65.2 Exibicionismo F65.3 Voyerismo F65.4 Pedofilia F65.5 Sadomasoquismo F65.6 Transtornos Múltiplos de Preferência Sexual F65.8 Outros Transtornos de Preferência Sexual 302.82 Voyerismo 302.3 Fetichismo Transvéstico 302.9 Parafilia Sem Outra Especificação F65.9 Transtorno de Preferência Sexual não Especificado. Quadro 1 – Classificação Nosológica das Parafilias 18 Exibicionismo: O foco parafílico envolve a exposição dos genitais a estranhos. O individuo pode se masturbar enquanto se expõe. Ao agir com o foco no anseio de se exibir, não existe qualquer tentativa de uma atividade adicional com o estranho. Em certos casos o individuo está com o objetivo de chocar o outro, surpreendê-lo ou excitá-lo. O início acontece geralmente antes dos 18 anos de idade, porém pode começar mais tarde. Poucos indivíduos de faixa etária mais avançada são detidos, o que sugere uma condição menos severa após os 40 anos de idade. Fetichismo: Envolve o uso de objetos inanimados, chamados fetiches. Os objetos de fetiche mais comuns são calcinhas, soutiens, meias, sapatos, botas ou outras peças do vestuário feminino. O indivíduo com fetichismo se masturba enquanto esfrega ou cheira o objeto do fetiche ou pode pedir que o parceiro use o objeto em seus encontros. Os objetos em geral podem ser exigidos ou preferidos para a excitação sexual, podendo os homens em sua ausência apresentar disfunção erétil. Uma vez estabelecido, o fetichismo tende a ser crônico. Frotteurismo: A excitação sexual está relacionada ao esfregar-se e tocar em uma pessoa sem seu consentimento, ocorrendo em locais de grande concentração de pessoas, como por exemplo, calçadas muito movimentadas ou veículos coletivos. Geralmente a parafilia inicia-se na adolescência, sendo que a maior parte dos atos referentes a esse transtorno ocorre quando a pessoa está entre 15 e 25 anos. Após esta idade observa-se um declínio gradual dessa freqüência. Pedofilia: Envolve a atividade sexual com criança pré-púbere, geralmente com 13 anos de idade ou menos. Os indivíduos com pedofilia geralmente relatam uma atração por crianças de uma determinada faixa etária. Alguns preferem meninos, outros meninas, e outros possuem atração por ambos os sexos. Alguns indivíduos sentem atração exclusivamente por crianças (tipo exclusivo), outros sentem atração tanto para crianças quanto para adultos (tipo não-exclusivo). Masoquismo Sexual: Possui o foco parafílico no ato real de ser humilhado, espancado, atado, ou submetido a formas de sofrimento. Os atos masoquistas podem ser buscados por conta própria, por exemplo, atando-se a si mesmo, picando-se com alfinetes ou agulhas, auto-administrando choques elétricos mutilando-se, ou com o envolvimento de um parceiro incluindo colocação de vendas, palmadas, espancamento, açoitamento, choques elétricos, cortes, perfurações e humilhação, como por exemplo, receber do parceiro sobre si a urina ou as fezes, ser 19 forçado a rastejar, latir como cão, ou ser submetido a abuso verbal. O transvestismo forçado pode ser usado como forma de humilhação, o indivíduo pode ter o desejo de ser tratado como bebê indefeso e usar fraldas, (infantilismo). Há ainda uma forma perigosa de masoquismo sexual chamada “hipoxifilia”, que envolve a excitação sexual pela privação de oxigênio obtida por meio de compressão toráxica, ataduras ou sufocação com saco plástico. O masoquismo sexual geralmente é crônico, com tendência de repetição do mesmo ato por muitos anos. Outros aumentam gradativamente seus atos, podendo causar ferimentos ou até mesmo a morte. Sadismo Sexual: O indivíduo se excita com o sofrimento físico ou psicológico da vítima. Neste caso a fantasia envolve o completo controle sobre sua vítima. Outros atuam com consentimento de seu parceiro em sofrer dor ou humilhação. Nestes casos o sádico pode atar, vendar, dar palmadas, espancar, chicotear, beliscar, bater, queimar, administrar choques elétricos, estuprar, cortar, esfaquear, torturar, mutilar ou matar a vítima. O sadismo sexual geralmente é crônico e geralmente a gravidade dos atos sádicos aumenta com o passar dos anos. Fetichismo Transvéstico: O foco parafílico do fetichismo transvéstico envolve vestir-se com roupas do sexo oposto. Geralmente, o homem com esta parafilia mantém uma coleção de roupas femininas, que usa intermitentemente. O indivíduo se masturba enquanto usa roupas femininas imaginando-se tanto como sujeito masculino quanto como objeto feminino de sua fantasia. Este transtorno tem sido descrito apenas em homens heterossexuais. Este transtorno porém, não é descrito quando o vestir-se com roupas do sexo oposto ocorre exclusivamente durante o curso de um transtorno de identidade de gênero. Alguns homens usam apenas uma peça do vestuário feminino como cinta liga sob suas roupas masculinas, outros usam inteiramente suas roupas e usam maquiagem. Voyeurismo: Ato que envolve a observação de indivíduos, geralmente estranhos, sem que estes suspeitem que estejam sendo observados. O ato de observar tem a finalidade de excitação sexual, e geralmente não há a tentativa do estabelecimento de contato sexual com o observado. O orgasmo, através da masturbação, pode acontecer durante a observação ou mais tarde, em resposta à lembrança do momento observado. Em sua forma severa, o ato de observar constitui uma forma exclusiva da atividade sexual. O curso tende a ser crônico. Estudar as Parafilias é importante para conhecer as variantes da sexualidade e do erotismo em suas diversas formas de estimulação e expressão. Estabelecer um 20 banco de dados que classifique todas as parafilias tem se tornado muito difícil devido à crescente variabilidade percebida no que se refere às práticas sexuais. Muitas “fantasias” podem passar à ordem de parafilias, dependendo do grau de dependência e recorrência de tais práticas. Por outro lado, conceituar a sexualidade normal, tem-se tornado também muito difícil, pois o que é considerado normal em uma cultura pode não ser em outra. 21 3 CARACTERIZAÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA PARAFILIA DO TIPO PEDOFILIA 3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PARAFILIA DO TIPO PEDOFILIA Segundo Verhoeven (2007), o termo “pedofilia” nas suas origens designava o amor de um adulto pelas crianças (do grego antigo paidophilos: pais = criança e phileo = amar). No entanto, a palavra tomou um outro sentido sendo designada para caracterizar uma parafilia, qual seja a pedofilia, uma atração sexual preferencial de adultos para crianças em idade pré-puberal, ou seja, crianças que ainda não adquiriram os caracteres sexuais secundários. É importante ressaltar que caracteres sexuais secundários são as alterações na forma do corpo, acompanhadas pela maturação sexual. Nas meninas estas características são evidenciadas principalmente no crescimento dos pêlos pubianos, mamilos e com a primeira menstruação (menarca). Nos meninos verificam-se os caracteres sexuais secundários no crescimento dos pêlos pubianos e axilares, aparecimento da barda, engrossamento da voz, aumento dos testículos e do pênis e com a primeira ejaculação. Desta forma, a atração segundo afirma Duque (2000), está focada na criança como objeto do desejo do pedófilo e não no interesse por uma relação consensual e de troca. A pedofilia segundo a Classificação Internacional de Doenças, CID 10 (1983), caracteriza-se pela preferência sexual por crianças, quer se tratem de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes. O DSM-IV-TR (2000), conceitua pedofilia como uma desordem psicológica, qual seja a preferência sexual por crianças pré-púberes e o indivíduo com o transtorno pedofílico deve preencher os critérios diagnósticos para 302.2, pedofilia, abaixo relacionados: a) Ao longo de um período mínimo de 6 meses, fantasias sexualmente excitantes recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos envolvendo atividade sexual com uma (ou mais de uma) criança pré-púbere (geralmente com 13 anos ou menos). 22 b) As fantasias, impulsos sexuais ou comportamentos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo do funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. c) O indivíduo tem no mínimo 16 anos e é pelo menos 5 anos mais velho que a criança ou crianças no Critério A. Especificar se: Atração Sexual por Homens; Atração Sexual por Mulheres; Atração Sexual por Ambos os Sexos. Especificar se: Limitada ao Incesto Especificar tipo: Tipo Exclusivo (atração sexual apenas por crianças) Tipo Não-Exclusivo (atração sexual por crianças e adultos) A pedofilia para Dalgalarrondo (2000), é dentre todas as parafilias umas das mais freqüentes e perturbadoras do ponto de vista humano. Caracteriza-se pela freqüência em realizar, ativamente ou na fantasia, práticas sexuais com crianças. Pode ser homossexual (pederastia) ou heterossexual (pedofilia propriamente dita), ocorrendo no interior da família e conhecidos ou entre estranhos. A pedofilia pode incluir apenas o brincar jogos sexuais com a criança (observar ou despir a criança ou despir-se na frente dela), a masturbação ou a relação sexual completa (geralmente o estupro). Segundo Kaplan (1993), a vasta maioria das molestações de crianças envolve carícias genitais e sexo oral. A penetração vaginal ou anal da criança é uma ocorrência infreqüente, exceto nos casos de incesto. O autor ressalta ainda que 95% dos pedófilos são heterossexuais e 50% consumiram álcool em excesso por ocasião do incidente. Além da pedofilia, um número significativo de pedófilos encontra-se concomitantemente envolvido, ou já esteve, com exibicionismo, voyerismo ou estupro. O incesto, de acordo com o autor, está superficialmente relacionado com a pedofilia, pela freqüente seleção de uma criança imatura como objeto sexual, pelo componente sutil ou declarado de coerção e, ocasionalmente, pela natureza preferencial da ligação adulto-criança. 23 Pelo exposto por Dietz et al apud Serafim (2007), a dificuldade no controle desta compulsão se apresenta como o fator de maior vulnerabilidade para a ocorrência de condutas criminosas com abrangência médico-legal. De acordo com Campbell (1995) apud Serafim (2007), outros fatores como nível alto de testosterona, incapacidade em manter relação conjugal estável, traumatismo crânio encefálico, retardo mental, psicoses, abuso de álcool e substâncias psicoativas, reincidência de crimes e transtornos da personalidade, representam também um escopo de vulnerabilidade para as condutas sexuais criminosas. Entre os casos legalmente identificados de parafilias, a pedofilia é, de longe, a mais comum de todas. Dez a 20% de todas as crianças já foram molestadas, ao atingirem 18 anos. Uma vez que a criança é objeto, o ato é considerado com maior seriedade, e um maior esforço é realizado para localizar o culpado do que em outras parafilias (KAPLAN, 1993, p. 470). De acordo com Verhoeven (2007), os impulsos sexuais direcionados às crianças são vistos de um modo geral como degradantes, imorais e assim inaceitáveis pela maioria das pessoas, embora existam grupos ativistas própedofilia, os quais defendem a tese polêmica de que a pedofilia não seria uma doença ou um desvio sexual, mas sim uma orientação sexual específica, tanto quanto a homossexualidade ou a heterossexualidade e desejam o reconhecimento da sociedade neste ponto. Sua pretensão não encontra apoio na comunidade científica, que condena também as tentativas de "neutralização" dos crimes praticados por pedófilos. Segundo Verhoeven (2007), em seu artigo “Um Olhar Crítico Sobre o Ativismo Pedófilo”, publicado na Revista da Faculdade de Direito de Campos, existem na atualidade várias dessas organizações ativistas sendo uma delas a NAMBLA, www.nambla.org, The North American Man/Boy Love Association, baseada nas cidades de Nova York e São Francisco nos Estados Unidos, que defende veementemente a legalização da relação sexual entre homens e meninos, sob o argumento de que as minorias possuem o direito de livremente explorar a sexualidade. Em uma investigação da Polícia Federal dos Estados Unidos, Bureau of Investigation (FBI), foi constatada a existência até 1995 de 1.100 membros somente na assossiação NAMBLA, acima citada. Segundo a autora, a grande meta das organizações a favor da pedofilia é acabar com a opressão sobre o relacionamento 24 entre homens e meninos que livremente consintam nessa direção. Estas organizações clamam também pela adoção de leis que protejam tanto as crianças que não repudiam determinada relação sexual, quanto à liberdade daquelas que propõem exercer sua própria sexualidade. Dentre outras organizações pró-pedofilia, destacam-se também a MARTINJ, www.martinj.org, associação fundada na Holanda em 1982, a RENE GUYON SOCIETY com sede na Califórnia, a AMBLA, que não possui mais endereço eletrônico, a AG-PAEDO, organização expressiva de ativistas pedófilos alemães, os quais realizam dois encontros anuais, posuem publicações de interesse da comunidade pedófila e dão suporte para condenados por prática de pedofilia. A COALITION PÉDOPHILE QUEBECOIS é uma organização que era considerada extinta, porém sinais atuais indicam a sobrevivência dessa comunidade pedófila no Canadá e ainda a DANISH PAEDOPHILE ASSOCIATION (DPA), uma comunidade de ativismo pedófilo situada na Dinamarca, sem muitos dados sobre este grupo de acordo com a autora. Em Felipe (2006), percebe-se que um dos aspectos mais preocupantes e que tem merecido atenção especial do poder público e de várias entidades civis em defesa da criança e do adolescente, diz respeito à prática da pedofilia, especialmente aquela cometida através da internet, uma vez que envolve a produção de material pornográfico utilizando imagens de crianças muitas vezes submetidas a toda sorte de violência sexual. O Brasil, segundo a pesquisadora supracitada, ocupa o 4º lugar no ranking de material pornográfico, com pelo menos 1.210 endereços na internet. Um dos nichos desse mercado está na pornografia infantil, com intuito de abastecer o mercado da pedofilia. Esta rede como afirma Felipe (2006), se organiza internacionalmente e o Brasil de acordo com alguns especialistas presentes na Terceira Jornada Estadual contra a Violência e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, ocorrida em Porto Alegre em 2005, precisa tratar a questão da pedofilia como uma rede internacional que envolve o crime organizado, utilizando-se do tráfico de crianças. Tal rede segundo a autora é composta por “angariadores”, que são pagos para seqüestrarem crianças com o intuito de utilizá-las em filmagens obscenas. Os angariadores freqüentam os lugares onde existem crianças como parques, praças e escolas. Depois de encontrar crianças com as características solicitadas pela rede de pedofilia, elas são seqüestradas e em seguida são entregues aos 25 chamados “monitores”. Geralmente a criança é levada a um cativeiro, onde são realizadas as filmagens envolvendo todo o tipo de violência sexual. Logo após é assassinada. Os sites colocam simultaneamente no ar as imagens de violência/abuso sexual ao vivo para o deleite dos pedófilos, que pagam elevadas taxas para ter acesso a tais cenas. A autora ressalta ainda que outro ponto importante desse negócio refere-se aos lucros obtidos. Quanto mais nova a criança mais caras são as imagens. Há registros de imagens feitas com bebês de 4 meses e crianças de 2 anos. Para caracterizar a parafilia do tipo pedofilia, torna-se necessário também definir onde termina a infância e começa a adolescência. As fronteiras exatas entre a infância e a adolescência podem variar e são difíceis de serem definidas em termos rígidos de idade. A Organização Mundial da Saúde, OMS, (1989), define adolescência como o período da vida entre 10 e 19 anos de idade. Já no Brasil, a definição legal de adolescência é de pessoa entre os 12 e os 18 anos de idade, conforme o Código Civil Lei nº 8.069/90, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Considerando os aspectos acima evidenciados, convém ressaltar que a pedofilia não pode ser levada a um caráter generalista ao incluírem-se no mote de pedófilos, aqueles indivíduos que molestam jovens no início da puberdade ou em pleno desenvolvimento de seus caracteres sexuais secundários, os adolescentes. Esta confusão por vezes é percebida junto a alguns órgãos da imprensa, ao noticiarem casos de molestadores de adolescentes como “caso de pedofilia”. A prática sexual por homens e menores com faixa etária entre 10 e 16 anos recebe o nome de hebefilia. Os hebefílicos são indivíduos com características de violadores, com distúrbio de juízo, amiúde incluídos nos padrões psiquiátricos esquizo-adaptativos (CROCE,1995, p. 592). Para Croce (1995), a hebefilia é também conhecida como efebofilia do grego "ephebos", ou seja, pessoa jovem pós-pubescente, ou "hebe" que significa juventude mais "philia", sendo definida pelo autor como a prática sexual por homens e menores com faixa etária entre 10 e 16 anos. Já para Correia (2003), há distinção entre hebefilia e efebofilia. O autor utiliza o termo efebofilia para designar a atração de adultos por adolescentes pós-púberes (de 13 a 17 anos) e hebefilia para descrever a atração adulta por adolescentes que já atingiram a puberdade (de 9 a 13 anos). 26 Deve-se ressaltar também que além de se confundirem pedófilos com hebefílicos e/ou efebófilos, percebe-se nos noticiários de um modo geral, o anúncio dos casos de pedofilia como crimes de pedofilia. A pedofilia não é o crime. Pedofilia é o transtorno, ou seja, não existe crime de pedofilia. O pedófilo nem sempre passa ao ato, sendo assim nem todo pedófilo é criminoso. O indivíduo que possui preferência sexual por criança e passa ao ato, comete os crimes de estupro, atentado violento ao pudor agravados pela presunção de violência, e não o crime de pedofilia como muitas vezes é anunciado. Um dos desafios de se lidar com parafilias ou crimes delas derivados é abster-se de julgamento moral, especialmente no que se refere à pedofilia. Portanto, estabelecer uma distinção entre o pedófilo como um indivíduo possuidor de um transtorno de ordem sexual visto do ponto de vista clínico e aquele que é repudiado pela sociedade de um modo geral pelo seu “caráter desviante”, torna-se difícil porém necessário para que o transtorno seja entendido como um fenômeno psicológico merecedor de amplitude em sua discussão, notadamente no campo da pesquisa científica, comprometida com a busca de explicação e solução para o mesmo, através dos possíveis tratamentos. 3.2 CONTEXTO HISTÓRICO DA PARAFILIA DO TIPO PEDOFILIA De acordo com a palestra “Pedofilia”, proferida em 03/09/2002, no evento “AMAZÔNIA 2002”, realizado em Manaus – AM, promovida pela Federação Internacional de Advogadas – FIDA, extraída do site www.stj.gov.br/Discursos em 17 de fevereiro às 22:23 hs., o contexto histórico da parafilia do tipo pedofilia encontra no antigo Egito relatos de envolvimento entre faraós e infantes, submetidos aos caprichos sexuais dos poderosos. Na Grécia antiga, cabia ao chefe da família conduzir os jovens à iniciação sexual, desenvolvendo-se a partir daí o hábito da homossexualidade e da pedofilia. De acordo com dados da referida palestra, a sociedade romana colocou o pater familias (pai), no comando absoluto da família abrangendo a todos, responsabilizando-se inclusive pela iniciação sexual do filius (filhos). A prática do sexo entre o pater familias e o filius estava inteiramente fora do controle do Estado, 27 pois tinha o primeiro, poder de vida e de morte sobre o segundo, agindo como verdadeiro dominus, (leia-se domínio ou dominador). Assim estava escrito na Lei das XII Tábuas (450-451 a. C.), reconhecimento que vigorou até Constantino no ano de 337 d. C. A história do mundo árabe e do mundo oriental, de acordo com a palestra acima mencionada, também registra a prática de sexo entre adultos e crianças em diversas passagens. Basta lembrar a história dos samurais com suas jovens amantes, mantendo-as como tal até a idade adulta quando lhes era permitida a emancipação. Na Idade Média inicia-se na Europa um intenso combate à sodomia, que dentre suas variações inclui o gosto pela prática sexual com crianças. Por esse período a prática passou a ser velada e silenciosa, num mundo de dominação onde os mais fortes subjugavam os mais fracos. Não se sabe a real extensão de tais abusos, senão por retalhos da história da prostituição infantil já na era da revolução industrial e pelos contos românticos e sodômicos que a literatura difundiu. Segundo a pesquisa de Jório (2002), Considerações Teóricas e Práticas Psicoterapêuticas: Perversão Sexual – Pedofilia, Aixa, uma das mulheres de Maomé, era uma menina de 8 anos quando teve sua primeira relação sexual com seu marido que tinha na época 53 anos. O rei David, (aquele que lutou contra Golias), já era ancião quando fez de Abisag sua esposa, décadas mais nova que ele. Ainda segundo o autor acima citado, na Índia antiga, na costa do Nayar, as práticas sexuais com meninas eram estimuladas antes da primeira menstruação acontecer. O romance “Lolita” de Vladimir Nabocov, escandalizou a sociedade da época, pois contava uma (es) história de paixão entre um homem maduro e uma ninfeta de 12 anos, que na realidade não poderia ser um caso de pedofilia, pois ela já havia adquirido seus caracteres sexuais secundários, posto que numa passagem do livro ele a deixa no carro e vai até uma farmácia comprar absorventes para a Lolita. Para melhor exemplificar casos como esses, serão apresentados nos anexos casos ilustrativos do trabalho desse autor. O escritor francês Marquês de Sade, que viveu na tumultuada França do século XVIII, escandalizou a todos com seus poemas eróticos. Em suas obras sobre perversidades e prazeres sexuais ligados à violência, 28 (daí a origem do termo sadismo), existem também relatos do envolvimento de crianças nestas práticas. No século passado no Brasil, era comum o consentimento de pais para casamento de suas filhas a partir dos 12 anos de idade. Tais concessões ganharam um novo enfoque a partir de pesquisas que passaram a determinar a maturidade sexual e psicológica para práticas sexuais envolvendo crianças e jovens, além de estudos que buscaram criminalizar tais práticas por entendê-las como agressões ao corpo e danosas ao processo de desenvolvimento humano, podendo deixar seqüelas que repercutirão negativamente na vida do indivíduo abusado. Por muito tempo os desvios de comportamento ligados ao sexo tiveram somente a conotação de imoralidade. Para Felipe (2006), a partir do século XVIII importantes transformações ocorreram de modo a afetar as concepções de infância, bem como sua educação. As crianças passaram a ser percebidas como sujeitos instituídos de uma “natureza infantil”, possuidoras de características específicas próprias para a idade. Esses relatos históricos de culturas antigas evidenciam que o relacionamento sexual com infantes e entre pessoas do mesmo sexo vem sendo praticado pelos mais variados povos e em períodos diferentes da história, com tolerância ou mesmo admiração, dependendo do contexto de cada época. Essas relações podiam ser conectadas com cerimônias de iniciação sexual, magia, crença e medicina. Apenas no século XIX é que os desvios sexuais tornaram-se tema da medicina, da psicologia e das outras ciências. O primeiro a tratar do assunto como problema médico foi o psiquiatra alemão Richard Von Krafft Ebing (1886/1970) na obra intitulada Psychopathia Sexualis, que serviu de base para vários estudos relacionados ao assunto, inclusive para Freud, que em sua obra Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (1980), procura a compreensão dinâmica do desvio sexual. Podemos assim concluir que relatos de pedofilia embora sejam antigos, encontram na atualidade uma prática persistente que se apresenta danosa, marcando negativamente a vida de crianças e adolescentes. Percebe-se também que questões sociais como a pobreza tende a aumentar a prostituição infantil, notadamente em países subdesenvolvidos, fato que expõe a fragilidade da criança e facilita assim a ação de abusadores, muitos deles pedófilos. Segundo Pozzebom (2009), a democratização dos meios de comunicação no caso a internet, considerada o “paraíso” dos pedófilos, permanece sem eficazes 29 modos de controle, onde nela podem desenvolver-se as redes de pedofilia, sendo o Brasil um dos países que mais usa a Rede Mundial de Computadores para produzir e distribuir a pornografia infantil, como declara o Senador Magno Malta, relator da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Pedofilia, CPI da Pedofilia. A legislação brasileira ainda caminha no sentido de tipificar os crimes sexuais cometidos por pedófilos, embora avanços significativos vêem acontecendo. 30 4 PEDOFILIA ENQUANTO TRANSTORNO E CRIME 4.1 PEDOFILIA ENQUANTO TRANSTORNO Nem todo pedófilo é criminoso e nem todo criminoso que abusa sexualmente de crianças é pedófilo. Estas são duas afirmações importantes, com as quais pretende-se responder à questão suscitada no presente trabalho de pesquisa bibliográfica, qual seja fazer a distinção entre o abusador preferencial e o oportuno. A pedofilia se enquadra dentro dos transtornos parafílicos e não requer, e usualmente não envolve um ato criminoso, visto que o portador de pedofilia pode manter seus desejos em segredo durante toda a vida sem nunca compartilhá-los ou torná-los atos reais. Pode casar-se com mulheres que tem filhos ou praticar profissões que os mantenham com fácil acesso à crianças, mas raramente causam algum mal (SERAFIM, 2007, p. 3). Usar o termo pedofilia para descrever indivíduos que cometeram crimes sexuais contra crianças, é considerado por alguns autores como errôneo, principalmente se tais criminosos são vistos do ponto de vista clínico. Serafim (2007), afirma que a maioria dos crimes sexuais envolvendo crianças são praticados por pessoas que não são clinicamente diagnosticadas como pedófilos, mas realizam tais atos por diversos outros motivos. Estes são chamados criminosos sexuais situacionais, por não sentirem atração primária por crianças. Para Holmes e Holmes apud Serafim (2007), estima-se que apenas 2% a 10% das pessoas que cometeram crimes de natureza sexual contra crianças sejam realmente pedófilos. Tais criminosos são chamados de pedófilos estruturados, fixados ou preferenciais. Abusadores que não atendem aos critérios regulares de diagnóstico da pedofilia são chamados de abusadores oportunos, regressivos ou situacionais. Conforme se observa em Serafim (2007), o tipo mais comum de pedófilo é o indivíduo imaturo. Este, em algum ponto da vida descobre que obtém com crianças níveis de satisfação sexual que não são possíveis de se alcançar de outro modo. 31 Trata-se de um perfil solitário, onde a falta de habilidade social acaba levando-o a mergulhos cada vez mais profundos e fantasiosos na pedofilia. Os autores Holmes e Holmes apud Serafim (2007), dividem os molestadores de crianças em dois grupos distintos: situacionais e preferenciais. Os molestadores situacionais segundo afirmam os autores, possuem inteligência inferior, baixa classe econômica, transtornos de personalidade do tipo antisocial / psicopática, narcisista, esquizóide, comportamento criminal variado, possuem preferência por pornografia violenta, são impulsivos, consideram riscos, cometem erros por negligência, são orientados intelectualmente, molestam espontaneamente ou planejam, utilizam a disponibilidade de suas vítimas, a oportunidade, ferramentas, comportam-se pelo aprendizado e possuem padrões de comportamento voltados para a praticidade e flexibilidade. (ver anexo C) Já os molestadores preferenciais possuem características bastante distintas dos situacionais tais como: Inteligência superior, alta classe socioeconômica, parafilias do tipo pedofilia, voyerismo, sadismo, comportamento criminal focado, pornografia temática, compulsivos, consideram necessidade e assim cometem erros pela necessidade, são orientados pela fantasia, são auditivos, repetitivos, utilizam acessórios, são críticos e rígidos. (ver anexo C) Para Bradford apud Serafim (2007), existe um caminho da fantasia ao ato sexual violento, sendo que o processo de fantasia do agressor sexual se configura em disparador para a violência extrema. As fantasias, de acordo com o autor, gradativamente vão se transformando em pensamentos cada vez mais fixos, chegando a um quadro de obsessões. As obsessões se constituem em idéias, pensamentos, imagens ou desejos persistentes e recorrentes, involuntários, que invadem a consciência. No caso dos pedófilos e molestadores, a maioria deles não percebem ou se preocupam que estas venham a se transformar em uma conduta problemática (BRADFORD, 2001, apud SERAFIM, 2007, p. 5). O autor Serafim (2007), ressalta que de acordo com sua experiência como pesquisador no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psiquiatria Forense e Psicologia do Instituto de Pesquisas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina – Universidade de São Paulo (NUFOR), seja no âmbito pericial ou nas vivências de pesquisas com esses criminosos, também observa-se uma estrutura obsessiva e compulsiva, bem distinta do quadro de TOC. Nestes sujeitos não se observa 32 arrependimento ou culpa, comumente observados nos pacientes com TOC, entretanto, o padrão de comportamento deles segue um ritual com hierarquias de ações que são seguidas rigidamente. De acordo com o autor, durante algumas entrevistas com este tipo de criminoso, observou-se que se algum fator interpelar esse ritual, estes indivíduos tendem a interromper a ação, sendo a vítima preservada. O mesmo autor afirma ainda que a violência contra as pessoas por motivos sexuais constitui uma parte importante de todos os delitos sérios, visto que podem chegar às formas mais desumanas de assassinato. Depois de encontrar crianças com as características solicitadas pela rede de pedofilia, elas são seqüestradas e em seguida são entregues aos chamados “monitores”. Geralmente a criança é levada a um cativeiro, onde são realizadas as filmagens envolvendo todo o tipo de violência sexual. Logo após é assassinada (FELIPE, 2006, p. 211). Pelo exposto por Felipe (2006) na citação acima, as vítimas de violência sexual, no caso crianças, podem ser raptadas, submetidas a todo tipo de violência sexual onde as cenas são vendidas à consumidores de pornografia infantil e em seguida assassinadas. Porém, de acordo com Serafim (2007), o crime pode acontecer também por prazer, sendo produto de extremo sadismo e a vítima pode ser assassinada e mutilada com o propósito de provocar gratificação sexual ao criminoso, sendo seu prazer adquirido pela violência e não pelo ato sexual. Como vimos, a pedofilia enquanto transtorno pode assumir as mais variadas formas de práticas que se diferenciam de acordo com as características individuais da pessoa, indo desde simplesmente observar uma criança, até as mais violentas formas de atividade sexual, podendo chegar ao assassinato. Por outro lado se formos corretos com o conceito, a pedofilia apenas, enquanto transtorno, observada do ponto de vista clínico não é crime. Nenhum indivíduo pode ser apenado somente por ter um transtorno de ordem sexual, no caso a pedofilia. Neste contexto, pedofilia é o termo designado para definir o transtorno. Os atos praticados por pedófilos é que configuram o crime. Sendo assim, algumas pessoas ao perceberem uma preferência sexual por crianças podem procurar tratamento antes que os atos ocorram, podendo permanecer (em tratamento e/ou com o transtorno) pelo resto de suas vidas. Portanto uma vez que não passam ao ato não cometem crime. 33 4.2 PEDOFILIA ENQUANTO CRIME A definição para crimes sexuais segundo Duque (2000) não é simples. Podemos fazê-la considerando todos os atos delituosos que tenham o propósito de satisfação sexual como o motivo. (enfoque motivacional) Os crimes sexuais pelo Código Penal Brasileiro (2006), se enquadram nos Crimes Contra os Costumes, dos artigos 213 a 224 e de 233 a 234, que incluem estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude, corrupção de menores, rapto violento ou mediante fraude, rapto consensual e presunção de violência. A partir de Duque (2000), percebe-se que há uma tendência em confundir abuso sexual de menores de idade com pedofilia, por isso é importante caracterizar o criminoso sexual. De acordo com este autor, o criminoso sexual pode ser situacional ou preferencial. O criminoso sexual situacional define-se por sujeito sem transtorno psiquiátrico, em situações intensa e continuadamente estressantes, ou que lhes confiram poder absoluto sobre o outro e podem ter dificuldade de controlar impulsos que seriam mantidos adormecidos sem tais situações. É o caso de indivíduos encarceirados, de pessoas sob stress intenso em situações de guerras, onde além da tensão detém poder absoluto sobre os outros, ou de babás que por possuírem domínio sobre crianças abusam sexualmente delas. Para o autor, na maioria dos casos não há antecedentes nem persiste o comportamento criminoso após a modificação ambiental. Criminosos sexuais sem diagnóstico psiquiátrico – São, na maior parte dos casos, situacionais, que, em circunstâncias especialmente propícias, decidiram ou foram induzidos ao crime. É o caso das violências sexuais nos presídios, na guerra e em situações de absoluto controle sobre a vítima, como assaltos, seqüestros e torturas em prisão, etc (DUQUE, 2000, p. 304). Define-se por criminoso sexual preferencial segundo Duque (2000), aquele que de maneira preferencial e continuada, nas condições de vida habitual e contando com a possibilidade de satisfação sexual, opta pelo comportamento criminoso. 34 Criminosos sexuais parafílicos – Pessoas que tem no crime sexual a satisfação última, preferencial e que preencham os critérios para o diagnóstico de parafilia. Em relação à primeira parte da formulação do art. 26 do CP, referente ao elemento cognitivo, esses criminosos têm inteira capacidade de entender o caráter ilícito do ato praticado, pois o transtorno não lhes confere perturbação da consciência, distorção perceptiva ou do juízo da realidade. O que, aliás, é demonstrado por fazerem às escondidas, conscientes que são da ilegalidade e/ou da relação social no caso de flagrante (DUQUE, 2000, p. 305). Contudo, estabelecer um banco de dados confiável sobre a prevalência do abuso de menores na população torna-se difícil. Para Duque (2000), estima-se que 10% das pessoas podem ter sido abusadas antes dos 18 anos, dentre elas cerca de 90% meninas, não raro dentro da própria família. Os dados estatísticos referem-se a apenas os casos que geram procedimentos policiais e legais, sendo muitos casos resolvidos em família, não denunciados ou tendo a conivência de pessoas próximas. De acordo com o autor, dos casos atendidos pelo serviço de psicologia da Vara Central da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, entre 1990 e 1998, abrangendo todas as situações que demandassem intervenção psicológica como guarda, tutela, destituição de pátrio poder, autorização para viagem, etc., cerca de 17% se referiam à violência sexual doméstica. Destes, 90% dos agressores exercendo a função paterna, sendo 65% pais biológicos. Tendo como referência os dados acima, percebe-se a necessidade de classificação do criminoso sexual, pelo motivo de não colocá-los no mesmo bojo, ou seja, nem todo criminoso sexual que comete crimes sexuais contra crianças é necessariamente pedófilo, pois como afirma o autor, podem estes serem criminosos sexuais situacionais ou preferenciais. Vale ressaltar aqui que o molestador de crianças, se situacional pode não ser pedófilo, mas pode ter indicativo para pedofilia. Em Duque (2000), observa-se que nos estudos dos transtornos sexuais, um diagnóstico não remete obrigatoriamente a uma conclusão médico-legal. Embora existam linhas gerais, as diversas situações são bastante distintas e algumas implicam inimputabilidade, outras não, outras semi-inimputabilidade. No caso da pedofilia, os indivíduos que passam ao ato são de um modo geral considerados imputáveis, ou seja, tem inteira capacidade de determinação do caráter ilícito do seu ato, sendo portanto responsabilizados legalmente pelos seus crimes. Caso adverso, considerado de inimputabilidade, são os crimes praticados por dementes e outros doentes orgânicos cerebrais. 35 Estados demenciais de evolução lenta apresentavam, em fases em que o déficit cognitivo ainda não é evidente, exacerbação da sexualidade e redução da autocrítica. Tem sido relatados casos de pedofilia homossexual de início tardio associado à hipersexualidade em pacientes com patologias frontotemporais só identificadas pela tomografia (MENDEZ e COLS, 2000, apud DUQUE, 2000, p. 307). A lei brasileira não possui o tipo penal “pedofilia”, assim redireciona a prática da pedofilia para os crimes contra os costumes. Desse modo, o indivíduo que abusa sexualmente de crianças, seja pedófilo ou não, é enquadrado judicialmente nos crimes de estupro, (artigo 213 do Código Penal) e atentado violento ao pudor, (artigo 214 do Código Penal), ambos com pena de seis a dez anos de reclusão e considerados crimes hediondos, agravados pela presunção de violência, previsto no artigo 224, “a”, do Código Penal Brasileiro. Com a aprovação em 1989 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança pela Assembléia Geral das Nações Unidas, o combate à pedofilia passou a ser objeto de interesse internacional e dever de todos os países, que ficam expressamente obrigados a adotar medidas que protejam a infância e a adolescência do abuso, ameaça ou lesão à sua integridade sexual. (artigo 19) Pelo artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei nº 8.069/90, “considerase criança, para os efeitos da lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. O artigo 241 do ECA diz ainda, que é crime apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar, ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive na rede mundial de computadores (internet), fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente. Em novembro de 2003 a abrangência da lei aumentou incluindo a divulgação de links para endereços contendo pornografia infantil como crime de igual gravidade. Percebe-se que mudanças recentes aconteceram no que se refere à punição para criminosos sexuais, pois em Felipe (2006), afirmava-se que “embora é considerado criminoso aquele que produz e distribui material pornográfico infantil, a legislação brasileira não possui leis que punam quem os consome”. Nesse sentido a lei foi modificada com a aprovação pelo Senado Federal em 11 de novembro de 2008 e sanção pelo Presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva em dezembro de 2008, aumentando a punição e abrangência de crimes relacionados à pedofilia na internet. Além de aumentar a pena máxima para crimes 36 de pornografia infantil na Rede Mundial de Computadores de seis para oito anos, a lei criminaliza a aquisição, posse e divulgação para venda de material pornográfico, condutas que não estavam previstas na legislação brasileira, e que já estão vigentes em outros países. De acordo com Verhoeven (2007), foi aprovada em maio de 2009 pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Pedofilia do Senado Federal Brasileiro, projeto de lei que tipifica o crime de pedofilia e estabelece pena de prisão de 16 a 30 anos para quem praticar violência sexual contra crianças e adolescentes, caso a vítima venha a morrer. Além disso a proposta estabelece que o condenado não terá direito à progressão de pena e ao regime semi-aberto ou aberto. A proposta ainda caracteriza o crime de manipulação lasciva, que consiste em manipular a criança nas partes genitais sem, entretanto, praticar o ato sexual. Nesse caso, o pedófilo poderá ter até prisão preventiva solicitada e a pena será de dois a oito anos de prisão, mais multa. A venda de material pornográfico e a exploração sexual de crianças e adolescentes também foi incluída na lista de crimes hediondos. O projeto de lei ainda estabelece pena de dez a quatorze anos de prisão para o crime de estupro contra criança e para quem cometer atentado violento contra criança. Para quem praticar conjunção carnal ou ato libidinoso com adolescente em situação de exploração sexual, de prostituição ou de abandono, a pena estabelecida pela proposta varia de três a oito anos de prisão. A proposta ainda precisa passar pelas comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), antes de ser votada em plenário. Se aprovado pelo plenário do Senado, o projeto seguirá para tramitação na Câmara dos Deputados. Atualmente em praticamente todo o mundo, há um forte movimento por parte de organizações internacionais de proteção à criança, dentre elas a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, UNESCO, e instituições não governamentais além de governos, no sentido de combater a violência sexual contra crianças. No Brasil ações têm sido desenvolvidas no combate à exploração e violência sexual infantil, através da criação de programas e leis, campanhas de conscientização, disque denúncia e estratégias de contenção do problema. Em 2001, foi criado e implantado o Serviço de Enfrentamento e Combate à Violência, ao Abuso e à Exploração Sexual Infantil, o Programa Sentinela, com o objetivo prevenir 37 e combater todas as formas de violência, abuso sexual e a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. A partir de 2007, os Conselhos Estaduais da Criança e do Adolescente, com a coordenação nacional da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, lançou uma ampla campanha para coibir a prática de crimes contra menores, através de denúncias anônimas pelo disque 100. Esse número serve não só para denunciar abusos sexuais contra menores, mas para toda forma de violência contra os infantes, porém as estatísticas indicam que as denúncias por abusos sexuais configuram a maioria das ligações. A Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Pedofilia, (CPI da Pedofilia), faz parte de uma das estratégias de combate à exploração sexual infantil, criada em março de 2008 por iniciativa do Senador Magno Malta, escolhido para presidi-la. O primeiro avanço da CPI da Pedofilia foi a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), entre o Ministério Público Federal e a Google do Brasil, mantenedora do site de relacionamentos Orkut. Pelo acordo a Google deve encaminhar à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal (MPF), dados sobre suspeitos de abusar sexualmente de crianças. Segundo a CPI, foram entregues à comissão no primeiro semestre de 2008 informações sobre 3.261 álbuns do Orkut, permitindo a identificação de pelo menos 500 pedófilos. Com base em informações da CPI da Pedofilia, desde 2006 o Orkut é o campeão de ações do Ministério Público Federal de São Paulo no que se refere à pornografia infantil. Em 2007, dos 355 novos procedimentos judiciais encabeçados pela instituição nessa área, 287 eram referentes ao portal. Além das ações acima relatadas, constam acordos fechados em dezembro de 2008 com as companhias telefônicas OI TELEMAR , TIM e BRASIL TELECOM, em um termo de cooperação que prevê maior rapidez no fornecimento de dados de usuários investigados, que deverão ser fornecidos em até três dias, sendo este prazo reduzido para 24 horas quando houver risco à vida de menores e para duas horas quando se configurar risco iminente à menores de idade. Segundo reportagem do Site Agência Brasil, o Brasil está liderando o processo de combate à pedofilia. Esta é uma afirmação de Hartmut Richard Glaser, professor de física da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto br, entidade civil que trabalha com segurança de internet e tem ações voltadas contra a pedofilia na web. Segundo Glaser, o Brasil 38 foi o primeiro país a ter uma decisão judicial que abrisse o sigilo dos usuários da rede de relacionamentos Orkut da empresa americana Google. "Representantes da Argentina nos procuraram para saber como conseguimos vencer a Google nos tribunais", disse Glaser. Esforços tem acontecido tanto a nível nacional como internacional no sentido de desenvolverem políticas que venham combater e coibir a exploração sexual de menores. Todos os Estados da Federação Brasileira tem se comprometido na operacionalização do Sistema Nacional de Combate à Exploração Sexual InfantoJuvenil. A mídia tem demonstrado notório interesse na informação de casos de exploração sexual, em especial a pedofilia e a população demonstra indignação diante dos casos denunciados. Apesar de todos os esforços no combate a este tipo de crime, acabar com esta prática está longe de ser uma realidade, frente ao desafio de compreensão da subjetividade humana. 39 5 POSSÍVEIS CAUSAS E SUGESTÕES TERAPÊUTICAS PARA O TRATAMENTO DO TRANSTORNO PARAFÍLICO DO TIPO PEDOFILIA 5.1 POSSÍVEIS CAUSAS DO TRANSTORNO PARAFÍLICO DO TIPO PEDOFILIA As causas do comportamento pedófilo são desconhecidas. Diferentes estudos tem sido realizados no sentido de definir relações causais deste tipo de comportamento. Pensava-se que o histórico de abuso sexual na infância era um fator importante para determinar a causa da pedofilia, porém pesquisas recentes não encontraram relação causal, uma vez que a maioria dos infratores adultos relata não terem sido vítimas de abusos sexuais na infância. Segundo Ferreira (2009), no site www.recantodasletras.uol.com.br, O US Government Accountability Office, (GAO) órgão de pesquisa, auditoria, avaliação e braço investigativo do Governo Norte Americano, através de pesquisa realizada, concluiu que a existência de um ciclo de abuso sexual não foi estabelecida. A existência de número significativo de abusadores de crianças com história de vitimização na infância difundiu a idéia do “ciclo vítima-agressor”, cuja relação não é tão direta quanto possa parecer. Widon e Ames (1994), estudando criminosos sexuais, não encontraram diferença estatística entre o abuso sofrido ter sido sexual ou físico, aí incluído a negligência. Estes autores sugerem que o trauma e o estresse relativos ao abuso ou à resposta da sociedade ao fato possam ser mais importantes que a própria experiência sexual do abuso (DUQUE, 2000,p. 303). Já Looman apud Serafim (2007), ressalta que as possíveis causas destes comportamentos estão associadas à história de abuso físico, sexual, exposição à violência familiar durante a infância e uso de álcool e outras drogas durante a adolescência. Conforme se observa em Gattass (2009), na última década o estudo do cérebro ganhou uma técnica de alta resolução espacial, capaz de produzir imagens de cortes tomográficos do cérebro com resolução de até 50 mm. Esta técnica de produção de imagens por ressonância magnética tem sido usada na clínica radiológica para o estudo da estrutura neuroanatômica do encéfalo. Mais 40 recentemente, esta técnica evoluiu para mapear aspectos funcionais do cérebro, mais especificamente, para mapear o pensamento. A correlação de imagens por ressonância magnética durante a ação e o repouso, permitiu o desenvolvimento da ressonância magnética funcional. A atividade elétrica de conjuntos de neurônios que se expressam em pensamento, produzem variações de propriedades magnéticas do tecido que podem ser visualizadas pela ressonância magnética funcional. Estes tipos de exames do cérebro, seja o exame da estrutura fisiológica (ressonância magnética neuroanatômica), ou o exame do modo de funcionamento frente à estímulos (ressonância magnética funcional), tem sido usados nos estudos que visam entender tanto a estrutura quanto o modo de funcionamento do cérebro de pedófilos. Pelo exposto por Ferreira (2009), recentes estudos empregando exploração por ressonância magnética foram feitos na Universidade de YALE, localizada na cidade de New Haven, estado de Connecticut, Estados Unidos, que mostraram diferenças significativas na atividade cerebral dos pedófilos. O jornal Biological Psychiatry de publicação da Universidade de Yale, Estados Unidos, declarou que pela primeira vez foram encontradas provas concretas de diferenças na estrutura de pensamento dos pedófilos. O Centro de Vício e Saúde Mental de Toronto, Canadá, em estudo publicado no Journal of Psychiatry Research, jornal de publicações científicas Norte Americano, demonstrou que a pedofilia pode ser causada por ligações imperfeitas no cérebro dos pedófilos. Os estudos indicaram que os pedófilos têm menos matéria branca, que é a responsável por unir as diversas partes do cérebro entre si. Os pesquisadores Cantor e Blanchard apud Gattas (2009), começaram a relatar a partir de 2002, uma série de descobertas relacionando a pedofilia com a estrutura e o funcionamento do cérebro. Segundo suas pesquisas, homens pedófilos possuem QI mais baixo, pontuação mais baixa em testes de memória, maior proporção de canhotos, taxas mais altas de repetência escolar em proporção com as diferenças de QI, menor estatura, maior probabilidade de terem sofrido ferimentos na cabeça acompanhados de perda de consciência, e várias diferenças em estruturas cerebrais detectadas através de ressonância magnética nuclear (MRI, em inglês). Os pesquisadores relatam segundo o autor acima citado, que suas descobertas sugerem a existência de uma ou mais características neurológicas 41 congênitas (presentes ao nascer) que causam ou aumentam a probabilidade de se tornar um pedófilo. Os autores da referida pesquisa, concluem dizendo que evidências de transmissão familiar sugerem mas não provam, que fatores genéticos sejam responsáveis pelo desenvolvimento da pedofilia. O autor Ferreira (2009), afirma que imagens de ressonância magnética funcional (FMRI), tem mostrado que pessoas diagnosticadas com pedofilia que abusaram de crianças, tem ativação reduzida do hipotálamo em comparação com indivíduos não-pedófilos, ao serem expostos a fotos eróticas de adultos. Um estudo de neuroimagem funcional de 2008 demonstra segundo o autor, que o processamento de estímulos sexuais em "pacientes pedófilos forenses" heterossexuais, poderiam estar alterados por um distúrbio nas redes pré-frontais, que podem estar associados a comportamentos controlados por estímulo, como os comportamentos sexuais compulsivos. As descobertas podem também sugerir uma disfunção no estágio cognitivo do processamento da excitação sexual. Os pesquisadores Blanchard et al apud Ferreira (2009), revisaram a pesquisa que tentou identificar diferenças hormonais em pedófilos. Os autores concluíram que há de fato alguma evidência de que pedófilos tem menos testosterona do que aqueles do grupo de controle, mas que a pesquisa é pobre e que é difícil tirar proposições conclusivas a partir da mesma. Ainda segundo Ferreira (2009), apesar de não poderem ser apontadas como causas da pedofilia, diagnósticos psiquiátricos adicionais como distúrbios da personalidade e abuso de substâncias, são fatores de risco para a concretização dos impulsos pedófilos. A respeito do nexo-causal pedofilia / estados psiquiátricos adicionais, Blanchard et al apud Ferreira (2009), notaram que as implicações teóricas não são tão claras, pois podem ser os genes específicos ou fatores nocivos no ambiente prénatal que predispõem um homem a desenvolver distúrbios afetivos e pedofilia, ou a frustração e isolamento causados pelos desejos sexuais socialmente inaceitáveis. Ou a sua ocasional satisfação é que levam à ansiedade e ao desespero? Os autores indicaram também, que por terem constatado anteriormente em outras pesquisas que mães de pedófilos tem maior probabilidade de terem passado por tratamento psiquiátrico, a hipótese genética é uma das probabilidades da causa do comportamento pedófilo. 42 Segundo considerações de Kaplan (1993), no modelo psicanalítico, um parafílico é uma pessoa que não completou o processo evolutivo normal até o ajustamento heterossexual. O que diferencia uma parafilia de outra é o método escolhido pela pessoa (geralmente homem) para lidar com a ansiedade causada pela ameaça da castração pelo pai e da separação da mãe. Não importando quão bizarra seja sua manifestação, a perversão resultante oferece um escape para os impulsos sexuais e agressivos que, de outra forma, seriam canalizados em um comportamento adequado ao gênero. Na estrutura edipiana o filho esta fora da cena do sexo dos pais. Na explicação psicanalítica, o comportamento pedófilo está atrelado à imaturidade sexual do parafílico, na medida em que não são as próprias crianças que escolhem tais práticas e sim o adulto que ficou “congelado” em um determinado período de desenvolvimento da sua sexualidade infantil. Tanto os pedófilos quanto os sádicos sexuais têm necessidade de dominar e controlar suas vítimas, como que para compensar seus sentimentos de impotência durante a crise edipiana. Alguns teóricos acreditam que a escolha de uma criança como objeto de amor, por um pedófilo, seria uma escolha narcisista (KAPLAN,1993, p. 470). Percebe-se portanto, que o estudo das possíveis causas para o transtorno parafílico do tipo pedofilia tem sido empregado de diversas formas, porém resultados significativos que definam a causa ou causas para o transtorno ainda não foram evidenciados com clareza, necessitando ainda de continuada atenção por parte dos pesquisadores. 5.2 SUGESTÕES TERAPÊUTICAS PARA O TRANSTORNO PARAFÍLICO DO TIPO PEDOFILIA Conforme afirma Duque (2000), a combinação de psicoterapia individual com o uso de medicamento redutor de testosterona e acompanhamento por profissionais especializados em readaptação social, tem mostrado maior eficácia na redução de crimes sexuais. Segundo o autor, comparar os resultados obtidos a partir de diferentes correntes psicoterápicas torna-se difícil, devido às características de cada tratamento. Os resultados da psicanálise por exemplo, tem se mostrado impossíveis 43 de se quantificar e tratar estatisticamente. As terapias cognitivo-comportamentais pelo seu formato (duração, formação do terapeuta etc.) prestam-se mais a este tipo de revisão. Em trabalho de revisão de 7.275 criminosos sexuais durante 25 anos, Maletzky e Steinhauser apud Duque (2000), concluíram que programas de longa duração com terapia de orientação cognitivo-comportamental produzem resultados positivos na redução do recidivismo e do risco para a continuidade. Os autores ressaltam que os resultados foram melhores nos criminosos situacionais, como abusadores de crianças e exibicionistas, que entre os preferenciais. Quanto às drogas antiandrogênicas, Duque (2000) observa que as mais usadas são o acetato de medroxiprogesterona (Depo-Provera), o acetato de ciproterona, e a triptorelina, cada uma delas com vantagens e também efeitos colaterais. Convém ressaltar que a lei Brasileira não permite o uso de antiandrógenos (redutores de testosterona). O uso desses medicamentos varia de acordo com a legislação de cada país. Grupos de pacientes que usaram continuadamente a droga associada à psicoterapia têm mostrado menor índice de reincidência em relação àqueles que mesmo com aderência ao programa de controle, se recusaram ao uso da assim chamada “castração química”, permanecendo com psicoterapia e programas reeducacionais. Quando se suspendeu a droga, os índices de reincidência aproximaram-se (DUQUE, 2000, p. 312). O autor afirma ainda que estes estudos devem ser encarados com reservas, pois as amostras são demasiadamente heterogêneas e viciadas por constar apenas de indivíduos com implicações legais, portanto selecionados pela “justiça”. Além disso, a recusa do medicamento pode indicar uma diferença de postura em relação ao transtorno, o que seria suficiente para alterar o prognóstico. Essas drogas segundo Duque (2000), não tem efeito específico sobre as parafilias ou atividade criminosa, mas sobre o desejo sexual, advindo daí a modificação de comportamento. Outro tipo de tratamento é segundo o autor, a associação de acetato de ciproterona com sertralina, ou seja, a combinação de antipsicótico com antidepressivo respectivamente, dependendo da tonalidade que a sintomatologia geral assuma. Acredita-se que essa combinação pode diminuir o comportamento sexual compulsivo, preservando o comportamento sexual normal. 44 Para o autor, no estado atual do que se conhece a respeito de tratamento para a pedofilia, não se pode ter expectativa de sucesso com acompanhamento a curto ou médio prazo. Em Trindade e Breier (2006), observa-se que pedófilos apenas vão em busca de tratamento, quando se vêem envolvidos em processos judiciais ou percebem que estão sendo investigados, notadamente em busca de auto-proteção e benefícios secundários. Não se percebe um verdadeiro interesse no tratamento, uma vez que geralmente são indivíduos sem sentimento de culpa. Falta-lhes desconforto emocional e motivação para mudanças. São envolventes, sedutores e este funcionamento transportam para a relação terapêutica. Ao receberem algum benefício secundário, de um modo geral abandonam o tratamento. Segundo o autor, essas características são responsáveis pelo ceticismo dominante quando se trata de acompanhamento psicológico. Como afirma Ferraris e Graziosi apud Trindade e Breier (2006), tratar um pedófilo com terapia não é tarefa simples e se converte em muito difícil, senão impossível, com pedófilos crônicos ou afetados por uma deterioração mental. Face ao generalizado insucesso das abordagens terapêuticas de cunho psicológico, para as quais os pedófilos apresentam um prognóstico reservado, e frente ao relativo fracasso no que tange à reincidência crônica, uma das alternativas tem sido a denominada castração. De um lado, situase a castração clínica, que se dá através da retirada dos testículos, para impedir a produção de um hormônio, a testosterona, que estimula o desejo sexual. De outro, existe a possibilidade de uma castração química, a modificação dos neurotransmissores e a criação de mecanismos de obstrução do impulso e do desejo sexual. Qualquer das duas modalidades enfrenta inúmeros obstáculos de ordem ética e mesmo jurídica, carreando prós e contras, defensores ferrenhos e críticos (TRINDADE e BREIER, 2006. p. 44). Pode-se perceber a existência de muita polêmica no que se refere ao tratamento do pedófilo. Alguns autores afirmam que os programas comunitários de tratamento, associados à psicoterapia e medicamentos, é na atualidade o caminho que produz mais resultados. Outros são céticos e dizem que o tratamento é altamente resistente à interferência psicológica. No momento atual são poucos os estudos descritivos confiáveis tanto sobre a conduta do pedófilo quanto ao tratamento. Conforme Urra apud Trindade e Breier (2006), a reincidência para crimes sexuais cometidos por pedófilos é alta e por isso estes indivíduos precisam de tratamento para o seu bem e de terceiros. O autor 45 adverte ainda, que em face à falta de êxito por parte das diversas abordagens, há que se ter prudência, sendo a reclusão prolongada um bom preventivo. 46 6 CONCLUSÃO A partir da democratização dos meios de comunicação em especial a internet, atrelada às garantias previstas em lei de liberdade de expressão e preservação dos direitos individuais, percebeu-se nos últimos tempos uma crescente utilização da Rede Mundial de Computadores, no fomento da prática da pedofilia. A internet é hoje uma ferramenta que pode ser usada de múltiplas maneiras e uma delas é a comercialização de produtos. O comércio de material pornográfico pela internet movimenta milhões e onde há consumo há alguém que produz para abastecer este mercado. No que se refere à produção de pornografia infantil, em uma ponta deste mercado estão criminosos que usam crianças para a produção do material pornográfico e lucram com esta prática, em outra estão os consumidores, geralmente pedófilos. De acordo com a revisão bibliográfica realizada, percebe-se que existe por traz da pedofilia uma rede internacional organizada de produção e consumo de pornografia infantil. Percebe-se que identificar o pedófilo e puni-lo não é suficiente para inibir tais crimes, sendo assim as leis recentemente aprovadas no Brasil, terão caráter preventivo como punir quem adquire, armazena e divulga material pornográfico, lei aprovada e sancionada pelo Presidente da República em maio de 2008. Foi aprovada ainda pelo Senado Federal em maio de 2009, a lei que tipifica o “Crime de Pedofilia”. De acordo com essa lei, a venda de material pornográfico e a exploração sexual de crianças e adolescentes passam a ser considerados crimes hediondos. A referida lei teve aprovação do Senado e para entrar em vigor precisa passar pelas comissões de constituição e justiça e cidadania e ser sancionada pelo Presidente da República. Ativistas “pró-pedofilia” defendem a idéia de que a pedofilia não é um transtorno de ordem sexual, mas sim uma orientação sexual. Outros ativistas lutam pela redução da idade de consenso para relações sexuais, que na atualidade varia de acordo com a lei de cada país. Alguns ativistas defendem a idéia de que estes movimentos são senão, uma nova etapa da revolução sexual, por garantirem à menores de idade a liberdade de escolha do início de sua vida sexual, garantindo assim o direito às liberdades individuais, previsto nas constituições da maioria dos países. 47 O grande problema é a falta de entendimento que um conceito trabalhado em larga escala como a pedofilia, produz. A diversidade cultural existe, em detrimento do avanço dos meios de comunicação e do processo de globalização. O conceito de pedofilia e as implicações dele derivados estão longe de ser um consenso em todo o mundo. Cada país trata do assunto dentro de suas perspectivas culturais, morais e religiosas. Mesmo dentro de um uma microcultura, divergências em torno do tema sempre surgirão. Pelo senso comum, pedofilia é uma doença e também um crime. Apenas por entendermos assim, já fazemos uma grande confusão, ou seja: Como uma doença pode ser tratada como um crime? Como uma pessoa doente pode ser considerada criminosa apenas por isso? Não se trata aqui de defender o criminoso sexual. Tratase de buscar um entendimento para o fenômeno do ponto de vista clínico, a fim de auxiliar pessoas, tanto os pedófilos em busca de suporte terapêutico para seu problema, quanto as crianças, vítimas que são dos abusadores, sejam eles preferenciais (pedófilos) ou situacionais (oportunos). Pode-se agora afirmar, que nem todo pedófilo é criminoso e nem todo criminoso que abusa sexualmente de crianças, é pedófilo. Essas são duas afirmações importantes com as quais se buscou responder à questão suscitada no presente trabalho de pesquisa bibliográfica, qual seja fazer a distinção entre o abusador preferencial e o oportuno. (ver anexo A) A pedofilia é um dos transtornos parafílicos e não necessariamente envolve um ato criminoso, pois o pedófilo pode manter seus desejos em segredo durante toda a sua vida sem nunca compartilhá-los com alguém ou torná-los atos reais. Estes indivíduos podem casar-se, ter filhos, ou escolher profissões que os mantenham com fácil acesso à crianças, e contudo não passarem ao ato real da prática de pedofilia, restringindo seus desejos ao nível das fantasias, e utilizando-se de ferramentas para a satisfação das mesmas, como é o caso do uso da internet como meio de acesso à material pornográfico infantil. Os pedófilos raramente procuram tratamento e geralmente só o fazem quando percebem o risco de serem descobertos. Sendo pedófilos possuem atração primária por crianças, por isso são chamados pedófilos estruturados ou preferenciais. Caso venham a cometer algum crime sexual, estes são chamados criminosos sexuais preferenciais. 48 Sendo assim percebe-se que o que configura o crime sexual é o ato e não a pedofilia por si só, entendendo-se portanto a afirmação de que nem todo pedófilo é criminoso, por possuir atração sexual primária por crianças. Se formos corretos neste conceito, pedofilia por si só não é um crime. Por outro lado, temos a afirmação de que nem todo criminoso que abusa sexualmente de crianças é necessariamente pedófilo. O entendimento do que é o transtorno parafílico do tipo pedofilia oferece suporte a essa afirmação. Considerar como pedófilo todo aquele que comete crimes sexuais contra crianças, é visto pelos diversos autores estudados com errôneo, principalmente se tais criminosos são analisados do ponto de vista clínico. A maioria dos crimes sexuais envolvendo crianças são cometidos por indivíduos que não são clinicamente diagnosticados como pedófilos, por não atenderem aos critérios para o diagnóstico previstos nos manuais de psiquiatria. Estes podem cometer crimes sexuais por diversos outros motivos e situações e são assim chamados de criminosos situacionais. Segundo afirma Holmes e Holmes, apud Serafim (2007), Estimativas indicam que apenas 2% a 10% das pessoas que cometeram crimes de natureza sexual contra crianças sejam realmente pedófilos. Tais criminosos são chamados de pedófilos estruturados, fixados ou preferenciais. Abusadores que não atendem aos critérios regulares de diagnóstico da pedofilia são chamados de abusadores oportunos, regressivos ou situacionais. Estabelecer um banco de dados confiável que represente a real prevalência dos casos de pedófilos e molestadores infantis está longe de ser elaborada em nossa realidade. Esta dificuldade está diretamente associada ao fato de que as notificações desse fenômeno respondem apenas aos casos denunciados legalmente. Não se precisa por exemplo, os casos que em geral, são “inadequadamente” resolvidos em família. Concluindo, temos que ter a consciência de que esta discussão não se encerra apenas nos caracteres definitórios relativos à distinção entre o abusador preferencial e o oportuno. Sejam quais forem os crimes sexuais praticados contra crianças, sejam os criminosos pedófilos ou não, percebe-se na atualidade a tentativa do uso da garantia dos direitos individuais, como justificativa para o estabelecimento de novas normas de conduta, como a prática da pedofilia. As garantias das liberdades individuais estão previstas nas constituições federais da maioria dos países do mundo, em especial no Brasil no artigo 5º da 49 Constituição Federal (1988), que prevê a livre manifestação do pensamento, a liberdade de consciência e crença, a atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, a inviolabilidade da correspondência e de dados das comunicações telefônicas, a liberdade de locomoção, de associação e de reunião. Embasados nestas garantias, grupos se organizam através do mundo na tentativa de instituir um sistema novo de regras (leis), que garantam práticas sexuais legais com menores de idade, usando ainda a justificativa de que os direitos individuais devem se estender a todos, e assim incluir as crianças e adolescentes como sujeitos com pleno direito como cidadãos, às suas liberdades individuais. Sendo assim, conclui-se que embora “todos”, no sentido mais amplo da palavra, tenham o pleno direito às suas liberdades individuais, as crianças do ponto de vista psicológico, são sujeitos em pleno desenvolvimento, instituídas de uma “natureza infantil” e possuidoras de características específicas para sua idade e neste sentido carecem de proteção e tutela. Cabe então ao estado e às instituições representativas, o cuidado na adoção de medidas protetivas que garantam a elas, o direito de viver naturalmente seu processo de desenvolvimento físico e psicológico de maneira saudável e com dignidade, direito fundamental da pessoa humana. 50 REFERÊNCIAS ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Tratado – Resolução 44/25, 1989. ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA AMERICANA (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Quarta Edição – Revista (DSM-IV-TR). Porto Alegre: Artmed, 2000. BRASIL. 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Os dois casos subseqüentes referem-se a outros exemplos de casos de pedofilia. Os referidos casos foram analisados e periciados pelo Professor, Perito, Psicólogo, Examinador, Roberto Jório Filho e neles poderemos verificar as características que diferem cada um dos abusadores sexuais. Primeiro caso – Criminoso sexual situacional Com referência ao caso a seguir, o indivíduo cometeu crime sexual contra uma menor de idade, no entanto não atende à critérios para diagnóstico de parafilia do tipo pedofilia. Assim, faz-se a distinção entre a parafilia do tipo pedofilia, de um crime sexual considerado situacional, cometido contra uma menor de idade com 12 anos, justificando a afirmação de que nem todo indivíduo que comete crimes sexuais contra menores de idade é pedófilo. Um sujeito, do sexo masculino, de mais ou menos 40 anos de idade, que tentou manter relações sexuais com uma menina de nome A.S.B., de mais ou menos 12 anos de idade. Mantena – MG, 02 de março de 1999. O réu em interrogatório disse que no dia 02/03/99 por volta das 16h30min., chegou na casa situada na Rua João Pinheiro, 351, onde mora a menor A.S.B., juntamente com seus familiares, com a finalidade de dar uma informação ao irmão da menor. O réu já era conhecido dos familiares, motivo pelo qual, tinha certa liberdade com os mesmos. Após dar o recado o réu saiu da casa, declarando à Polícia, estar alcoolizado, montou em sua bicicleta e no caminho, sentido Vila Nova, encontrou a menor, sendo que esta lhe abordou e montou na garupa de sua bicicleta. No caminho, o réu levou a menor para o lixão da cidade, este afirma que a menor não se opôs a ir ao local. No lixão, o réu afirma que 55 a menor se insinuou e este não se opôs a acariciá-la e praticar atos libidinosos, sendo que a menor quis aquela situação. O réu tinha conhecimento que seus atos eram tidos por criminosos, e que foi a primeira vez que um fato dessa natureza aconteceu. A menor, acompanhada de sua genitora, prestou depoimento a fim de esclarecer os fatos à Autoridade Policial, dizendo que o réu morava numa casa que fica nos fundos da casa onde a vítima reside. A menor declara que, precisando ir numa mercearia comprar produtos para sua mãe, por volta das 17h00min., e como o réu estava de bicicleta, esta pediu ao mesmo que lhe desse uma carona. Ao invés de levar a menor até a mercearia, acabou levando-a para o lixão e lá a molestou e praticou atos libidinosos. A menor, chegando em casa, contou para sua mãe no mesmo instante do ocorrido, esta chamou a polícia, que deteve e prendeu o réu. Foi a primeira ocorrência dessa natureza com o réu. Através da entrevista, exames objetivo e subjetivo, o Perito, Psicólogo, Roberto Jório Filho, proferiu o seguinte parecer: “Não apresenta, no momento, nenhum sinal ou sintoma de transtorno mental; tem um discurso coerente não evidenciando delírios ou alucinações. Esse não é um caso de pedofilia, pois não se observa os critérios diagnósticos necessários para caracterizar o mesmo. Foi um ato isolado, não sendo prática recorrente nem duradoura. De acordo com seu depoimento, tinha consciência de que era crime o fato. Seria um caso de atentado violento ao pudor. Para se diagnosticar a pedofilia devemos nos ater aos critérios diagnósticos do DSM-IV-TR (2000)”. Segundo caso – Criminoso sexual preferencial O caso clínico a seguir, faz referência à indivíduo com atração sexual por crianças (pedófilo), do tipo não-exclusivo, ou seja, sente-se atraído por adulto e criança, com preferência pelo sexo feminino, que não passou ao ato, portanto não cometeu crime sexual, tendo o transtorno apenas ao nível da fantasia. A análise do referido caso, faz distinção entre a parafilia do tipo pedofilia dos crimes sexuais cometidos contra menores de idade e justifica a afirmativa de que nem todo pedófilo é necessariamente criminoso. 56 Agosto de 2000 – O indivíduo R.M.E., 29 anos, cursando o 1º ano do ensino médio, infrequente, procurou pela psicoterapia em agosto de 2000, queixando-se que teve envolvimento com a polícia por ter sido flagrado com uma criança no colo e por causa de envolvimento com material pornográfico. O Pr. diz ter preferência sexual por mulheres, possui desejo exagerado por elas, podendo ser de qualquer idade, neste caso incluindo atração sexual por crianças, que só tem relação sexual com mulheres na fantasia, nunca tendo orgasmo com elas por contato físico, masturba-se de três em três dias, já masturbou-se dentro da igreja batista após ficar perto de crianças (meninas) e dentro da sala de aula. Na atualidade mora com uma irmã, dois irmãos e os pais, e que desde os quatorze anos se manifesta seu problema. Na infância tinha relações sexuais com um irmão, teve relações sexuais com um garoto, depois com uma irmã um ano mais nova que ele. Disse já ter se confessado com um ministro do evangelho e foi aconselhado que fizesse jejum e elevasse o espírito com orações, que iria resolver seu problema, e que não seguiu a recomendação do pastor. O Pr. não compareceu em seis sessões de um total de dez sessões marcadas a seguir, sendo que na última sessão de psicoterapia, disse não poder continuar o tratamento assinando assim, o termo de desistência. Outubro de 2005 – O proponente, R. M. E., retorna à clínica cinco anos mais tarde, já com 34 anos de idade, encaminhado pelo pai pelo motivo de morar com os pais, não trabalhar, já teve “ansiedade”, problemas mentais e não faz tratamento. Queixa-se de exercer atividade braçal com dificuldade, já trabalhou em Belo Horizonte, porém ficou no emprego apenas dois dias, é muito mole para o trabalho, tem lentidão de raciocínio, choro constante, tem muita “sensitividade”, é muito nervoso. Atualmente está freqüentando a igreja batista, não é usuário de bebida alcoólica, tem “obsessão pelo desejo sexual”, não tem domínio disso, tem preferência pelo sexo feminino podendo ser de qualquer idade. O Pr. relata ainda, que nunca teve namorada e que seu descontrole o causou problemas mentais, que gosta de olhar “bundas”, e que tem atração pela cor rosa. Na sessão seguinte o Pr relata ter visto muito material pornográfico quando era adolescente, nunca tendo relação sexual com ninguém e nunca tendo namorado por questões bíblicas, mas masturba-se e assim fere os “princípios”. Tem muito medo da polícia, já presenciou muita polícia na casa dele para prender o pai. Deixou uma revista pornográfica com uma pessoa “de menor” e foi denunciado. A polícia apenas recolheu o material e não 57 sofreu nenhum tipo de sanção por causa disso. Queixa-se de estar meio “paralítico”, demorando a tomar decisões em relação à saúde e fé. Está freqüentando a igreja presbiteriana, diz que a igreja o está deixando confuso, pois dizem que o crente também deve procurar ajuda médica, mas que antes pregavam o contrário. O Pr. diz não trabalhar devido aos medos que tem, mas não quis falar sobre estes medos, não quis falar dos lugares que não gosta de ir por ter medos. Na sala da escola dominical fica inquieto e acha que tem que buscar explicação dos medos no mundo espiritual. Não quis falar sobre o que são os pensamentos impuros e a natureza pecaminosa que diz ter, pois tem receio do terapeuta tornar seu relato público. Neste momento, o psicólogo explicou sobre o sigilo previsto no código de ética. Em seguida a esta sessão o paciente nunca mais voltou à clínica, retornando apenas em fevereiro de 2009, quatro anos depois. Fevereiro de 2009 – O Pr. retorna em busca de psicoterapia, dizendo que achava que o tratamento era só falar e ficar bem, que não estava conseguindo se abrir, que gostaria de procurar outra alternativa, que quer voltar quando desinibir. O psicólogo conclui portanto, que aconteceu o mesmo quando das outras vezes que procurou por tratamento psicológico ou seja, quando têm que entrar nos caminhos mais profundos, ele acaba desistindo do tratamento. Assim, o caso foi arquivado devido à desistência por parte do paciente, assinando o mesmo o termo de desistência e sendo encaminhado para o psiquiatra. Terceiro caso – Criminoso sexual preferencial (pedofilia; com atração pelo sexo feminino; do tipo não-exclusivo e restrito ao incesto) Um sujeito, J.E.F., de 48 anos de idade, casado, que durante longos anos manteve relações sexuais com suas filhas de maneira gradativa, ou seja, começou com a mais velha de nome S.F.E.-1, quando esta contava com mais ou menos 10 anos de idade, depois com a do meio de nome R.F.E-2. e por último com a mais nova de nome S.F.E.-3. Trocava de filha quando esta assumia os caracteres sexuais secundários. Tinha também um filho que não foi molestado sexualmente. Mantena – MG, 24 de março de 2000. O réu J.E.F., natural de Água Doce do Norte – ES, lavrador, no interrogatório confirmou em parte os atos narrados na denúncia; e 58 diz que em relação à vítima S.F.E.-1, iniciou as relações com a mesma quando ela tinha 16 anos de idade, e que era ela que procurava o declarante para prática dos atos, e quanto às vítimas R.F.E.-2 e S.F.E.-3, apenas tentou manter relações sexuais. Dada a palavra às vítimas no depoimento, a filha S.F.E.-1, esta afirmou sofrer agressões físicas, ameaças caso contasse a alguém sobre o ocorrido, que o primeiro contato sexual sofrido por ela ocorreu quando tinha de 6 a 8 anos de idade, e que os abusos ocorriam quando sua mãe viajava, sendo que na presença da mesma não ocorria abusos. O réu possuía um quarto filho do sexo masculino, de nome R.F.E., este não fora molestado, sendo que era violento e quando não gostava de alguma coisa, batia em todas as filhas, e filho, com socos, pontapés, murros e arremessava objetos. A filha S.F.E.-3, afirmou que achava que sua mãe não sabia dos abusos sexuais, isto em razão do tempo que os abusos ocorreram, que a primeira vez a ser molestada fora com 7 anos de idade, que seu irmão R.F.E., sabia da situação pois já presenciou o abuso, contudo não sabia qual irmã sofrera a violência. O Perito, Psicólogo, Roberto Jório Filho, através da análise processual de entrevistas e das informações de fontes subsidiárias, das filhas, filho, esposa, utilizou o teste psicológico PMK (Psicodiagnóstico Miocinético), teste de inteligência (Raven Matrizes Progressivas escala geral) e teste de peronalidade (HTP), proferiu o seguinte parecer sobre a personalidade do acusado: “Apresenta no momento, característica de personalidade primitiva, pouco elaborada, introvertido, com dificuldade para estabelecer relações satisfatórias com o ambiente. Ansiedade livre, flutuante, demonstrando tendência à fantasia, ou seja, as realizações não se apóiam no pensamento (faz mais do que deve ou é capaz). Descontrolado emocionalmente, com agressividade constitucional alta, mas com controle atual. Apresenta o nível intelectual abaixo da média devido sua pouca capacidade de concentração. Sugere um quadro clínico de Personalidade Severa com Transtorno da Preferência Sexual do Tipo Pedofilia; com atração pelo sexo feminino;do tipo não-exclusivo e restrito ao incesto”. 59 Quarto caso – Criminoso sexual preferencial (pedofilia; com atração sexual pelo sexo masculino; tipo exclusivo; com comorbidade psiquiátrica; indicativo de psicopatia) Um sujeito de 27 anos, solteiro, que nunca teve envolvimento afetivo sexual com adultos, estuprou e matou seu sobrinho de 4 anos de idade. Mantena – MG, 07 de novembro de 1993. O réu residia em Vitória – ES, mudando para Central de Minas, sua terra natal onde residem alguns parentes, chegando a Central de Minas foi residir numa casa velha, situada na Rua do Barracão (Rua Boa Vista). Na manhã do dia 06/11/93, sábado, após ter tomado umas cachaças em botecos de Central de Minas foi para a casa onde estava morando, que lá chegando, pegou umas mangas no quintal do fundo, há certa hora resolveu urinar, foi quando ali chegou seu sobrinho L.H. de 4 anos de idade. Ao ver o menino L.H., o declarante se excitou, e como estava embriagado resolveu num momento de fraqueza manter relações sexuais com seu sobrinho, para tanto o despiu e começou a esfregar o membro no ânus do mesmo, não conseguiu a penetração e com os atos libidinosos se deu por satisfeito. Então pegou seu sobrinho e o colocou em seus ombros, passando então a brincar de jogá-lo para cima, até que o mesmo caiu no chão e, ao que parece, quebrou o pescoço. Após verificar que seu sobrinho estava morto, o réu apavorou-se e resolveu esconder o corpo para ninguém encontrá-lo, para tanto colocou o corpo do garoto abaixo do assoalho, aproveitando que a tábua do mesmo estava solta, cobriu com tijolos e com uma folha de madeirite. O réu confessou o crime dizendo estar arrependido. Após análise processual, o Perito, Psicólogo, Roberto Jório Filho, através de entrevista, teste de personalidade (HTP e Rorschach) e de inteligência (Raven Matrizes Progressivas escala geral), proferiu o seguinte parecer: “Apresenta, no momento, características de personalidade primitiva, com baixo nível intelectual. Procura satisfazer suas necessidades de forma imediata e sem controle (assalto a mão armada, tráfico de drogas, satisfação sexual seguida de morte, etc.). Sente-se deprimido devido sua conduta ter sido exposta e não aceita socialmente (caracterizando indicativos de psicopatia) associado à pedofilia, com atração sexual pelo sexo masculino, tipo exclusivo (segundo ele, na entrevista, nunca teve relações sexuais satisfatórias e nem duradouras com mulheres)” 60 ANEXO B – FLUXO DE FANTASIAS À CONDUTA SEXUAL VIOLENTA Segundo Serafim (2007), o processo de fantasia do agressor sexual se configura em disparador para a violência extrema. Quando o indivíduo sai da fantasia para o ato em si, ele experimenta o prazer não mais pelo sexo e sim com o sofrimento de sua vítima. As fantasias gradativamente vão se transformando de pensamentos cada vez mais fixos, a um quadro de obsessões (ver esquematização do processo de fantasia ao comportamento sexual violento). Para Bradford (2001) apud Serafim (2007), as obsessões se constituem em idéias, pensamentos, imagens ou desejos persistentes e recorrentes, involuntários, que invadem a consciência. No caso dos pedófilos e molestadores, a maioria deles não percebem ou se preocupam que estas venham a se transformar em uma conduta problemática. Fantasias sexuais, eróticas a sádicas Obsessões e compulsões Facilitador para as primeiras experiências Primeiras experiências sádicas Violência Extrema Primeira Experiência de Abuso Sexual Mutilações Estupro, Mutilações e Homicídio Esquema 1 – Fluxo de fantasias à conduta sexual violenta. (SERAFIM, 2007, p. 6) 61 ANEXO C – COMPARAÇÃO ENTRE CARACTERÍSTICAS DE MOLESTADORES SEXUAIS SITUACIONAIS E PREFERENCIAIS Molestador Situacional Inteligência inferior Baixa classe socioeconômica Transtornos de personalidade do tipo: Antisocial/Psicopática Narcisista Esquizóide Comportamento criminal variado Pornografia violenta Impulsivo Considera riscos Erros cometidos por negligência Orientado intelectualmente Espontâneo ou planejado Disponibilidade Oportunidade Ferramentas Aprendizado Padrões de Comportamento: Praticidade Flexibilidade Molestador Preferencial Inteligência superior Alta classe socioeconômica Parafilias do tipo: Pedofilia Voyerismo Sadismo Comportamento criminal focado Pornografia temática Compulsivo Considera necessidade Erros cometidos por necessidade Orientado pela fantasia Script Auditivo Repetitivo Com acessórios Crítico Padrões de Comportamento Ritual Necessidade Rigidez Quadro 2 – Quadro comparativo entre molestadores situacionais e preferenciais. (HOLMES E HOLMES, 2002, apud SERAFIM, 2007, p. 4). 62 ANEXO D – CASO EUGÊNIO CHIPKEVITCH (EXEMPLO CARACTERÍSTICO DA PARAFILIA DO TIPO HEBEFILIA) O caso a seguir, extraído do site www.jusbrasil.com.br, é característico da parafilia do tipo efebofilia, que segundo Correia (2003) designa a atração de adultos por adolescentes pós-púberes (de 13 a 17 anos). De acordo com o mesmo autor além da efebofilia, o termo hebefilia é por vezes utilizado para descrever a atração adulta por adolescentes que já atingiram a puberdade (de 9 a 13 anos). O caso Eugênio Chipkevitch, ganhou repercussão nacional pelas características peculiares a ele atribuídas vistas a seguir. Eugênio Chipkevitch, (Ucrânia, 26 de abril de 1954) é um médico e psicoterapeuta brasileiro de ascendência ucraniana. O médico foi acusado de ter abusado sexualmente de seus pacientes adolescentes em sua clínica em São Paulo, tendo inclusive gravado cenas em vídeo, e por isso condenado a penas de 114 anos de prisão por atentado ao pudor e corrupção de menores. Naturalizado brasileiro, Chipkevitch era um profissional respeitado na área médica e acadêmica. Formou-se em 1978 na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), foi chefe do Serviço de Adolescentes do Hospital Infantil Darcy Vargas, na capital paulista, e membro de associações como a Society for Research on Adolescence (Sociedade para Pesquisa em Adolescência) dos Estados Unidos. Mencionado pela Universidade de Cambridge no ranking dos dois mil cientistas mais importantes do século 20, com direito a verbete na respeitada publicação Who’s Who in Science and Engineering (Quem É Quem na Ciência e na Engenharia), ele havia introduzido no Brasil a especialidade médica conhecida como hebiatria – o tratamento dos adolescentes e de seus problemas. Em sua clínica, o Instituto Paulista da Adolescência, constava o cadastro de cerca de dois mil clientes, que pagavam honorários acima da média para serem atendidos pelo médico conceituado. Seus livros eram adotados em diversas universidades brasileiras e estrangeiras e estava prestes a lançar mais um, quando se tornaram conhecidos os fatos que o levariam a ser processado e condenado e a ter cassado seu registro de médico. 63 Um técnico de uma empresa telefônica encontrou 35 fitas de vídeo numa caçamba de entulho e, após assisti-las, repassou trechos a emissoras de televisão. Na noite de 20 de março de 2002, foram ao ar no Programa do Ratinho, no SBT, imagens de Chipkevitch molestando sexualmente seus pacientes. Nas mais de 15 horas de gravações, das quais apenas uma pequena parte foi ao ar, apareceram cenas de abusos sexuais cometidos contra cerca de 40 vítimas, todos meninos, com idade entre 8 e 17 anos. O médico sedava os pacientes, sob o pretexto de aplicarlhes vacina, depois os despia e os acomodava na maca. Enquanto estavam inconscientes, fazia-lhes carícias, pegava-os no colo, manipulava seus órgãos genitais. Quando as gravações foram ao ar, a identidade do médico ainda era desconhecida. Mas, a mãe de um dos pacientes de Chipkevitch assistiu ao programa, reconheceu de quem se tratava e na mesma noite apresentou queixa à polícia. No dia seguinte ao programa, o médico foi preso em casa. Começou então o trabalho policial de identificar as demais vítimas. O caso ganhou rapidamente grande repercussão na mídia. Foram apreendidos computadores para se apurar se Chipkevitch divulgava pornografia infantil pela Internet. Mas nada nesse sentido foi provado, embora fotos de crianças nuas tenham sido encontradas em seu carro. Chipkevitch em sua defesa, alegou que as fitas de vídeo mostravam procedimentos clínicos que poderiam ser erroneamente interpretados como abusos sexuais. Confessou, no entanto, que era bissexual desde os 27 anos. Fugindo aos padrões brasileiros, o processo tramitou rapidamente e já estava definitivamente concluído em 2004. O médico foi condenado em primeira instância a uma pena total de 124 anos de prisão em regime fechado mais multa por crimes de atentado violento ao pudor com violência presumida, por se tratar de vítimas impossibilitadas de defesa. A pena foi agravada pelo fato de ter usado sua posição de médico para cometer os crimes. Posteriormente, o Tribunal de Justiça reduziu a pena para 114 anos, mantendo o regime fechado. Ainda em desacordo com os padrões brasileiros, o médico está efetivamente cumprindo sua pena num presídio paulista.