CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 09 (01 E 02): 07-16, 2011 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COMO ESTRATÉGIA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL: PROJETO CONHECER, ANALISAR E TRANSFORMAR (CAT), UMA EXPERIÊNCIA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO UNIVERSITY EXTENSION AS A STRATEGY FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT LOCATION: PROJECT UNDERSTANDING, ANALYSING AND TRANSFORMING (CAT), AN EXPERIENCE IN THE COUNTRYSIDE EDUCATION Maria de Lourdes Albuquerque de Souza1 Universidade Estadual de Feira de Santana/UEFS, Depto. de Ciências Sociais Aplicadas. Membro da Coordenação do Projeto CAT- Conhecer, Analisar e Transformar a Educação do Campo. Endereço: BR 116 Km 03, Campus Universitário – MA III As desigualdades sociais existentes no país, principalmente entre a zona rural e a zona urbana, são um desafio a ser vencido para se alcançar o desenvolvimento social, cultural, político e econômico comprometido com a proteção dos recursos ambientais. A educação surge nesse cenário como um fator cada vez mais indispensável para que se atinja o desenvolvimento sustentável. A educação eminentemente política e transformadora que rompa com o modelo vigente. No contexto educacional, as universidades têm um papel inquestionável, pois, ao exercer suas funções indissociáveis de ensino, pesquisa e extensão podem articular processos educativos como elementos facilitadores da promoção do desenvolvimento local sustentável. A Educação do Campo se apresenta como estratégia para a transformação da realidade do campo em todas as suas dimensões.A experiência do Projeto CAT - Conhecer, Analisar e Transformar a educação do campo, ao contribuir para o desenvolvimento sustentável da região e do território em que atua, anuncia que iniciativas de extensão universitária como a da Universidade Estadual de Feira de Santana (que ao ingressar na área rural, tem aprendido com os camponeses e ajudado a sistematizar suas práticas educacionais/escolares), podem ser uma estratégia para o desenvolvimento local sustentável. Palavras-Chave: Educação do Campo - Desenvolvimento Sustentável - Extensão Universitária. Social inequalities in the country, especially between rural and urban areas, are a challenge to be overcome to achieve social, cultural, political and economic development towards the protection of environmental resources. Education emerges as a factor increasingly indispensable for achieving sustainable development in this context. Such education should be a highly political and transformative one that can overcome the traditional model. In the educational context, universities have an unquestionable role, for by developing its associated roles such as teaching, research and continuing education, it can articulate the educational processes as triggers to promote local sustainable development. A Countryside Education presents itself as strategy for the transformation of the reality of the countryside in all its dimentions. CAT Project, (KAT) which stands for knowing, analyzing and transforming the countryside education by contributing to a sustainable development in the region and the territory to which it serves, shows that initiatives like that of the State University of Feira de Santana, (which has approached the rural area and have been learning from the peasants and helped to organize their educational practice) may be a strategy for sustainable local development. Key-Words – Countryside Education – Local Sustainable Development - University Extension INTRODUÇÃO O Brasil como os demais países ditos “emergentes”, encontra-se hoje em um momento crucial para a definição do seu futuro no que se refere à articulação e à integração com a dinâmica da sociedade com vistas à promoção de um desenvolvimento social, cultural, político e, principalmente, econômico, integrado e comprometido com a proteção e a conservação dos recursos ambientais. Nesse momento, as enormes desigualdades sociais existentes no país, principalmente entre a zona urbana e a zona rural, são um desafio a ser vencido. 1 E-mail: [email protected] 7 CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 09, (01 E 02): 07-16, 2011 Souza, M. L. A. Como pensar um país em direção ao desenvolvimento quando ainda existem regiões como a do semi-árido (caatinga) nordestino, que concentra 2/3 da população mais pobre do país, que apesar de um relativo crescimento econômico na última década ainda apresenta índices elevadíssimos de analfabetismo, extenso uso do trabalho infantil, condições sanitárias precárias, alto grau de carência alimentar e de mortalidade infantil, além do grave problema ecológico da seca? No domínio do semi-árido uma numerosa população luta para conviver com as dificuldades naturais, adaptando seus modos de vida às imposições de um meio ambiente extremamente hostil, criando estratégias de sobrevivência apoiadas em conhecimento empírico acumulado ao longo de muitas gerações. O atual modelo de desenvolvimento vê o Brasil apenas como mais um mercado emergente, predominantemente urbano, concentrado no sul e sudeste do país, e fortemente caracterizado pela insustentabilidade, mau aproveitamento e destruição de recursos ambientais. Nesse modelo, não parece haver necessidade de políticas públicas2 específicas para o desenvolvimento do campo (zona rural) e de seus habitantes, a não ser do tipo compensatório à sua própria condição de inferioridade e/ou diante de pressões sociais. Um dos problemas do campo é exatamente a ausência de políticas públicas que garantam um novo estilo de desenvolvimento que não se baseie na cópia de modelos socialmente injustos e ecologicamente inviáveis e que promovam a melhoria da qualidade de vida das pessoas que ali vivem e trabalham (ARROYO, 2008). No processo de produção/reprodução das desigualdades sociais, culturais e econômicas no Brasil, um fator merece destaque. Trata-se da educação, envolvendo agora não só a escolarização formal adquirida nas instituições de ensino, mas, de forma cada vez mais indispensável, o processo de contínua preparação para o futuro que tenha como princípio o compromisso com a sustentablidade (CAVALCANTI, 1997). Trata-se aqui de entender a educação como elemento indispensável para que se atinja o desenvolvimento sustentável; uma educação eminentemente política e transformadora; uma educação que rompa com o paradigma vigente (GADOTTI, 2007). A Universidade como formadora de profissionais que vão contribuir para o desenvolvimento tem um papel inquestionável nesse contexto. Além do ensino, as universidades também têm como função a pesquisa e a extensão através das quais podem contribuir efetivamente para o desenvolvimento social, cultural e econômico, conferindo-lhe uma importante função social. Tendo em vista que “conhecimento e desenvolvimento formam um par inseparável” como afirma Paolo Orefice (2007,p.21), o papel que a universidade vai desempenhar está inegavelmente vinculado à concepção política sobre a relação entre ciência e sociedade que orienta os cientistas acadêmicos em sua prática no desenvolvimento dos projetos e programas universitários. No desempenho de suas funções as universidades podem contribuir para a construção do conhecimento científico e sua divulgação; para formação de agentes de desenvolvimento sustentável; apoiar a formulação de políticas públicas, e incentivar a ampliação e melhoria dos mecanismos de controle social. Ou seja, elas podem atuar no campo da educação formal e comunitária articulando processos educativos como elementos facilitadores da promoção do Desenvolvimento Local Sustentável (MUTIM,2008,p.117). 2 Entende-se por políticas públicas os conjuntos de ações resultantes do processo de institucionalização de demandas coletivas constituído pela interação Estado/Sociedade, conforme texto preparatório à Primeira Conferência Nacional “Por uma Educação Básica do Campo” ( Arroyo,2008). 8 CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 09, (01 E 02): 07-16, 2011 Extensão Universitária... Ainda de acordo com Mutim, a universidade tem um papel de relevância na ampliação da participação da população na gestão territorial através de uma ação pedagógica que vise à formação de agentes de desenvolvimento que venham provocar mudanças estruturais no modelo de desenvolvimento, tornando-o mais justo e solidário. As universidades públicas brasileiras, e aqui queremos assinalar as universidades estaduais baianas, possuem um corpo de docentes que lhes conferem competência e conhecimento técnico e científico para interferir efetiva e decisivamente no processo de produção/reprodução das desigualdades sociais, culturais e econômicas em nosso país. A experiência que vamos relatar, sobre o trabalho de um grupo de professores da UEFS, do qual fazemos parte como membro da coordenação, o Projeto CAT, Conhecer, Analisar e Transformar a educação do campo, é um exemplo de que a ação da universidade associada a uma rede de parceiros interessados em contribuir para as transformações necessárias à mudança do modelo vigente, pode ter resultados positivos e estimuladores na construção de políticas públicas para a educação e a promoção do desenvolvimento local sustentável. A EDUCAÇÃO DO CAMPO E A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL Para falar da ação do PROJETO CAT, faz-se necessário explicitar o sentido e o significado dos dois conceitos centrais da proposta metodológica do Projeto: Educação do Campo e Desenvolvimento Sustentável. A Educação do Campo tem sido um tema bastante discutido nas instâncias governamentais, organizações não governamentais e universidades públicas brasileiras. Esse debate parece ser o resultado de anos de luta, movimentos e articulações, iniciados na década de 1930, em defesa de um projeto educativo adequado às características do meio rural (JESUS, 2004). O conceito de Educação do Campo surge durante a Primeira Conferência Por uma Educação Básica do Campo, em Luziânia (GO), em1998. Esse conceito veio associado à produção da vida, do conhecimento e da cultura do campo, à ampliação do acesso e permanência e direito à escola pública e de qualidade – as pessoas têm o direito de estudar no lugar onde vivem (espaço de produção e de cultura); as pessoas têm o direito de estudar o lugar onde vivem. Essa concepção de Educação do Campo foi incorporada ao documento das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (CNE, 2002) que orientam os projetos institucionais das escolas que integram os diversos sistemas de ensino3. A identidade das escolas do campo é definida nas Diretrizes (...) pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade da vida coletiva no país (artigo 2º, parágrafo único, (CNE/CEB, 2002). 3 Essas Diretrizes foram complementadas pela Resolução CNE/CEB nº 2, de 28/04/2008, que estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo. 9 Souza, M. L. A. CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 09, (01 E 02): 07-16, 2011 Em agosto de 2004, na Declaração Final da II Conferência Nacional Por uma Educação do Campo, o campo e a educação passam a incorporar a agenda política do país da qual constam alguns pontos entre os quais destacamos: a) a defesa de um projeto de sociedade justa, democrática e igualitária; que contemple um projeto de desenvolvimento sustentável do campo, que se contraponha ao latifúndio e ao agronegócio; b) defesa de uma educação para superar a oposição entre campo e cidade e a visão predominante de que o moderno e mais avançado é sempre o urbano, e que o progresso de um país se mede pela diminuição da sua população rural; c) defesa do campo como um lugar de vida, cultura, produção, moradia, educação, lazer, cuidado com o conjunto da natureza, e de novas relações solidárias que respeitem as especificidades sociais, étnicas, culturais e ambientais entre os sujeitos. Vale ressaltar que a concepção de uma educação a partir do campo foi formulada em um contexto de problematização de conceitos e idéias até então arraigados na sociedade brasileira, como tem sido a educação rural. A concepção de Educação do Campo, em substituição à Educação Rural, entende o campo e cidade enquanto duas partes de uma única sociedade, que dependem uma da outra e não podem ser tratadas de forma desigual. Nessa perspectiva, a Educação do Campo se diferencia da educação rural, pois é construída por e para diferentes sujeitos, territórios, práticas sociais e identidades culturais que compõem a diversidade do campo. Ela se apresenta como uma garantia de ampliação das possibilidades de homens e mulheres camponeses criarem e recriarem as condições de existência no campo. Portanto, a educação é uma estratégia importante para a transformação da realidade dos homens e das mulheres do campo, em todas as suas dimensões, e é um dos seus desafios, a conquista do acesso universal a todo o conhecimento produzido pela humanidade e a garantia de uma formação que busque novas estratégias educativas e promova o desenvolvimento humano integral (CALDART, 2008). Entendemos que a eficácia e a efetividade das proposições das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (CNE/CEB, 2002; CNE/CEB, 2008), vão depender da compreensão que cada agente responsável pela operacionalização dessas Diretrizes - as instâncias de gestão pública, as instituições do sistema de ensino, as escolas, as universidades e organizações não governamentais, têm sobre desenvolvimento sustentável - DS. O conceito de DS como um desenvolvimento que atende às necessidades do momento atual de promoção de um desenvolvimento social, cultural, político e, principalmente econômico, integrado e comprometido com a proteção e a conservação dos recursos ambientais, sem comprometer as necessidades das gerações futuras, é aceito por todos. Desde os dirigentes dos países mais industrializados, os chefes de estado dos países latino americanos, os empresários de multinacionais e seu conceito de ecoeficiência, o movimento verde, até os cientistas, entre outros, utilizam em seus discursos o tema do desenvolvimento sustentável, que acabou por sofrer um desgaste, tornando-se um conceito permeado de ambiguidade (NUNES, 2007). No entanto, alguns autores consideram que no contexto do atual modelo de desenvolvimento, os termos “desenvolvimento” e “sustentabilidade” são logicamente incompatíveis já que esse modelo desenvolvimentista levou o planeta ao estágio atual de crise socioambiental. O conceito de “desenvolvimento” está situado em um contexto bem delineado de uma ideologia de progresso que remete a um único padrão de industrialização e de consumo, representante de um modelo econômico que tem como promessa o bem-estar e a felicidade que só podem ser alcançados pela acumulação de bens 10 CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 09, (01 E 02): 07-16, 2011 Extensão Universitária... materiais. Já “sustentável” é um termo que, associado a desenvolvimento, vai além da preservação dos recursos naturais e da viabilidade de um desenvolvimento sem agressão ao meio ambiente, e como diz Gadotti, implica num equilíbrio holístico, ...do ser humano consigo mesmo e com o planeta, mais ainda, com o próprio universo. A sustentabilidade que entendemos refere-se ao próprio sentido do que somos, de onde viemos e para onde vamos,como seres do sentido de tudo o que nos cerca (GADOTTI,2007,p.73). Criado por Lester Brown, do Instituto Worldwatch, no início da década de 1980, o conceito de sustentabilidade definiu a sociedade sustentável como aquela que é capaz de satisfazer suas necessidades sem comprometer as chances de sobrevivência das gerações futuras. A construção de uma sociedade sustentável, no entanto, só parece ser possível pela via da educação. Capra (2005) defende que a sobrevivência da humanidade depende de sociedades que tenham a capacidade de compreender os princípios básicos da ecologia e viver de acordo com eles. De acordo com o autor, esse processo só será viável através do que ele chama de alfabetização ecológica ou “ecoalfabetização”, pela qual devem ser qualificados políticos, líderes empresariais e profissionais de todas as esferas e deve ser parte mais importante da educação em todos os níveis da educação desde o ensino fundamental até a universidade. Na mesma direção, Gadotti (2007) apresenta um movimento pedagógico: a ecopedagogia e ecoformação para a re-educação do homem e da mulher, para se construir um novo sentido de vida cotidiana, de relação espaço/tempo no qual se realiza concretamente a relação homem-natureza. A ecopedagogia implica uma reorientação do conteúdo dos currículos para que esse tenha significado para o aluno e ao mesmo tempo para a saúde do planeta. A ecopedagogia, como afirma Gadotti, está ligada a um projeto de mudar as relações humanas, sociais e ambientais atuais através da educação. O PROJETO CONHECER, ANALISAR E TRANSFORMAR COMO ESTRATÉGIA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM MUNICIPIOS DO SEMIÁRIDO BAIANO O CAT é um Projeto de Extensão desenvolvido em uma parceria da Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS, com o MOC - Movimento de Organização Comunitária4 e Prefeituras Municipais do semi-árido baiano, que vem atuando desde março de 1994. Está engajado na história da Educação do Campo e surgiu como uma experiência em apenas três municípios, com alguns professores, inspirados na metodologia do SERTA (Serviço de Tecnologia Alternativa de Pernambuco). Como Projeto de Formação continuada de Professores do campo, vem atuando nestes 16 anos, preservando os objetivos, princípios e metodologia propostos no Projeto inicial, o que significa que na sua essência, nada mudou, porém as estratégias variaram, adaptando-se às circunstâncias temporais e locais. A realidade educacional em 1994 era diferente da que temos hoje. Os professores rurais eram “leigos” na sua maioria, ou seja, não tinham nem o curso de magistério, mas se dedicavam com o que sabiam para ensinar as crianças a ler, contar e escrever. Eram umas heroínas (geralmente eram mulheres, 4 O MOC – Movimento de Organização Comunitária, é uma organização não governamental, fundada em 1967, sediada em Feira de Santana, Bahia que atua nos municípios do semi-árido, em quatro Territórios: Bacia do Jacuípe, Piemonte da Diamantina, Portal do Sertão e Sisal. 11 Souza, M. L. A. CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 09, (01 E 02): 07-16, 2011 e ainda hoje são), ganhavam pouco, menos que um salário mínimo, não tinham a oportunidade de capacitação nem atualização. No que diz respeito à Educação, não havia Políticas Públicas definidas para uma Educação contextualizada do Campo. Essa realidade, em 2010, é diferente, pois, os professores das escolas do campo têm o nível médio completo. Apesar dos avanços conquistados muito por conta das exigências da legislação – (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei N0 9.394/96; Resolução CNE nº 1, de 03/04/2002; Resolução CNE N0 2, de 28/04/2008),que obrigam os Estados e Municípios a investirem na melhoria da capacitação dos seus professores e professoras, o segmento da educação do campo ainda necessita que se estabeleçam políticas educacionais apoiadas na realidade rural e que possibilitem ao homem do campo a inserção no mundo moderno para construção de um saber que transforma os homens e mulheres em protagonistas do seu próprio progresso e do meio em que estão inseridos, interagindo com o mundo, e construindo juntos o desenvolvimento local e territorial. Houve, também, alguma evolução na população do campo, alguma tecnologia já chegou facilitando o trabalho na agricultura familiar, mas o pequeno agricultor tem pouco acesso a esta tecnologia, por dificuldade econômica, por desconhecer como utilizá-la e até mesmo sem consciência do que lhe é garantido por programas e projetos governamentais, a exemplo do PRONAF. Atualmente o Projeto CAT atinge 22 municípios, 60 coordenadores municipais, 2.000 professores e quase 30.000 alunos do ensino fundamental (1ª a 5ª série)5 e utiliza uma proposta pedagógica que visa contribuir para a formulação, implementação e execução de políticas públicas educacionais para as escolas do campo, considerando e valorizando a realidade rural, a população do campo e o meio ambiente, atendendo, assim, às necessidades e anseios dos alunos e suas famílias, colaborando, portanto, para um desenvolvimento sustentável integral e integrado na região (território). A estratégia está centrada na formação de professores e professoras municipais do campo a fim de que esses possam desenvolver seu trabalho, que envolve não só os alunos, mas, também suas famílias, utilizando uma nova metodologia que valoriza e respeita a natureza, o homem do campo, seu trabalho e sua cultura, criando condições de mudança nas atitudes dos alunos e na realidade do local, com o estudo e desenvolvimento de temas que versem sobre sua realidade. É, ainda, objetivo do CAT desenvolver pesquisas nas áreas de atuação do Projeto: Educação do Campo, Agricultura Familiar, Gestão da Educação, Semi-Árido, sempre numa perspectiva interdisciplinar; as quais ajudam a aprofundar o conhecimento da realidade com vistas à melhoria de vida da população. As letras da sigla do Projeto CAT indicam a metodologia de sua proposta pedagógica que tem como base os princípios freirianos, partindo da realidade onde o aluno vive e voltando-se para ela a fim de melhorá-la (FREIRE, 1979), (FREIRE,1977). É Ação –Reflexão –Ação. BASE PAULO FREIRE Ação Reflexão 5 Dados do Relatório Anual de Atividades do Projeto CAT/2009. 12 Ação CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 09, (01 E 02): 07-16, 2011 Realidade Escola CONHECER ANALISAR Extensão Universitária... Comunidade TRANSFORMAR CONHECER: Pesquisa da Comunidade. ANALISAR: Registro e reflexão sobre o pesquisado para construir conhecimento sobre a realidade. TRANSFORMAR: A partir da devolução à comunidade dos conhecimentos construídos pelos alunos buscar, com esta, solução para os problemas identificados, ou melhoria da realidade. Para facilitar todo esse processo, o CAT utiliza um instrumento de planejamento para o/a professor/a - a ficha pedagógica - uma espécie de roteiro de trabalho em sala de aula, elaborado a partir de um tema da realidade, escolhido conjuntamente, fruto de uma construção coletiva (professores dos vários municípios reúnem-se quatro vezes ao ano para elaborá-la). Claro que cada professor/a pode e deve acrescentar o que achar necessário à sua classe, ou retirar o que viu que é repetição. Em cada ano letivo é escolhido um tema transversal a partir do qual são trabalhados o sub-temas de cada unidade letiva. O tema escolhido para 2010 é “O Semi-árido e a realidade sócio ambiental”. Os três passos pedagógicos são explicitados com/para o/a professor/a na ficha pedagógica elaborada coletivamente pelos próprios professores, em encontros e dias de estudos específicos para isto. A assessoria pedagógica (MOC/UEFS), composta por professores e estagiários dos diversos cursos da UEFS, técnicos do MOC e os coordenadores municipais participam desses momentos, colaborando na discussão final do que foi elaborado pelo grupo de professores. O primeiro passo, conhecer a realidade, se dá com um trabalho que os alunos realizam através de uma pesquisa (de campo), junto aos pais e familiares. Levam da escola algumas questões sobre a realidade as quais deverão ser respondidas com os pais. As respostas são registradas em textos (em prosa ou versos), em quadros, em gráficos. Em seguida, comparam-se as respostas, analisando-as; sintetizandoas em cartazes, dramatizações, ou outros tipos de linguagem, criando-se assim um conhecimento novo localizado. A partir deste novo saber sistematizado, estudam-se os “conteúdos oficiais” das diferentes disciplinas, ampliando o conhecimento dos alunos, com outros conhecimentos universais já sistematizados, comparando-o com aquele novo construído pelos alunos. Devolve-se esta informação à comunidade buscando-se coletivamente soluções. E a comunidade mobiliza-se em busca de soluções. Analisa-se a realidade, vendo-se o que há de bom para estimular, o que naquele ponto pesquisado precisa ser mudado. Parte-se para apresentar à comunidade conhecimento produzido a fim de buscar solução para os problemas. Esse é o momento chamado de Devolução à comunidade do conhecimento produzido, o qual deve ser útil aos alunos e familiares, pois busca melhorar a vida de todos e valorizar as pessoas da localidade: o transformar. 13 Souza, M. L. A. CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 09, (01 E 02): 07-16, 2011 Há um quarto momento: o Avaliar que consiste em observar e refletir sobre os impactos que a vivência do tema provocou nos envolvidos, na comunidade, no município, na região. Nesse momento pode-se perceber quais foram os Resultados de melhoria de vida das pessoas e de desenvolvimento integral e sustentável. A avaliação é o grande desafio do Projeto CAT. A proposta está construída a partir da concepção de que avaliar significa refletir e tomar posição na história a partir de três dimensões fundamentais e intercomplementares da vida e dos processos que se vive: a) refletir para onde se decidiu caminhar e direcionar as próprias atividades, ou seja, redefinir/direcionar os objetivos; b) analisar os meios a serem utilizados para se chegar aos objetivos; c) decidir a respeito de possível modificação dos meios utilizados e/ou até mesmo redimensionamento dos objetivos. Avaliar significa, portanto, um momento político de definição / redefinição de rumos e estratégias ( BAPTISTA, 2005). O Planejamento e a Avaliação do Projeto são etapas complementares. No início de cada ano, é realizada uma reunião dos parceiros para construir o Planejamento Anual do CAT, quando são estabelecidas as etapas de Avaliação e monitoramento a partir das análises dos resultados do ano anterior e as ações que poderão ser firmadas pelos parceiros. Pais, alunos, professores, comunidade, coordenadores pedagógicos, estagiários universitários e assessores do projeto são produtores de conhecimento, são sujeitos da caminhada educativa, são responsáveis pelos destinos da escola/educação. Todos são, também, sujeitos do processo avaliativo, portanto, avaliam e são avaliados. Os instrumentos utilizados, no processo avaliativo, são os relatórios trimestrais elaborados nos Encontros com as Coordenações Municipais; encontros semestrais dos representantes da UEFS, do MOC e Prefeituras; visitas da Coordenação do Projeto às escolas e um Encontro Geral de Avaliação ao final das atividades anuais. A ação do Projeto tem conseguido resultados positivos demonstrando que seus objetivos estão sendo alcançados, dentre eles: desenvolvimento da criatividade e melhoria da auto-estima do aluno do campo; desenvolvimento do senso crítico e do debate do aluno do campo; envolvimento da família na escola; resgate da cultura local; integração da comunidade na discussão e resolução dos problemas locais. Além desses, resultados concretos na melhoria da qualidade do ambiente local através da participação da comunidade têm sido evidenciados através da constatação de: diminuição das queimadas; diminuição do uso de agrotóxicos; coleta do lixo na zona rural; uso adequado dos recursos hídricos; produção de mudas de árvores frutíferas e reflorestamento; instalação de telefones públicos; melhoria de vias e estradas rurais; uso de filtros para água potável. Apesar dos resultados positivos, muitas dificuldades ainda são enfrentadas pelo Projeto CAT. A falta de interesse de algumas Secretarias de Educação dos municípios que adotaram a metodologia do CAT em suas escolas do campo é um grande limitador da efetividade do Projeto. Em muitos casos a questão política partidária interfere diretamente no funcionamento das Coordenações pedagógicas, pois os coordenadores/coordenadoras são cargo de confiança e quase sempre nas mudanças da gestão municipal aquele ou aquela coordenadora que já possuía o domínio da metodologia, em razão de ter sido nomeada pela gestão anterior perde o cargo e em seu lugar entra um/a novo/a professor/a que vai necessitar de capacitação e sensibilização para o trabalho na metodologia. O mesmo acontece com os/as professores/as 14 CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 09, (01 E 02): 07-16, 2011 Extensão Universitária... das escolas nos distritos.Esse fato possibilita a ocorrência de resistências à proposta pedagógica tão diferente do ensino tradicional e que exige um envolvimento e comprometimento maior com o processo educacional e uma nova prática pedagógica e exige um esforço redobrado da equipe de assessoria do Projeto. Os instrumentos de socialização dos resultados do Projeto são um informativo “A VOZ DO CAT”, relatórios publicados periodicamente, edição de livro, publicação de resultados de pesquisas, comunicação científica em Congressos e outros eventos acadêmicos e científicos. O Projeto também tem sido objeto de monografias de cursos de graduação e especialização, dissertações de mestrado e teses de doutorado. CONCLUSÃO A partir da experiência com o Projeto CAT podemos verificar que a Educação do Campo ocorre tanto em espaços escolares quanto fora deles. Envolve saberes, métodos, tempos e espaços físicos diferenciados, pois são frutos da produção, da família, da convivência social, da organização comunitária, da cultura e do lazer. A sala de aula, por sua vez, é um espaço específico de sistematização, de análise e de síntese das aprendizagens se constituindo, assim, num local de encontro das diferenças, pois é nelas que se produzem novas formas de ver, estar e se relacionar com o mundo. Nessa proposta metodológica, o desenvolvimento sustentável é pensado a partir do estudo da relação do ser humano com a natureza, da situação histórica particular de cada comunidade, e da análise dos recursos disponíveis, das expectativas, dos anseios e das necessidades dos que vivem no campo. A proposta pedagógica trabalhada pelo Projeto CAT orienta a elaboração dos Projetos Políticos Pedagógicos e dos currículos escolares procurando estimular a criação de novas relações entre pessoas e natureza, entre seres humanos e os demais seres dos ecossistemas, valorizando a vida, a saúde e a sustentabilidade. A experiência do Projeto CAT comprova que iniciativas como a da Universidade Estadual de Feira de Santana, que saiu de seus muros, e, em parceria com o MOC e prefeituras municipais, ingressou na área rural, vem aprendendo com os camponeses e ajudado a sistematizar suas práticas educacionais/escolares, podem ser uma estratégia para o desenvolvimento local sustentável. REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel G.; CALDART, Roseli S.; MOLINA, Monica C.(orgs). Por uma educação do campo. 3ª ed.-Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. BAPTISTA, F. M.C.; BAPTISTA, N. de. (Org.). Educação Rural: sustentabilidade do campo. 2ª ed.. Feira de Santana, BA: MOC; UEFS; (Pernambuco): SERTA, 2005. 204p. 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