REVISTA JURÍDICA CONSULEX ONLINE Conjuntura Walter Douglas Stuber e Adriana Maria Gödel Stuber WALTER DOUGLAS STUBER E ADRIANA M. GÖDEL STUBER são advogados especializados em Direito Financeiro e mercado de capitais e, respectivamente, sócio fundador e advogada associada do escritório Amaro, Stuber e Advogados Associados. 15/01/2003 NOVAS REGRAS ADOTADAS NO BRASIL EM RELAÇÃO ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS "O funcionamento das instituições financeiras ou assemelhadas depende de aprovação prévia e expressa do Bacen." Em sessão realizada no dia 28 de novembro de 2002, o Conselho Monetário Nacional aprovou o novo regulamento que passou a disciplinar os requisitos e procedimentos para a constituição, autorização para funcionamento, transferência do controle societário e reorganização societária, bem como o cancelamento da autorização para funcionar de instituições financeiras1 e demais entidades equiparadas, que precisam de autorização prévia do Banco Central do Brasil (Bacen) para operar no País. Essas entidades equiparadas serão aqui designadas simplesmente como "assemelhadas". O referido regulamento encontra-se anexo à Resolução nº 3.040, de 28 de novembro de 20022. As instituições financeiras ou assemelhadas, sujeitas a esse regulamento e expressamente nele relacionadas, são as seguintes: bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de desenvolvimento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, companhias hipotecárias, agências de fomento, sociedades de arrendamento mercantil, sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários, sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários e sociedades corretoras de câmbio. Compete ao Bacen examinar o cumprimento das condições exigidas para a constituição e autorizar o funcionamento de todas essas instituições no Brasil. O funcionamento das instituições financeiras ou assemelhadas depende de aprovação prévia e expressa do Bacen e pressupõe não só a constituição, conforme as normas legais e regulamentares aplicáveis, como também a autorização para o funcionamento. No processo de constituição de uma instituição financeira ou assemelhada, deverá ser indicado o responsável tecnicamente capacitado pela condução do projeto de constituição junto ao Bacen, bem como identificado o grupo organizador da nova instituição. Deverão participar do grupo organizador da nova instituição os representantes do futuro grupo de controle e os futuros detentores de participação qualificada. O conceito de "grupo de controle" decorre da definição de "acionista controlador" prevista na legislação aplicável, que regula as sociedades por ações3. Assim, nos termos da lei societária, considera-se acionista controlador "a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia". Para fins do regulamento, entende-se como qualificada a participação, direta ou indireta, por pessoas físicas ou jurídicas, equivalente a 5% ou mais de ações ou quotas representativas do capital total dessas instituições. Para que possa ser constituída uma instituição financeira ou assemelhada, os interessados devem atender às seguintes condições: - publicação de declaração de propósito4, por parte de pessoas físicas ou jurídicas que ainda não integrem o grupo de controle da instituição financeira ou assemelhada, nos termos e nas condições estabelecidos pelo Bacen. Caberá ao Bacen divulgar essa declaração de propósito, utilizando, para tanto, o meio de divulgação que julgar mais adequado; - apresentação do estudo de viabilidade econômico-financeira e do plano de negócios, abrangendo os três primeiros anos de atividade da instituição, bem como a definição dos padrões de governança corporativa a serem observados, incluindo-se o detalhamento da estrutura de incentivos e da política de remuneração; - indicação da composição do grupo de controle da instituição; - demonstração da capacidade econômico-financeira compatível com o porte, a natureza e o objetivo do empreendimento. A critério do Bacen, esse requisito poderá ser atendido individualmente por acionista controlador ou pelo grupo de controle; - autorização expressa, por parte dos integrantes do grupo de controle e dos detentores de participação qualificada, à Secretaria da Receita Federal, para fornecimento ao Bacen de cópia da declaração de rendimentos, de bens e direitos e de dívidas e ônus reais, relativa aos três últimos exercícios, para uso exclusivo no respectivo processo de autorização, e ao Bacen, para acesso a informações a esse respeito constantes de qualquer sistema público ou privado de cadastro e informações; e - inexistência de restrições que possam, a juízo do Bacen, afetar desfavoravelmente a reputação dos controladores5. O estudo de viabilidade econômico-financeira deverá conter, no mínimo: a) a análise econômica e financeira dos segmentos de mercado na região em que a instituição pretende atuar e a projeção de sua participação nesses segmentos, com indicação dos principais concorrentes em cada um desses segmentos; b) a expectativa de rentabilidade, com indicação de retornos esperados em cada um dos segmentos de mercado escolhidos; e c) as projeções financeiras evidenciando a evolução patrimonial no período, com a identificação das fontes de captação que viabilizem essa evolução. O plano de negócios, por sua vez, deverá indicar, pelo menos: a) o detalhamento da estrutura organizacional proposta, com clara determinação das responsabilidades atribuídas aos diversos níveis da instituição; b) a especificação da estrutura dos controles inter-nos, evidenciando mecanismos que garantam adequada supervisão por parte da administração e a efetiva utilização de auditoria interna e externa como instrumentos de controle; c) o estabelecimento de objetivos estratégicos; d) a definição dos principais produtos e serviços a serem operados, bem como do público-alvo; e) as tecnologias a serem utilizadas na colocação dos produtos e o dimensionamento da rede de atendimento; f) a definição de prazo máximo para o início das atividades, após a concessão pelo Bacen da autorização para funcionamento; e g) a descrição dos critérios utilizados na escolha dos administradores, assim como a identificação dos administradores, quando solicitada pelo Bacen. Quando o Bacen reconhecer que foram devidamente atendidas todas as condições estabelecidas no regulamento, enviará um comunicado nesse sentido aos interessados e estes terão um prazo máximo de noventa dias, contado do recebimento da respectiva comunicação, para formalizar o pedido de autorização para funcionamento da instituição6. Mediante pedido justificado, o Bacen poderá conceder um prazo adicional de até noventa dias, findo o qual, se não tiverem sido adotadas as providências pertinentes, o processo de constituição será automaticamente arquivado. A autorização para o funcionamento será concedida após a aprovação pelo Bacen dos atos formais de constituição, observada a regulamentação vigente, cabendo a todos os integrantes do grupo de controle e detentores de participação qualificada comprovar, perante o Bacen, a origem dos recursos que serão utilizados no empreendimento. O início das atividades da instituição observará o prazo previsto no plano de negócios, podendo o Bacen excepcionalmente conceder prorrogação desse prazo, mediante requisição fundamentada, firmada pelos administradores da instituição7. Antes do início das atividades e depois de obtida a autorização para funcionamento, a instituição deverá encaminhar ao Bacen declaração atestando a conformidade de sua infra-estrutura ao plano de negócios apresentado e, no caso de instituições financeiras, a adesão ao mecanismo de proteção a titulares de crédito contra instituições financeiras8. Uma vez iniciadas as atividades, a instituição deverá, durante seus três primeiros exercícios sociais, evidenciar no relatório de administração que acompanha as demonstrações financeiras semestrais a adequação das operações realizadas com os objetivos estratégicos estabelecidos no plano de negócios. Cumpre ao auditor independente incluir item específico em seu parecer a respeito das demonstrações financeiras, opinando sobre as informações constantes do aludido relatório de administração. Se for verificada, durante os três primeiros exercícios sociais, a não-adequação das operações com os objetivos estratégicos, caberá à instituição apresentar justificativas fundamentadas. Essas justificativas serão examinadas pelo Bacen, que poderá estabelecer condições adicionais a serem cumpridas pela instituição, fixando prazo para seu atendimento. Dependem igualmente de autorização do Bacen a transferência de controle societário e qualquer mudança, direta ou indireta, no grupo de controle, que possa implicar em alteração na ingerência efetiva nos negócios da instituição, decorrentes de: a) acordo de acionistas ou quotistas; b) herança e atos de disposição de vontade, como, por exemplo, doação, adiantamento da legítima e constituição de usufruto; e c) ato, isolado ou em conjunto, de qualquer pessoa, física ou jurídica, ou grupo de pessoas representando interesse comum. Todavia, não está sujeita à autorização do Bacen a mera transferência de controle societário para pessoa jurídica, desde que não ocorra o ingresso de novas pessoas físicas no quadro de controladores finais da instituição. Também dependem de autorização do Bacen os atos de reorganização, abrangendo mudança de objeto social; criação ou cancelamento de carteira operacional por banco múltiplo; fusão, cisão ou incorporação. O regulamento relaciona ainda outros eventos que deverão ser comunicados ao Bacen, no prazo a ser estabelecido pelo próprio Bacen: • o ingresso de acionista ou quotista com participação qualificada ou com direitos correspondentes a participação qualificada, decorrentes de atos jurídicos formalizados, direta ou indiretamente, com outros acionistas ou quotistas da instituição; • a expansão da participação detida por acionista ou quotista em percentual igual ou superior a 5% do capital da instituição, de forma acumulada ou não; e • a assunção da condição de acionista ou quotista detentor de participação qualificada. As participações societárias diretas que impliquem em controle das instituições constituídas a partir de 29 de novembro de 20029, somente podem ser detidas por pessoas físicas, instituições financeiras ou assemelhadas ou outras pessoas jurídicas, que tenham por objeto social exclusivo a participação societária em instituições financeiras ou assemelhadas10. O cancelamento da autorização para funcionamento será exigido sempre que ocorrer a prática de atos que acarretem a extinção da sociedade ou a mudança de seu objeto social, resultando na descaracterização da instituição como sociedade integrante do Sistema Financeiro Nacional. A extinção decorrente de fusão, cisão total ou incorporação, na hipótese em que a instituição resultante ou sucessora for autorizada a funcionar pelo Bacen, não implica em cancelamento. Além dos requisitos indispensáveis para o cancelamento da autorização para funcionamento, que serão enumerados a seguir, o Bacen poderá condicionar o cancelamento à liquidação de operações passivas privativas das instituições financeiras ou assemelhadas. São requisitos indispensáveis para esse cancelamento: • a publicação de declaração de propósito, nos termos e nas condições estabelecidos pelo Bacen; • a deliberação em assembléia geral ou reunião de quotistas, conforme o caso; e • a instrução do respectivo processo junto ao Bacen, nos termos e nas condições por este estabelecidos. Esgotadas as demais medidas cabíveis na esfera de sua competência, o Bacen poderá cancelar a autorização para o funcionamento das instituições financeiras ou assemelhadas, quando este constatar, a qualquer tempo, uma ou mais das seguintes situações: a) inatividade operacional, sem justificativa aceitável; b) instituição não localizada no endereço informado ao Bacen; c) interrupção, por mais de quatro meses, sem justificativa aceitável, do envio ao Bacen dos demonstrativos financeiros exigidos pela regulamentação em vigor; e/ou d) não-observância do prazo previsto no plano de negócios apresentado ao Bacen para início das atividades. Previamente ao cancelamento por quaisquer desses motivos, o Bacen divulgará, por meio que julgar mais adequado, sua intenção de cancelar a autorização para funcionamento da instituição, de maneira a permitir a eventual apresentação de objeções, por parte do público, no prazo de trinta dias. O Bacen poderá autorizar ou não os pedidos relacionados com quaisquer dos assuntos de que trata o regulamento e, no curso da análise desses assuntos, também poderá solicitar quaisquer documentos e/ou informações adicionais que julgar necessários à decisão acerca da pretensão, bem como convocar para entrevista os integrantes do grupo de controle, os detentores de participação qualificada e os administradores indicados da instituição. O Bacen indeferirá sumariamente tais pedidos, caso venha a ser apurada irregularidade cadastral contra os administradores, integrantes do grupo de controle da instituição ou detentores de participação qualificada, se essa irregularidade não for sanada no prazo que vier a ser concedido pelo Bacen, e/ou se ocorrer falsidade nas declarações ou documentos apresentados na instrução do processo. NOTAS 1 As instituições financeiras somente podem funcionar no País mediante prévia autorização do Bacen, consoante o caput do artigo 18 da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. A definição de "instituição financeira" está prevista no caput do artigo 17 da Lei nº 4.595/64, como sendo a pessoa jurídica, pública ou privada, que tenha como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. No âmbito penal, o artigo 1º da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, estabelece que: "Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários. Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira: I – a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros; II – a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual." 2 A Resolução nº 3.040 entrou em vigor em 29 de novembro de 2002, data de sua publicação no Diário Oficial da União, produzindo efeitos a partir de 2 de junho de 2003, exceto com relação aos processos que impliquem em transferência do controle das instituições constituídas a partir da referida data de publicação ou cancelamento da autorização para funcionamento, cuja vigência é imediata. 3 Conforme o caput do artigo 116 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das Sociedades por Ações). 4 Nos casos que julgar necessário, o Bacen poderá exigir publicação de declaração de propósito das pessoas físicas ou jurídicas que já integrem o grupo de controle da instituição financeira ou assemelhada. Na avaliação do cumprimento dessas condições, o Bacen levará em consideração a natureza e o porte da instituição envolvida. As agências de fomento estão dispensadas de publicar a declaração de propósito. 5 Também quanto aos controladores, aplicam-se, no que couber, as demais normas legais e regulamentares referentes às condições para o exercício de cargos de administração nas instituições financeiras. 6 Se esse prazo não for observado, o processo de constituição da nova instituição será arquivado pelo Bacen. 7 Nos casos em que os administradores da instituição financeira ou assemelhada requererem ao Bacen a prorrogação do prazo previsto no prazo de negócios para o início das atividades da instituição, o Bacen poderá exigir quaisquer documentos e declarações necessários para atualização do processo de autorização para o funcionamento da instituição. 8 A concessão pelo Bacen da autorização para o funcionamento das instituições financeiras ou assemelhadas está condicionada à adesão, pela interessada, ao mecanismo de proteção a titulares de créditos contra instituições financeiras, nos termos da legislação e regulamentação em vigor. O sistema de garantia de depósitos no Brasil foi instituído pelo Conselho Monetário Nacional mediante a Resolução nº 2.197, de 31 de agosto de 1995, que autorizou a constituição de uma entidade privada, sem fins lucrativos, destinada a administrar esse mecanismo de proteção a titulares de créditos contra instituições financeiras. Essa entidade é o Fundo Garantidor de Créditos – FGC, cujo estatuto e regulamento atualmente estão consolidados e encontram-se anexos à Resolução nº 3.024, de 24 de outubro de 2002. O FGC é uma associação civil, sem fins lucrativos, com personalidade jurídica de direito privado, da qual são participantes os bancos múltiplos, os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos de desenvolvimento, a Caixa Econômica Federal, as sociedades de crédito, financiamento e investimento, as sociedades de crédito imobiliário, as companhias hipotecárias e as associações de poupança e empréstimo em funcionamento no País que: (i) recebem depósitos à vista, a prazo ou em contas de poupança; (ii) efetuem aceite em letras de câmbio; e (iii) captam recursos mediante a emissão e a colocação de letras imobiliárias, letras hipotecárias e letras de crédito imobiliário. Consoante o disposto na regulamentação aplicável, o FGC tem por objeto prestar garantia de créditos contra as instituições dele participantes nas hipóteses de decretação da intervenção, liquidação extrajudicial ou falência da instituição, ou de reconhecimento pelo Bacen do estado de insolvência da instituição que, nos termos da legislação vigente, não estiver sujeita aos regimes de intervenção, liquidação extrajudicial ou falência. 9 Data em que foi publicada a Resolução nº 3.040 no Diário Oficial da União. 10 Essa regra não se aplica às agências de fomento e às instituições financeiras públicas que estejam ou que venham a ser submetidas a processo de privatização.